Luís
Nassif: Xadrez das duas pernas da ultradireita, milícias e PMs
O
bolsonarismo é ligado ao crime organizado. E uma das peças da grande engrenagem
é a infiltração nas PMs
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Peça 1 – a conspiração em dois níveis
A
conspiração do bolsonarismo e a ultradireita se dá em dois níveis.
Um, na
Câmara de Deputados. Outro, na articulação entre governos estaduais e
organizações criminosas, em torno das Polícias Militares.
É
importante, primeiro, entender melhor o conceito de “organizações criminosas”.
Embora haja um foco no PCC, visto como a maior delas, o termo se refere a uma
constelação de organizações, de vários níveis, atuando junto ao Congresso, ao
mercado financeiro e aos esquemas de lavagem de dinheiro.
Há
várias modalidades:
- organização
criminosa familiar – o parlamentar enviando uma emenda Pix a um parente,
na prefeitura local, ou a um hospital de propriedade de um parente.
- organização
criminosa estruturada em torno de empresas públicas, como Condevasf, DNIT
e outras.
- tráfico de
drogas.
- crimes digitais.
Elas se
intercomunicam nos canais de lavagem de dinheiro, como as Fintechs,
distribuidoras de petróleo, esquemas imobiliários, leilões de gado,
influenciadores, igrejas.
Aí se
entra na atuação política desses grupos.
Eles se
fortalecem em duas frentes onde, no momento, travam-se duas batalhas
essenciais:
- A frente
jurídico-política, em torno da tentativa de anistia ou de redução da pena
para os conspiradores de 8 de janeiro, nas ameaças ao STF, nas pautas
bombas. O ponto de disputa foi a PEC da Blindagem.
- A frente
militar, envolvendo uma aliança de dois grupos pesados: setores das
Polícias Militares e milícias. É sobre esse segundo grupo, o tema do
Xadrez. O ponto de disputa é o PL 2395
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Peça 2 – o PL 2395
O PL
2395, permitindo aos policiais militares ter o mesmo
padrão de armamentos do Exército faz parte do mesmo jogo da Câmara
Federal com a PEC da Blindagem. É preciso estar atento e forte para a parte
mais letal da estratégia bolso-tarcisista de cooptação das Policiais Militares,
através da ascensão da sua banda podre.
O
projeto, de autoria do deputado Coronel Ulysses (União-AC), pretende equiparar policiais
estaduais/militares ao
trato das Forças Armadas no que diz respeito à aquisição de armas de uso
restrito.
A
proposta foi aprovada na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado, após emenda do relator (deputado Sargento Gonçalves, do PL-RN)
que estendeu o alcance do projeto.
Entre
os pontos da emenda está o aumento do número de armas que cada policial pode
possuir — de 4 para 6 — e a possibilidade de até 5 dessas serem de uso
restrito.
O
projeto modifica a Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares, passando
para análise na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Se aprovado, seguirá
para o Congresso e depois dependerá de sanção ou veto presidencial.
Com
essa PL, seria possível a um miliciano infiltrado na PM adquirir até 6 armas e
formar sua milícia. E as PMs terem equipamento pesado para enfrentar as Forças
Armadas.
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Peça 3 – Bolsonaro e o pacto das milícias
A
direita bolsonarista é umbilicalmente ligada ao crime organizado. E uma das
peças da grande engrenagem do crime organizado é a infiltração nas Polícias
Militares. Peça central desse esquema é a facilitação do comércio de armas.
Desde o
início da formação política, os Bolsonaro usaram como tema a frase “um povo
armado jamais será escravizado”. No Brasil, a frase foi popularizada
por Jair Bolsonaro e repetida inúmeras vezes por seus filhos,
especialmente Eduardo Bolsonaro, em defesa da flexibilização do Estatuto
do Desarmamento.
Já como
presidente, propôs armar a população para defender o governo contra a ditadura
das instituições.
No
Congresso brasileiro, Eduardo chegou a citar a frase em justificativas de
projetos de lei (como o PL 5417/2020), tratando-a quase como um lema de
sua bandeira política.
George
Washington, o celerado que tentou explodir, em Brasilia, um caminhão cheio de
combustíveis e planejava jogar bombas no aeroporto, citou que foi incentivado por Bolsonaro e sua frase “um povo armado
jamais será escravizado”.
Em
2022, o Tribunal de Contas da União divulgou um
relatório criticando duramente a política armamentista do governo, acusando-a
de beneficiar o crime organizado.
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Peça 4 – A família Bolsonaro e as milícias
A
família Bolsonaro, especialmente através de figuras como o ex-presidente Jair
Bolsonaro e seu filho Flávio Bolsonaro, tem sido ligada às milícias no Rio de
Janeiro por meio de diversas evidências e investigações jornalísticas e
judiciais.
- Flávio Bolsonaro trabalhou no
seu gabinete:
a mãe e a mulher de Adriano da Nóbrega, conhecido chefe da milícia
Escritório do Crime, envolvido em assassinatos por encomenda e outras
atividades criminosas. Adriano era próximo da família Bolsonaro, que
chegou a elogiar publicamente o miliciano quando este foi morto pela
polícia. O ex-chefe da milícia tinha uma forte ligação com membros do
grupo Bolsonaro, inclusive com o ex-chefe de gabinete de Flávio, Fabrício
Queiroz, que foi peça chave nos esquemas financeiros ilegais relacionados
às milícias.
- Existem relatos e escutas
telefônicas que
evidenciam a proximidade entre Jair Bolsonaro e Adriano da Nóbrega, além
de ligações políticas e comerciais da família com grupos milicianos na
zona oeste do Rio de Janeiro. Bolsonaro e seus filhos mantiveram negócios
imobiliários associados a territórios controlados por milícias, com
denúncias de uso de dinheiro ou de esquemas ilegais para financiar esses
negócios.
- A relação de
família com milícias é notória o suficiente para que contribua para
investigações sobre o envolvimento do clã no crime organizado no Rio,
incluindo casos que envolvimento corrupção, tráfico de armas, assassinatos
e controle territorial por milícias.
Essas
informações demonstram um relacionamento histórico e funcional entre membros da
família Bolsonaro e milícias cariocas, com participação direta ou indireta em
atividades ilícitas promovidas por esses grupos
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Peça 5 – Armando a população
O
governo Bolsonaro foi marcado pelos seguintes fatos:
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Aumento da Difusão de Armas: Foram publicados mais de 40 atos
normativos e decretos a partir de 2019 que fragilizaram o Estatuto do
Desarmamento. Isso facilitou a aquisição de licenças, especialmente para
Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs), e resultou em um crescimento
de 476,6% nos registros ativos de CACs entre 2018 e 2022.
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Desmantelamento da Fiscalização: O governo foi responsável por normas
que desmantelaram os mecanismos de fiscalização, seja pela fragilização de
testes de aptidão técnica ou psicológica, seja pela vertente do rastreamento de
armas e munições.
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Descontrole e Desvio: O
aumento da circulação de armas de fogo, facilitado pela legislação, contribuiu
diretamente para o aumento de ocorrências de roubo, furto e extravio de
armamentos, alimentando o comércio ilegal. Quase 6.000 armas pertencentes a
CACs foram roubadas, furtadas ou extraviadas entre 2018 e 2023. Além disso,
investigações revelaram que CACs se tornaram traficantes de armas para
facções criminosas.
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Queda nas Apreensões: Enquanto
o número de armas em circulação crescia, o número de armas apreendidas pelas
forças policiais caiu 12,5% entre 2021 e 2022. O Fórum Brasileiro de
Segurança Pública avalia que essa queda indica a ausência de
priorização da retirada de armas ilegais de circulação e a falta de
trabalhos investigativos sobre o desvio de armas entre os mercados legal e
ilegal.
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Peça 6 – As PMs e as organizações criminosas
O
envolvimento de Policiais Militares (PMs) com organizações criminosas no
contexto do Porto de Itaguaí tem sido objeto de investigações e prisões. Foram
detectados casos em que PMs atuavam em conluio com quadrilhas para facilitar o
contrabando de armas, drogas e outros ilícitos. Alguns PMs foram presos por
extorsão, facilitando o transporte e segurança de cargas ilegais, cobrando
“propinas” de comerciantes e operadores do porto em troca de proteção.
No
golpe de 8 de janeiro, a medida mais relevante anti-golpe foi a ação coordenada
dos procuradores estaduais, decretando estado de emergência nos estados e, com
isso, obrigado as PMs a ficarem nos quartéis.
Se o
governador Tarcísio de Freitas tivesse rompido esse cerco e enviado tropas da
PM paulista para Brasília, qual teria sido o desfecho do golpe? Qual teria sido
o impacto sobre os dissidentes das Forças Armadas? O golpe de 1964 começou com
o deslocamento de tropas do Exército, comandadas pelo general Olimpio Mourão
Filho, que deu organicidade a uma conspiração até então difusa.
Daí a
importância fundamental de se colocar no foco o pacto da ultradireita com as
PMs e o crime organizado.
Há um
amplo levantamento de ligação de PMs com o crime organizado:
- 20º BPM
(Mesquita): Investigado por coleta de propinas relacionadas ao jogo do
bicho e outras atividades ilícitas, com exonerações de comandantes por
suspeitas de envolvimento.
- 8º BPM (Campos
dos Goytacazes): Indicados casos de policiais participando de quadrilhas
de furto de petróleo da Petrobras, garantindo segurança para as ações
criminosas.
- Batalhões da
Baixada Fluminense: Cinco batalhões ligados a atividades paramilitares,
com denúncias de apoio à milícia e disputas territoriais contra facções
como o Comando Vermelho.
- 3º CPA (Comando
de Policiamento Intermediário): Responsável por seis batalhões na Baixada,
onde foram constatadas ocorrências de corrupção e apoio a milícias.
- Policiais do 2º
Comando de Policiamento de Área (CPA), especialmente na Zona Oeste, com
atuação em Jacarepaguá, foram denunciados pela associação criminosa para
prática de milícia, extorsão, comércio ilegal de armas e corrupção
passiva. Entre eles, um coronel, Marcelo Moreira Malheiros, esteve
envolvido na facilitação das ações dos milicianos da comunidade Bateau
Mouche na Praça Seca, oferecendo informações privilegiadas, negociando
armas e supervisionando como motoristas dos milicianos.
- O 2º CPA também
teve razão em apurações sobre programação conjunta de operações policiais
com milicianos para combate rivais e abastecimento do arsenal da milícia
com armas apreendidas do Comando Vermelho, vendidas por policiais por até
R$ 700 cada.
- Outras denúncias
de apoio a milícias ocorreram em batalhões da zona oeste, com PMs
envolvidos na cobrança de propinas, extorsões e provisões de segurança
ilegal para milícias em diversas comunidades.
- Em São Paulo,
batalhões passaram por denúncias semelhantes, com policiais militares
processados por formação
de milícia privada, extorsão
e exploração ilegal, mostrando que o problema também
é estrutural em outras regiões
do Brasil.
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Peça 7 – o Porto de Itaguai
O caso
mais emblemático foi a atuação dos Bolsonaro no Porto de Itaguai, porta de
entrada do contrabando de armas no país. Bolsonaro afastou o chefe da Receita e
os delegados federais que fiscalizavam o porto, demitiu o superintendente da
Polícia Federal no Rio de Janeiro, removeu a unidade de fiscalização da Polícia
Rodoviária Federal no porto.
Apenas
depois da saída de Bolsonaro, o porto começou efetivamente a ser investigado.
- A investigação começou depois da
apreensão de 342
kg de cocaína num contêiner disfarçado em toras de madeira, exportado
a partir de Itaguaí com destino à Europa.
- A operação foi deflagrada com
mandados judiciais para prisão preventiva (um alvo principal)
e 25 mandados de busca e apreensão em municípios do estado do
Rio de Janeiro e também em Santos (SP).
- Também foram
bloqueados bens da organização criminosa no valor de
aproximadamente R$ 3,15 milhões.
- Foram
apreendidos itens como armas, veículos, celulares, equipamentos de
informática, documentos que indicam ocultação patrimonial e até um
dispositivo usado para fraudar bases de dados (“chupa-cabra”)
- A quadrilha
investigada seria responsável por organizar uma estrutura permanente para
tráfico internacional de drogas, comércio ilegal de armas, lavagem de
dinheiro etc.
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Peça 8 – a grande batalha contra o crime organizado
Nos
últimos tempos houve notáveis avanços no combate ao crime organizado. Aconteceu
a operação contra as Fintechs da Faria Lima, a descoberta dos golpes do INSS,
os golpes do ICMS em São Paulo, as passeatas contra a PEC da Blindagem.
Neste
momento, o Supremo Tribunal Federal está obrigando o Google a abrir as
pesquisas em torno da morte da Marielle. Pode estar, aí, a possibilidade de se
chegar ao centro do crime organizado e aos verdadeiros mandantes da morte de
Marielle.
Fonte:
Jornal GGN

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