'Caça
às bruxas': o histórico de ataques e críticas de Trump ao Judiciário de outros
países
A
decisão dos Estados Unidos de sancionar a "rede de apoio
do juiz brasileiro Alexandre de Moraes", ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), é
o exemplo mais recente de como o governo de Donald Trump tem atacado ou
tentado interferir no Poder Judiciário de outros países em processos envolvendo
aliados. No caso brasileiro, o governo americano vem adotando uma série de
medidas desde o meio do ano em resposta ao que descreve como
"perseguição" sofrida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Neste
mês, Bolsonaro foi condenado pelo STF a 27
anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado após perder a
eleição de 2022.
Ao longo do processo judicial contra o ex-presidente brasileiro, Trump se
pronunciou várias vezes reclamando do que considera uma "caça às
bruxas" contra seu aliado ideológico.
Ao
mesmo tempo, impôs diversas sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras,
como as tarifas de 50% sobre vários
produtos brasileiros,
a revogação de vistos de brasileiros
ligados ao programa Mais Médicos e restrições financeiras a Moraes por
meio da Lei Magnitsky.
As
ações contra o Brasil se destacam pela severidade, mas não são a primeira vez
que Trump quebra o protocolo diplomático ao acusar juízes e promotores de
outros países por uma suposta "caça às bruxas". Trump também usa esse
termo para se referir a processos na Justiça enfrentados por ele próprio após
seu primeiro mandato.
"O
governo Trump já criticou processos judiciais em outras democracias, como
Israel, França e Colômbia", diz à BBC News Brasil o especialista em
democracia Thomas Carothers, diretor do Programa de Democracia, Conflito e
Governança do Carnegie Endowment for International Peace (Fundo Carnegie para a
Paz Internacional), em Washington. "Mas, nesses casos, as críticas foram
apenas verbais, como mensagens nas redes sociais do presidente Trump ou do
secretário de Estado, Marco Rubio. Não envolveram o mecanismo de sanções. O que
é incomum no caso brasileiro, em comparação com esses outros, é a intensidade
das ações do governo Trump. Eles realmente parecem estar atacando o Brasil de
uma forma muito mais dura", afirma Carothers.
Nesta
terça-feira (23/09), um dia após o anúncio das novas sanções contra autoridades
brasileiras, Trump disse que teve um breve
encontro com presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que discursou antes
dele na Assembleia Geral da ONU, em Nova York. O presidente americano disse que Lula é
"um cara legal" e que os dois devem se encontrar na semana que vem. Ainda não está claro
se a conversa ocorrerá pessoalmente ou por telefone, mas o aceno de Trump pode
representar uma abertura para negociação em meio à escalada de tensão recente
entre os dois países.
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As novas medidas contra o Brasil
As
novas sanções, anunciadas na segunda-feira (22), incluíram na lista de alvos da
Lei Magnitsky a mulher de Moraes, Viviane Barci de
Moraes,
e a empresa LEX - Instituto de Estudos Jurídicos, que pertence à família do
magistrado. Também foram revogados os vistos de sete autoridades brasileiras
ligadas ao Judiciário e à Justiça Eleitoral — como já havia sido feito
anteriormente contra juízes do STF e familiares.
A Lei Magnitsky, que pune
estrangeiros por graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção,
já havia sido usada para aplicar sanções econômicas contra Moraes em 30 de
julho.
Aquela
foi a primeira vez que uma autoridade brasileira recebeu esse tipo de punição,
geralmente aplicada em casos de crimes como tortura ou assassinato. A lei já
foi usada contra ditadores e terroristas. "O que é incomum aqui é usar as
sanções Magnitsky para punir um juiz e sua família em um país
democrático", afirma Carothers. "Os Estados Unidos se inserirem na
política de um país democrático e tentarem tomar partido em questões políticas
internas que, neste caso, não são sobre irregularidades óbvias por parte do
governo", observa.
Na
época das primeiras sanções a Moraes, a justificativa do
secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, foi a de que o ministro seria
"responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias
que violam os direitos humanos e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente
Jair Bolsonaro".
No
anúncio desta semana, uma nota à imprensa em nome do secretário de Estado,
Marco Rubio, acusou Moraes de usar "sua posição a fim de instrumentalizar
tribunais, autorizar detenções preventivas arbitrárias e suprimir a liberdade
de expressão. Aqueles que protegem e permitem que atores malignos estrangeiros
como Moraes ameacem os interesses dos EUA também serão responsabilizados",
conclui a nota.
Em
resposta ao novo anúncio, o Itamaraty divulgou comunicado manifestando
"profunda indignação" com o que descreveu como "nova tentativa
de interferência indevida em assuntos internos brasileiros" e "um
novo ataque à soberania brasileira".
As
sanções contra o Brasil ao longo dos últimos meses foram adotadas ao mesmo
tempo em que um dos filhos do ex-presidente Bolsonaro, o deputado federal
Eduardo Bolsonaro (PL-SP), mudou-se para os Estados Unidos e
iniciou articulações junto ao governo americano para tentar pressionar pela
absolvição do pai.
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Posts em defesa de aliados em Israel e França
Além
das sanções, Trump também saiu em defesa de Jair Bolsonaro em sua rede social,
a Truth Social. Em uma postagem de julho, o republicano disse que o
ex-presidente brasileiro era alvo de um "ataque a um adversário
político". "Algo que eu conheço muito bem! Aconteceu comigo, vezes
10", afirmou o republicano. "Estarei assistindo à caça às bruxas de
Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores, muito de
perto."
Tom
semelhante foi usado pelo presidente americano em postagens questionando
decisões judiciais contra aliados em outros países. Nesses posts, Trump, que
foi alvo de vários processos após a derrota na eleição de 2020, costuma traçar
paralelos com sua própria experiência. "É sempre sobre ele", diz à
BBC News Brasil o cientista político Todd Belt, professor da George Washington
University. "Você pode pensar que é sobre um amigo dele no exterior ou
algo parecido, mas tudo se resume a ele e à forma como ele é visto."
Em
abril, após a condenação da líder da direita
radical francesa Marine Le Pen por desvio de fundos da União Europeia,
Trump disse que "a caça às bruxas contra Marine Le Pen é outro exemplo de
esquerdistas europeus usando a guerra jurídica para silenciar a liberdade de
expressão e censurar seus oponentes políticos. É a mesma estratégia que foi
usada contra mim por um grupo de lunáticos e perdedores", postou o
presidente após a decisão judicial francesa, que declarou Le Pen inelegível por
cinco anos, impedindo que concorra à Presidência na eleição de 2027.
Na
ocasião, o então primeiro-ministro da França, François Bayrou, criticou a
declaração de Trump como "interferência". Em junho, Trump usou a
Truth Social para criticar processos judiciais contra Benjamin Netanyahu por acusações
de fraude, quebra de confiança e aceitação de subornos. "Como é possível
que o primeiro-ministro de Israel possa ser forçado a ficar sentado em um
tribunal o dia todo, por nada", questionou Trump, lembrando que o líder
israelense precisava conciliar o julgamento com os conflitos com o Irã e o
Hamas. "É uma caça às bruxas [com motivação] política, muito semelhante à
caça às bruxas que eu fui forçado a aguentar", postou o presidente,
descrevendo o caso como "insanidade" e os promotores como "fora
de controle. Os Estados Unidos gastam bilhões de dólares por ano, muito mais do
que com qualquer outra nação, para proteger e apoiar Israel", escreveu
Trump na ocasião. "Não vamos tolerar isso."
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Intromissão em processos legais legítimos
Os
Estados Unidos também criticaram processos judiciais na Colômbia, onde o ex-presidente Álvaro Uribe foi
condenado em julho por corrupção passiva de testemunhas e fraude processual. Nesse caso, as
declarações não vieram diretamente de Trump, mas do secretário de Estado, que
postou na rede X (antigo Twitter) que o "único crime" de Uribe teria
sido "lutar incansavelmente e defender sua pátria. A instrumentalização do
poder judiciário da Colômbia por juízes radicais agora estabeleceu um
precedente preocupante", disse Rubio, após a condenação.
O
presidente colombiano, Gustavo Petro, respondeu: "O mundo deve respeitar
os juízes da Colômbia."
O
Departamento de Estado dos EUA criticou ainda processos judiciais no Reino
Unido, em uma atitude considerada "incomum" por alguns observadores.
Esses casos não envolviam líderes políticos. Em março, o departamento afirmou
estar "preocupado com a liberdade de expressão no Reino Unido" e
avisou estar monitorando o julgamento de uma ativista antiaborto. Meses depois,
disse que iria monitorar o caso de outra mulher, condenada por incitar ódio
racial online.
Esses
exemplos, em que o governo americano questionou a imparcialidade de sistemas
judiciais de cujas decisões discordou, são considerados por especialistas uma
quebra das normas e convenções que regem as relações entre os Estados. "É
uma intervenção nos assuntos internos de um país estrangeiro", resume
Belt. "Os Estados Unidos têm um histórico de intervir [no passado],
especialmente na América Central e na América do Sul, quando houve resultados
eleitorais de que não gostamos", observa. "Mas isso de forma tão
aberta, tão descarada e tão pública não é algo que se faça normalmente."
Carothers,
do Carnegie Endowment for International Peace, ressalta que não se trata de
regimes autoritários, e sim de países amigos. "Os Estados Unidos estão
punindo juízes em uma democracia aliada, ou criticando ações judiciais em
outras democracias", afirma. "Estão se inserindo em processos legais
legítimos em outras democracias."
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Sem impacto nas decisões
Para
Belt, os ataques ao Judiciário de outros países servem também para reforçar a
narrativa do governo Trump de que a direita está sendo oprimida e é alvo de um
Estado paralelo e de corrupção. "Quanto mais ele puder fazer isso
internacionalmente, mais isso legitima os ataques que ele faz contra [alvos do
Judiciário] nos Estados Unidos, internamente", ressalta.
Trump
já criticou juízes e tribunais americanos diversas vezes por decisões que o
desagradaram sobre vários temas, desde imigração até tarifas. Até agora, as
tentativas de intromissão de Trump não tiveram impacto nas decisões judiciais
nem do Brasil nem dos outros países que foram alvos de ataques. "As
críticas aos sistemas judiciais de outros países não fizeram com que esses
sistemas mudassem o que estão fazendo", salienta Carothers. "Não
parecem ter tido qualquer efeito direto em parar este tipo de processo."
Para
Carothers, um dos objetivos do governo americano também pode ser deixar outros
países avisados de que, caso lancem processos judiciais semelhantes,
desagradarão os Estados Unidos. Belt sugere que Trump pode querer apenas gerar
incerteza. "Uma coisa é tentar criar um resultado diferente [nos processos
judiciais em outros países]. Outra é simplesmente turvar as águas, gerar
confusão e incerteza. E Donald Trump adora criar incerteza. Se você ler seu
livro A Arte da Negociação, a criação de incerteza é algo
absolutamente central para a maneira como ele faz negócios. E a maneira como
ele governa é muito semelhante à maneira como ele faz negócios."
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Trump diz que está enviando tropas para Portland, Oregon
Donald
Trump disse no sábado que está enviando tropas para Portland, Oregon,
"autorizando o uso de força total, se necessário", ignorando os
apelos de autoridades locais e da delegação do Congresso do estado, que
sugeriram que o presidente estava mal informado ou mentindo sobre a natureza e
a escala de um único e pequeno protesto do lado de fora de um escritório
federal de imigração.
Trump
fez o anúncio nas redes sociais, usando referências aos antifascistas e ao
Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE). Ele afirmou que a mobilização
era necessária "para proteger Portland , devastada pela guerra , e qualquer
uma de nossas instalações (de Imigração e Alfândega) sitiadas contra ataques da
Antifa e de outros terroristas domésticos".
A Casa
Branca não forneceu detalhes sobre o anúncio de Trump, incluindo um cronograma
para a mobilização ou quais tropas estariam envolvidas.
O
prefeito de Portland, Keith Wilson, disse em uma coletiva de imprensa convocada às pressas na sexta-feira
à noite que a cidade havia tomado conhecimento de "um fluxo repentino de
agentes federais em nossa cidade. Não pedimos que viessem. Eles estão aqui sem
precedentes ou propósito claros".
“O
presidente enviou agentes aqui para criar caos e tumultos em Portland, para
induzir uma reação, para induzir protestos, para induzir conflitos. Seu
objetivo é fazer com que Portland pareça o que ele vem descrevendo”, disse o
senador júnior do Oregon, Jeff Merkley. “Ele quer induzir uma troca violenta.
Não vamos lhe conceder esse desejo. Vamos ser a força de um protesto ordeiro e
pacífico.”
O
senador também chamou a atenção para evidências em vídeo do jornal local, o Oregonian, que
mostraram agentes federais usando força contra um pequeno número de
manifestantes do lado de fora das instalações do Ice, que permaneceram
pacíficos.
Embora
um porta-voz da Guarda Nacional do Oregon tenha dito ao Oregonian que nenhuma
solicitação oficial de tropas havia sido feita ainda, comboios de dezenas de
agentes federais, em SUVs marcados e não marcados, foram vistos na sexta-feira entrando em um prédio
federal no centro da cidade e em um escritório do Ice Field em um bairro
residencial que tem sido palco de protestos regulares de dezenas de
manifestantes.
“O
Presidente dos Estados Unidos está instruindo seu autoproclamado 'Secretário da
Guerra' a enviar forças federais militarizadas para uma cidade americana com a
qual ele discorda”, escreveu a Deputada Maxine Dexter em uma declaração nas redes sociais no sábado,
referindo-se em parte ao chefe do Pentágono, Pete Hegseth. “Este é um abuso de
poder flagrante e uma traição aos nossos valores americanos mais básicos.
Autoritários se baseiam no medo para nos dividir. Portland não lhes dará isso.”
Nos
últimos dias, tanto os senadores do Oregon quanto três de seus representantes
na Câmara rejeitaram veementemente as alegações de Trump sobre anarquia em
massa na cidade, considerando-as uma ficção destinada a justificar o envio
desnecessário de tropas federais como parte de uma repressão
"autoritária".
Ron
Wyden, o senador democrata sênior do estado, disse aos repórteres na
sexta-feira: “É importante reconhecer que o argumento do presidente é uma
fábula — não se assemelha à verdade”.
“Se ele
assiste a um programa de TV pela manhã e vê Portland mencionado, ele diz que é
um lugar terrível”, acrescentou Wyden.
Durante um evento no Salão Oval na quinta-feira para anunciar
que o governo pretende investigar e interromper o que alega ser "violência
política organizada" financiada por grupos de esquerda, Trump fez várias
afirmações absurdas sobre Portland, que foi um centro de protestos por justiça
racial em 2020 após o assassinato de George Floyd por um policial de
Minneapolis. Mas a vida já voltou ao normal há muito tempo, e as barreiras ao
redor do tribunal federal e da sede da polícia no centro da cidade foram
removidas.
O
presidente, no entanto, aparentemente enganado pelo vídeo de um punhado de
manifestantes reunidos do lado de fora das instalações do Ice em um bairro no
sudoeste de Portland, transmitido por veículos conservadores, insistiu que a
cidade está em "anarquia" ininterrupta desde 2020 e que é quase
inabitável.
pular promoção de boletim informativo
"Portland
é... não sei como alguém vive lá, é incrível. Mas é uma anarquia lá fora",
disse Trump. O presidente então alegou, falsamente, que a maioria das lojas de
varejo da cidade havia fechado devido a ataques incendiários, e "as poucas
lojas que estão abertas" estavam cobertas de compensado.
Descrevendo
o pequeno número de manifestantes que se reuniram do lado de fora de uma
instalação do Ice que tem sido usada ilegalmente para detenções em um bairro
residencial, Trump afirmou, sem provas: "Esses são agitadores
profissionais, são pessoas más e recebem muito dinheiro de pessoas ricas.
"Mas
vamos sair e fazer um grande número de coisas sobre aquelas pessoas em Portland
que estão fazendo isso."
A
deputada Suzanne Bonamici, democrata do Oregon, disse na sexta-feira:
"Esta proclamada 'guerra contra a Antifa' é uma falácia completa. A Antifa
é uma ideologia, não um grupo, e por isso estamos extremamente preocupados com
o que ele tentará fazer com esse pronunciamento."
“Donald
Trump não se importa com segurança. Se ele se importasse com segurança, não
teria libertado 1.600 insurgentes condenados nas ruas. Ele se importa com
controle e autoritarismo”, acrescentou ela, referindo-se à clemência de Trump
para aqueles que realizaram o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos
EUA, após sua derrota nas eleições de 2020 para Joe Biden. “Portland não
precisa dos militares. Não os queremos, não precisamos deles, não os acolhemos
para virem aqui sob suas ordens.”
Trump,
um republicano, enviou tropas militares para as cidades de Los Angeles e
Washington, D.C., controladas pelos democratas, até agora em sua segunda
presidência. Ele discutiu fazer o mesmo em Memphis e Nova Orleans, que também
são redutos democratas.
Fonte: BBC News Brasil/The Guardian

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