De
derrota em derrota, bolsonarismo vive a pior fase da história
Depois
de sucessivas derrotas ao longo do último mês, o bolsonarismo vive seu pior
momento desde a ascensão de Jair Bolsonaro (PL), que o colocou no Palácio do
Planalto em 1º de janeiro de 2019. Acostumado a arrastar multidões e a ter o
monopólio da narrativa política no campo conservador, Bolsonaro agora está em
prisão domiciliar, inelegível e condenado a 27 anos e três meses de prisão por
tentativa de golpe de Estado. O ex-capitão acompanha a distância, de dentro de
sua mansão no Jardim Botânico, seus filhos e aliados políticos negociarem em
seu nome, inclusive, no projeto de dosimetria para os golpistas do 8 de
Janeiro. Enquanto isso, a gestão Lula cresce em aprovação.
Com
Bolsonaro fora do jogo, pré-candidatos à Presidência em 2026 sabem que a única
candidatura viável será aquela que tiver o apoio explícito do ex-presidente. O
obstáculo, no entanto, tem nome e sobrenome: Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que já
sabotou a pré-candidatura do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e
sinalizou que pretende disputar o Planalto em 2026 mesmo sem autorização de seu
pai. A justificativa é que seu Bolsonaro não estaria em condições de tomar
decisões políticas. A retórica tem sido utilizada, inclusive, para justificar
sua inflexão sobre a revisão das penas. Para a insatisfação do ex-presidente, o
parlamentar tem boicotado qualquer negociação que envolva reduzir a pena em vez
de tirá-lo da cadeia.
Em
termos práticos, Eduardo Bolsonaro agora é visto por caciques da direita como
um ponto central de inflexão. Em 19 de setembro, o presidente do PL, Valdemar
Costa Neto, chegou a dizer que, se Eduardo lançar uma candidatura contrariando
o pai, vai "ajudar a matá-lo de vez" — algo que o deputado
classificou como "canalhice". Já o senador Ciro Nogueira, presidente
do PP e ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, pediu união na direita na
sexta-feira passada.
Na
avaliação do senador, a falta de entendimento pode entregar as próximas
eleições de bandeja para Lula e potencializar a força de outros partidos de
esquerda. Além da insatisfação das lideranças, Eduardo experimentou uma série
de derrotas políticas na última semana.
Só na
terça-feira, foram três: o aceno do presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, a Lula; o fracasso da manobra para virar líder da minoria na Câmara e
salvar seu mandato de ser cassado por faltas; e o início do processo por quebra
de decoro parlamentar na Comissão de Ética. Também na última semana, foi
denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por coação no curso do
processo.
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Avaliação
Com a
possibilidade de esvaziamento da estratégia de bajulação ao governo dos Estados
Unidos e sem acordo por anistia, a linha de frente do bolsonarismo, concentrada
principalmente no Congresso, está sem rumo. Para o cientista político Eduardo
Grin, da Fundação Getulio Vargas (FGV), o momento de crise é fruto de uma série
de erros políticos causados por avaliações equivocadas do cenário. Parte deles
foi justamente recorrer aos Estados Unidos em busca de uma intervenção nas
instituições brasileiras. O tarifaço imposto pelos EUA ao Brasil — e comemorado
por líderes dessa ala política — prejudicou vários setores da sociedade, o que
incluiu apoiadores do ex-presidente.
"Tudo isso só vem trazendo benefícios
para o governo Lula que lhe foram entregues sem muito esforço. O Lula está
jogando parado. A cada dia que passa, o bolsonarismo lhe dá um presente. E a
cada pesquisa de opinião que sai, Lula aumenta ou reduz sua desaprovação e
aumenta sua aprovação. O que o governo Lula fez de novo? Ganhou de presente do
bolsonarismo o discurso da soberania, anti-corrupção", avalia Grin, que
atribui os erros à ausência de Bolsonaro. Ele também avalia que o futuro de
Eduardo, no cenário atual, não o favorece nem para uma corrida eleitoral, nem
para manter a influência.
"Eduardo está condenado politicamente.
Quanto mais ele radicalizar o seu discurso, mais vai ficar longe de forças
políticas relevantes. Quanto mais ele produzir provas contra si, mais se
enterra juridicamente também. O próprio Centrão já o rifou. Prova disso foi o
Hugo Motta ter deixado o processo de cassação dele tramitar. Fora o fato de o
projeto do Eduardo estar condicionado à relação que o Trump terá com o Brasil.
E ele é completamente descartável para o presidente norte-americano",
afirma.
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Voz das ruas
Outro
sintoma da queda do bolsonarismo está nas ruas. Depois que congressistas de
direita defenderam abertamente a PEC da Blindagem sob o argumento de que ela
protegeria os direitos dos parlamentares, ocuparam os plenários da Câmara e do
Senado pedindo anistia, consequentemente atrasando a discussão da isenção do
Imposto de Renda até R$ 5 mil, mostraram que as prioridades do grupo político,
no momento, estão longe dos anseios da maior parte da população. Pesquisa Atlas
Intel/Bloomberg, divulgada em 17 de setembro, mostrou que 57,3% dos brasileiros
são contra uma anistia "ampla, geral e irrestrita".
No caso
da PEC da Blindagem, um levantamento da Quaest mostrou que, de 2,3 milhões de
menções à PEC da Blindagem nas redes sociais, 83% foram negativas. A rejeição
às pautas se refletiu nas manifestações de domingo passado que levaram milhares
às ruas em todas as capitais do país. Em São Paulo, a concentração em frente à
Avenida Paulista conseguiu um feito raro: igualou os números da manifestação
bolsonarista em 7 de setembro. Foram cerca de 42 mil pessoas, segundo o Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). No ato, os manifestantes também
estenderam uma grande bandeira do Brasil, em contraste com a bandeira dos
Estados Unidos estendida por bolsonaristas no dia da Independência.
Ao
Correio, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo Lula no
Congresso, avalia que, embora as manifestações do dia 21 tenham sido
organizadas pela esquerda, a adesão mostrou que há um movimento muito maior de
pessoas que rejeitam as pautas bolsonaristas. "Eu acho que as
manifestações foram maiores do que a esquerda. Foram manifestações da sociedade
indignada com o que está acontecendo. E houve um despertar na sociedade de que
tanto a anistia quanto a blindagem se destinam ao mesmo fim: tentar impedir que
crimes sejam apurados, sejam investigados e os criminosos sejam punidos. Com as
manifestações, foi sepultada não somente a PEC da Blindagem, mas também o
projeto da anistia e também qualquer acordo sobre dosimetria", pontua.
Para o
cientista político Eduardo Grin, o que ficou claro foi que os recorrentes erros
da direita devolveram à esquerda símbolos que foram por anos "sequestrados
por movimentos de extrema-direita". A ameaça de sanções dos EUA,
relembrou, deu até espaço para uma mudança no slogan do governo. Em agosto, o
slogan "União e Reconstrução" deu lugar a "Do lado do povo
brasileiro". A gestão Lula tem focado em dizer que, enquanto bolsonaristas
defendem anistia e blindagem a congressistas, o governo quer a aprovação da
isenção do IR e do fim da escala 6x1. "Devolveram a bandeira do Brasil
para a esquerda", avalia Grin.
Cronologia
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Confira a sequência de derrotas do bolsonarismo em menos de dois meses, que se
intensificaram nas últimas duas semanas
4 de
agosto
• O ministro Alexandre de Moraes (STF)
determina prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro por descumprimento
de medidas cautelares. Ele já estava com tornozeleira desde julho e impedido de
utilizar redes sociais.
11 de
setembro
• Bolsonaro é condenado a 27 anos e três
meses de prisão por liderar a organização criminosa que planejou e executou uma
tentativa de golpe de Estado depois das eleições de 2022. Militares próximos
também são condenados.
21 de
setembro
• Manifestações organizadas pela esquerda
contra a PEC da Blindagem e a anistia pressionam o Congresso. Público na
Avenida Paulista igualou o da manifestação bolsonarista em 7 de setembro,
segundo o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com
a ONG More in Common.
22 de
setembro
• Eduardo Bolsonaro e o blogueiro
bolsonarista Paulo Figueiredo são denunciados pela PGR por coação no curso do
processo por tentar atrapalhar ações judiciais no Brasil.
23 de
setembro
• Depois de meses de atuação de Eduardo
nos EUA, o presidente Donald Trump fez acenos ao presidente Lula (PT) na ONU e
sinalizou disposição para conversar sobre as tarifas sobre produtos
brasileiros.
• Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente
da Câmara, barrou manobra da oposição para tornar o deputado federal Eduardo
Bolsonaro líder da minoria e salvar o mandato de ser cassado por faltas.
• Conselho de Ética da Câmara abre
processo disciplinar contra Eduardo por quebra de decoro parlamentar pela
atuação contra instituições brasileiras. Punição pode ser perda de mandato.
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Após dizer que poderia concorrer à presidência, Michelle Bolsonaro recua:
'Quero ser primeira-dama'
A
ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro afirmou, neste sábado (27), que não
pretende concorrer à Presidência do Brasil em 2026, dias após a publicação de
uma entrevista na qual ela disse não descartar a corrida pelo Palácio do
Planalto no ano que vem.
Em
evento em Ji-Paraná (RO), Michelle, que é presidente do PL Mulher, garantiu que
o foco dela é em eleger mais uma vez Jair Bolsonaro como chefe do Executivo
federal.
"Vamos
trabalhar para reeleger o nosso presidente Jair Messias Bolsonaro, porque não
quero ser presidente, não. Eu quero ser primeira-dama."
Nesse
mesmo evento, Michelle declarou também que pode ser a voz do marido "nos
quatro cantos da nação". Atualmente, Jair está em prisão domiciliar após
ter descumprido medidas cautelares impostas pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). Recentemente, o ex-presidente também foi condenado pelo Supremo por
trama golpista a mais de 27 anos de prisão.
"Minha
total atenção está voltada para cuidar das minhas filhas e do meu marido neste
momento delicado", ressaltou Michelle.
Nesta
semana, o jornal britânico The Telegraph publicou uma entrevista com a
ex-primeira-dama na qual ela não descartava concorrer à presidência da
República no próximo ano.
"Eu
me levantarei como uma leoa para defender nossos valores conservadores, a
verdade e a justiça. Se, para cumprir a vontade de Deus, for necessário assumir
uma candidatura política, estarei pronta para fazer tudo o que ele me
pedir."
Com a
inelegibilidade de Jair, o PL, principal partido de oposição ao governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, ainda não sinalizou quem será o candidato apoiado pela
legenda. São especulados nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o
governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), além de Michelle.
• Derrotar a impunidade para defender a
democracia
Desde o
início da tramitação do processo judicial contra Jair Bolsonaro e os demais
acusados pela trama que culminou no ataque às sedes dos Poderes em Brasília no
8 de Janeiro e que resultou em sua condenação e na de Braga Netto, Augusto
Heleno, Mauro Cid e Alexandre Ramagem — e, assim, pela primeira vez na
história, generais e lideranças militares foram punidos por uma tentativa de
golpe —, o bolsonarismo passou a erguer a bandeira da anistia. Mas não há nada
de legítimo nessa reivindicação: trata-se de um subterfúgio para assegurar a
impunidade dos que atentaram contra a democracia. Nada seria mais danoso ao
país do que repetir erros que marcaram tragicamente a nossa história.
É nesse
mesmo espírito que surgiu a chamada PEC da Blindagem. Trata-se de uma tentativa
descarada de criar um salvo-conduto constitucional para políticos e autoridades
que atentam contra a democracia. Se a anistia pretende apagar crimes já
julgados, essa proposta de emenda à Constituição busca garantir um escudo de
impunidade a quem vier a conspirar contra o povo. É o golpismo travestido de
emenda constitucional.
Foi
contra esse duplo ataque que as ruas se levantaram no último 21 de setembro. As
manifestações, convocadas por movimentos sociais e impulsionadas pelo setor
cultural e artístico, deixaram um recado inequívoco: o Brasil não aceitará
retrocessos. E tivemos a prova de que a democracia não se defende apenas nas
instituições, mas na força viva do povo mobilizado.
No
processo de redemocratização, quando o povo brasileiro reivindicava a anistia
para os perseguidos políticos, acabou-se produzindo uma distorção grave:
torturadores foram igualados a torturados; os agentes da repressão, às suas
vítimas; os criminosos de Estado, a cidadãos cujo único "crime" foi
lutar por liberdade. Essa anistia "ampla" consolidou uma ferida que
nunca cicatrizou: a ideia de que, no Brasil, quem atenta contra a ordem
democrática encontra sempre refúgio na impunidade. Essa expectativa, ancorada
na memória do equívoco histórico de 1979, cometido em nome de uma suposta
transição para a democracia, é hoje um dos pilares de sustentação dos que
conspiraram contra a Constituição e buscam escapar das consequências de seus
atos.
É
preciso lembrar, ainda, que não apenas os militares da ditadura foram poupados:
todas as quarteladas e tentativas de golpe militar na história do Brasil até
agora terminaram em algum tipo de perdão ou esquecimento oficial. Do ponto de
vista jurídico, a anistia é um ato político excepcional, que perdoa crimes
praticados em determinado contexto histórico. Mas ela não pode ser, novamente,
usada para apagar atentados contra a democracia praticados por agentes
políticos, pois a sucessão de anistias em nossa história forjou a convicção de
que golpistas jamais seriam punidos — convicção que alimentou a audácia dos que
planejaram o 8 de Janeiro.
O que
está em jogo, portanto, não é apenas um debate interno. Há hoje uma articulação
internacional lesa-pátria em curso que busca chancelar a impunidade de
Bolsonaro. Lideranças da extrema-direita global, como Donald Trump, pressionam
e tentam impor tarifas e chantagens econômicas contra o Brasil para que seu
aliado não seja punido. É a mesma lógica colonial que tenta subjugar nossa
soberania nacional às conveniências de interesses externos. Denunciar essa
ofensiva imperialista é parte inseparável da luta contra a anistia.
Ao
defenderem, agora, a anistia de Bolsonaro e de seus cúmplices, setores da
sociedade tentam reeditar esse mesmo erro, utilizando o precedente da ditadura
como alicerce para justificar o injustificável.
A
história ensina: quando o passado não é lembrado, ele retorna como ameaça. A
anistia de ontem não fortaleceu a democracia: manteve a ferida aberta. Hoje,
cabe à nossa geração escrever um novo capítulo que não repita a caligrafia da
impunidade.
Se o 21
de setembro demonstrou que não aceitaremos retrocessos, cabe agora canalizar
essa mobilização à reivindicação por conquistas concretas que melhorem a vida
do povo, como a justiça tributária, o trabalho digno, a ampliação de direitos,
ao mesmo tempo em que defendemos nossa soberania diante de qualquer ameaça
imperialista.
Dizer
não à anistia é afirmar que a liberdade não se negocia, que a memória não se
apaga e que a justiça não pode ser confundida com esquecimento. E é nesse rigor
que escreveremos a sua defesa.
Fonte:
Correio Braziliense/Sputnik Brasil

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