Jessica
Santos: Quem vê as imagens de violência policial?
Nos
últimos dias, acompanhamos dois casos de violência em São Paulo em que as
imagens escancaram os abusos cometidos por policiais. Um homem morto dentro de
casa na frente de sua mãe na Vila Andrade, na zona sul da capital paulista. Os
PMs que mataram Nathanael Venâncio usavam câmeras corporais, mas só foram
afastados quando imagens chegaram à imprensa. No outro caso, PMs foram filmados
espancando um homem caído no chão.
Quando
casos assim acontecem sempre surge a pergunta: e quantos são os casos de
violência policial que não chegam ao público? Aqueles que ficam no esquecimento
de arquivos apagados das câmeras ou nos quais policiais usaram de estratagemas
para burlar o sistema de gravação, conforme reportagem de Luís Adorno do UOL,
pontuou. Ou mesmo os que ficam só nos olhos de testemunhas e nunca foram
registrados?
Não
fosse uma imagem gravada por um cidadão, nunca teríamos visto uma série de
violações, como abordagens violentas a menores, ameaças e mortes. Algumas delas
foram praticadas por PMs com câmeras cujas imagens nunca vimos ou veremos.
Outros só foram trazidos à luz por imagens de vizinhos, amigos e familiares que
reconhecem nas gravações uma forma de garantir algum constrangimento à PM ou
até mesmo à justiça.
As
imagens das câmeras precisam ser solicitadas pelo delegado do caso ao longo do
inquérito, o que torna sua revisão burocrática e pouco transparente. Afinal,
quem acompanha fora da esfera policial o que acontece nas imagens? O recente
acordo do STF com o Estado de São Paulo estabelece que os superiores
hierárquicos (ou seja, outros PMs) façam a revisão aleatória das imagens de
forma constante com o acompanhamento do Ministério Público, que tem como uma
das funções constitucionais o controle externo das polícias — o que pouco vemos
acontecendo de forma efetiva.
Um
estudo recente da FGV aponta que a Justiça de São Paulo arquiva casos de mortes
cometidas por policiais sem sequer haver perícia e, sobretudo, sem objeção
alguma do MP. Como destacamos na reportagem sobre o estudo, “o desfecho comum
desses processos é o arquivamento a pedido do MP-SP, que, em geral, não oferece
objeção a inquéritos policiais — mesmo quando fundados em alegações genéricas e
sem sustentação pericial”. Será que essa atitude passiva do MP mudará com o
acompanhamento das imagens?
Em um
país onde a palavra do policial basta para condenar uma pessoa, o mesmo se
aplica para a responsabilização de casos de morte cometidas por PMs. É todo um
sistema que entrega o julgamento logo na mão de quem está envolvido no caso. Um
sistema que parece preguiçoso em demasia para cumprir seu papel de
investigação.
A Ponte
Jornalismo existe para visibilizar as imagens que o Estado não quer que você
veja. Há mais de 10 anos, recebemos vídeos que desmentem a versão policial e
oficial dos fatos. Vindas de movimentos sociais ou familiares e amigos, essas
imagens já comprovaram a inocência de pessoas acusadas injustamente ou
denunciaram violações claras das forças de segurança, publicizando aquilo que
passaria despercebido por aí.
Por
mais um ano, esse jornalismo está ameaçado pela queda nos apoios e doações que
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sistema de justiça.
• Justiça de SP arquiva mortes pela PM sem
perícia de ‘confrontos’ ou objeção do MP, mostra estudo. Por Paulo Batistella
Casos
de letalidade policial no estado de São Paulo têm tido como padrão a falta de
responsabilização dos agressores pelo sistema de justiça. O desfecho comum
desses processos é o arquivamento a pedido do Ministério Público paulista
(MP-SP), que, em geral, não oferece objeção a inquéritos policiais — mesmo
quando fundados em alegações genéricas e sem sustentação pericial. O tratamento
institucional desses episódios, ainda, diverge em relação às vítimas negras.
Esse é
o cenário descrito pela pesquisa Mapas da (In)justiça, desenvolvida pelo Centro
de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da Fundação Getulio Vargas
(FGV) e lançada no último dia 5.
O
estudo parte da análise dos 4.568 registros de mortes decorrentes de
intervenção policial praticadas por policiais civis e militares no estado de
São Paulo entre 1º de janeiro de 2018 e o dia 30 de abril de 2024. Desse total,
a pesquisa identificou que 2.451 dos episódios contavam com um Número CNJ —
trata-se de uma numeração única conforme padrão previsto pelo Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) que permite acompanhar a tramitação de um caso do inquérito
policial ao processo judicial. Após esse recorte, foram selecionadas ao final
859 ocorrências, excluindo as que estão sob sigilo.
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Abordagem por justificativa genérica
Desses
casos que puderam então ser acompanhados do princípio ao fim da tramitação, a
pesquisa identificou que, já na altura do registro do boletim de ocorrência
(BO) pela Polícia Civil, há um padrão narrativo que tende a legitimar
preventivamente as ações dos policiais autores das mortes. Em 83% desses
boletins, a abordagem que resultou em óbito foi justificada por uma alegação
genérica de “prática de crime”. A segunda motivação mais comum (8%) foi uma
suposta “atitude suspeita” da vítima.
Ainda
em relação a esses 859 casos, pessoas negras, de pele parda ou preta,
representaram 62% das vítimas registradas, enquanto brancas compuseram 25%.
Entre as abordagens justificadas pela suposta “prática de crime”, 51% eram
negras. Naquelas motivadas por “atitude suspeita”, a proporção vai a 75%.
Uma
maior parte dessas ocorrências fatais (63%) teve, em média, 4,24 tiros dados
pelos policiais. Entre os casos com mais disparos (entre 4 e 69), negros eram
23% das vítimas, enquanto brancos somavam 9%. O estudo mostra ainda que, em 83%
dos boletins, há indicação de alguma assistência médica às vítimas. “A
literatura aponta que a alegação de socorro pode, em certos contextos, servir
como mecanismo de alteração da cena do crime e de esvaziamento das
possibilidades de investigação rigorosa, o que levanta a necessidade de atenção
crítica a esse tipo de registro”, argumentam os autores.
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Falta de laudo em alegação de confronto
Quanto
à etapa pericial desses casos, a pesquisa diz haver lacunas alarmantes: em 85%
deles, não foi feito exame residuográfico das vítimas, o que confirma se ela
tinha ou não pólvora nas mãos, uma prova essencial para alegações de confronto
armado. Entre os casos em que houve esse exame, só 1% teve resultado positivo
para disparos feitos pela vítima. Só em 8,9% dos casos houve laudo do local do
crime.
“A
investigação técnico-científica, portanto, restringe-se majoritariamente ao
laudo necroscópico, presente em 79,7% dos casos, enquanto exames capazes de
revelar inconsistências, como reprodução simulada, perícia de armas e
resquícios de disparo, são sistematicamente negligenciados”, aponta. A pesquisa
indica que, também nesta etapa, há disparidades raciais: “Enquanto a maioria
dos laudos entregues até 33 dias após o crime envolvia vítimas negras (pardos e
pretos) (61%) e brancas (30%), nas perícias concluídas entre 198 e 231 dias,
88% das vítimas eram negras, sem registro de vítimas brancas.
Entre
os 859 casos sob análise, 16% das vítimas sofreram tiros na cabeça e 30% delas
foram atingidas de cima para baixo, o que sugere rendição ou posição de
submissão no momento da morte. Em 6,4% dos episódios, há indícios de “tiros de
confirmação”, dados quando a vítima já está incapacitada.
Além
disso, em 36% dos casos, as pessoas baleadas apresentavam sinais de violência
prévia não provocadas por arma de fogo, como hematomas, escoriações, contenções
em pulsos e tornozelos, ou marcas de estrangulamento. “Esses achados, longe de
serem a exceção, revelam a prática de agressões físicas anteriores à morte,
desmentindo versões que alegam confrontos espontâneos”, aponta.
O
estudo argumenta também que os relatórios policiais, documentos que consolidam
a investigação da Polícia Civil antes do caso ser levado ao Ministério Público,
tem papel determinante na narrativa oficial e nos desdobramentos judiciais. De
831 relatórios analisados, 95% citam comportamento agressivo da vítima, o que,
segundo os pesquisadores, é usado para justificar a invocação da legítima
defesa. “Essa prática desloca a responsabilidade da violência para a vítima,
minando o princípio da proteção da vida e invertendo a lógica do uso
proporcional da força”, escrevem os autores.
A
legítima defesa dos policiais é citada em 38% dos casos, só atrás da excludente
de ilicitude baseado no estrito cumprimento do dever legal (59%). “Outro dado
relevante diz respeito às circunstâncias das mortes: 63,8% das vítimas negras
foram mortas após perseguições, e 60,4% em ações imediatas, frente a apenas
25,5% e 24,5% entre vítimas brancas. A maioria dos casos ocorreu em locais
pouco movimentados e bem iluminados, o que contradiz a ideia de confronto em
ambientes caóticos e aponta para um uso letal da força mesmo em contextos
controlados.”
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MP-SP pede arquivamento e Justiça confirma PMs
O
estudo também cita um papel fundamental do Ministério Público estadual, orgão
que tem a atribuição constitucional de exercer o controle externo das polícias,
na falta de responsabilização de agressores. Dos 859 casos analisados, o MP-SP
optou por pedir o arquivamento de todos eles.
Em
quase nove de cada dez casos, (89,9%), o pedido de arquivamento se baseou na
legítima defesa dos policais. O estrito cumprimento do dever legal foi usado em
8,7%. Nos 12 episódios restantes (1,5%), sequer foi citado qualquer excludente
de ilicitude, mas o pedido para arquivá-los se valeu de justificativas como
ausência de justa causa ou falta de indícios suficientes de autoria.
“Nos
casos de vítimas brancas, o Ministério Público recorreu com mais frequência ao
estrito cumprimento do dever legal – uma excludente que não exige a mesma
construção narrativa de agressividade da vítima, mas apenas o reconhecimento de
que o agente agiu dentro das suas atribuições. Essa diferença pode indicar que,
em situações com vítimas brancas, há maior cuidado na fundamentação técnica e
menos necessidade de sustentar a morte com base em um suposto confronto.”
O MP-SP
só pediu diligências complementares, ou seja, novos esclarecimentos da
investigação policial, em 1,62% dos casos. Em apenas 1,04% das manifestações,
foi identificado uso de câmeras corporais. “Mesmo nesses raros casos, todos os
arquivamentos mantiveram a justificativa de legítima defesa, levantando dúvidas
sobre a efetiva consideração do conteúdo das imagens”, aponta.
O
estudo mostra que, ainda em relação aos 859 casos sob análise, a Justiça
estadual acatou o pedido de arquivamento do MP-SP em todos eles, sem a prisão
de policial algum. “O tempo médio entre o crime e a decisão de arquivamento foi
de 615 dias, mas houve casos encerrados em apenas 32 dias, revelando uma
dinâmica de aceleração seletiva para arquivamento: casos que se prolongam
indefinidamente sem julgamento e sem um incremento na qualidade investigativa
para justificar sua maior duração, além de casos arquivados com celeridade,
ambos com o mesmo resultado de impunidade.”
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Os desafios para a responsabilização
O
estudo traz na conclusão uma série de recomendações ao órgãos do sistema de
Justiça quanto à padronização dos registros de violência policial e à
transparência desses dados. Ele propõe, por exemplo, a implementação de um
sistema unificado sobre esses casos para consulta pelo poder público e a
sociedade civil, além de um papel mais contundente da Ouvidora das polícias e
de treinamento de servidores para o cumprimento de prazos da Lei de Acesso à
Informação (LAI).
“A
obtenção desses dados enfrentou sérias barreiras, como a falta de
regulamentação da SSP-SP [Secretaria de Segurança Pública paulista] para
compartilhamento de informações sobre MDIP [mortes decorrentes de intervenção
policial]; o fornecimento de dados com baixa qualidade e descumprimento da LAI
pelo MP/SP; e as oscilações normativas do TJ/SP [Tribunal de Justiça de São
Paulo] e longos prazos de resposta. Isso resultou na exclusão de parte dos
casos por falhas de triagem institucionais e revelou um problema na integridade
da informação”, relatam os pesquisadores.
“Estes
desafios dificultam o monitoramento e a compreensão do verdadeiro alcance da
violência policial, o que torna os processos de apuração e responsabilização
falhos e nos leva a questionar o fator da imunização da polícia diante de casos
de letalidade”, concluem.
O
projeto Mapas da (In)justiça teve coordenação geral dos pesquisadores Julia dos
Santos Drummond e Dirceu André Gerardi, que tiveram Isabelle Cardoso Varanda de
assistente. Os dados completos obtidos por eles podem ser consultados no site
da iniciativa.
• ‘Levado como indigente’: morto desarmado
pela PM, entregador foi deixado de fralda e sem pertences. Por Paulo Batistella
Fernanda
Ferreira da Silva, de 39 anos, diz que só foi começar a entender o que havia
ocorrido com o filho Gabriel Ferreira Messias da Silva, de 18 anos, dias depois
de ter ido reconhecê-lo já morto no hospital Ermelino Matarazzo, na zona leste
de São Paulo. Quando o encontrou na unidade, na madrugada de 27 de novembro de
2024, o jovem estava apenas de fralda e com uma marca de tiro no peito — uma
funcionária disse sem maiores detalhes que o disparo teria partido de um
policial.
Apenas
depois do enterro do filho, a mãe teve acesso a um primeiro esclarecimento,
ainda insuficiente: o boletim de ocorrência, no qual policiais militares
narravam uma fuga de motocicleta do jovem e um iminente confronto, ocasião em
que ele estaria armado e teria sido baleado por um agente.
Na
semana passada, seis meses depois da morte de Gabriel, veio a público um vídeo
que trouxe maior clareza ao caso e que desmente a versão policial. No registro,
o jovem aparece agonizando no chão e implorando pela própria vida, enquanto os
policiais parecem manipular a cena “plantando” uma arma como se fosse da
vítima.
“Tive
que deixar minha dor de lado para buscar justiça, para provar a inocência do
meu filho, porque, além de terem matado ele, quiseram fazer com que fosse
ladrão, e os ladrões eram eles”, diz a mãe.
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Gabriel estaria desarmado
Na
noite de 26 de novembro, Gabriel saiu com dois amigos para se distrair em uma
breve folga, cada um em uma motocicleta. O jovem não era habilitado, mas já
usava a moto para trabalhar como entregador por aplicativo — o que lhe permitia
ajudar a mãe e outros três irmãos, dois deles ainda crianças, com seis e oito
anos. A família conta que ele próprio havia adquirido o bem ao juntar dinheiro
com os outros empregos, que teve desde os 14, como vendedor de “zona azul” e
ajudante em uma marcenaria.
Os três
amigos abasteceram as motos em um posto de combustíveis na Vila Cisper, bairro
da zona leste da capital, e, ao saírem do local pouco depois das 23h, receberam
ordem de parada de PMs embarcados em uma viatura do 4º Batalhão de Ações
Especiais de Polícia (Baep).
Os
jovens tentaram fugir, cada um indo para uma direção diferente, mas Gabriel
acabou alcançado na esquina das ruas Belém Santos e Colônia Leopoldina, também
na Vila Cisper, onde caiu com a motocicleta. A versão policial era de que
Gabriel se desequilibrou antes de cair.
Depois
disso, ainda segundo a PM, o entregador teria se levantado e levado as mãos à
cintura, quando o sargento Ivo Florentino dos Santos, sentado dentro da viatura
junto de outros três policiais militares, teria atirado contra ele para “cessar
iminente ameaça”. Ao revistarem a vítima posteriormente, eles teriam encontrado
então uma arma de fogo com ela. Imagens gravadas pelas câmeras corporais dos
próprios policiais mostram, no entanto, que Gabriel não estava armado quando
foi baleado.
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Arma chutada debaixo da moto da vítima
Em um
dos vídeos, repercutido a princípio pela TV Globo, o soldado Ailton Severo do
Nascimento, também presente na ocorrência, questiona o jovem se a moto era
roubada, o que ele nega, enquanto também pede ajuda: “Eu sou trabalhador,
senhor, para que isso comigo, meu Deus?”. Ailton se agacha, como se simulasse
ter achado algo, e fica então de costas para a vítima, sob ordens de um outro
policial que diz “vira, vira vira”.
Ao se
postar de frente para o jovem novamente, Ailton permite que a câmera acoplada
em si filme Ivo chutando uma arma para debaixo da motocicleta. Também estavam
na ocorrência os policiais Evanildo Costa de Farias Filho, que dirigia a
viatura, e Gilbert Gomes dos Santos. Todos eles estavam sob comando de Ivo na
ocasião. Gabriel morreu antes mesmo de ser socorrido ao hospital.
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Cartão, bolsa, capacete e moto sumiram
Os dois
amigos de Gabriel que conseguiram fugir avisaram o pai dele, Diego Messias da
Silva, de 38 anos, de que alguma coisa poderia ter acontecido. O familiar foi à
esquina da ocorrência, quando soube por vizinhos que o filho havia sido levado
ao hospital. Ele recebeu depois a informação de uma médica plantonista de que o
jovem teria morrido supostamente em razão de uma parada cardiorrespiratória
após um acidente de trânsito. Diego chamou então Fernanda para reconhecerem o
corpo, quando se depararam com o filho baleado e sem quaisquer pertences,
recolhidos pela PM como supostas provas.
“Quando
a gente chegou lá, a segurança falou: ‘É o rapaz do tiro?’. E eu disse: ‘Tiro?
Que história é essa?’. Procurei a médica, a assistente social, e ninguém me
falou absolutamente nada. Depois, quando autorizei a doação das córneas do
Gabriel, uma moça me falou do tiro de um policial, mas sem saber explicar
direito”, relembra a mãe.
“Além
de terem matado o Gabriel e de não terem prestado socorro, ainda roubaram o meu
filho, porque, até hoje, não apareceram os pertences dele — o capacete, o
cartão bancário, a bolsa dele, as chaves de casa, a moto. Ninguém sabe onde
está”, diz.
“Fizeram
o meu filho ir para o hospital só de fralda, para ser levado como indigente.
Por isso estou lutando por justiça. Meu filho tinha uma família, quero que seja
feita justiça.”
Fernanda
diz que, em março, voltou ao hospital Ermelino Matarazzo para fazer uma
reclamação formal à ouvidoria, em razão da postura da médica, que entendeu ter
tentado acobertar os policiais. A mãe diz que saiu de lá, no entanto, sem
prestar a queixa, depois de ter sido humilhada por uma funcionária.
A Ponte
questionou a prefeitura, sob gestão Ricardo Nunes (MDB), se teve ciência disso:
“A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de São Paulo informa que o paciente
citado pela reportagem deu entrada no Hospital Municipal Ermelino Matarazzo já
em óbito, em novembro do ano passado. Nesses casos, o corpo é encaminhado ao
Instituto Médico Legal (IML), responsável pela elaboração do laudo final.
Quanto à ouvidoria, o protocolo prevê que o registro seja realizado diretamente
pelo munícipe, de próprio punho”, retornou, em nota.
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Justiça não prende envolvidos
Fernanda
diz que recebeu algum acolhimento apenas ao contatar o movimento social Mães em
Luto da Zona Leste, que a orientou a buscar a Defensoria Pública estadual
(DPESP). O órgão público, que agora atua como assistente de acusação no caso de
Gabriel, foi que levou ao inquérito um relatório no qual contesta a versão
policial, com base na degravação das imagens captadas pelas câmeras corporais.
O
Ministério Público paulista (MP-SP), à frente da acusação, repetiu o
entendimento da Defensoria de haver indícios de fraude processual e pediu o
afastamento cautelar dos policiais Ivo Florentino dos Santos e Ailton Severo do
Nascimento, o que foi acatado pela Justiça no mês passado, ocasião em que as
partes do processo já tinham ciência dos vídeos repercutidos recentemente pela
imprensa. Os outros dois policiais envolvidos no caso, no entanto, Evanildo
Costa de Farias Filho e Gilbert Gomes dos Santos, foram poupados de qualquer
sanção até aqui. A mãe de Gabriel diz que o afastamento é insuficiente.
“Eu
estou falando nesse período todo, mas ninguém me deu credibilidade. A única
oportunidade que eu tenho é gritar, para ver se alguém me ouve e decreta a
prisão desses policiais. Como que o Ministério Público vê isso, o juiz vê isso,
e pedem apenas o afastamento desses policiais? Se o meu filho tivesse matado um
policial, nem vivo na delegacia ele iria chegar”, diz Fernanda, que trabalha
como recepcionista do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP),
da Polícia Civil.
A mãe
de Gabriel diz se sentir amedrontada. Ela relata ainda que, no dia seguinte à
morte do filho, os policiais envolvidos no caso teriam ido a condomínios
próximos ao local do crime para intimidar a vizinhança, de modo que fossem
apagadas eventuais imagens gravadas por câmeras de segurança. Especialistas
consultados pela Ponte, que não puderam ter acesso à íntegra dos autos do
processo, afirmam haver margem para a imposição da prisão preventiva aos
policiais envolvidos.
“Sempre
que é possível evitar uma prisão preventiva, a Justiça deve assim fazer, porque
ela é decretada antes de a pessoa ter sido julgada e condenada em definitivo.
Uma das hipóteses clássicas da imposição de prisão preventiva é justamente
quando o investigado ou réu tenta interferir na produção de provas de forma
fraudulenta, tenta criar ou destruir provas”, avalia o advogado Marcelo Feller.
“Vale
destacar a grande diferença no tratamento que o Ministério Público dá aos réus
policiais em relação a outros réus. Em uma situação dessa com um não policial,
a chance de virar uma prisão preventiva é muito grande, porque existem os
indícios da fraude processual demonstrados pelas câmeras. Essa questão das
ameaças também poderia ser um requisito para a prisão preventiva, mas é preciso
ver como isso chegou ao processo, se foi uma denúncia formalizada”, afirma a
advogada Fernanda Peron.
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O que dizem as autoridades
A Ponte
questionou o MP-SP, via assessoria de imprensa, sobre por qual razão não pediu
a prisão preventiva dos quatro policiais envolvidos e se teve ciência da
intimidação supostamente cometida por eles para coibir a produção de provas. A
resposta do órgão não contemplou as perguntas. “Houve o pedido de afastamento
de dois policiais que atuaram de forma ativa na suposta fraude processual e
solicitação de ofício à Corregedoria da Polícia Militar para que investigasse o
caso”, respondeu.
A
reportagem perguntou à Secretaria da Segurança Pública paulista (SSP-SP),
submetida ao governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), onde estão os
pertences de Gabriel e se a Corregedoria da Polícia Militar já havia tido
acesso aos vídeos recém-repercutidos pela imprensa, dos policiais aparentemente
forjando a cena do ocorrido. Em caso positivo, questionou se houve determinação
de afastamento antes da decisão judicial do mês passado.
A
resposta da assessoria de imprensa da SSP-SP também não esclareceu as dúvidas
da Ponte: “O Inquérito Policial Militar (IPM) foi concluído e encaminhado ao
Poder Judiciário para análise. Os policiais envolvidos seguem afastados.
Paralelamente, a Polícia Civil conduz investigação sobre o caso por meio do
DHPP, sob sigilo, com o objetivo de esclarecer todas as circunstâncias.
Fonte:
Ponte Jornalismo

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