Avanços
na guerra ao crime financeiro
Nas
últimas semanas, o poder público obteve avanços relevantes no combate às
fraudes financeiras cometidas pelo crime organizado no Brasil. Em agosto, a
Operação Carbono Oculto revelou ao país a extensão da rede de ilícitos mantida
pela maior facção criminosa do país. As investigações trouxeram a público uma
engenhosa cadeia de negócios, que se estendia da comercialização de
combustíveis adulterados, passava por uma volumosa etapa de lavagem de dinheiro
e terminava por contaminar o sistema financeiro nacional, por meio das
fintechs.
Na
última quinta-feira, um desdobramento da Carbono Oculto, batizado de Operação
Spare, ampliou a investigação sobre o comércio de combustíveis, com mais de 260
estabelecimentos suspeitos de conexão com a facção Primeiro Comando da Capital
(PCC). Outros negócios com aparência legal — motéis, lojas de conveniência e
casas de jogos de azar — também entraram na mira da força-tarefa. Estima-se que
esses estabelecimentos movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024.
Ao
comentar os resultados das operações, autoridades deixaram claro que pretendem
avançar no esforço de impor um torniquete no braço financeiro do crime. Uma das
medidas anunciadas é o fim do anonimato do investidor final de fundos
exclusivos. "Estamos vivendo um momento histórico do combate ao crime
organizado, especificamente no combate à sua estrutura financeira. Estamos
fechando as brechas", ressaltou o secretário especial da Receita Federal,
Robson Barreirinhas. Segundo o secretário, a nova regra deve entrar em vigor no
prazo de 30 dias.
A
ofensiva contra a fortuna do crime não para por aí. Também atento aos avanços
da Operação Spare, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a criação
de uma delegacia especializada em crimes contra o sistema financeiro. Uma das
finalidades dessa unidade, vinculada à Receita Federal, é precisamente
descontaminar a economia formal de atividades financeiras comandadas pelas
facções. "Por trás daquela atividade aparentemente regular, tem uma
atividade ilícita. E isso complica muito a vida da economia brasileira",
destacou o ministro.
O
combate à atividade financeira ilegal adquire importância ainda maior quando se
considera que as facções criminosas no Brasil se tornaram organizações
transnacionais. Segundo o Ministério Público de São Paulo, o PCC já atua em
pelo menos 28 países. Está infiltrado em unidades prisionais no exterior, a fim
de ampliar o recrutamento de membros e expandir negócios.
É por
essa razão que se deve reconhecer o mérito das ações contra o edifício
financeiro mantido pelos bandidos. Esse trabalho se junta ao um esforço global
contra o crime transnacional, inclusive em parceria com a Interpol — comandada
pelo brasileiro Valdecy Urquiza. Nesse esforço interinstitucional, é
fundamental manter o objetivo: interromper o fluxo do dinheiro ilegal. O Brasil
está dando passos relevantes nesse sentido.
¨ Combate ao crime
organizado ganha impulso no Congresso; projetos preveem penas mais duras,
proteção às eleições e cerco às milícias
Enquanto
o Ministério da Justiça (MJ) termina um
texto para endurecer as penas para o crime organizado — o ministro Ricardo
Lewandowski pretende enviá-lo à Casa Civil na próxima semana —, 136 projetos
de lei que citam organizações criminosas, elaborados por deputados e senadores
na atual legislatura, aguardam análise no Congresso.
🚓 O assunto tem ganhado mais atenção
dos parlamentares, sobretudo em meio a grandes operações policiais contra a
facção criminosa PCC. Somente em 2025 foram apresentadas 82 propostas
legislativas sobre o tema, mais que a soma de 2023 e 2024.
Na
última quinta (25), o Ministério Público de São Paulo
(MP-SP) e a Receita Federal realizaram uma operação que revelou um
esquema de lavagem de dinheiro do PCC nos setores de combustíveis, motéis,
franquias e jogos de azar.
Semanas
antes, em 28 de agosto, o MP-SP e a Polícia Federal (PF) deflagraram a Carbono Oculto, maior operação já
feita contra a lavagem de dinheiro da facção, que mirou em crimes em toda
a cadeia de produção de combustíveis e em fundos de investimento e fintechs
sediadas na avenida Faria Lima, coração financeiro de São Paulo.
👉🏼 Como reflexo da
Carbono Oculto e do assassinato do ex-delegado-geral de
São Paulo Ruy Ferraz Fontes, no último dia 15, dez projetos de lei sobre o
crime organizado foram protocolados no Congresso entre o final de agosto e este
mês.
Na
esteira desses episódios, há projetos que tratam de garantir a segurança de
agentes públicos que trabalham enfrentando as organizações criminosas – o PL
4688/25 e o PL 4630/25, ambos na Câmara dos Deputados – e até um que
proíbe que fintechs se identifiquem como "bancos" (PL 4541/2025, na
Câmara).
Os
dados são de um levantamento feito pelo escritório Rosenthal Advogados
Associados e verificado pelo g1 nos registros da Câmara e do Senado.
A pesquisa considerou projetos legislativos que mencionam o termo
"organização criminosa".
A
maioria dos 136 projetos, em diferentes fases de tramitação, propõe mudanças na
Lei 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), mas há também os que visam
alterar o Código Penal, o Código Eleitoral e a Lei de Execuções Penais.
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Sintonia com governo federal
A
análise das propostas de autoria dos parlamentares mostra que boa parte delas
está em sintonia com o texto que está sendo elaborado pelo Ministério da
Justiça, mesmo as da oposição — deputados e senadores do PL e do União
Brasil foram os que fizeram o maior número de projetos sobre organizações
criminosas: 48 e 32, respectivamente.
Os
projetos dos parlamentares têm os seguintes pontos em comum com o texto "antimáfia" que está
em preparação no Ministério da Justiça, conforme o que já se sabe sobre ele:
- elevam as penas
para quem integra, promove ou financia uma organização criminosa;
- elevam a pena ou
tipificam como um novo crime o "domínio territorial", visando
atacar as milícias;
- elevam as penas
para crimes eleitorais cometidos por organização criminosa;
- criam novas
regras para que um condenado por organização criminosa possa progredir
para o regime semiaberto.
Por
outro lado, também existem divergências importantes entre projetos de
parlamentares e o texto que deve ser proposto pelo governo Lula. São exemplos:
- a classificação
de organizações criminosas como terrorismo e a criação de listas que
incluem movimentos sociais como o MST entre os grupos terroristas;
- e a
criminalização da apologia ao crime organizado, punindo gestos e
pichações.
Nesta
reportagem, estão listados exemplos de projetos de lei contra as organizações
criminosas que falam sobre:
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Penas mais altas
Ao
menos 22 projetos dos parlamentares tratam de aumento de penas. Nove
buscam alterar especificamente a Lei 12.850/13, subindo a pena para quem
integra, promove ou financia organização criminosa.
👉🏼 São exemplos o PL
767/2025, do deputado Célio Studart (PSD-CE), que prevê elevar a pena para esse
crime dos atuais 3 a 8 anos de prisão para 5 a 10 anos de prisão; e o PL
3148/2025, do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que propõe de 6 a 16
anos de prisão.
O projeto do Ministério da Justiça
deve prever subir a pena para o crime de organização criminosa para 5 a 10
anos de prisão.
🔎 Pela lei, uma organização
criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas, com divisão de tarefas,
para praticar crimes graves cuja pena máxima seja maior que 4 anos de prisão
(como tráfico de drogas, homicídios e corrupção, por exemplo). Os acusados respondem
na Justiça pela organização criminosa, que é um crime autônomo, e também pelos
outros delitos. Ao final, se forem condenados, as penas são somadas.
Existem
projetos no Congresso que querem diminuir o número de pessoas necessário para
configurar uma organização criminosa de 4 para 3 — mudança que também é
discutida pela equipe de Lewandowski.
Outras
propostas criam causas para aumentar a pena em até dois terços, como o PL
2907/2023, do deputado Fred Linhares (Republicanos-DF), que estabelece esse
aumento quando houver uma "organização criminosa familiar", da qual
participem cônjuge ou parente consanguíneo de um criminoso.
Para o
advogado Sergio Rosenthal, é preciso cautela com o aumento indiscriminado de
penas porque o Ministério Público tem imputado o crime de organização criminosa
a pessoas em diversas situações, e não apenas a pessoas que integram facções e
milícias.
"Se
for para incriminar um empresário que trabalha com os três filhos [numa empresa
familiar], entendo que está errado, porque ele não montou a empresa para a
prática de crimes, ainda que ele tenha praticado crimes por meio da empresa.
Mas, quando você está falando de organizações criminosas de fato, como o PCC,
aí a pena parece até leve demais", diz o advogado.
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Combate às milícias
Além
dos projetos que sobem a pena para organização criminosa, sete falam da atuação
das milícias e da necessidade de puni-las com maior rigor.
Esses
textos preveem tipificar como um novo crime a conduta de grupos que dominam
territórios e forçam os moradores a adquirir bens e serviços — como gás e
segurança privada, por exemplo — ou aumentam a punição para organizações
criminosas que atuem dessa forma.
É o
caso do PL 1345/2025, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), que define pena de 5
a 10 anos de prisão para um grupo que exerça, com violência ou ameaça,
"domínio territorial sobre o espaço público [...] mediante cobrança
indevida de quaisquer taxas, bens ou valores".
O texto
do Ministério da Justiça também deve estabelecer penas mais altas para as
milícias, com a diferença de que, no texto em elaboração, elas deverão ser
enquadradas numa nova modalidade de organização criminosa a ser criada, a de
"organização criminosa qualificada", com penas de 12 a 20 anos de
prisão.
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Progressão de regime prisional
Ao
menos nove projetos de congressistas dificultam ou chegam até a proibir
totalmente a progressão de regime para condenados por organização criminosa.
A ideia
de criar novas regras para a progressão está em linha com a primeira versão do
texto elaborado por especialistas para o Ministério da Justiça, que proibia a
saída de presos que continuassem mantendo vínculo com a organização criminosa.
Esse ponto está em análise na pasta.
Já as
propostas dos parlamentares preveem desde instituir um novo percentual de tempo
em regime fechado antes de o preso ir para o semiaberto — por exemplo, 70% da
pena para "membro de organização criminosa condenado por crime com
resultado morte", no PL 3537/2024, do deputado José Medeiros (PL-MT) — até
a vedação total da progressão em qualquer situação, caso do PL 5091/2023, do
deputado Coronel Ulysses (União-AC).
"Não
precisa ser 8 ou 80. Um projeto de lei tem que ser razoável. A progressão da
pena tem sua razão de existir, ela é um mecanismo de reinserção do preso na
sociedade. Mas ela deve ser aplicada com razoabilidade, e entendo que a forma
como vem sendo aplicada atualmente está desproporcional e não resolve a questão
do crime", avalia o advogado Sergio Rosenthal.
Há
também propostas que tiram benefícios dos condenados por organização criminosa
dentro da cadeia.
Entre
essas ideias estão proibir que recebam visita íntima (PL 836/2025 e PL
828/2025), vedar a remição da pena por estudo (PL 3855/2025) e até impedir que
os presídios classifiquem e separem os presos de acordo com a facção a que
pertencem (PL 1491/2025) — medida adotada hoje em dia para evitar brigas e
mortes.
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Crimes eleitorais
Três
projetos tratam exclusivamente de crimes eleitorais cometidos por organização
criminosa, como compra de votos e financiamento ilegal de campanha.
O PL
4724/2024, do deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), e o PL 4085/2024, do
senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), sugerem, respectivamente, dobrar e
triplicar as penas para os delitos previstos no Código Eleitoral que sejam
praticadas no âmbito de uma organização criminosa.
As
propostas se assemelham a um dos pontos do texto que deve ser apresentado pelo
ministro Lewandowski. O projeto do ministério deve estipular que as punições
para os crimes do Código Eleitoral sejam aplicadas em dobro "em contexto
de atuação de organização criminosa".
"Essa
é uma tentativa de evitar que organizações criminosas, como o PCC, acabem
conseguindo a eleição de pessoas a elas ligadas. Acho que isso deve ser uma das
prioridades do governo para não permitir que as organizações possam ser
inseridas na vida política nacional", afirma o advogado Sergio Rosenthal.
"O
aumento da pena nesses casos, sinceramente, eu não acho eficiente, porque eu
não o vejo como um fator inibidor. São os instrumentos de investigação e a
eficiência da polícia e do Poder Judiciário que podem fazer que o crime não
aconteça. Punir o crime praticado é uma coisa, mas o que a gente deve fazer é
evitar a prática do crime", diz.
Nesse
sentido, também há propostas de parlamentares para melhorar as investigações,
como o PL 5369/2023, do deputado Alberto Fraga (PL-DF), que prevê "a
infiltração policial por meio digital" para auxiliar na apuração de crimes
cometidos por organizações criminosas.
A
possibilidade de infiltrar policiais no mundo do crime, de forma sigilosa, para
desbaratar esquemas criminosos também constava do texto inicial produzido por
especialistas para o Ministério da Justiça. Ainda não há informações sobre se
esse ponto será mantido.
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Diferenças em relação ao projeto do governo
Nove
projetos na Câmara tratam organizações criminosas como terrorismo. Alguns criam
listas de organizações terroristas. Dois deles tipificam a atuação do MST e de
outros movimentos sociais como criminosa (PL 240/2025 e PL 832/2023). O texto
em discussão no Ministério da Justiça não aborda esses tópicos.
Do
mesmo modo, deputados propõem criminalizar condutas que entendem como apologia
ao crime organizado, como gestos (PL 1083/2024) e pichações com menções a
facções (PL 1013/2024 e PL 1432/2023).
Há
ainda quatro projetos na Câmara, todos de 2025, que vedam financiamento público para
eventos nos quais se apresentem artistas que fazem apologia ao crime. Nenhum desses
pontos deve ser abordado pelo projeto do governo.
Outras
iniciativas de congressistas que não devem aparecer no texto do Ministério da
Justiça, mas aguardam andamento no Congresso, são:
- a criação de um
cadastro nacional de pessoas condenadas por integrar organização criminosa
e cometer outros delitos (PL 655/2025, na Câmara);
- a criação de um
prêmio para os estados que se destacarem no combate ao crime organizado
(PL 2821/2025);
- a exclusão dos
homicídios cometidos por organizações criminosas da lista de crimes
julgados pelo Tribunal do Júri, a fim de preservar a segurança e a
imparcialidade dos jurados (PL 2081/2025 e PL 3693/2025, na Câmara; e PEC
53/2024, no Senado);
- a obrigação de
instalar equipamentos de reconhecimento facial em todas as rodoviárias
interestaduais do país, com "alerta imediato às autoridades
competentes em caso de detecção de indivíduos com mandado de prisão em
aberto ou suspeitos de envolvimento com organizações criminosas" (PL
1012/2025).
Depois
que o Ministério da Justiça enviar sua proposta à Casa Civil, o texto deverá
ser encaminhado ao Congresso — o que ainda não tem data para acontecer.
Os
projetos de iniciativa dos parlamentares também não têm data para serem
analisados pelos plenários da Câmara e do Senado.
Fonte:
Correio Braziliense/g1

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