Avanço
do "garimpo de areia" ameaça ecossistemas no Brasil
Segundo
recurso natural mais consumido no mundo, atrás apenas da água, a extração de
areia não chama a mesma atenção que a de outros minerais. No entanto, seu
mercado ilegal é um dos mais relevantes no mundo, movimentando cerca de R$ 20
bilhões por ano apenas no Brasil. Seu crescimento também atraiu fortemente o
crime organizado. A urbanização é uma das grandes responsáveis pelo constante
aumento da demanda, já que grande parte do material é usada na construção
civil.
O uso
da areia está em todo o lugar: edificações, asfalto, vidros, elementos
presentes no cotidiano e que demandam amplamente o material. E essa busca por
mais areia tem causando problemas ambientais graves.
Em
países como a Indonésia, a extração ilegal em praias, ou "garimpo de
areia", fez com que certas ilhas desaparecessem. A atividade no litoral é
ainda mais danosa com o avanço dos níveis dos mares.
No caso
do Brasil, onde grande parte da matéria-prima é usada em construções, a areia
das praias não é a mais adequada, e a extração se concentra em rios, e, no caso
da Amazônia, nos amplos areais que formados na região. Apesar de ocorrer em
menor nível, há também extração nas praias brasileiras, destinadas
especialmente para fins industriais, como, por exemplo, a confecção de vidros.
"Nós
usamos areia para todas as infraestruturas. As pessoas têm a ideia de que há
abundância, mas, com o avanço da demanda, este não deve ser considerado um
recurso renovável", afirma Pascal Peduzzi, diretor do GRID-Genebra, uma
rede de escritórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
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Impacto
No
Brasil, a areia é enquadrada, assim como o ouro, como um recurso mineral da
União, e, portanto, sua exploração só é permitida mediante outorga de licença.
"É
fácil e barato extrair a areia. Mas é um material que em rios e praias interage
com o ecossistema, podendo alterar os cursos d´água. Além disso, protege os
aquíferos e este tipo de recursos", explica Peduzzi.
Além
dos próprios cursos dos rios, os efeitos podem chegar à vegetação de locais
próximos, causando grande impacto para as espécies nativas. Em agosto, três
mineradores e uma empresa foram condenados pela Justiça Federal no Maranhão por
extração ilegal de areia na zona rural de São Luís sem as devidas licenças
ambientais exigidas. Houve ainda determinação para que os réus apresentem um
plano de recuperação de área degradada.
De
acordo com a ação do Ministério Público Federal (MPF), a área estava desmatada
e apresentava duas grandes cavas profundas com bordas íngremes nos locais onde
a extração ocorria. A fiscalização constatou que a atividade estava aterrando a
área de preservação com o avanço de sedimentos de areia, colocando em risco
esses cursos d'água.
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Crime e pouco castigo
Em
2015, os valores movimentados pela extração ilegal no país ficaram próximos de
R$ 9 bilhões, saltando para R$ 20 bilhões em 2024. Os números são do relatório
A Extração Ilegal de Areia no Brasil e no Mundo, de autoria de Luís Fernando
Ramadon, que há anos virou uma referência no tema no país.
Segundo
a pesquisa, o índice de ilegalidade na utilização de areia é hoje de 58% no
Brasil. Em certos estados do Nordeste, a porcentagem ultrapassa os 90%. Além
disso, há a perda com arrecadação fiscal, estimada em R$ 370 milhões ao ano.
Ramadon
fez as estimativas dos valores baseado nos níveis de circulação ilegal de areia
no país e os preços médios praticados no mercado. Segundo ele, os números são
conservadores, mas ajudaram a criar uma maior dimensão sobre a importância do
tema. Além dos danos ambientais, uma presença cada vez mais forte do crime
organizado no negócio acabou levantando mais atenção sobre a importância do
mercado.
"Há
dez anos, quase não se via ações no tema. Não existia boa vontade em
investigar, pois não havia repercussão das operações. Também não havia ideia da
dimensão do negócio. Com os números, se ganhou maior intenção de combater a
extração ilegal", conta Ramadon. Pelo lado da demanda nas construções, ele
observa que "sempre se busca gastar o menos possível", economia que
muitas vezes é possibilitada pelo material de origem ilícita.
Diferente
de minerais como ouro, que cada vez avança mais na rastreabilidade, o caso da
areia esbarra em dificuldades para determinar se a origem do material é lícita.
Muitas
vezes, a matéria-prima extraída ilegalmente é misturada com mineral legalizado,
o que garante a circulação com nota fiscal e fornece uma espécie de lavagem
para o recurso ilícito. "As empresas que compram alegam desconhecimento,
ou afirmam que outros são responsáveis. Muitos processos assim acabam sendo
arquivados", explica Ramadon.
André
Luiz Porreca Ferreira Cunha, procurador da República no Amazonas, que liderou
recentemente uma série de ações contra a extração ilegal na região, reconhece
que "é quase impossível saber a procedência depois que o material já está
no mercado". Desta forma, o combate à extração ilegal é feito muitas das
vezes através das operações diretamente nos rios e areais.
Especialmente
no Estado do Rio de Janeiro, a atividade ficou fortemente vinculada às
milícias, incluindo o uso da areia nas próprias construções destes grupos
criminosos. Ramadon aponta que a relação no Estado da extração ilegal com estas
organizações é antiga é extensa. "Em muitos casos, a milícia não domina
tanto o negócio, mas garante que ocorra a operação", explica o
especialista, com os criminosos, por exemplo, ameaçando a potencial
fiscalização.
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Dragas e plataformas
O risco
ao meio ambiente é reforçado pela utilização indiscriminada de dragas, que
frequentemente são alvos de apreensões das autoridades. Estas máquinas atuam
para facilitar a extração de minerais submersos, amplamente presentes também no
garimpo de ouro, removendo a camada de areia do leito do rio. Em operações com
manejo correto, há a restauração de locais, cuidado que não costuma ocorrer em
atividades ilegais.
Em
marketplaces estas máquinas são facilmente encontradas, e vídeos em plataformas
como TikTok e Youtube apresentam como realizar as extrações. As redes sociais
vão além, com grupos de milhares de pessoas reunidos para compartilhar
informações sobre o mercado.
Uma vez
que não é possível determinar o uso das dragas, que não é ilegal por si só, a
oferta não pode ser restrita, já que muitas vezes o destino pode ser atividades
permitidas. Uma medida bem vista visando controlar a circulação danosa destas
máquinas foi adotada em 2007 no Rio Grande do Sul, com o rastreamento dos
materiais.
A
iniciativa, que usa de registro das dragas e GPS, possibilita o controle da
extração mineral no Estado, mediante o rastreamento conectado ao equipamento de
bordo das embarcações licenciadas em tempo real para permanente fiscalização.
Outra
forma que plataformas online vêm colaborando para a extração ilegal de areia é
através da oferta de espaços não licenciados. Em um site, a DW encontrou a
oferta de uma jazida de areia em Itacoatiara, no Amazonas, pelo valor de R$ 450
mil, sem menção a nenhuma documentação. Pelo contrário, o vendedor escreveu na
descrição aceitar "contrato de gaveta".
"Estes
anúncios ignoram a licitude da operação, como mencionar o número do título
minerário, o que causa estranheza. As plataformas estão ignorando", avalia
Porreca. Nestes casos, os sites em que as vendas estão hospedas devem garantir
que os espaços de exploração contem com as licenças.
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Soluções à vista
Apesar
do cenário adverso, Peduzzi observa soluções nos últimos anos que ajudam a
mitigar o problema. Um destes casos veio propriamente do Brasil, com uma
mudança de postura da Vale com seus rejeitos de mineração após os desastres da
última década.
A
partir de 2021, a empresa passou a vender seus rejeitos de sílica para a
construção civil. Anteriormente, este material tinha como destino barragens
como as de Mariana e Brumadinho. "Seria muito bom se outras mineradoras
fizessem o mesmo que a Vale", afirma Peduzzi. Com o material legalizado
oferecido no mercado, há expectativa por menor busca de extrações ilícitas.
Na
Índia, desde 2023, há a iniciativa India Sand Watch, uma plataforma voltada
para o rastreamento do mineral. Com o aplicativo, é possível encomendar areia e
checar a origem do material, diante da coleta e armazenamento de dados
ofertados pela tecnologia. O projeto já conta com 194 extrações monitoradas.
• Erosão costeira ameaça praias em toda
América Latina
As
imagens da cidade litorânea de Atafona, no Rio de Janeiro, são um aviso do
perigo que espreita toda a América Latina. Parte da cidade foi engolida pelo
mar – mais de 500 casas e um prédio foram perdidos, e moradores estão deixando
para trás suas casas.
Ao
longo de toda a costa da América Latina, a força do oceano está avançando,
deslocando limites conhecidos e varrendo infraestruturas, moradias, resorts e
ecossistemas. Todos os países da região estão sofrendo algum grau de erosão nas
praias.
Além
das tempestades e furacões cada vez mais frequentes, associados às mudanças
climáticas e ao aumento do nível do mar, há também a ação humana. "Estamos
observando um aumento no número de casos de erosão na América Latina, ligados à
má gestão da zona costeira, especialmente a construção de edifícios como portos
ou áreas hoteleiras", disse à DW Gustavo Barrantes, presidente da Rede
Latino-Americana de Erosão Costeira (Relaec).
Segundo
o especialista, esse fenômeno "interfere nos processos da dinâmica
costeira, torna o ecossistema mais vulnerável e tudo isso junto aumenta as
taxas de erosão que antes aconteciam como processos naturais. Também observamos
um aumento nas ondas severas".
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A praia brasileira que o mar está engolindo
Há o
fato de que muitas praias da América Latina estão em área de atividade
tectônica – movimento das placas que formam a crosta terrestre. Os ciclones
tropicais e furacões, comuns no Caribe e no Golfo do México, também dão a sua
contribuição.
Barrantes
observa que as taxas de erosão são de meio metro a um metro por ano, mas há
áreas que ultrapassam três metros. Até mesmo áreas de recifes de corais ou
praias em áreas protegidas estão sendo afetadas.
"Não
são apenas os terremotos, que vêm acompanhados de tsunamis e outros perigos
concatenados, que alteram a costa chilena. O mesmo acontece com as trombas
d'água, as ondas de calor, os eventos extremos de chuva e as inundações",
disse à DW Carolina Martínez, diretora do Centro de Observação Costeira da
Universidade Católica no Chile.
"Na
Argentina, a erosão, que era crítica no sudeste de Buenos Aires, está se
espalhando para o norte e para o sul, e se tornando mais crítica. E o mesmo
está acontecendo na América do Sul", adverte Federico Isla, do Instituto
de Geologia Costeira e Quaternária da Universidade Nacional de Mar del Plata,
em entrevista à DW.
De
acordo com o pesquisador, as taxas de erosão estão se tornando cada vez mais
críticas, de uma forma generalizada. "O Chile está tendo maremotos que não
tinha antes. As tempestades do sudeste que afetam a Argentina e o Uruguai estão
chegando ao sul do Brasil. Ao mesmo tempo, há uma erosão muito crítica em
alguns departamentos da Colômbia e da Costa Rica."
"Nos
últimos seis anos, no Chile, a erosão, as ondas de tempestade, as mudanças
geomorfológicas e na paisagem costeira foram muito mais rápidas do que nos
últimos 40 anos", diz Carolina Martínez. Em 2015, intensas ondas de
tempestade fizeram sua estreia não esperada na costa central, com ondas de até
11 metros, causando graves danos. Desde então, cerca de 40 eventos por ano têm
sido registrados.
Além
disso, os furacões de maior intensidade estão se tornando mais frequentes.
"As ondas altas estão atingindo mais a costa e removendo sedimentos. O
processo de recuperação é lento, pode levar anos, mas quando vem outro furacão
e depois outro, começam os processos sérios de erosão, especialmente em áreas
turísticas, como as praias das ilhas do Caribe", explica Gustavo
Barrantes.
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Áreas ameaçadas de extinção
Na
Colômbia, cerca de metade das praias tem problemas de erosão. Em La Guajira, há
locais com taxas de até quatro metros por ano e, nas praias turísticas, foi
necessário realizar obras para reforçar a costa. "O denominador comum dos
países com erosão é a urbanização excessiva, que é feita às custas de
justificar um turismo insustentável, por exemplo, usando mangues para grandes
complexos hoteleiros", diz Carolina Martínez.
Das 100
praias chilenas monitoradas pela pesquisadora, pelo menos 15 estão em situação
crítica. Várias podem desaparecer na próxima década, aponta Martínez. Uma das
mais afetadas é Algarrobo, onde as ondas desafiam os edifícios construídos à
beira-mar.
Falta
um planejamento urbanístico atento aos desastres climáticos, o que acaba tendo
um custo alto, aponta a pesquisadora. Além de vidas em risco, milhões de
dólares em infraestrutura e moradias se perdem. O avanço da água salgada chega
a contaminar poços, a secar florestas e mudar paisagens.
"Agora
há tempestades muito frequentes, que estão afetando significativamente algumas
construções que nunca deveriam ter sido feitas", diz Federico Isla. Elas
também alteram a dinâmica costeira e a chegada de sedimentos pelos cursos
d'água, que alimentam a areia das praias e o ecossistema costeiro. "O
excesso de construções impediu que a areia seguisse seu trânsito normal",
acrescenta Barrantes.
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Nova lei para novos desafios
"De
acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o nível do
mar até o ano de 2100 será pelo menos 40 centímetros mais alto do que é
hoje", ressalta Isla. Com eventos climáticos extremos cada vez mais
frequentes, o cenário futuro é preocupante.
Atualmente,
os países têm regulamentações insuficientes, dispersas e atrasadas sobre a zona
costeira, diz Carolina Martínez. O Centro de Observação Costeira da
Universidade Católica no Chile está pressionando por uma nova lei que incorpore
instrumentos de planejamento do uso da terra, medidas preventivas e políticas
públicas baseadas na experiência global e em evidências científicas.
A
diretora do centro explica que a legislação deve abordar a zona costeira em um
sentido amplo, incluindo praias, campos de dunas e zonas úmidas, que são uma
proteção natural contra o avanço da erosão. É fundamental regulamentar a
extração de areia das praias e restringir a área para construção, assim como
proteger os cursos d'água e a foz dos rios.
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O que pode ser feito?
Especialistas
são cautelosos em relação a medidas como quebra-mares e paredões, que podem
interferir nas ondas e, portanto, na dinâmica da costa, na areia e até mesmo na
pesca.
"O
ideal é não fazer obras de engenharia, que obstruem a deriva litorânea. O
melhor é não permitir a ocupação de locais de risco e tomar medidas mais
condizentes com a natureza", diz Isla. O pesquisador argentino alerta para
"os grandes portos, que estão criando problemas muito significativos em
algumas praias do Peru".
Junto
com a construção sustentável, Barrantes recomenda "restaurar os
ecossistemas naturais, pois eles são a primeira linha de defesa". Nesse
sentido, Martínez indica a conservação das dunas e de sua vegetação, e "a
restauração das florestas de algas, pois elas reduzem a energia das ondas
extremas".
A
reposição de areia, que pode ser uma alternativa em praias turísticas, é uma
medida muito cara e precisa ser estudada, pois novas ondas de maré podem levar
todo o material e não está claro o impacto que essa intervenção pode ter.
Atualmente,
pesquisadores dos diferentes países associados à Rede Latino-Americana de
Erosão Costeira estão compilando relatórios sobre os processos de erosão para
elaborar um diagnóstico latino-americano, o que permitirá avançar nas medidas
de contenção e prevenção, diante de um problema que veio para ficar.
Fonte:
DW Brasil

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