quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

O Brasil que Dom Pedro 2º imaginou — e o que fizemos dele

Exilado na Europa depois do golpe militar que proclamaria a República no Brasil em 1889, Dom Pedro 2º, segundo e último imperador brasileiro, redigiu um documento em Cannes, no sul da França, que é visto como seu testamento político.

Intitulado Fé de Ofício, o texto foi o último ato público do monarca deposto. Dom Pedro 2º morreria em 5 de dezembro de 1891.

Escrito de próprio punho, o documento está datado de 23 de abril daquele ano — e foi publicado no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, na edição de 28 de maio.

Neste 2 de dezembro, quando se recorda o segundo centenário do nascimento do único imperador brasileiro nascido no Brasil — e alguém que foi chefe de Estado do país independente em praticamente um quarto de sua história, 49 dos 203 anos, reler esta carta é compreender um pouco qual era a nação que Pedro 2º imaginava ter ajudado a construir.

Se consideramos também o período de regência, quando ele já tinha sido aclamado imperador mas não governava, foram 58 anos sob a coroa de Pedro 2º.

É praticamente consenso entre estudiosos de sua biografia que o monarca imaginava um Brasil que alcançaria o progresso por meio da ciência e da tecnologia.

Ele também almejava uma nação com instituições políticas e sociais sólidas e demonstrava crer em um futuro republicano, em que o governo seria representativo e o exercício da cidadania por parte dos brasileiros seria mais próximo do universal.

Fé de Ofício deixa pistas interessantes para este pensamento.

Para o ex-imperador, era preciso proteger a economia do país frente à concorrência estrangeira, "até o período do seu próspero desenvolvimento".

E embora se autoclassificasse como alguém que tinha "sentimento religioso", entendia que cabia ao Estado apenas a inspeção "quanto à moral e à higiene, devendo pertencer a parte religiosa às famílias e aos ministros das diversas religiões".

Destacou também a importância do investimento em educação, sobretudo criando e desenvolvendo instituições de ensino superior.

"Igreja livre no Estado livre", pontuou. "Mas isso quando a instrução do povo pudesse aproveitar de tais instituições".

Pedro 2º acreditava na imigração como ferramenta para o melhor "aproveitamento das terras" e defendia a criação de "um observatório astronômico" no país.

Lembrou que era importante investir no exército e na marinha, "a fim de que estivéssemos preparados para qualquer eventualidade, embora contrário às guerras". "Buscava, assim, evitá-las", sentenciou.

Posicionou-se contrário à pena de morte, enfatizando que acreditava na regeneração do ser humano.

Defendeu eleições livres para os cargos públicos e concursos para postos no judiciário e na administração estatal. Mas acreditava que somente os alfabetizados deveriam poder votar.

Demonstrou sensibilidade às pautas da habitação e da fome, ressaltando a importância de projetos que zelassem pela "sorte física do povo, sobretudo em relação a habitações salubres e a preço cômodo e à sua alimentação".

No documento, Pedro também defendeu a importância das artes, da organização de dioceses para a Igreja Católica e de expedições científicas que se dedicassem a estudar o Brasil.

Especialistas concordam que, mesmo sendo ele próprio um monarca, Dom Pedro 2º via no regime republicano o futuro do Brasil. Mais exatamente, em um modelo inspirado no que vigorava nos Estados Unidos, independente e República desde 1776.

"Ele considerava que a República era um desenvolvimento natural do sistema político", explica à BBC News Brasil o pesquisador e escritor Paulo Rezzutti, autor da biografia D. Pedro II - A História Não Contada.

"Mas ele achava que o Brasil não estava pronto para ela, precisava de uma melhora na estrutura administrativa antes de dar esse passo."

"Ele é visto por muitos de seus biógrafos como um imperador republicano", comenta à BBC News Brasil a historiadora Bruna Gomes dos Reis, pesquisadora na Universidade Estadual Paulista e professora no Serviço Social da Indústria (Sesi).

"Pessoas que conviveram com ele notavam que ele tinha um espírito bastante republicano. E ele imaginava um certo governo republicano para o Brasil", afirma à BBC News Brasil o historiador Silas Luiz de Souza, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Há diversos registros de comentários de Pedro 2º no sentido de reconhecer que o regime republicano seria o melhor e mais bem desenvolvimento sistema político.

"Porém, o republicanismo dele comportava-se mais como um espírito", compara Reis.

"Ele se fazia presente em ações como como a liberdade de imprensa, o amor à pátria, na sua busca pela 'civilização' por meio do dos estudos, das artes e da ciência e em lampejos de nacionalismo".

Era um pós-iluminista, defensor da razão. Nesse ponto, o republicanismo parecia se enquadrar melhor em sua própria ideologia.

"Ele era adepto das ideias liberais vindas do Iluminismo, com defesa das liberdades individuais", situa Souza.

"Apesar disso, seu espírito republicano não tocava sua carne", ressalta Reis. "Ou melhor: não tocava nas estruturas políticas e econômicas do Brasil."

A historiadora comenta, por exemplo, que o último imperador brasileiro "desfrutou do poder moderador" até o fim do império. Era aquele instrumento criado no Estado brasileiro por seu pai, Pedro 1º, que desequilibrava o princípio da tripartição dos poderes entre executivo, legislativo e judiciário, porque situava o imperador como um quarto poder sobreposto aos outros.

O historiador Victor Missiato, pesquisador no Instituto Mackenzie, cobra um pouco de cuidado ao situar Pedro 2º como "republicano".

"Soa um pouco anacrônica", pondera ele, à BBC News Brasil.

"Embora ele tenha escrito algumas cartas e interpretado a realidade como a inevitabilidade de um regime republicano na história do Brasil, […] associá-lo à pecha de um monarca republicano não cabe em um mundo em que muitas monarquias ainda estavam de pé."

Além disso ele lembra que Pedro teve um reinado longevo e com o exercício do poder moderador. Ambas essas características destoam de uma postura dita republicana.

Mas Missiato reconhece que havia pitadas de republicanismo em seu governo, com "a ideia de maior liberdade religiosa", "críticas à escravidão" e a instituição de órgãos públicos "para a formação do bem comum".

Pedro 2º também foi beneficiado, como lembra a historiadora Reis, pelas "riquezas produzidas pela escravidão, sem mover-se em direção à transformação desses aspectos que poderiam acelerar a construção da república".

"Ele acreditava que a fase monárquica era necessária para o amadurecimento nacional, e que o regime republicano apareceria em algum momento, como resultado do processo natural de desenvolvimento nacional", esclarece Reis.

Em anotação feita por Pedro 2º em 31 de dezembro de 1861, ele ressalta que "a ocupar posição política, preferiria a de presidente da República ou ministro à de imperador".

A imprensa da época — que o imperador fazia questão de deixar sob livre funcionamento, sem censurá-la oficialmente — extravasava o estranhamento que seu perfil causava dentro de um regime monárquico.

"Nas cortes da Europa vai passando, republicano, ateu, darwinista e não sei que mais", publicou a Gazeta de Notícias em 19 de agosto de 1883.

"Ele olhava para as Américas e via as repúblicas sendo formadas. Os Estados Unidos tinham já uma força muito grande naquele período", comenta Missiato.

O historiador lembra que Pedro 2º estava atento a discussões, principalmente europeias, sobre a formação de esfera pública nas sociedades, com maior participação cidadã. E demonstrava simpatia a isso.

<><> Educação como pilar essencial

Como pontua a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz no livro As Barbas do Imperador: D. Pedro II, Um Monarca nos Trópicos, o titular do trono brasileiro "era dado a novidades […] e a palavra progresso, para ele, vinculava-se à ciência e ao intelecto".

Certamente por isso, a seu modo, o monarca investiu em educação e conhecimento. Era assim que ele enxergava as bases para um país que, no futuro, seria republicano.

"Dom Pedro via a si mesmo como um homem da ciência", diz Rezzutti. "Desde a infância ele considerava os estudos mais prazerosos que as brincadeiras, e esse amor continuou pela vida inteira."

"Ele mandava adquirir equipamentos científicos na Europa, estudou astronomia e matemática avançada e foi um incentivador da fotografia no Brasil, sendo um dos primeiros fotógrafos amadores do país", enumera o biógrafo.

"Também se tornou patrono de diversas instituições científicas e culturais, entre elas o Instituto Pasteur, que graças à sua proteção acabou sendo inaugurado aqui antes do que na França, e a Escola de Minas, criada em Ouro Preto há exatamente 150 anos, em 1875, por iniciativa do imperador."

Também se insere no período de sua coroa a fundação do Colégio Pedro 2º, em 1837 — na época, sob regência.

O mesmo se aplica ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), mais antiga e tradicional entidade de fomento de pesquisa do país, criado em 1838. Pedro 2º era um entusiasta do organismo.

Se quando foi criado o instituto, o imperador ainda era menor de idade, durante seu reinado ele investiu no desenvolvimento do mesmo.

"Foi um dos maiores financiadores [da instituição]", diz Souza.

"Tinha uma relação íntima, participando de eventos, fazendo palestras."

Esta imagem do monarca curioso e apaixonado pelo saber não foi uma construção tardia, póstuma, erguida a partir do mito do rei morto. Era algo já presente em seus tempos contemporâneos.

"Muitos cientistas e intelectuais deixaram suas observações sobre a admiração que sentiam a respeito do interesse dele pelas ciências", frisa Rezzutti.

Pai da teoria da evolução, o naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) declarou que "o imperador faz tanto pela ciência que todo sábio é obrigado a demonstrar a ele o mais completo respeito".

Já o escritor francês Victor Hugo (1802-1885) comparou o monarca brasileiro ao romano Marco Aurélio — ícone do "rei filósofo".

Claro que também havia críticos notáveis — o abolicionista Luiz Gama (1830-1882), por exemplo.

"Ele dizia que Dom Pedro praticava um liberalismo bastante curto, tacanho", pontua o historiador Souza.

Isto porque o imperador não descuidava dos interesses da elite de sua época — uma elite basicamente constituída por latifundiários e escravocratas, a quem qualquer mudança intempestiva de rumos significava um desfavorecimento.

A historiadora Reis interpreta essa postura de Pedro 2º como parte do "processo de amadurecimento nacional para receber o regime republicano".

Para isso, ele entendia ser preciso preparar e "educar" os cidadãos.

"Para além dos esforços empregados no desenvolvimento tecnológico, como a implantação do telégrafo, das linhas de ferro, e na invenção de uma nação civilizada, a partir da criação do IHGB, ainda que para um pequeno grupo de brasileiros, Pedro 2º portava-se como um líder capaz de guiar o Brasil a esse destino, com seu verniz iluminista e moderno", contextualiza a professora.

Contudo, ela ressalva que o próprio imperador não deu um passo decisivo para a República.

"Na prática, o imperador optou por aguardar para ver aquilo que o Brasil poderia se tornar", afirma. "Se a nação não estava pronta o suficiente para se tornar República, não seria por meio de suas ações que isso seria alterado."

<><> Nação do futuro

Mas Rezzutti volta ao documento Fé de Ofício para pensar sobre o Brasil que Pedro vislumbrava como uma nação do futuro.

"Por meio desse texto, é possível compreender qual era o país que Dom Pedro imaginava e que lutou para implantar", diz.

"Entre as diretrizes pelas quais ele afirma ter se interessado enquanto governou, estão o desenvolvimento da indústria nacional; a instrução livre, tendo considerado no estabelecimento de universidades fora dos grandes centros do sudeste; a exploração das riquezas naturais; o melhoramento das Forças Armadas para fins exclusivamente defensivos; a higiene pública, para livrar o Brasil das epidemias; a abolição da pena de morte; a liberdade política; e o melhoramento das comunicações e transportes", enumera o pesquisador.

Há diretrizes interessantes, se observadas de forma anacrônica. Por exemplo: a vocação pacífica das armas brasileiras. Sobretudo ao longo do século 20, o país foi gradualmente ganhando destaque global com um papel contrário ao da guerra.

O Brasil virou a nação da diplomacia, do soft power. E isto transcende ao mundo em episódios que vão desde a participação brasileira na fundação da Organização das Nações Unidas (ONU) até esforços recentes com envio de tropas para missões de paz.

Outro ponto do testamento político de Pedro 2º que ecoa hoje é quando ele menciona a higiene pública.

Com todos os problemas inerentes principalmente ao fato de ser um instituto público que depende dos cofres de um país em desenvolvimento, o Sistema Único de Saúde (SUS), criado a partir da Constituição de 1988, é visto como modelo mundial de acesso universal e gratuito aos serviços de saúde.

"Além disso, uma herança da visão que Dom Pedro tinha de como o Brasil deveria ser está na democracia, com eleições regulares e liberdade de pensamento e de imprensa. Por mais que tenha sido atacada ao longo dos anos, essa ideia sobrevive e ainda está na base do sistema político brasileiro", acredita Rezzutti.

"Da época de Dom Pedro 2º, sobreviveram muitas instituições que ainda são importantes para a vida econômica e cultural brasileira", complementa o pesquisador. "Entre elas, estão a própria Escola de Minas, o Colégio Pedro 2º, criado originalmente para a formação de uma elite política e intelectual, e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro."

Quando ele defendia uma abertura maior aos imigrantes europeus, contudo, aos olhos de hoje é inevitável que a ideia soe com contornos racistas.

Seu ideal civilizatório era alinhado ao pensamento elitista e eurocêntrico de então. Pedro 2º não só se inspirava nos pensamentos que vinham do velho continente, mas também patrocinou políticas imigratórias que, sob a motivação de substituir a mão de obra do escravizado de origem negra, também tinha o viés de "embranquecer" o brasileiro.

"Ele entendia que trazer pessoas da Europa podia ajudar no progresso do país", explica Souza. "Isso acabou configurando a sociedade brasileira atual, com tantos grupos étnicos distintos."

Outros legados do período imperial sobreviveram ao tempo e implicaram na consolidação do Brasil contemporâneo.

É o caso da própria unidade territorial.

O Brasil poderia, assim como a América Espanhola, ter se esfacelado em diversas pequenas repúblicas. Isso não ocorreu principalmente porque havia um projeto de nação, conduzido por ambos os imperadores, que privilegiava um território robusto, grande, imenso.

Nesse sentido, o historiador Missiato lembra que houve um papel importante do governo imperial ao sufocar revoltas separatistas que pipocavam no território.

Disso também ficou a centralização do poder.

"Com certeza ele foi o líder mais importante da história do Brasil", acredita Missiato.

"Alguns aspectos da sociedade brasileira se formaram ou se fortaleceram no Segundo Reinado e não desapareceram até hoje", diz a historiadora Reis.

"Como a unidade territorial, as bases do Estado nacional, a busca pela liderança na América Latina e o afastamento cultural dos outros países latino-americanos."

 

Fonte: BBC News Brasil

 

Impeachment, 10 anos: Por onde anda Eduardo Cunha?

Há uma década, ex-presidente da Câmara deu pontapé para trâmite que levaria à queda de Dilma – e meses depois assistiu à própria derrocada. Hoje solto, Cunha tenta recuperar influência, desta vez em Minas Gerais.

Brasília, 2 de dezembro de 2015. Deputados do PT anunciam no início da tarde que pretendem fornecer os votos cruciais para a continuidade de um processo de cassação contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, à época acossado por revelações da Operação Lava Jato.

Cunha, que matinha há meses uma relação conflituosa com o cambaleante governo federal, liderado pelo PT, retaliou poucas horas depois: autorizando o início do trâmite de um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Mesmo desgastado por acusações envolvendo contas secretas na Suíça, ele protagonizaria nos meses seguintes aquele que seria o ápice da sua influência política: a articulação da queda de Dilma, em meio a um processo de derretimento da aprovação da petista e protestos de rua. A abertura do processo contra Dilma seria oficializada pela Câmara em votação em abril do ano seguinte, em sessão presidida por Cunha.

"Que Deus tenha misericórdia desta nação", disse Cunha ao anunciar seu voto pelo impedimento. Na mesma sessão, deputados de esquerda, indignados com as táticas de Cunha, o chamaram de "gângster", "ladrão" e "corrupto".

Mas a própria queda de Cunha não tardaria. Menos de três semanas depois, os 459 dias do deputado à frente da presidência da Câmara chegariam ao fim, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspeitava que o parlamentar estava obstruindo investigações.

Afastado e sem a caneta da presidência, Cunha viu erodir sua influência sobre seus colegas do fisiológico Centrão. Terminado seu papel no avanço do impeachment na Câmara, ele também deixaria de ser tolerado pela oposição e passaria a ser visto cada vez mais como um constrangimento crescente para o novo governo Michel Temer.

Em setembro de 2016, Cunha, acabaria cassado pela Câmara, por 450 votos a 10. No mês seguinte, sem mandato, foi preso por ordem do então juiz Sergio Moro.

Essa não seria a primeira queda de Cunha, que já havia sido pivô nos anos 1990 de outros escândalos no Rio de Janeiro, sua base eleitoral original, que o levaram a migrar para diferentes grupos políticos e o forçaram em vários momentos a reconstruir sua influência.

Uma década depois de iniciar o impeachment de Dilma, o ex-deputado tenta de novo uma reviravolta política.

<><> Prisão e condenações

Após deixar a Câmara, Cunha ainda acumulou condenações por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

O ex-deputado passaria quase três anos e meio detido em regime fechado, primeiro em Curitiba e depois no presídio de Bangu, no Rio. Em março de 2020, em meio à pandemia, passou para a prisão domiciliar.

A partir de 2021, no entanto, a sorte de Cunha começou a mudar, com o fim da Lava Jato e a anulação pelo STF de processos da operação. Em maio daquele ano, teve sua última ordem de prisão domiciliar revogada, e estava livre.

<><> Eleição da filha e primeira tentativa de retorno frustrada

Enquanto esteve preso, Cunha passou para a filha, Danielle, sua antiga base eleitoral no Rio de Janeiro, construída pelo ex-deputado no final dos anos 1990 junto ao eleitorado neopentecostal. Danielle, ou Dani Cunha, tentaria se eleger para a Câmara em 2018 associando a candidatura ao pai, sem sucesso.

Uma nova tentativa seria feita em 2022, desta vez resultando na eleição de Dani Cunha. Ela teve a campanha turbinada com a injeção pelo MDB de R$ 2 milhões do fundo eleitoral, uma soma que ultrapassava valores de candidatos veteranos.

Paralelamente, Cunha, já solto, conseguiu em 2022 uma liminar que suspendeu temporariamente sua inelegibilidade. Deixando o espaço no Rio para a filha, ele registrou candidatura no estado de São Paulo, e se filiou ao PTB de Roberto Jefferson. A inelegibilidade voltou a ser imposta pouco depois, mas Cunha ainda assim conseguiu assegurar que seu número permanecesse nas urnas.

Mirando no eleitorado antipetista, Cunha propagandeou seu antigo papel no impeachment. "Eu não conduzi o impeachment só com a aceitação do pedido. Eu fiz de tudo para que fosse aprovado. Eu articulei, eu lutei para isso. O impeachment foi a maior conquista da minha vida política", disse, em uma das peças de campanha.

No entanto, sem ter montado uma base efetiva em São Paulo, fracassou nas urnas, recebendo somente 5 mil votos.

A candidatura ainda revelaria que os anos de turbulência não haviam prejudicado as finanças de Cunha. Ele continuava rico, tendo declarado patrimônio de R$ 14,1 milhões à Justiça Eleitoral.

<><> Construindo base em Minas Gerais para 2026

Após o fracasso em São Paulo, Cunha, hoje com 67 anos, se voltou para Minas Gerais. No final de 2024, passou a construir metodicamente uma rede de influência regional baseada no cultivo do eleitorado evangélico, como parte de um plano para se candidatar a deputado federal pelo estado.

É uma tática que Cunha já havia adotado no Rio de Janeiro nos anos 1990, quando sua carreira no meio político sofreu um primeiro baque após seu nome ser envolvido no "esquema PC", pivô do impeachment de Collor (1990-1992). Nos anos seguintes, Cunha recuperou influência se metamorfoseando em político evangélico, segmento em ascensão à época

No momento, Cunha tem participado de cultos em Minas Gerais. Em abril, na inauguração de um templo em Araxá, recebeu elogios públicos do pastor Valdemiro Santiago.

Em Minas, Cunha também tem resgatado outra estratégia que ajudou a pavimentar sua primeira vitória no Rio como deputado federal em 2002: presença e controle de rádios evangélicas.

Nos últimos meses, Cunha vem adquirindo ou abrindo várias estações em Minas Gerais. Cinco delas já operam na Zona da Mata, região que faz divisa com o Rio de Janeiro, incluindo estações em Juiz de Fora e Guarani.

Outra foi inaugurada em julho em Belo Horizonte, e contém um segmento transmitido de hora em hora chamado "Versículo da hora - com Eduardo Cunha".

Há também estações em Uberaba e Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Até o momento, Cunha já soma mais de dez rádios em operação, agregadas como "Rede 89 Maravilha”.  No início de novembro, Cunha disse que o plano envolve implementar 23 rádios.

"Transmitimos fé, esperança e a Palavra de Deus", diz o slogan da rede.

Inicialmente, Cunha passou a adquirir as rádios de maneira discreta, por meio de seu genro, mas depois passou a participar ativamente da programação, comandando programas que misturam debates sobre política e religião. Também passou a falar abertamente sobre seus planos para 2026.

Cunha ainda tem usado a rede para avançar em outras frentes. Em Uberaba, sua rádio passou a patrocinar um clube de futebol. Em abril, Cunha, que é flamenguista, gravou um vídeo desejando sorte ao Uberaba Sport Club na segunda divisão do campeonato mineiro.

Além de se reunir com vereadores pelo estado, Cunha ainda tem tentado se aproximar do agronegócio local, num movimento similar aos seus tempos de Câmara, quando transitava tanto entre evangélicos quanto empresários. Em abril, participou da abertura da Expozebu, uma das maiores feiras pecuárias do mundo, em Uberaba, além de tomar parte num leilão de gado.

<><> Inelegibilidade ainda paira sobre planos

Cunha atualmente está filiado ao partido Republicanos e chegou a abrir no primeiro semestre negociações com o PL de Jair Bolsonaro, mas as conversas não avançaram.

Até o fim de novembro. ele ainda não havia oficializado sua mudança de domicílio eleitoral de São Paulo para Minas – o prazo termina em abril de 2026.

Mas, mesmo com eventual transferência, os planos de Cunha ainda esbarram na inelegibilidade. Apesar de ter conseguido anular suas condenações, o ex-deputado ainda enfrenta as consequências da cassação pela Câmara em setembro de 2016.

Após a curta janela aberta por uma liminar que permitiu a candidatura em 2022, Cunha teve a Inelegibilidade reconfirmada pelo STF.

Apesar de terem se passado mais de oito anos após a cassação, prazo máximo da Lei da Ficha Limpa, a punição de Cunha passou a contar a partir daquele que teria sido o último dia remanescente de mandato, 31 de janeiro de 2019. Ou seja, sua inelegibilidade deveria durar até 2027.

Para tentar encurtar o prazo, Cunha passou a contar com o auxílio da filha, a deputada Dani Cunha, hoje no União Brasil, que promoveu um projeto para alterar os prazos da Ficha Limpa. Uma das mudanças propostas parecia especialmente desenhada para o pai: o prazo de oito anos começaria a contar a partir da cassação. No caso de Cunha, a data retroagiria para 2024.

A iniciativa avançou com sucesso no Congresso entre junho e setembro, apesar de críticas de defensores da Ficha Limpa. No entanto, o presidente Lula acabou vetando diversos trechos.

A mudança que passou a estabelecer a data de cassação como marco para inelegibilidade permaneceu, mas Lula barrou a possibilidade de que a medida pudesse ser aplicada retroativamente a políticos já cassados, deixando Cunha no limbo.

Os vetos de Lula ainda podem ser derrubados pelo Congresso, a exemplo do que aconteceu na semana passada com o projeto de lei do licenciamento ambiental. Especialistas também apontam que, mesmo com a manutenção dos vetos, as mudanças que passaram já abrem brecha para contestação judicial.

Cunha tem tentado sinalizar em entrevistas que não está preocupado, alegando que já se considera elegível desde 2022.

Enquanto isso, continua a expandir sua influência em Minas Gerais. Mas seus giros pelo estado não são livres de incidentes. Em junho, ao desembarcar em Confins, na grande Belo Horizonte, foi vaiado e chamado de "ladrão” por bolsonaristas que estavam no local aguardando a chegada do ex-presidente Jair Bolsonaro que viajava coincidentemente no mesmo voo.

 

Fonte: DW Brasil

 

Implantes cerebrais melhoram 50% dos casos resistentes de depressão

A depressão maior — ou transtorno depressivo maior (TDM) — é uma doença mental grave, que afeta mais de 300 milhões de pessoas no mundo inteiro, e se caracteriza por tristeza profunda e persistente e/ou perda de prazer nas atividades do dia a dia.

Embora os antidepressivos e as terapias cognitivas ajudem muitos pacientes, os tratamentos convencionais para a doença não funcionam para todos. Segundo a literatura científica estabelecida, a resistência às terapias atinge entre 30% e 50% dos casos, deixando milhões de pessoas sem opções eficazes para aliviar seus sintomas.

Aprovada em 1997 para distúrbios do movimento como tremor essencial e Parkinson, a técnica de estimulação cerebral profunda (ECP) passou a ser estudada para condições psiquiátricas. Após sucesso em pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), pesquisadores têm explorado seu uso para depressão.

Agora, em um estudo recente publicado na Nature Communications, pesquisadores do Hospital Ruijin de Xangai (China) testaram a ECP em 26 pacientes com depressão resistente. A técnica utiliza eletrodos finos implantados cirurgicamente no cérebro que emitem pulsos elétricos para modular a atividade cerebral anormal.

Para participar do estudo aberto — em que tanto os pesquisadores quanto os pacientes sabiam que a ECP estava sendo administrada —, a depressão foi considerada resistente quando pelo menos três tipos diferentes de tratamento não funcionaram: antidepressivos, psicoterapia ou eletroconvulsoterapia.

<><> Descobrindo biomarcadores cerebrais que preveem respostas ao tratamento

Para testar o uso da estimulação cerebral profunda, a equipe a direcionou para duas regiões cerebrais: o núcleo do leito da estria terminal (BNST), envolvido na regulação de estresse, ansiedade e medo prolongado; e o núcleo accumbens, crucial para o processamento de recompensas, motivação e prazer.

Pesquisando padrões cerebrais prévios ao tratamento que indicassem quem teria melhora, os autores gravaram sinais elétricos diretamente do cérebro logo após a cirurgia, e continuaram as medições no período pós-operatório e durante os meses de acompanhamento com estimulação ativa ou desligada.

Após um ano de tratamento, os resultados revelaram uma resposta clínica considerável: cerca de metade dos pacientes respondeu ao estímulo e 35% entraram em remissão. Os ganhos envolveram melhoras em sintomas depressivos, ansiosos, qualidade de vida e funcionalidade.

A metodologia registrou a atividade elétrica do cérebro diretamente do BNST — região profunda ligada à ansiedade e ao estresse — com oscilações entre 4 e 8 Hertz na frequência teta. Valores mais baixos dessa oscilação se correlacionaram com melhores níveis de humor diários nos pacientes.

A medição prévia da atividade elétrica no BNST revelou que os pacientes com menos atividade teta nessa estrutura cerebral antes da cirurgia responderam melhor ao tratamento. Isso significa que a atividade teta funciona como um biomarcador que ajuda a prever quem responderá melhor à terapia.

<><> Perspectivas e potencial terapêutico das descobertas

Em um comunicado, a pesquisadora-líder Valerie Voon, da Universidade de Cambridge, afirmou que, além de ser um potencial tratamento, a ECP “nos forneceu um marcador objetivo, possível e muito necessário, para indicar quais pacientes responderão melhor ao tratamento”.

Essa transição da psiquiatria, de uma abordagem baseada apenas em sintomas para uma medicina de precisão biologicamente fundamentada, representa uma mensagem real de esperança para os milhões de pessoas que vivem com depressão resistente ao tratamento.

Nesse contexto futuro, podemos imaginar um cenário no qual pacientes com depressão grave passam por avaliações multimodais — como EEG, ressonância magnética, testes neuropsicológicos — para orientar tratamentos personalizados e mais adequados ao seu perfil.

A ideia é desenvolver sistemas de “circuito fechado” capazes de monitorar o cérebro em tempo real e ajustar automaticamente a estimulação conforme as mudanças no humor ou na ansiedade do paciente. Isso seria como um marcapasso cardíaco para regular continuamente o estado emocional das pessoas.

Ao mirar uma nova opção terapêutica para alguns dos pacientes mais vulneráveis, a pesquisa acabou também iluminando os mecanismos neurais fundamentais da depressão. Os achados abrem caminhos para inovações terapêuticas para pessoas com diferentes estágios da doença — de moderados até os mais resistentes.

•        Por que acordamos no meio da noite com pensamentos perturbadores?

Você adormece em um horário adequado, garantindo tempo suficiente para descansar antes de um grande dia pela frente — apenas para ser subitamente acordado por pensamentos acelerados: Será que seu amigo ficou secretamente ofendido com sua piada? Seus filhos estão seguros na escola? Os conflitos internacionais e as divisões políticas terão fim? Você perderá seu emprego para a inteligência artificial?

Quanto mais sua mente gira como uma roda de hamster, mais difícil parece voltar a dormir.

"Acordar no meio da noite com pensamentos acelerados ou intrusivos é muito comum e, na verdade, é um dos sintomas mais frequentemente relatados de insônia crônica", afirma Michelle Drerup, diretora de educação e medicina comportamental do sono no Centro de Distúrbios do Sono da Clínica Cleveland, em Ohio.

Segundo especialistas, essa ansiedade noturna provavelmente ocorre devido a uma combinação de fatores biológicos e psicológicos.

"Todos acordam brevemente várias vezes durante a noite, mas esses despertares são geralmente tão breves que não os percebemos", explica Drerup. "Quando alguém está sob mais estresse ou ansiedade, em vez de voltar a dormir imediatamente, sua mente nota ou se prende a um desses pensamentos ou preocupações, transformando o que teria sido uma normal 'microexcitação' em um estado de alerta."

Além disso, quando as distrações típicas do dia diminuem, o cérebro tem mais capacidade para revisitar questões não resolvidas, diz Simon Rego, chefe de psicologia do Centro Médico Montefiore em Nova York.

Quando você adormece, a parte pensante do cérebro — o córtex pré-frontal — se acalma, mas durante o sono tarde da noite, o sistema de alarme do cérebro conhecido como amígdala está ativo, explica Leah Kaylor, psicóloga clínica em St. Petersburg, Flórida. Kaylor também é especialista em sono do FBI e autora de "If Sleep Were a Drug: The Science of Sleep Optimization" ("Se dormir fosse uma droga: a ciência por trás da otimização do sono", em tradução livre para português).

<><> Acalmando-se para dormir

Assim como cada pessoa tem um gatilho pessoal para a ruminação noturna, não existe uma solução única para essa questão, segundo Drerup. Mas ela e outros especialistas têm algumas práticas entre as quais você pode escolher.

Uma delas é o embaralhamento cognitivo, de acordo com Kaylor, que envolve imaginar mentalmente palavras aleatórias, impessoais e sem carga emocional

Para cada letra da palavra escolhida, você pensa em quantas palavras correspondentes conseguir por cinco a oito segundos cada, antes de passar para a próxima letra.

Para a palavra "piano", por exemplo, você poderia pensar "Pera, paraquedas, pirueta... Item, intenção, iglu..." e assim por diante. O embaralhamento cognitivo funciona, geralmente dentro de cinco a 15 minutos, distraindo o cérebro do estresse e imitando padrões de pensamento fragmentados e não lineares que tipicamente ocorrem na transição para o sono.

O aterramento sensorial ancora sua atenção ao mundo físico em vez de histórias mentais, explica Kaylor. Conte cinco coisas que você pode sentir, por exemplo, ou uma coisa que pode sentir, uma que pode cheirar, uma que pode provar, uma que pode ouvir e uma que pode ver.

Passeios mentais também podem funcionar. Imagine-se caminhando por um antigo apartamento, uma rua da infância ou um corredor de supermercado. "Imagens familiares mas neutras acalmam o cérebro", afirma Kaylor.

A respiração consciente é um aliviador de estresse comum, e existem várias formas — incluindo respiração profunda, respiração 4-7-8 e relaxamento muscular progressivo. Contar regressivamente a partir de 200 ou números próximos também costuma ser útil para algumas pessoas.

Colocar rapidamente seus pensamentos no papel pode ajudar, já que você pode então se sentir confiante de que poderá lidar com o problema amanhã e conseguir afastá-lo mais facilmente de sua mente. Mas fazer isso não funciona para todos, especialmente se você sabe que o problema não tem solução fácil — por isso Drerup recomenda fazer um diário sobre seus pensamentos e próximos passos horas antes de dormir, para treinar seu cérebro a processar o estresse mais cedo em vez de deixá-lo para a noite.

Se nenhuma dessas estratégias funcionar dentro de 15 a 20 minutos, levante-se da cama e faça algo relaxante até sentir sono novamente, dizem os especialistas. Isso pode incluir ouvir um podcast ou uma playlist calma, ler um livro, fazer um quebra-cabeça ou dobrar roupas, segundo Rego e Drerup.

Limitar o tempo que você permanece na cama ajuda a prevenir uma associação aprendida entre sua cama e ansiedade, explica Drerup. Isso é importante, pois ter uma consciência fundamental de que despertares noturnos são normais, confiar que seu corpo sabe como voltar a dormir e diminuir o medo associado ao despertar são aspectos críticos.

Por isso, evite ficar olhando para o relógio — saber as horas provavelmente só aumentará seu estresse.

<><> Avalie seus hábitos diários

A dica do diário pode precisar fazer parte de um conjunto regular de ferramentas para gerenciamento do estresse diurno que pode estar faltando em sua vida, causando ansiedade noturna. Esse conjunto pode incluir exercícios, tempo ao ar livre, meditação e um "horário programado para preocupações", segundo Rego e Kaylor.

Além disso, considere sua rotina geral de sono e outros hábitos. Talvez você esteja acordando porque está com muito calor, enquanto uma temperatura ambiente entre 18 e 19 graus Celsius é ideal para dormir, afirma Kaylor.

E embora o álcool possa ajudar você a pegar no sono, ele interfere na manutenção do sono. O uso de telas antes de dormir também é prejudicial, especialmente se o conteúdo que você está consumindo for estressante ou estimulante.

<><> Quando procurar um médico

Você pode precisar consultar um médico sobre seus pensamentos acelerados se eles estiverem te acordando três ou mais noites por semana durante três meses ou mais; se eles ou seu impacto no sono estiverem interferindo no seu trabalho, humor, memória ou outro funcionamento diurno; se você sempre teme a hora de dormir; ou se você se sente inseguro, explica Kaylor.

"Existem diversos tratamentos baseados em evidências para o estresse noturno, incluindo a terapia cognitivo-comportamental para insônia", afirma Drerup. A terapia também aborda a ruminação e crenças prejudiciais sobre o sono.

Terapias baseadas em mindfulness, terapia cognitivo-comportamental para ansiedade, terapias focadas em trauma e terapia de aceitação e compromisso para insônia também são eficazes, dependendo da causa raiz do problema, segundo os especialistas.

Para casos leves, Kaylor indica que os especialistas às vezes recomendam suplementos como magnésio glicinato ou L-teanina, um aminoácido que ajuda a reduzir o estresse e promover a calma. Mesmo que os suplementos estejam disponíveis sem receita, você deve consultar um médico antes de experimentá-los, caso eles não se misturem bem com medicamentos que você já esteja tomando.

Medicamentos para dormir — como os antidepressivos doxepina ou trazodona, ou certos hipnóticos não benzodiazepínicos — podem ser úteis a curto prazo, diz Kaylor. Mas o uso prolongado pode levar à dependência, abstinência ou diminuição do impulso natural do sono, alerta Kaylor.

"Algumas pessoas realmente fazem uso seguro de medicamentos a longo prazo sob supervisão médica", diz, "mas isso deve ser um plano cuidadosamente monitorado, não uma estratégia de primeira linha."

 

Fonte: CNN Brasil

 


 


Lula propõe a Trump cooperação internacional com inteligência contra crime sem uso de armas

Em conversa com Donald Trump, Lula defendeu cooperação internacional contra o crime organizado baseada em inteligência, sem uso de armas, destacando que Brasil e EUA podem unir forças para enfrentar facções, narcotráfico e lavagem de dinheiro sem recorrer a soluções militares.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou nesta quarta-feira (3) que, em conversa com Donald Trump, defendeu uma estratégia conjunta de enfrentamento ao crime organizado baseada em inteligência, sem recorrer ao uso de armas. O diálogo, ocorrido na terça-feira (2), teve como foco a cooperação internacional contra facções criminosas e o narcotráfico.

Durante entrevista à TV Verdes Mares, no Ceará, Lula destacou os principais trechos de sua conversa com o presidente norte-americano.

"Vamos utilizar a inteligência que nós temos, dos países que fazem fronteira com o Brasil, dos EUA e de outras partes do mundo, para que a gente possa jogar todo o peso do mundo para derrotar as facções criminosas, o narcotráfico e tantas outras coisas ilícitas", disse Lula durante a entrevista.

O presidente reforçou ainda que "a gente não precisa utilizar arma, podemos usar inteligência para acabar com o narcotráfico e o crime organizado", defendendo uma abordagem que privilegia tecnologia e cooperação internacional em vez de soluções militares.

Ao apresentar diretamente a Trump propostas de colaboração contra o crime e a lavagem de dinheiro, Lula buscou projetar a imagem de um Brasil capaz de atuar de forma eficiente contra irregularidades, fortalecendo sua posição no cenário global.

Essa postura também responde às críticas da oposição e de setores bolsonaristas, que defendem a classificação de facções como o PCC e o Comando Vermelho como organizações terroristas.

Segundo a Folha de S.Paulo, para auxiliares do governo, tal enquadramento poderia abrir espaço para operações militares externas, como já ocorre na Venezuela, onde os EUA utilizam esse argumento como justificativa.

Nesse contexto, interlocutores do Planalto já deixaram claro que brechas legais desta natureza devem ser evitadas para que não possam abrir precedentes futuros para ações unilaterais contra o país, e lembram que a questão é sobre "soberania" o que não impede, contudo, o reforço à defesa com soluções baseadas em inteligência e cooperação internacional.

<><> O que Lula pediu a Trump em nova conversa por telefone

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) telefonou para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nesta terça-feira (2/12) para pedir revisão das tarifas sobre produtos brasileiros e falar sobre combate ao crime organizado.

As crescentes tensões entre EUA e Venezuela não foram abordadas durante a ligação. Lula já criticou o envio de forças miltares americanas para o Mar do Caribe e classificou os ataques a embarcações como "intervenções ilegais".

Segundo informações divulgadas pelo governo, a chamada aconteceu às 12h (horário de Brasília) e teve duração de 40 minutos.

Na conversa, Lula apontou que apesar da retirada da tarifa de 40% sobre alguns produtos, ainda há mercadorias que estão sendo taxadas e, por isso, são necessárias novas negociações.

A situação dos manufaturados, especialmente, preocupa o governo, segundo informou à BBC Brasil uma fonte do Palácio no Planalto, que pediu para não ser identificada.

Segundo essa fonte, a ligação não teve como objetivo pressionar o governo americano, mas manter o assunto em pauta e avançar para reduzir ao máximo o tarifaço.

Trump e Lula teriam combinado de manter as reuniões das equipes negociadoras e o presidente americano disse estar aberto pra cooperação.

combate ao crime organizado também foi pauta durante a ligação.

Os dois presidentes têm posições distintas no assunto. O governo americano já quis classificar facções brasileiras como organizações terroristas, e solicitou que o Brasil adotasse a designação.

O governo brasileiro foi contra e argumentou que, apesar de suas atividades criminosas, esses grupos não se enquadram na definição de organização terrorista, que tem seus atos motivados por xenofobia, discriminação ou preconceito.

Além disso, o Brasil costuma tratar o combate ao crime organizado com políticas internas e cooperação regional, por preocupações de soberania e segurança.

Apesar disso, o Planalto informou que Lula expressou para Trump seu desejo em reforçar a cooperação com os EUA para enfrentar o crime organizado internacional.

O presidente brasileiro teria destacado operações recentes realizadas no país para "asfixiar financeiramente" organizações criminosas, indicando a existência de ramificações que operam do exterior.

Trump, por sua vez, teria mostrado "total disposição em trabalhar junto com o Brasil" e apoio a iniciativas conjuntas entre os dois países.

Segundo a fonte ouvida pela BBC, o presidente brasileiro não chegou a mencionar a operação policial que envolveu a Refit, dona da Refinaria de Manguinhos, e que tem algumas empresas no estado de Delaware, nos EUA.

Mas, para o governo brasileiro, é preciso combater financiadores do crime organizado que atuam no país norte-americano.

A Refit é investigada por manter relações financeiras com empresas e pessoas ligadas à Operação Carbono Oculto, realizada em agosto de 2025, contra postos de combustíveis e fundos de investimento usados para lavar dinheiro do crime organizado.

O caso notoriedade por ter chegado ao coração financeiro de São Paulo, a avenida Brigadeiro Faria Lima.

¨      Justiça brasileira abre caminho para retorno de suposto espião à Rússia

O suposto espião Sergey Vladimirovich Cherkasov ficou mais perto de retornar à sua terra natal, a Rússia. Manifestações da Justiça Federal e do Ministério Público Federal (MPF) nos últimos dois meses informaram que ele não teria mais nenhuma pendência jurídica que o impedisse de ser extraditado para a Rússia.

Atualmente, ele cumpre pena de cinco anos de prisão por falsidade ideológica em uma penitenciária federal de Brasília. A sua entrega à Rússia, agora, depende apenas da Presidência da República, pois as entregas em casos de extradição precisam ser deliberadas pela chefia do Poder Executivo.

Uma fonte do governo brasileiro que falou à BBC News Brasil em caráter reservado afirmou que o caso ainda não teria chegado ao conhecimento do presidente brasileiro.

Cherkasov está preso no Brasil desde abril de 2022 e é apontado pela Polícia Federal e pelo FBI (a polícia federal americana) como um agente de inteligência russo que usava uma identidade falsa brasileira para atuar no exterior. Cherkasov nega, até hoje, ser um espião a serviço do governo russo.

O governo russo pede sua extradição desde 2022 e sua entrega, que já havia sido validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dependia do fim de investigações sobre contra Cherkasov, que já foram encerradas.

Documentos obtidos pela BBC News Brasil apontam que a Justiça Federal de São Paulo e procuradorias da República do Rio de Janeiro e do Distrito Federal informaram que não há mais "óbices" à extradição de Cherkasov.

As manifestações que deixaram o caminho de Cherkasov à Rússia mais aberto começaram chegar ao MJSP nos últimos dois meses. Em outubro, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro e a 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro disseram, em ofícios, que não haveria óbice à extradição de Cherkasov.

No dia 14 de novembro deste ano, foi a vez do Ministério Público Federal no Distrito Federal informar que não identificava obstáculos à extradição do russo.

Além disso, a 15ª Vara Federal de Guarulhos, em São Paulo, também havia informado que o processo pelo qual foi condenado já havia transitado em julgado.

No dia 17 de novembro, o juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 15ª Vara Federal de Execução Penal do Distrito Federal, determinou a entrega de Cherkasov ao governo russo. A decisão, que referenda uma ordem do STF, de 2023, e foi encaminhada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

Em nota, a pasta disse que "recebeu a comunicação do Poder Judiciário e que a partir de agora seguirá a tramitação do caso, conforme dispõe a legislação brasileira".

A reportagem também enviou questionamentos ao Ministério de Relações Exteriores (MRE) e à Presidência da República. A Presidência disse que caberia ao MJSP e ao MRE responder sobre o tema. O MRE não enviou respostas.

A BBC News Brasil apurou que a expectativa é de que Cherkasov seja levado de volta à Rússia em uma aeronave disponibilizada pelo governo russo. A data de sua entrega ainda não foi formalizada.

Sua eventual entrega à Rússia vai na contramão de um pedido de extradição feito pelos Estados Unidos, em 2023, sob a alegação de que Cherkasov teria praticado crimes naquele país.

A BBC News Brasil enviou questionamentos sobre o assunto às embaixadas da Rússia e dos Estados Unidos no Brasil mas não obteve respostas. A defesa de Cherkasov no Brasil também foi procurada, mas não se pronunciou até o momento.

<><> Trajetória interrompida

A trajetória como suposto espião de Cherkasov foi interrompida, ao menos até agora, no dia 2 abril, quando ele viajou do Brasil para a Holanda, onde tentava atuar como estagiário no Tribunal Penal Internacional, organismo que julga crimes de guerra e é baseado na cidade de Haia.

Dois meses antes, em fevereiro, a Rússia havia dado início à invasão da Ucrânia.

A inteligência holandesa e investigações tanto da Polícia Federal quanto do FBI (a polícia federal norte-americana) apontaram que Cherkasov usava uma identidade brasileira falsa e adotava o nome de Victor Muller Ferreira.

De acordo com as investigações da Polícia Federal, não há elementos apontando que Cherkasov praticou espionagem contra autoridades, empresa sou instituições brasileiras.

Segundo as investigações, o russo chegou ao Brasil em 2010 e usava o país e sua identidade brasileira como cobertura para atuar no exterior sem despertar as atenções dos serviços de inteligência estrangeiros.

No Brasil, Cherkasov conseguiu obter documentos como carteira de habilitação, título de eleitor, certificado de reservista e passaporte. Foi com esses documentos que ele conseguiu se passar por estudante e fazer cursos em universidades dos Estados Unidos e da Irlanda.

"Victor Müller/Sergey Cherkasov utiliza-se de técnicas de inteligência de Estado, recrutamento de colaboradores [...] comunicação deletada, uso de documentos falsos", diz um trecho da denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o russo.

No Brasil, ele chegou a ser investigado por espionagem, mas o inquérito foi arquivado.

Ainda em 2022, ele foi condenado a 15 anos de prisão por falsidade ideológica. Sua pena foi posteriormente reduzida para cinco anos de reclusão.

Inicialmente, ele ficou preso em uma cela da Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, mas foi posteriormente transferido para uma cela em um presídio federal de Brasília, onde está detido.

<><> Operação para recuperar suposto espião

Após a prisão de Cherkasov no Brasil, o governo russo deu início a uma operação diplomática para recuperar o suposto espião.

Ainda em 2022, reportagem da BBC News Brasil apontou que o Consulado da Rússia em São Paulo se ofereceu para abrigar Cherkasov em suas instalações enquanto aguardava pelo julgamento. O pedido não foi deferido pela Justiça Federal de São Paulo.

Mais tarde, investigações da Polícia Federal reveladas pelo jornal Folha de S. Paulo apontaram que funcionários da Embaixada Russa deram suporte logístico a Cherkasov.

Em agosto de 2022, o governo do país pediu, formalmente, a extradição de Cherkasov ao STF.

No pedido, as autoridades russas alegaram que Cherkasov era, na realidade, um traficante de drogas procurado em seu país natal.

A informação, no entanto, vai na contramão do indiciamento feito pelas autoridades norte-americanas contra Cherkasov.

O documento, ao qual a BBC News Brasil teve acesso, aponta que o FBI não tinha evidências de que ele estivesse envolvido com o tráfico de drogas.

Em março de 2023, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos formalizou uma acusação contra Cherkasov por crimes como atuação de agente estrangeiro em solo norte-americano sem autorização, fraudes financeiras e com objetivo de obter um visto.

Na acusação, o governo norte-americano afirma que Cherkasov é um oficial do Departamento Central de Inteligência (GRU) e que usava a identidade brasileira para se infiltrar em instituições e obter informações estratégicas como a análise de especialistas em geopolíticas sobre a reação dos países alinhados aos Estados Unidos à invasão da Ucrânia.

Segundo o FBI, Cherkasov fazia parte de um grupo considerado a elite da espionagem russa, formado por espiões que são enviados a outros países pelo governo russo com a missão de assumir diferentes nacionalidades e personalidades para conseguir acesso a informações de políticos, acadêmicos, instituições e empresas de interesse do governo russo. Esse grupo é conhecido popularmente como "ilegais".

Ele é conhecido por terem agentes enviados ainda jovens para diferentes países com o objetivo de viverem nestes locais como nativos sem despertar desconfiança. A partir daí, a meta é estabelecer relacionamentos e obter informações de acordo com a demanda dos seus chefes, conhecidos como "controladores".

Também em março de 2023, o ministro do STF, Edson Fachin, validou um pedido formulado por Cherkasov para se entregar às autoridades russas. A entrega dele, no entanto, ficou condicionada ao fim de uma investigação conduzida pela Polícia Federal sobre lavagem de dinheiro contra o russo e à autorização do presidente da República.

As investigações deste inquérito foram finalizadas pela PF neste ano.

Com base nas investigações do FBI, o governo americano pediu a extradição de Cherkasov, em abril de 2023. O pedido, no entanto, não chegou a ser julgado pelo STF.

Segundo nota divulgada pelo governo brasileiro em julho de 2023, o pedido foi considerado improcedente porque, na época em que foi feito, o pedido russo já havia sido homologado pelo Supremo.

<><> Rede de supostos espiões exposta

As investigações da Polícia Federal, do FBI e de outros serviços de inteligência internacionais apontam que Cherkasov faria parte de uma rede de agentes a serviço do governo russo que começou a ser desmantelada em 2022.

Até o momento, pelo menos nove pessoas foram identificadas pelas investigações como potenciais agentes russos usando identidades brasileiras.

Poucos meses depois de Cherkasov ser preso, em novembro de 2022, a polícia norueguesa prendeu outro suposto espião russo usando identidade falsa brasileira.

Seu nome falso era José de Assis Giammaria, mas as autoridades do país europeu afirmam que ele se chamava, na verdade, Mikhail Mikushin e seria um espião russo infiltrado em uma universidade na região do Ártico, na fronteira entre Noruega e Rússia.

Um terceiro caso surgiu pouco depois, no final de 2022, depois que uma brasileira reportou o desaparecimento de seu namorado, o também "brasileiro" Gerhard Daniel Campos.

As autoridades, no entanto, alegam que Campos, na realidade, seria outro espião russo cujo verdadeiro nome é Artem Shmyrev. Ele deixou o Brasil pouco antes de a Polícia Federal deflagrar uma operação para prendê-lo e ele nunca mais foi visto.

Uma reportagem do The New York Times enumera outras seis pessoas que teriam usado documentos brasileiros como parte de seus disfarces: Yekaterina Leonidovna Danilova, Vladimir Aleksandrovich Danilov, Olga Igorevna Tyutereva, Aleksandr Andreyevich Utekhin, Irina Alekseyevna Antonova e Roman Olegovich Koval.

Utekhin, segundo as investigações, se disfarçava em Brasília como empresário do ramo de joias.

Outra suposta espiã, cujo nome brasileiro seria Maria Isabel Moresco Garcia, trabalhava como modelo.

De acordo com as investigações da Polícia Federal, nenhum dos supostos espiões identificados até agora colhiam informações sobre o Brasil.

A passagem pelo país, segundo o que se apurou, fazia parte de uma estratégia de criar um disfarce sólido o suficiente para não chamar atenção nos países onde, de fato, os agentes deveriam realizar as suas missões.

Ainda de acordo com as autoridades brasileiras, os principais motivos pelos quais a Rússia teria escolhido o Brasil como disfarce para seus espiões são: fragilidades dos sistemas de emissão e controle de documentos no Brasil; histórico de não envolvimento do país em conflitos internacionais; e população miscigenada.

 

Fonte: Sputnik Brasil/BBC News Brasil