segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Avanço do "garimpo de areia" ameaça ecossistemas no Brasil

Segundo recurso natural mais consumido no mundo, atrás apenas da água, a extração de areia não chama a mesma atenção que a de outros minerais. No entanto, seu mercado ilegal é um dos mais relevantes no mundo, movimentando cerca de R$ 20 bilhões por ano apenas no Brasil. Seu crescimento também atraiu fortemente o crime organizado. A urbanização é uma das grandes responsáveis pelo constante aumento da demanda, já que grande parte do material é usada na construção civil.

O uso da areia está em todo o lugar: edificações, asfalto, vidros, elementos presentes no cotidiano e que demandam amplamente o material. E essa busca por mais areia tem causando problemas ambientais graves.

Em países como a Indonésia, a extração ilegal em praias, ou "garimpo de areia", fez com que certas ilhas desaparecessem. A atividade no litoral é ainda mais danosa com o avanço dos níveis dos mares.

No caso do Brasil, onde grande parte da matéria-prima é usada em construções, a areia das praias não é a mais adequada, e a extração se concentra em rios, e, no caso da Amazônia, nos amplos areais que formados na região. Apesar de ocorrer em menor nível, há também extração nas praias brasileiras, destinadas especialmente para fins industriais, como, por exemplo, a confecção de vidros.

"Nós usamos areia para todas as infraestruturas. As pessoas têm a ideia de que há abundância, mas, com o avanço da demanda, este não deve ser considerado um recurso renovável", afirma Pascal Peduzzi, diretor do GRID-Genebra, uma rede de escritórios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

<><> Impacto

No Brasil, a areia é enquadrada, assim como o ouro, como um recurso mineral da União, e, portanto, sua exploração só é permitida mediante outorga de licença.

"É fácil e barato extrair a areia. Mas é um material que em rios e praias interage com o ecossistema, podendo alterar os cursos d´água. Além disso, protege os aquíferos e este tipo de recursos", explica Peduzzi.

Além dos próprios cursos dos rios, os efeitos podem chegar à vegetação de locais próximos, causando grande impacto para as espécies nativas. Em agosto, três mineradores e uma empresa foram condenados pela Justiça Federal no Maranhão por extração ilegal de areia na zona rural de São Luís sem as devidas licenças ambientais exigidas. Houve ainda determinação para que os réus apresentem um plano de recuperação de área degradada.

De acordo com a ação do Ministério Público Federal (MPF), a área estava desmatada e apresentava duas grandes cavas profundas com bordas íngremes nos locais onde a extração ocorria. A fiscalização constatou que a atividade estava aterrando a área de preservação com o avanço de sedimentos de areia, colocando em risco esses cursos d'água.

<><> Crime e pouco castigo

Em 2015, os valores movimentados pela extração ilegal no país ficaram próximos de R$ 9 bilhões, saltando para R$ 20 bilhões em 2024. Os números são do relatório A Extração Ilegal de Areia no Brasil e no Mundo, de autoria de Luís Fernando Ramadon, que há anos virou uma referência no tema no país.

Segundo a pesquisa, o índice de ilegalidade na utilização de areia é hoje de 58% no Brasil. Em certos estados do Nordeste, a porcentagem ultrapassa os 90%. Além disso, há a perda com arrecadação fiscal, estimada em R$ 370 milhões ao ano.

Ramadon fez as estimativas dos valores baseado nos níveis de circulação ilegal de areia no país e os preços médios praticados no mercado. Segundo ele, os números são conservadores, mas ajudaram a criar uma maior dimensão sobre a importância do tema. Além dos danos ambientais, uma presença cada vez mais forte do crime organizado no negócio acabou levantando mais atenção sobre a importância do mercado.

"Há dez anos, quase não se via ações no tema. Não existia boa vontade em investigar, pois não havia repercussão das operações. Também não havia ideia da dimensão do negócio. Com os números, se ganhou maior intenção de combater a extração ilegal", conta Ramadon. Pelo lado da demanda nas construções, ele observa que "sempre se busca gastar o menos possível", economia que muitas vezes é possibilitada pelo material de origem ilícita.

Diferente de minerais como ouro, que cada vez avança mais na rastreabilidade, o caso da areia esbarra em dificuldades para determinar se a origem do material é lícita.

Muitas vezes, a matéria-prima extraída ilegalmente é misturada com mineral legalizado, o que garante a circulação com nota fiscal e fornece uma espécie de lavagem para o recurso ilícito. "As empresas que compram alegam desconhecimento, ou afirmam que outros são responsáveis. Muitos processos assim acabam sendo arquivados", explica Ramadon.

André Luiz Porreca Ferreira Cunha, procurador da República no Amazonas, que liderou recentemente uma série de ações contra a extração ilegal na região, reconhece que "é quase impossível saber a procedência depois que o material já está no mercado". Desta forma, o combate à extração ilegal é feito muitas das vezes através das operações diretamente nos rios e areais.

Especialmente no Estado do Rio de Janeiro, a atividade ficou fortemente vinculada às milícias, incluindo o uso da areia nas próprias construções destes grupos criminosos. Ramadon aponta que a relação no Estado da extração ilegal com estas organizações é antiga é extensa. "Em muitos casos, a milícia não domina tanto o negócio, mas garante que ocorra a operação", explica o especialista, com os criminosos, por exemplo, ameaçando a potencial fiscalização.

<><> Dragas e plataformas

O risco ao meio ambiente é reforçado pela utilização indiscriminada de dragas, que frequentemente são alvos de apreensões das autoridades. Estas máquinas atuam para facilitar a extração de minerais submersos, amplamente presentes também no garimpo de ouro, removendo a camada de areia do leito do rio. Em operações com manejo correto, há a restauração de locais, cuidado que não costuma ocorrer em atividades ilegais.

Em marketplaces estas máquinas são facilmente encontradas, e vídeos em plataformas como TikTok e Youtube apresentam como realizar as extrações. As redes sociais vão além, com grupos de milhares de pessoas reunidos para compartilhar informações sobre o mercado.

Uma vez que não é possível determinar o uso das dragas, que não é ilegal por si só, a oferta não pode ser restrita, já que muitas vezes o destino pode ser atividades permitidas. Uma medida bem vista visando controlar a circulação danosa destas máquinas foi adotada em 2007 no Rio Grande do Sul, com o rastreamento dos materiais.

A iniciativa, que usa de registro das dragas e GPS, possibilita o controle da extração mineral no Estado, mediante o rastreamento conectado ao equipamento de bordo das embarcações licenciadas em tempo real para permanente fiscalização.

Outra forma que plataformas online vêm colaborando para a extração ilegal de areia é através da oferta de espaços não licenciados. Em um site, a DW encontrou a oferta de uma jazida de areia em Itacoatiara, no Amazonas, pelo valor de R$ 450 mil, sem menção a nenhuma documentação. Pelo contrário, o vendedor escreveu na descrição aceitar "contrato de gaveta".

"Estes anúncios ignoram a licitude da operação, como mencionar o número do título minerário, o que causa estranheza. As plataformas estão ignorando", avalia Porreca. Nestes casos, os sites em que as vendas estão hospedas devem garantir que os espaços de exploração contem com as licenças.

<><> Soluções à vista

Apesar do cenário adverso, Peduzzi observa soluções nos últimos anos que ajudam a mitigar o problema. Um destes casos veio propriamente do Brasil, com uma mudança de postura da Vale com seus rejeitos de mineração após os desastres da última década.

A partir de 2021, a empresa passou a vender seus rejeitos de sílica para a construção civil. Anteriormente, este material tinha como destino barragens como as de Mariana e Brumadinho. "Seria muito bom se outras mineradoras fizessem o mesmo que a Vale", afirma Peduzzi. Com o material legalizado oferecido no mercado, há expectativa por menor busca de extrações ilícitas.

Na Índia, desde 2023, há a iniciativa India Sand Watch, uma plataforma voltada para o rastreamento do mineral. Com o aplicativo, é possível encomendar areia e checar a origem do material, diante da coleta e armazenamento de dados ofertados pela tecnologia. O projeto já conta com 194 extrações monitoradas.

•        Erosão costeira ameaça praias em toda América Latina

As imagens da cidade litorânea de Atafona, no Rio de Janeiro, são um aviso do perigo que espreita toda a América Latina. Parte da cidade foi engolida pelo mar – mais de 500 casas e um prédio foram perdidos, e moradores estão deixando para trás suas casas.

Ao longo de toda a costa da América Latina, a força do oceano está avançando, deslocando limites conhecidos e varrendo infraestruturas, moradias, resorts e ecossistemas. Todos os países da região estão sofrendo algum grau de erosão nas praias.

Além das tempestades e furacões cada vez mais frequentes, associados às mudanças climáticas e ao aumento do nível do mar, há também a ação humana. "Estamos observando um aumento no número de casos de erosão na América Latina, ligados à má gestão da zona costeira, especialmente a construção de edifícios como portos ou áreas hoteleiras", disse à DW Gustavo Barrantes, presidente da Rede Latino-Americana de Erosão Costeira (Relaec).

Segundo o especialista, esse fenômeno "interfere nos processos da dinâmica costeira, torna o ecossistema mais vulnerável e tudo isso junto aumenta as taxas de erosão que antes aconteciam como processos naturais. Também observamos um aumento nas ondas severas".

<><> A praia brasileira que o mar está engolindo

Há o fato de que muitas praias da América Latina estão em área de atividade tectônica – movimento das placas que formam a crosta terrestre. Os ciclones tropicais e furacões, comuns no Caribe e no Golfo do México, também dão a sua contribuição.

Barrantes observa que as taxas de erosão são de meio metro a um metro por ano, mas há áreas que ultrapassam três metros. Até mesmo áreas de recifes de corais ou praias em áreas protegidas estão sendo afetadas.

"Não são apenas os terremotos, que vêm acompanhados de tsunamis e outros perigos concatenados, que alteram a costa chilena. O mesmo acontece com as trombas d'água, as ondas de calor, os eventos extremos de chuva e as inundações", disse à DW Carolina Martínez, diretora do Centro de Observação Costeira da Universidade Católica no Chile.

"Na Argentina, a erosão, que era crítica no sudeste de Buenos Aires, está se espalhando para o norte e para o sul, e se tornando mais crítica. E o mesmo está acontecendo na América do Sul", adverte Federico Isla, do Instituto de Geologia Costeira e Quaternária da Universidade Nacional de Mar del Plata, em entrevista à DW.

De acordo com o pesquisador, as taxas de erosão estão se tornando cada vez mais críticas, de uma forma generalizada. "O Chile está tendo maremotos que não tinha antes. As tempestades do sudeste que afetam a Argentina e o Uruguai estão chegando ao sul do Brasil. Ao mesmo tempo, há uma erosão muito crítica em alguns departamentos da Colômbia e da Costa Rica."

"Nos últimos seis anos, no Chile, a erosão, as ondas de tempestade, as mudanças geomorfológicas e na paisagem costeira foram muito mais rápidas do que nos últimos 40 anos", diz Carolina Martínez. Em 2015, intensas ondas de tempestade fizeram sua estreia não esperada na costa central, com ondas de até 11 metros, causando graves danos. Desde então, cerca de 40 eventos por ano têm sido registrados.

Além disso, os furacões de maior intensidade estão se tornando mais frequentes. "As ondas altas estão atingindo mais a costa e removendo sedimentos. O processo de recuperação é lento, pode levar anos, mas quando vem outro furacão e depois outro, começam os processos sérios de erosão, especialmente em áreas turísticas, como as praias das ilhas do Caribe", explica Gustavo Barrantes.

<><> Áreas ameaçadas de extinção

Na Colômbia, cerca de metade das praias tem problemas de erosão. Em La Guajira, há locais com taxas de até quatro metros por ano e, nas praias turísticas, foi necessário realizar obras para reforçar a costa. "O denominador comum dos países com erosão é a urbanização excessiva, que é feita às custas de justificar um turismo insustentável, por exemplo, usando mangues para grandes complexos hoteleiros", diz Carolina Martínez.

Das 100 praias chilenas monitoradas pela pesquisadora, pelo menos 15 estão em situação crítica. Várias podem desaparecer na próxima década, aponta Martínez. Uma das mais afetadas é Algarrobo, onde as ondas desafiam os edifícios construídos à beira-mar.

Falta um planejamento urbanístico atento aos desastres climáticos, o que acaba tendo um custo alto, aponta a pesquisadora. Além de vidas em risco, milhões de dólares em infraestrutura e moradias se perdem. O avanço da água salgada chega a contaminar poços, a secar florestas e mudar paisagens.

"Agora há tempestades muito frequentes, que estão afetando significativamente algumas construções que nunca deveriam ter sido feitas", diz Federico Isla. Elas também alteram a dinâmica costeira e a chegada de sedimentos pelos cursos d'água, que alimentam a areia das praias e o ecossistema costeiro. "O excesso de construções impediu que a areia seguisse seu trânsito normal", acrescenta Barrantes.

<><> Nova lei para novos desafios

"De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o nível do mar até o ano de 2100 será pelo menos 40 centímetros mais alto do que é hoje", ressalta Isla. Com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, o cenário futuro é preocupante.

Atualmente, os países têm regulamentações insuficientes, dispersas e atrasadas sobre a zona costeira, diz Carolina Martínez. O Centro de Observação Costeira da Universidade Católica no Chile está pressionando por uma nova lei que incorpore instrumentos de planejamento do uso da terra, medidas preventivas e políticas públicas baseadas na experiência global e em evidências científicas.

A diretora do centro explica que a legislação deve abordar a zona costeira em um sentido amplo, incluindo praias, campos de dunas e zonas úmidas, que são uma proteção natural contra o avanço da erosão. É fundamental regulamentar a extração de areia das praias e restringir a área para construção, assim como proteger os cursos d'água e a foz dos rios.

<><> O que pode ser feito?

Especialistas são cautelosos em relação a medidas como quebra-mares e paredões, que podem interferir nas ondas e, portanto, na dinâmica da costa, na areia e até mesmo na pesca.

"O ideal é não fazer obras de engenharia, que obstruem a deriva litorânea. O melhor é não permitir a ocupação de locais de risco e tomar medidas mais condizentes com a natureza", diz Isla. O pesquisador argentino alerta para "os grandes portos, que estão criando problemas muito significativos em algumas praias do Peru".

Junto com a construção sustentável, Barrantes recomenda "restaurar os ecossistemas naturais, pois eles são a primeira linha de defesa". Nesse sentido, Martínez indica a conservação das dunas e de sua vegetação, e "a restauração das florestas de algas, pois elas reduzem a energia das ondas extremas".

A reposição de areia, que pode ser uma alternativa em praias turísticas, é uma medida muito cara e precisa ser estudada, pois novas ondas de maré podem levar todo o material e não está claro o impacto que essa intervenção pode ter.

Atualmente, pesquisadores dos diferentes países associados à Rede Latino-Americana de Erosão Costeira estão compilando relatórios sobre os processos de erosão para elaborar um diagnóstico latino-americano, o que permitirá avançar nas medidas de contenção e prevenção, diante de um problema que veio para ficar.

 

Fonte: DW Brasil

 

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