segunda-feira, 29 de setembro de 2025


'Caça às bruxas': o histórico de ataques e críticas de Trump ao Judiciário de outros países

A decisão dos Estados Unidos de sancionar a "rede de apoio do juiz brasileiro Alexandre de Moraes", ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), é o exemplo mais recente de como o governo de Donald Trump tem atacado ou tentado interferir no Poder Judiciário de outros países em processos envolvendo aliados. No caso brasileiro, o governo americano vem adotando uma série de medidas desde o meio do ano em resposta ao que descreve como "perseguição" sofrida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Neste mês, Bolsonaro foi condenado pelo STF a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado após perder a eleição de 2022. Ao longo do processo judicial contra o ex-presidente brasileiro, Trump se pronunciou várias vezes reclamando do que considera uma "caça às bruxas" contra seu aliado ideológico.

Ao mesmo tempo, impôs diversas sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, como as tarifas de 50% sobre vários produtos brasileiros, a revogação de vistos de brasileiros ligados ao programa Mais Médicos e restrições financeiras a Moraes por meio da Lei Magnitsky.

As ações contra o Brasil se destacam pela severidade, mas não são a primeira vez que Trump quebra o protocolo diplomático ao acusar juízes e promotores de outros países por uma suposta "caça às bruxas". Trump também usa esse termo para se referir a processos na Justiça enfrentados por ele próprio após seu primeiro mandato.

"O governo Trump já criticou processos judiciais em outras democracias, como Israel, França e Colômbia", diz à BBC News Brasil o especialista em democracia Thomas Carothers, diretor do Programa de Democracia, Conflito e Governança do Carnegie Endowment for International Peace (Fundo Carnegie para a Paz Internacional), em Washington. "Mas, nesses casos, as críticas foram apenas verbais, como mensagens nas redes sociais do presidente Trump ou do secretário de Estado, Marco Rubio. Não envolveram o mecanismo de sanções. O que é incomum no caso brasileiro, em comparação com esses outros, é a intensidade das ações do governo Trump. Eles realmente parecem estar atacando o Brasil de uma forma muito mais dura", afirma Carothers.

Nesta terça-feira (23/09), um dia após o anúncio das novas sanções contra autoridades brasileiras, Trump disse que teve um breve encontro com presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que discursou antes dele na Assembleia Geral da ONU, em Nova York. O presidente americano disse que Lula é "um cara legal" e que os dois devem se encontrar na semana que vem. Ainda não está claro se a conversa ocorrerá pessoalmente ou por telefone, mas o aceno de Trump pode representar uma abertura para negociação em meio à escalada de tensão recente entre os dois países.

<><> As novas medidas contra o Brasil

As novas sanções, anunciadas na segunda-feira (22), incluíram na lista de alvos da Lei Magnitsky a mulher de Moraes, Viviane Barci de Moraes, e a empresa LEX - Instituto de Estudos Jurídicos, que pertence à família do magistrado. Também foram revogados os vistos de sete autoridades brasileiras ligadas ao Judiciário e à Justiça Eleitoral — como já havia sido feito anteriormente contra juízes do STF e familiares.

Lei Magnitsky, que pune estrangeiros por graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção, já havia sido usada para aplicar sanções econômicas contra Moraes em 30 de julho.

Aquela foi a primeira vez que uma autoridade brasileira recebeu esse tipo de punição, geralmente aplicada em casos de crimes como tortura ou assassinato. A lei já foi usada contra ditadores e terroristas. "O que é incomum aqui é usar as sanções Magnitsky para punir um juiz e sua família em um país democrático", afirma Carothers. "Os Estados Unidos se inserirem na política de um país democrático e tentarem tomar partido em questões políticas internas que, neste caso, não são sobre irregularidades óbvias por parte do governo", observa.

Na época das primeiras sanções a Moraes, a justificativa do secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, foi a de que o ministro seria "responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro".

No anúncio desta semana, uma nota à imprensa em nome do secretário de Estado, Marco Rubio, acusou Moraes de usar "sua posição a fim de instrumentalizar tribunais, autorizar detenções preventivas arbitrárias e suprimir a liberdade de expressão. Aqueles que protegem e permitem que atores malignos estrangeiros como Moraes ameacem os interesses dos EUA também serão responsabilizados", conclui a nota.

Em resposta ao novo anúncio, o Itamaraty divulgou comunicado manifestando "profunda indignação" com o que descreveu como "nova tentativa de interferência indevida em assuntos internos brasileiros" e "um novo ataque à soberania brasileira".

As sanções contra o Brasil ao longo dos últimos meses foram adotadas ao mesmo tempo em que um dos filhos do ex-presidente Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), mudou-se para os Estados Unidos e iniciou articulações junto ao governo americano para tentar pressionar pela absolvição do pai.

<><> Posts em defesa de aliados em Israel e França

Além das sanções, Trump também saiu em defesa de Jair Bolsonaro em sua rede social, a Truth Social. Em uma postagem de julho, o republicano disse que o ex-presidente brasileiro era alvo de um "ataque a um adversário político". "Algo que eu conheço muito bem! Aconteceu comigo, vezes 10", afirmou o republicano. "Estarei assistindo à caça às bruxas de Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores, muito de perto."

Tom semelhante foi usado pelo presidente americano em postagens questionando decisões judiciais contra aliados em outros países. Nesses posts, Trump, que foi alvo de vários processos após a derrota na eleição de 2020, costuma traçar paralelos com sua própria experiência. "É sempre sobre ele", diz à BBC News Brasil o cientista político Todd Belt, professor da George Washington University. "Você pode pensar que é sobre um amigo dele no exterior ou algo parecido, mas tudo se resume a ele e à forma como ele é visto."

Em abril, após a condenação da líder da direita radical francesa Marine Le Pen por desvio de fundos da União Europeia, Trump disse que "a caça às bruxas contra Marine Le Pen é outro exemplo de esquerdistas europeus usando a guerra jurídica para silenciar a liberdade de expressão e censurar seus oponentes políticos. É a mesma estratégia que foi usada contra mim por um grupo de lunáticos e perdedores", postou o presidente após a decisão judicial francesa, que declarou Le Pen inelegível por cinco anos, impedindo que concorra à Presidência na eleição de 2027.

Na ocasião, o então primeiro-ministro da França, François Bayrou, criticou a declaração de Trump como "interferência". Em junho, Trump usou a Truth Social para criticar processos judiciais contra Benjamin Netanyahu por acusações de fraude, quebra de confiança e aceitação de subornos. "Como é possível que o primeiro-ministro de Israel possa ser forçado a ficar sentado em um tribunal o dia todo, por nada", questionou Trump, lembrando que o líder israelense precisava conciliar o julgamento com os conflitos com o Irã e o Hamas. "É uma caça às bruxas [com motivação] política, muito semelhante à caça às bruxas que eu fui forçado a aguentar", postou o presidente, descrevendo o caso como "insanidade" e os promotores como "fora de controle. Os Estados Unidos gastam bilhões de dólares por ano, muito mais do que com qualquer outra nação, para proteger e apoiar Israel", escreveu Trump na ocasião. "Não vamos tolerar isso."

<><> Intromissão em processos legais legítimos

Os Estados Unidos também criticaram processos judiciais na Colômbia, onde o ex-presidente Álvaro Uribe foi condenado em julho por corrupção passiva de testemunhas e fraude processual. Nesse caso, as declarações não vieram diretamente de Trump, mas do secretário de Estado, que postou na rede X (antigo Twitter) que o "único crime" de Uribe teria sido "lutar incansavelmente e defender sua pátria. A instrumentalização do poder judiciário da Colômbia por juízes radicais agora estabeleceu um precedente preocupante", disse Rubio, após a condenação.

O presidente colombiano, Gustavo Petro, respondeu: "O mundo deve respeitar os juízes da Colômbia."

O Departamento de Estado dos EUA criticou ainda processos judiciais no Reino Unido, em uma atitude considerada "incomum" por alguns observadores. Esses casos não envolviam líderes políticos. Em março, o departamento afirmou estar "preocupado com a liberdade de expressão no Reino Unido" e avisou estar monitorando o julgamento de uma ativista antiaborto. Meses depois, disse que iria monitorar o caso de outra mulher, condenada por incitar ódio racial online.

Esses exemplos, em que o governo americano questionou a imparcialidade de sistemas judiciais de cujas decisões discordou, são considerados por especialistas uma quebra das normas e convenções que regem as relações entre os Estados. "É uma intervenção nos assuntos internos de um país estrangeiro", resume Belt. "Os Estados Unidos têm um histórico de intervir [no passado], especialmente na América Central e na América do Sul, quando houve resultados eleitorais de que não gostamos", observa. "Mas isso de forma tão aberta, tão descarada e tão pública não é algo que se faça normalmente."

Carothers, do Carnegie Endowment for International Peace, ressalta que não se trata de regimes autoritários, e sim de países amigos. "Os Estados Unidos estão punindo juízes em uma democracia aliada, ou criticando ações judiciais em outras democracias", afirma. "Estão se inserindo em processos legais legítimos em outras democracias."

<><> Sem impacto nas decisões

Para Belt, os ataques ao Judiciário de outros países servem também para reforçar a narrativa do governo Trump de que a direita está sendo oprimida e é alvo de um Estado paralelo e de corrupção. "Quanto mais ele puder fazer isso internacionalmente, mais isso legitima os ataques que ele faz contra [alvos do Judiciário] nos Estados Unidos, internamente", ressalta.

Trump já criticou juízes e tribunais americanos diversas vezes por decisões que o desagradaram sobre vários temas, desde imigração até tarifas. Até agora, as tentativas de intromissão de Trump não tiveram impacto nas decisões judiciais nem do Brasil nem dos outros países que foram alvos de ataques. "As críticas aos sistemas judiciais de outros países não fizeram com que esses sistemas mudassem o que estão fazendo", salienta Carothers. "Não parecem ter tido qualquer efeito direto em parar este tipo de processo."

Para Carothers, um dos objetivos do governo americano também pode ser deixar outros países avisados de que, caso lancem processos judiciais semelhantes, desagradarão os Estados Unidos. Belt sugere que Trump pode querer apenas gerar incerteza. "Uma coisa é tentar criar um resultado diferente [nos processos judiciais em outros países]. Outra é simplesmente turvar as águas, gerar confusão e incerteza. E Donald Trump adora criar incerteza. Se você ler seu livro A Arte da Negociação, a criação de incerteza é algo absolutamente central para a maneira como ele faz negócios. E a maneira como ele governa é muito semelhante à maneira como ele faz negócios."

¨      Trump diz que está enviando tropas para Portland, Oregon

Donald Trump disse no sábado que está enviando tropas para Portland, Oregon, "autorizando o uso de força total, se necessário", ignorando os apelos de autoridades locais e da delegação do Congresso do estado, que sugeriram que o presidente estava mal informado ou mentindo sobre a natureza e a escala de um único e pequeno protesto do lado de fora de um escritório federal de imigração.

Trump fez o anúncio nas redes sociais, usando referências aos antifascistas e ao Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE). Ele afirmou que a mobilização era necessária "para proteger Portland , devastada pela guerra , e qualquer uma de nossas instalações (de Imigração e Alfândega) sitiadas contra ataques da Antifa e de outros terroristas domésticos".

A Casa Branca não forneceu detalhes sobre o anúncio de Trump, incluindo um cronograma para a mobilização ou quais tropas estariam envolvidas.

O prefeito de Portland, Keith Wilson, disse em uma coletiva de imprensa convocada às pressas na sexta-feira à noite que a cidade havia tomado conhecimento de "um fluxo repentino de agentes federais em nossa cidade. Não pedimos que viessem. Eles estão aqui sem precedentes ou propósito claros".

“O presidente enviou agentes aqui para criar caos e tumultos em Portland, para induzir uma reação, para induzir protestos, para induzir conflitos. Seu objetivo é fazer com que Portland pareça o que ele vem descrevendo”, disse o senador júnior do Oregon, Jeff Merkley. “Ele quer induzir uma troca violenta. Não vamos lhe conceder esse desejo. Vamos ser a força de um protesto ordeiro e pacífico.”

O senador também chamou a atenção para evidências em vídeo do jornal local, o Oregonian, que mostraram agentes federais usando força contra um pequeno número de manifestantes do lado de fora das instalações do Ice, que permaneceram pacíficos.

Embora um porta-voz da Guarda Nacional do Oregon tenha dito ao Oregonian que nenhuma solicitação oficial de tropas havia sido feita ainda, comboios de dezenas de agentes federais, em SUVs marcados e não marcados, foram vistos na sexta-feira entrando em um prédio federal no centro da cidade e em um escritório do Ice Field em um bairro residencial que tem sido palco de protestos regulares de dezenas de manifestantes.

“O Presidente dos Estados Unidos está instruindo seu autoproclamado 'Secretário da Guerra' a enviar forças federais militarizadas para uma cidade americana com a qual ele discorda”, escreveu a Deputada Maxine Dexter em uma declaração nas redes sociais no sábado, referindo-se em parte ao chefe do Pentágono, Pete Hegseth. “Este é um abuso de poder flagrante e uma traição aos nossos valores americanos mais básicos. Autoritários se baseiam no medo para nos dividir. Portland não lhes dará isso.”

Nos últimos dias, tanto os senadores do Oregon quanto três de seus representantes na Câmara rejeitaram veementemente as alegações de Trump sobre anarquia em massa na cidade, considerando-as uma ficção destinada a justificar o envio desnecessário de tropas federais como parte de uma repressão "autoritária".

Ron Wyden, o senador democrata sênior do estado, disse aos repórteres na sexta-feira: “É importante reconhecer que o argumento do presidente é uma fábula — não se assemelha à verdade”.

“Se ele assiste a um programa de TV pela manhã e vê Portland mencionado, ele diz que é um lugar terrível”, acrescentou Wyden.

Durante um evento no Salão Oval na quinta-feira para anunciar que o governo pretende investigar e interromper o que alega ser "violência política organizada" financiada por grupos de esquerda, Trump fez várias afirmações absurdas sobre Portland, que foi um centro de protestos por justiça racial em 2020 após o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis. Mas a vida já voltou ao normal há muito tempo, e as barreiras ao redor do tribunal federal e da sede da polícia no centro da cidade foram removidas.

O presidente, no entanto, aparentemente enganado pelo vídeo de um punhado de manifestantes reunidos do lado de fora das instalações do Ice em um bairro no sudoeste de Portland, transmitido por veículos conservadores, insistiu que a cidade está em "anarquia" ininterrupta desde 2020 e que é quase inabitável.

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"Portland é... não sei como alguém vive lá, é incrível. Mas é uma anarquia lá fora", disse Trump. O presidente então alegou, falsamente, que a maioria das lojas de varejo da cidade havia fechado devido a ataques incendiários, e "as poucas lojas que estão abertas" estavam cobertas de compensado.

Descrevendo o pequeno número de manifestantes que se reuniram do lado de fora de uma instalação do Ice que tem sido usada ilegalmente para detenções em um bairro residencial, Trump afirmou, sem provas: "Esses são agitadores profissionais, são pessoas más e recebem muito dinheiro de pessoas ricas.

"Mas vamos sair e fazer um grande número de coisas sobre aquelas pessoas em Portland que estão fazendo isso."

A deputada Suzanne Bonamici, democrata do Oregon, disse na sexta-feira: "Esta proclamada 'guerra contra a Antifa' é uma falácia completa. A Antifa é uma ideologia, não um grupo, e por isso estamos extremamente preocupados com o que ele tentará fazer com esse pronunciamento."

“Donald Trump não se importa com segurança. Se ele se importasse com segurança, não teria libertado 1.600 insurgentes condenados nas ruas. Ele se importa com controle e autoritarismo”, acrescentou ela, referindo-se à clemência de Trump para aqueles que realizaram o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA, após sua derrota nas eleições de 2020 para Joe Biden. “Portland não precisa dos militares. Não os queremos, não precisamos deles, não os acolhemos para virem aqui sob suas ordens.”

Trump, um republicano, enviou tropas militares para as cidades de Los Angeles e Washington, D.C., controladas pelos democratas, até agora em sua segunda presidência. Ele discutiu fazer o mesmo em Memphis e Nova Orleans, que também são redutos democratas.

 

Fonte: BBC News Brasil/The Guardian


 

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