terça-feira, 30 de setembro de 2025

De derrota em derrota, bolsonarismo vive a pior fase da história

Depois de sucessivas derrotas ao longo do último mês, o bolsonarismo vive seu pior momento desde a ascensão de Jair Bolsonaro (PL), que o colocou no Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2019. Acostumado a arrastar multidões e a ter o monopólio da narrativa política no campo conservador, Bolsonaro agora está em prisão domiciliar, inelegível e condenado a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado. O ex-capitão acompanha a distância, de dentro de sua mansão no Jardim Botânico, seus filhos e aliados políticos negociarem em seu nome, inclusive, no projeto de dosimetria para os golpistas do 8 de Janeiro. Enquanto isso, a gestão Lula cresce em aprovação.

Com Bolsonaro fora do jogo, pré-candidatos à Presidência em 2026 sabem que a única candidatura viável será aquela que tiver o apoio explícito do ex-presidente. O obstáculo, no entanto, tem nome e sobrenome: Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que já sabotou a pré-candidatura do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e sinalizou que pretende disputar o Planalto em 2026 mesmo sem autorização de seu pai. A justificativa é que seu Bolsonaro não estaria em condições de tomar decisões políticas. A retórica tem sido utilizada, inclusive, para justificar sua inflexão sobre a revisão das penas. Para a insatisfação do ex-presidente, o parlamentar tem boicotado qualquer negociação que envolva reduzir a pena em vez de tirá-lo da cadeia.

Em termos práticos, Eduardo Bolsonaro agora é visto por caciques da direita como um ponto central de inflexão. Em 19 de setembro, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, chegou a dizer que, se Eduardo lançar uma candidatura contrariando o pai, vai "ajudar a matá-lo de vez" — algo que o deputado classificou como "canalhice". Já o senador Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, pediu união na direita na sexta-feira passada.

Na avaliação do senador, a falta de entendimento pode entregar as próximas eleições de bandeja para Lula e potencializar a força de outros partidos de esquerda. Além da insatisfação das lideranças, Eduardo experimentou uma série de derrotas políticas na última semana.

Só na terça-feira, foram três: o aceno do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a Lula; o fracasso da manobra para virar líder da minoria na Câmara e salvar seu mandato de ser cassado por faltas; e o início do processo por quebra de decoro parlamentar na Comissão de Ética. Também na última semana, foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por coação no curso do processo.

<><> Avaliação

Com a possibilidade de esvaziamento da estratégia de bajulação ao governo dos Estados Unidos e sem acordo por anistia, a linha de frente do bolsonarismo, concentrada principalmente no Congresso, está sem rumo. Para o cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getulio Vargas (FGV), o momento de crise é fruto de uma série de erros políticos causados por avaliações equivocadas do cenário. Parte deles foi justamente recorrer aos Estados Unidos em busca de uma intervenção nas instituições brasileiras. O tarifaço imposto pelos EUA ao Brasil — e comemorado por líderes dessa ala política — prejudicou vários setores da sociedade, o que incluiu apoiadores do ex-presidente.

 "Tudo isso só vem trazendo benefícios para o governo Lula que lhe foram entregues sem muito esforço. O Lula está jogando parado. A cada dia que passa, o bolsonarismo lhe dá um presente. E a cada pesquisa de opinião que sai, Lula aumenta ou reduz sua desaprovação e aumenta sua aprovação. O que o governo Lula fez de novo? Ganhou de presente do bolsonarismo o discurso da soberania, anti-corrupção", avalia Grin, que atribui os erros à ausência de Bolsonaro. Ele também avalia que o futuro de Eduardo, no cenário atual, não o favorece nem para uma corrida eleitoral, nem para manter a influência.

 "Eduardo está condenado politicamente. Quanto mais ele radicalizar o seu discurso, mais vai ficar longe de forças políticas relevantes. Quanto mais ele produzir provas contra si, mais se enterra juridicamente também. O próprio Centrão já o rifou. Prova disso foi o Hugo Motta ter deixado o processo de cassação dele tramitar. Fora o fato de o projeto do Eduardo estar condicionado à relação que o Trump terá com o Brasil. E ele é completamente descartável para o presidente norte-americano", afirma.

<><> Voz das ruas

Outro sintoma da queda do bolsonarismo está nas ruas. Depois que congressistas de direita defenderam abertamente a PEC da Blindagem sob o argumento de que ela protegeria os direitos dos parlamentares, ocuparam os plenários da Câmara e do Senado pedindo anistia, consequentemente atrasando a discussão da isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, mostraram que as prioridades do grupo político, no momento, estão longe dos anseios da maior parte da população. Pesquisa Atlas Intel/Bloomberg, divulgada em 17 de setembro, mostrou que 57,3% dos brasileiros são contra uma anistia "ampla, geral e irrestrita".

No caso da PEC da Blindagem, um levantamento da Quaest mostrou que, de 2,3 milhões de menções à PEC da Blindagem nas redes sociais, 83% foram negativas. A rejeição às pautas se refletiu nas manifestações de domingo passado que levaram milhares às ruas em todas as capitais do país. Em São Paulo, a concentração em frente à Avenida Paulista conseguiu um feito raro: igualou os números da manifestação bolsonarista em 7 de setembro. Foram cerca de 42 mil pessoas, segundo o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). No ato, os manifestantes também estenderam uma grande bandeira do Brasil, em contraste com a bandeira dos Estados Unidos estendida por bolsonaristas no dia da Independência.

Ao Correio, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo Lula no Congresso, avalia que, embora as manifestações do dia 21 tenham sido organizadas pela esquerda, a adesão mostrou que há um movimento muito maior de pessoas que rejeitam as pautas bolsonaristas. "Eu acho que as manifestações foram maiores do que a esquerda. Foram manifestações da sociedade indignada com o que está acontecendo. E houve um despertar na sociedade de que tanto a anistia quanto a blindagem se destinam ao mesmo fim: tentar impedir que crimes sejam apurados, sejam investigados e os criminosos sejam punidos. Com as manifestações, foi sepultada não somente a PEC da Blindagem, mas também o projeto da anistia e também qualquer acordo sobre dosimetria", pontua.

Para o cientista político Eduardo Grin, o que ficou claro foi que os recorrentes erros da direita devolveram à esquerda símbolos que foram por anos "sequestrados por movimentos de extrema-direita". A ameaça de sanções dos EUA, relembrou, deu até espaço para uma mudança no slogan do governo. Em agosto, o slogan "União e Reconstrução" deu lugar a "Do lado do povo brasileiro". A gestão Lula tem focado em dizer que, enquanto bolsonaristas defendem anistia e blindagem a congressistas, o governo quer a aprovação da isenção do IR e do fim da escala 6x1. "Devolveram a bandeira do Brasil para a esquerda", avalia Grin.

Cronologia

>>>> Confira a sequência de derrotas do bolsonarismo em menos de dois meses, que se intensificaram nas últimas duas semanas

4 de agosto

•        O ministro Alexandre de Moraes (STF) determina prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro por descumprimento de medidas cautelares. Ele já estava com tornozeleira desde julho e impedido de utilizar redes sociais.

11 de setembro

•        Bolsonaro é condenado a 27 anos e três meses de prisão por liderar a organização criminosa que planejou e executou uma tentativa de golpe de Estado depois das eleições de 2022. Militares próximos também são condenados.

21 de setembro

•        Manifestações organizadas pela esquerda contra a PEC da Blindagem e a anistia pressionam o Congresso. Público na Avenida Paulista igualou o da manifestação bolsonarista em 7 de setembro, segundo o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com a ONG More in Common.

22 de setembro

•        Eduardo Bolsonaro e o blogueiro bolsonarista Paulo Figueiredo são denunciados pela PGR por coação no curso do processo por tentar atrapalhar ações judiciais no Brasil.

23 de setembro

•        Depois de meses de atuação de Eduardo nos EUA, o presidente Donald Trump fez acenos ao presidente Lula (PT) na ONU e sinalizou disposição para conversar sobre as tarifas sobre produtos brasileiros.

•        Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, barrou manobra da oposição para tornar o deputado federal Eduardo Bolsonaro líder da minoria e salvar o mandato de ser cassado por faltas.

•        Conselho de Ética da Câmara abre processo disciplinar contra Eduardo por quebra de decoro parlamentar pela atuação contra instituições brasileiras. Punição pode ser perda de mandato.

<><> Após dizer que poderia concorrer à presidência, Michelle Bolsonaro recua: 'Quero ser primeira-dama'

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro afirmou, neste sábado (27), que não pretende concorrer à Presidência do Brasil em 2026, dias após a publicação de uma entrevista na qual ela disse não descartar a corrida pelo Palácio do Planalto no ano que vem.

Em evento em Ji-Paraná (RO), Michelle, que é presidente do PL Mulher, garantiu que o foco dela é em eleger mais uma vez Jair Bolsonaro como chefe do Executivo federal.

"Vamos trabalhar para reeleger o nosso presidente Jair Messias Bolsonaro, porque não quero ser presidente, não. Eu quero ser primeira-dama."

Nesse mesmo evento, Michelle declarou também que pode ser a voz do marido "nos quatro cantos da nação". Atualmente, Jair está em prisão domiciliar após ter descumprido medidas cautelares impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, o ex-presidente também foi condenado pelo Supremo por trama golpista a mais de 27 anos de prisão.

"Minha total atenção está voltada para cuidar das minhas filhas e do meu marido neste momento delicado", ressaltou Michelle.

Nesta semana, o jornal britânico The Telegraph publicou uma entrevista com a ex-primeira-dama na qual ela não descartava concorrer à presidência da República no próximo ano.

"Eu me levantarei como uma leoa para defender nossos valores conservadores, a verdade e a justiça. Se, para cumprir a vontade de Deus, for necessário assumir uma candidatura política, estarei pronta para fazer tudo o que ele me pedir."

Com a inelegibilidade de Jair, o PL, principal partido de oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ainda não sinalizou quem será o candidato apoiado pela legenda. São especulados nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), além de Michelle.

•        Derrotar a impunidade para defender a democracia

Desde o início da tramitação do processo judicial contra Jair Bolsonaro e os demais acusados pela trama que culminou no ataque às sedes dos Poderes em Brasília no 8 de Janeiro e que resultou em sua condenação e na de Braga Netto, Augusto Heleno, Mauro Cid e Alexandre Ramagem — e, assim, pela primeira vez na história, generais e lideranças militares foram punidos por uma tentativa de golpe —, o bolsonarismo passou a erguer a bandeira da anistia. Mas não há nada de legítimo nessa reivindicação: trata-se de um subterfúgio para assegurar a impunidade dos que atentaram contra a democracia. Nada seria mais danoso ao país do que repetir erros que marcaram tragicamente a nossa história.

É nesse mesmo espírito que surgiu a chamada PEC da Blindagem. Trata-se de uma tentativa descarada de criar um salvo-conduto constitucional para políticos e autoridades que atentam contra a democracia. Se a anistia pretende apagar crimes já julgados, essa proposta de emenda à Constituição busca garantir um escudo de impunidade a quem vier a conspirar contra o povo. É o golpismo travestido de emenda constitucional.

Foi contra esse duplo ataque que as ruas se levantaram no último 21 de setembro. As manifestações, convocadas por movimentos sociais e impulsionadas pelo setor cultural e artístico, deixaram um recado inequívoco: o Brasil não aceitará retrocessos. E tivemos a prova de que a democracia não se defende apenas nas instituições, mas na força viva do povo mobilizado.

No processo de redemocratização, quando o povo brasileiro reivindicava a anistia para os perseguidos políticos, acabou-se produzindo uma distorção grave: torturadores foram igualados a torturados; os agentes da repressão, às suas vítimas; os criminosos de Estado, a cidadãos cujo único "crime" foi lutar por liberdade. Essa anistia "ampla" consolidou uma ferida que nunca cicatrizou: a ideia de que, no Brasil, quem atenta contra a ordem democrática encontra sempre refúgio na impunidade. Essa expectativa, ancorada na memória do equívoco histórico de 1979, cometido em nome de uma suposta transição para a democracia, é hoje um dos pilares de sustentação dos que conspiraram contra a Constituição e buscam escapar das consequências de seus atos.

É preciso lembrar, ainda, que não apenas os militares da ditadura foram poupados: todas as quarteladas e tentativas de golpe militar na história do Brasil até agora terminaram em algum tipo de perdão ou esquecimento oficial. Do ponto de vista jurídico, a anistia é um ato político excepcional, que perdoa crimes praticados em determinado contexto histórico. Mas ela não pode ser, novamente, usada para apagar atentados contra a democracia praticados por agentes políticos, pois a sucessão de anistias em nossa história forjou a convicção de que golpistas jamais seriam punidos — convicção que alimentou a audácia dos que planejaram o 8 de Janeiro.

O que está em jogo, portanto, não é apenas um debate interno. Há hoje uma articulação internacional lesa-pátria em curso que busca chancelar a impunidade de Bolsonaro. Lideranças da extrema-direita global, como Donald Trump, pressionam e tentam impor tarifas e chantagens econômicas contra o Brasil para que seu aliado não seja punido. É a mesma lógica colonial que tenta subjugar nossa soberania nacional às conveniências de interesses externos. Denunciar essa ofensiva imperialista é parte inseparável da luta contra a anistia.

Ao defenderem, agora, a anistia de Bolsonaro e de seus cúmplices, setores da sociedade tentam reeditar esse mesmo erro, utilizando o precedente da ditadura como alicerce para justificar o injustificável.

A história ensina: quando o passado não é lembrado, ele retorna como ameaça. A anistia de ontem não fortaleceu a democracia: manteve a ferida aberta. Hoje, cabe à nossa geração escrever um novo capítulo que não repita a caligrafia da impunidade.

Se o 21 de setembro demonstrou que não aceitaremos retrocessos, cabe agora canalizar essa mobilização à reivindicação por conquistas concretas que melhorem a vida do povo, como a justiça tributária, o trabalho digno, a ampliação de direitos, ao mesmo tempo em que defendemos nossa soberania diante de qualquer ameaça imperialista.

Dizer não à anistia é afirmar que a liberdade não se negocia, que a memória não se apaga e que a justiça não pode ser confundida com esquecimento. E é nesse rigor que escreveremos a sua defesa.

 

Fonte: Correio Braziliense/Sputnik Brasil

 

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