Por
que alguns matemáticos querem acabar com o infinito: 'É uma ilusão'
Encontrei
há alguns dias um artigo na revista New Scientist com o título: "Por que
os matemáticos querem destruir o infinito... e talvez consigam".
Não
resisti à curiosidade de ler. Confesso que o infinito me fascina.
Para
mim, o infinito é liberdade criativa, intelectual e emocional.
Também
fico maravilhada quando penso que podemos conceber um conceito tão assombroso
desde pequenos: "Ao infinito e além!", diz o personagem Buzz
Lightyear, de Toy Story.
Talvez
seja porque o intuímos ao olhar para o horizonte. Ou porque o sentimos quando
descobrimos nossa capacidade de amar.
Por
tudo isso, a ideia de que alguém queira destruir o infinito me deixou alarmada,
principalmente por se tratar de matemáticos. Afinal, a matemática também me
fascina há muito tempo.
Meus
conhecimentos matemáticos são limitados, mas suficientes para saber como os
matemáticos da Grécia Antiga observavam o enigmático infinito com tanta
atenção.
Eles
incluem desde Zenão de Eleia (cerca de 490 a.C.- cerca de 430 a.C.), com seus
famosos paradoxos sobre este conceito e sua manifestação no movimento e na
continuidade, até Arquimedes de Siracusa (c.287 a.C.-c.212 a.C.), que explorou
o infinito e demonstrou como somar um número infinito de parcelas para resolver
problemas geométricos, antecedendo o cálculo infinitesimal.
No
século 17, Isaac Newton (1643-1727) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716)
desenvolveram e formalizaram este ramo fundamental da matemática, baseado no
estudo das mudanças e do movimento.
Também
relembro meu assombro quando soube que o matemático alemão Georg Cantor
(1845-1918), nascido na Rússia, demonstrou que não havia um único infinito, mas
vários — e que alguns eram maiores que outros.
Com a
sua teoria dos conjuntos, Cantor apresentou a primeira teoria matemática que
possibilitou lidar com o imensurável.
Desde
então, o infinito se tornou uma pedra angular da matemática, da física
contemporânea e, consequentemente, do nosso mundo, incluindo o cotidiano.
Afinal, ele desempenha um papel essencial na nossa ciência e tecnologia.
Mas de
onde veio o desejo de eliminá-lo?
"O
infinito não é mais do que uma ilusão", afirma o professor Doron
Zeilberger, da Universidade Rutgers em Nova Jérsei, nos Estados Unidos.
Ele é
um matemático ilustre e multipremiado. Mas também é um dissidente, por ser um
importante ultrafinitista — a autodenominação deste grupo de matemáticos,
filósofos, especialistas em informática e físicos, considerados radicais
décadas atrás, mas que, agora, estão sendo ouvidos, embora continuem formando
uma reduzida minoria.
Eles
questionam o conceito de infinito e defendem que até números finitos, mas
enormes, como 10⁹⁰, talvez sejam insignificantes.
Afinal,
se contássemos cada átomo do universo observável, nunca atingiríamos este
número. Qual seria, então, o sentido de falar dele?
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Ilusão
"Na
minha filosofia, a matemática tomou o caminho errado ao abraçar o
infinito", segundo Zeilberger. "As pessoas não perceberam porque era
como uma ilusão de óptica, como a antiga crença de que a Terra seria
plana."
"As
pessoas acreditaram que o Universo é infinito e alguns ainda acreditam nisso,
mas outras pensam que é finito. Não é limitado, porque sempre podemos seguir
adiante, mas é finito, como o nosso planeta."
Ilimitado,
mas não infinito? Pode ser. Teoricamente, alguém poderia dar a volta ao mundo
sem parar por um tempo indefinido, mas isso não significa que a Terra seja
infinita.
"Assim,
acredito que este seja um universo matemático", prossegue Zeilberger.
"Mas, com a invenção deste conceito artificial de infinito, tudo passou a
ser muito intrincado, elaborado e retorcido."
"Não
posso dizer que a matemática clássica seja logicamente errônea, mas é
desnecessariamente complicada. Olhando para trás, se eles tivessem percebido
que o mundo é finito e que existe um número que é o maior possível, tudo seria
mais simples."
Mas, se
existe um número natural máximo, o que acontece se somarmos 1 a ele, que é uma
das provas de que existe o infinito?
Simplesmente,
segundo Zeilberger, em uma circularidade muito elegante, voltaríamos ao zero...
o que, no nosso exemplo de dar a volta ao mundo indefinidamente, seria como se,
em algum momento, chegássemos ao nosso ponto de partida original.
"O
que defendo é algo análogo à revolução de Albert Einstein (1879-1955), que
demonstrou que a velocidade da luz é a mais rápida que existe. Você não
consegue ultrapassar cerca de 300 mil km por segundo", prossegue
Zeilberger.
"Einstein
teve sorte e chegou a um número concreto. Eu não tenho ideia de qual seja esse
número maior, mas é irrelevante, você pode chamá-lo de qualquer forma."
"A
questão é que, com ele, você pode recriar toda a matemática e torná-la muito
mais simples. Mas reconheço que fazer isso seria realmente muito tedioso."
O ponto
é que os ultrafinitistas propõem uma solução radical: eliminar o infinito e nos
limitar a números "factíveis", para descomplicar a ciência e torná-la
mais prática.
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Matemáticos rebeldes
Mas o
que faz com que um número seja "factível"?
Rohit
Parikh, da Universidade da Cidade de Nova York, nos Estados Unidos, desenvolveu
uma das primeiras teorias ultrafinistas formais, na década de 1970. Foi ele
quem introduziu a noção de "números factíveis".
Para
ele, a chave está em manter conexão com a atividade humana.
"É
preciso fixar um limite em algum ponto", segundo Parikh. "As coisas
precisam estar conectadas à atividade humana."
Se um
número não poder ser nomeado, calculado, armazenado, transmitido ou até
individualizado de forma coerente sob restrições físicas, será que ele
realmente existe como objeto matemático?
Vamos
pensar, por exemplo, no número de Skewes, que aparece na teoria dos números.
Ele é tão extremamente grande que parece ter mais dígitos do que cabem no
Universo.
Mesmo
sendo absurdamente alto, ele foi valioso por diversas razões. Uma delas foi
mostrar até onde pode ir a matemática em busca da certeza, demonstrando que os
resultados podem estar corretos, mesmo se forem inúteis na prática direta.
Isso
causaria a rejeição dos ultrafinitistas. O número de Skewes e muitos outros
muito menores estariam muito acima desse limite que eles defendem que deveria
ser traçado.
Mas
qual seria este limite?
É
costume mencionar uma história curiosa sobre o pai do ultrafinitismo moderno, o
matemático Alexander Esenin-Volpin (1924-2016). Ele foi um importante ativista
pelos direitos humanos na União Soviética (1922-1991), tendo sido preso em
1968.
Esta
história foi contada por outro matemático, Harvey Friedman, em Philosophical
Problems in Logic ("Problemas filosóficos em lógica", em tradução
livre).
No ano
2000, Friedman teve a oportunidade de apresentar a Esenin-Volpin a objeção da
maioria dos matemáticos à ideia de fixar limites.
"Ele
me pediu que fosse mais específico", conta Friedman. "Então, comecei
com 2¹ e perguntei se era 'real' ou algo assim."
"Quase
imediatamente, ele respondeu que sim. Depois perguntei por 2² e ele voltou a
dizer que sim, mas com um atraso perceptível. Depois, 2³ e sim, mas com um
atraso maior."
"Isso
continuou mais duas vezes, até ficar evidente como ele lidava com esta
objeção", prossegue o matemático.
"Claro,
ele estava disposto a responder sempre que sim, mas iria demorar 2¹⁰⁰ vezes
mais para responder que sim para 2¹⁰⁰ do que para responder a 2¹. Não havia
como ele pudesse chegar muito longe com isso."
Esta
história ilustra a ideia fundamental do ultrafinitismo: a existência dos
números é cada vez mais questionada, à medida que eles se tornam maiores.
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Questão de fé
Nesta
visão, a aritmética é ajustada ao que é possível fazer, limitada pelo tempo,
pelo espaço e pelos recursos.
Existe
uma fronteira, após a qual tudo é fútil. E esta fronteira, de alguma forma, é
imposta pelos computadores, que podem fazer cálculos com os quais as pessoas
que introduziram o infinito e imaginaram números enormes só podiam sonhar.
"Às
vezes, você tem uma equação diferencial tão complicada que ninguém sabe
exatamente como resolvê-la", destacou Zeilberger.
"Mas,
usando computadores, você consegue chegar a uma ótima aproximação, suficiente
para todos os propósitos práticos, e é assim que se faz."
Grande
parte do trabalho moderno com a matemática já reside no finito, como a
criptografia, a verificação normal das estruturas de dados e os algoritmos
aleatórios.
Na
física, também há quem tente aplicar o finitismo, com a esperança de encontrar
melhores teorias para descrever o nosso mundo.
Para o
físico sueco-americano Max Tegmark, por exemplo, o infinito é um belo conceito,
mas está arruinando a física.
"Nossas
melhores simulações informáticas, que descrevem tudo com precisão — desde a
formação das galáxias até o clima futuro e a massa das partículas elementares —
utilizam apenas recursos de informática finitos, tratando tudo como
finito", escreveu ele no livro This Idea Must Die ("Esta ideia deve
morrer", em tradução livre), editado por John Brockman.
Mas, se
vincularmos rigidamente a matemática e a física à capacidade finita dos
computadores, não correríamos o risco de reprimir nossa sabedoria e a aventura
da exploração ao que se pode ver, não ao que é possível?
Se
retirarmos o infinito da matemática, não iremos limitar a imaginação e
restringir a criatividade?
"Entendo
que você gosta do infinito e não vou dissuadir você", brincou Zeilberger.
"Alguns dos meus melhores amigos gostam do infinito."
"A
questão que você precisa saber é que existe uma forma de refazer toda a
matemática, pelo menos o necessário para a ciência e a tecnologia, por meios
totalmente finitistas."
Em
última análise, é quase como uma questão de fé.
"O
infinito pode ou não existir, Deus pode ou não existir, mas nenhum dos dois é
necessário na matemática", concluiu ele.
Fonte:
BBC News Mundo

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