Como os EUA de Trump podem influenciar
conclave para escolher novo papa
O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou neste
sábado (3/5) uma imagem gerada por inteligência artificial em que aparece
vestido como papa.
Sem qualquer
comentário adicional, a foto foi compartilhada em seu perfil pessoal e nas
contas oficiais da Casa Branca no X e no Instagram.
A
postagem provocou reações negativas nas redes sociais.
"Não.
Pare. Estamos de luto pelo papa Francisco e tentando ter
paz enquanto aguardamos o conclave para eleger um novo. Ser católico nos EUA já
é difícil o suficiente", escreveu uma usuária.
"O
nível de inadequação e desrespeito desta postagem é inacreditável. E eu sou
ateu", comentou outro perfil.
Embora
a maioria dos comentários seja negativos, alguns usuários apoiaram a postagem.
"Como
cristão, não vejo nada de errado nisso. Vestir uma fantasia não torna uma
pessoa o que ela não é. E todo ser humano tem a liberdade de se expressar
usando qualquer tipo de fantasia, desde que seja apropriado."
A
imagem foi divulgada poucos dias após Trump declarar, em tom de brincadeira,
que "gostaria de ser papa". A declaração ocorreu em 29 de abril,
quando foi questionado por jornalistas sobre qual cardeal escolheria para
ocupar o posto de pontífice. "Essa seria minha primeira opção",
respondeu.
As
declarações e a publicação ocorrem em meio a um momento delicado para a Igreja
Católica. Com a morte de Francisco, cardeais de todo o mundo se reúnem em
Roma para o conclave que
definirá o novo papa. A movimentação tem gerado debate sobre o grau de
influência que os Estados Unidos poderão exercer nesse processo.
O país
abriga uma ala conservadora da Igreja Católica que foi um dos
principais focos de resistência e oposição ao papa Francisco ao longo de seus
12 anos de pontificado. Essa ala também tem proximidade com o governo de Donald
Trump, no qual há muitos católicos no alto escalão, entre eles o vice, J.D.
Vance.
Desde
seu primeiro mandato (2017-2021), a relação entre o governo Trump e o papa
Francisco foi marcada por divergências públicas, tanto em temas políticos
quanto eclesiásticos.
Agora,
o conclave vai definir a direção da Igreja nos próximos anos ou décadas. O novo
líder espiritual dos 1,4 bilhão de católicos do mundo poderá seguir a visão
liberal e a agenda progressista adotada por Francisco ou marcar um retorno a
uma postura mais conservadora, como defendem os que o criticavam.
Apesar
de poucos analistas acreditarem na possibilidade de um americano ser eleito
papa, representantes e simpatizantes da ala conservadora da Igreja nos Estados
Unidos podem atuar nos bastidores para tentar impulsionar candidatos que se
alinhem à sua visão.
Mesmo
que o governo Trump não exerça influência direta para eleger um candidato mais
associado às suas prioridades políticas, há expectativa sobre o impacto que o
trumpismo poderá ter no conclave.
"Acredito
que (a possível influência dos Estados Unidos) seja uma preocupação entre
alguns observadores, inclusive eu", diz à BBC News Brasil o professor de
teologia histórica Massimo Faggioli, da Universidade Villanova, na Pensilvânia.
Segundo
Faggioli, há a percepção de que os Estados Unidos estão mais interessados no
que vai acontecer neste conclave em comparação com anos anteriores.
"Há
a sensação de que os Estados Unidos têm um projeto para mudar as coisas no
mundo. E o Vaticano faz parte desse projeto do trumpismo e faz parte do projeto
do catolicismo americano que apoiou Trump", observa.
"O
conclave é apenas um passo em um projeto de longo prazo dos Estados Unidos de
Trump, dos católicos em torno de Trump e dos cristãos em geral em torno de
Trump", afirma Faggioli.
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Grupo pequeno, mas influente
Dos 135
cardeais que têm menos de 80 anos e, portanto, podem votar no conclave, dez são
dos Estados Unidos, o segundo país com maior número votos, atrás apenas da
Itália.
"Mas,
ainda assim, são apenas 8% dos eleitores", ressalta David Gibson, diretor
do Center on Religion and Culture (Centro de Religião e Cultura) da
Universidade Fordham, em Nova York.
"E
estão divididos entre aqueles que são a favor de Francisco e desse tipo de papa
e aqueles que são anti-Francisco", diz Gibson à BBC News Brasil.
Segundo
Faggioli, a influência em um conclave pode ser exercida não apenas ao tentar
eleger seu candidato favorito, mas também ao garantir que alguém (que tenha uma
visão contrária à sua) não seja eleito.
"Eles
sabem que são minoria, mas podem estabelecer ligações com outros cardeais em
algumas questões específicas", diz Faggioli.
"Os
Estados Unidos têm influência sobre muitos cardeais ao redor do mundo, devido
ao seu soft power. E isso vale tanto para os liberais quanto para os
conservadores", destaca Faggioli.
Apesar
de o conclave ser realizado a portas fechadas e em segredo, os dias que
antecedem a votação são marcados por reuniões e discussões sobre as qualidades
necessárias no próximo líder da Igreja.
Nesse
estágio, diferentes setores católicos, incluindo os conservadores americanos,
têm a oportunidade de influenciar o debate e defender suas preocupações e
preferências diante dos cardeais que irão votar, em uma espécie de
"campanha eleitoral".
Esses
esforços podem partir não apenas de bispos e líderes religiosos, mas também de
uma série de organizações católicas que buscam fortalecer a agenda conservadora
da Igreja.
Nos
Estados Unidos, a ala que se destacou pelas críticas ao papa Francisco é
relativamente pequena, mas bastante influente.
"Eles
são muito bem organizados e muito bem financiados. E, por isso, fazem muito
barulho. Mas não acho que representem muitas vozes", diz à BBC News Brasil
o pesquisador de estudos católicos Michael Sean Winters, colunista do jornal
National Catholic Reporter.
Os
críticos de Francisco nos Estados Unidos são apoiados por um ecossistema de
mídia católica independente, que frequentemente acusava o papa de prejudicar a
Igreja e até questionava sua legitimidade.
"O
centro da oposição conservadora ao papa Francisco está nos Estados Unidos. Não
é grande, mas é muito poderoso, muito rico, muito influente e muito
visível", resume Gibson.
"Podem
influenciar o conclave com campanhas nas redes sociais", destaca Gibson.
"A mídia social conservadora americana tem dinheiro, visibilidade e
alcance global. Portanto, podem realmente prejudicar candidatos que não querem
ver (eleitos)."
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Uma Igreja mais inclusiva
Desde
que se tornou papa, em 2013, Francisco implementou a visão de uma Igreja
Católica mais inclusiva e em sintonia com atitudes modernas, com maior
tolerância em relação a católicos divorciados, LGBTQ e outros grupos que se
afastaram da doutrina.
O papa
deu destaque para questões sociais, pregando a compaixão com imigrantes,
refugiados e marginalizados e o combate à pobreza e às mudanças climáticas. Com
sua imagem de humildade, conquistou admiração ao redor do mundo, não apenas
entre católicos.
Mas sua
postura também provocou forte oposição de setores conservadores, tanto no
Vaticano quanto entre acadêmicos. Para os críticos, a abertura ao engajamento
secular representava um afastamento da doutrina e poderia enfraquecer a
religião e levar à perda da identidade da Igreja.
Muitos
acusavam o papa de "semear confusão" nas doutrinas fundamentais da
Igreja, em temas como homossexualidade, aborto e indissolubilidade do
matrimônio. Outros o criticavam por um suposto estilo de liderança autocrático
por trás de uma "fachada" de humildade.
Nos
Estados Unidos, o pontificado de Francisco energizou setores conservadores na
Igreja Católica, que desde o início deixaram claro que não gostavam do papa, de
suas tentativas de reforma e também de suas posições políticas.
A
ascensão do primeiro papa jesuíta e latino-americano marcou uma mudança nas
relações com os Estados Unidos, que eram extremamente amigáveis sob seus
antecessores mais próximos: Bento 16 (2005-2013) se identificava com ala
conservadora da Igreja americana, e João Paulo 2º (1978-2005) via no país um
aliado na luta contra o comunismo.
Entre
os críticos do papa Francisco estão tradicionalistas, que defendem os antigos
ensinamentos, rituais e costumes, de antes do Concílio Vaticano 2º (os
encontros de cúpula nos anos 1960 para modernizar a Igreja, que levaram a
mudanças na liturgia, no papel na sociedade e nas relações com outras
religiões).
Para
esses tradicionalistas, muitas das divergências são relacionadas à liturgia,
como as ações do papa para limitar a celebração da missa em latim, da qual
vários católicos americanos são adeptos.
O papa
chegou a expressar publicamente sua consternação com "uma atitude
reacionária muito forte e organizada" contra ele na Igreja americana,
lamentando o que descreveu como "atraso" de alguns conservadores no
país e alertando para os riscos quando "ideologias substituem a fé".
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Popularidade entre os americanos
Apesar
da relação tensa com parte dos bispos americanos, que atacaram publicamente o
papa, outros líderes religiosos no país apoiaram sua visão da Igreja, e ele
permaneceu altamente popular entre os fiéis ao longo de seu pontificado.
Os
Estados Unidos têm a quarta maior população católica do mundo, atrás apenas de
Brasil, México e Filipinas. O protestantismo ainda é dominante, mas 20% dos
adultos americanos são católicos, um contingente de mais de 50 milhões de
pessoas.
Em
pesquisa do instituto Pew Research Center em fevereiro deste ano, 78% dos
católicos do país disseram ter opinião favorável sobre o papa. Esse percentual
chegou a 90% em 2015, ano que marcou o pico de sua popularidade no país.
No
entanto, segundo o Pew, as opiniões ficaram cada vez mais polarizadas ao longo
dos anos. De acordo com a pesquisa de fevereiro, enquanto 88% dos católicos
democratas manifestaram opinião positiva sobre Francisco, esse percentual caiu
para 69% entre os católicos republicanos.
Na
eleição do ano passado, Trump conquistou 54% dos votos dos católicos, um avanço
de quatro pontos em relação a 2020, quando essa parcela do eleitorado se
dividiu igualmente entre o republicano e o democrata Joe Biden.
Ao
mesmo tempo em que a liderança em Roma se tornou mais aberta em vários aspectos
sob o comando de Francisco, houve uma virada para a direita na Igreja nos
Estados Unidos, impulsionada pela chegada de adultos recém-convertidos ao
catolicismo e por jovens fiéis que se descrevem como conservadores e adotam uma
visão rígida de moralidade cristã.
"Há
várias pessoas (com cargos) importantes (nos Estados Unidos) que se converteram
ao catolicismo e são muito conservadoras politicamente. Elas têm uma imagem da
Igreja como algo imutável e permanente em um mundo que, de outra forma, seria
caótico e liberal", observa Winters.
"Mas
essa (imagem) não é a Igreja de hoje, não é a Igreja da América Latina, da
África. Não é onde a Igreja está crescendo", diz Winters. "Eles
querem a Igreja de Pio 12 (1939-1958), mas essa Igreja não existe mais, a não
ser na sua imaginação."
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'Animosidade sem precedentes'
Entre
os católicos convertidos está o vice-presidente americano, J.D. Vance, que foi
uma das últimas pessoas a se reunir com Francisco, em visita ao Vaticano no
domingo de Páscoa (20/4), um dia antes da morte do papa. Vance, que se
converteu ao catolicismo em 2019, é admirado pelos católicos tradicionalistas
americanos.
Desde o
início do segundo mandato de Trump, em janeiro, o vice e outros católicos com
posição de destaque no governo, como o "czar da fronteira" de Trump,
Tom Homan, protagonizaram disputas públicas com o papa sobre as políticas de
imigração americanas e aspectos dos ensinamentos da Igreja.
Vance
tentou usar a doutrina católica para justificar algumas de suas políticas e foi
corrigido pelo papa. Ao mesmo tempo, o papa foi criticado por dar declarações
em oposição a políticas do governo, como os planos de deportação em massa.
Em
fevereiro, em carta aberta aos bispos americanos, Francisco disse que os planos
de deportação violavam a dignidade humana e que imigrantes que entraram
ilegalmente nos Estados Unidos não deveriam ser tratados como criminosos.
"Esse
nível de animosidade (por parte de Vance e outros membros católicos do governo)
em relação à própria Igreja é sem precedentes", diz Gibson. "É
realmente notável que haja tantos católicos (no governo Trump) sendo tão
agressivos contra a própria Igreja e os ensinamentos católicos."
"(No
passado), mesmo que houvesse discordância, você nunca atacava o papa
pessoalmente, não fazia acusações pessoais contra os bispos", cita Gibson,
referindo-se ao episódio em que Vance acusou os bispos americanos de terem
motivação mais financeira do que humanitária em sua oposição às políticas de
imigração.
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Reação negativa
Alguns
observadores alertam que as ações do governo Trump podem acabar prejudicando os
interesses americanos no conclave.
"Acho
que cria uma potencial reação negativa entre os cardeais", afirma Gibson.
"A Igreja é global, e a maioria da Igreja está na América Latina, na
África, na Ásia."
Gibson
e Winters citam como exemplo os cortes feitos pelo governo na USAID, a agência
americana para o desenvolvimento internacional.
Enquanto
nos Estados Unidos essas mudanças foram discutidas em termos políticos e de
preocupação com os funcionários demitidos, em partes da África "é uma
questão de vida ou morte", ressalta Gibson.
"Os
cortes na USAID, o encerramento da ajuda externa pelo governo Trump, afetaram
profundamente muitos dos países que têm cardeais no conclave", lembra
Winters.
Winters
acredita que qualquer esforço aberto dos Estados Unidos para influenciar a
decisão do conclave seria mal recebido pelos cardeais. Além disso, diz que o
papel de Trump pode acabar sendo o de provocar rejeição por parte dos cardeais.
"Eles
estarão buscando alguém (para ser papa) que enfrente seu tipo de
política", aposta Winters.
Gibson
considera o governo Trump "desorganizado" e coloca em dúvida sua capacidade
de montar uma campanha bem-sucedida para influenciar o conclave.
"Acho
que os conservadores católicos (dos Estados Unidos) têm uma infraestrutura de
mídia que poderia fazer isso. Mas no caso do governo, acho que mesmo se
tentassem, seria um fracasso", afirma Gibson.
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O impacto do trumpismo
Embora
tenha provocado forte rejeição de alas conservadoras, o papa Francisco também
foi criticado por liberais, que defendiam reformas mais profundas e lamentam
que a postura menos rígida nem sempre tenha se traduzido em mudanças concretas
na Igreja.
"A
oposição vinda da direita sempre ganhou atenção na imprensa, porque geralmente
era muito virulenta. Mas acho que a decepção da esquerda é muito real. Ele foi
criticado de ambos os lados", ressalta Gibson.
"Acho
que ele reconhecia isso, mas também foi muito cauteloso. Ele não queria dividir
a Igreja ao agir rápido demais, queria que a Igreja tomasse decisões sobre
mudanças importantes em consenso", afirma Gibson.
Francisco
deixou sua marca no Colégio dos Cardeais, em uma tentativa de consolidar suas
reformas, nomeando muitos dos 135 membros que agora poderão escolher seu
sucessor. O papa aumentou a diversidade do Colégio, nomeando vários cardeais de
fora da Europa e de países que até então não eram representados.
"O
teto deveria ser de 120 (cardeais com direito a voto), mas o papa Francisco
ultrapassou esse limite (ao nomear mais cardeais). Ele estava muito ciente de
que queria ir além do teto", diz Gibson.
No
momento em que esses cardeais irão escolher o novo papa e, assim, moldar o
futuro da Igreja, Faggioli acredita que, independentemente do nível de esforço
por parte dos Estados Unidos, o trumpismo já está influenciando o conclave.
"Essa
é a era de Donald Trump na política mundial, e os cardeais sabem que têm de
dizer algo sobre isso, de forma direta ou indireta", afirma Faggioli.
"Não há como a Igreja Católica ignorar que estamos na era de Donald
Trump."
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Fonte: BBC News Mundo

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