Os
planos do Reino Unido para instituir castração química de estupradores
A
secretária de Justiça do Reino Unido, Shabana Mahmood, está estudando uma
possível "implementação nacional" da castração química para
criminosos sexuais. Este procedimento reduz os níveis de testosterona com a
intenção de reduzir a libido.
A
proposta é uma das recomendações apresentadas na recente revisão independente
sobre condenações que foi encomendada para investigar a superlotação das
prisões e considerar alternativas ao encarceramento.
A
análise constatou que 21% dos adultos que cumprem pena atrás das grades foram
condenados por crimes sexuais, o que os torna uma proporção significativa da
população carcerária. A ideia parece ser a de que a castração química tornaria
a libertação dos infratores da prisão menos perigosa para a população.
Um
programa piloto de castração química voluntária já está em andamento — e
prestes a ser ampliado para 20 prisões britânicas. Mas, embora a revisão tenha
enfatizado que o consentimento é um princípio fundamental da legislação médica,
Mahmood estaria investigando se a castração química pode ser obrigatória. Isso
levanta importantes questões éticas e jurídicas.
• A castração química é ética?
A
castração química é uma intervenção com dupla finalidade. Ela pode ser usada
tanto para beneficiar aqueles que recebem substâncias redutoras de testosterona
— os agressores sexuais podem achar que seus desejos sexuais são um problema, e
querer, portanto, ter sua intensidade reduzida por meios médicos —, quanto para
proteger a população.
Uma
questão fundamental, então, é o que pretendemos alcançar com um programa de
castração química na população carcerária. A castração química pode reduzir o
risco de reincidência, mas não melhorar a vida de um agressor sexual. E pode
fazer o oposto — melhorar seu bem-estar sem proteger o público de suas ações.
Qual é o objetivo que estamos buscando?
Isso é
importante porque a legitimidade ética da castração química está diretamente
relacionada à sua finalidade. As intervenções médicas padrão são normalmente
admissíveis do ponto de vista ético quando — e porque — se espera que elas
beneficiem os receptores que consentem de forma considerada válida.
Se o
objetivo não for beneficiar o receptor, mas proteger o público, a questão é
mais complicada. Normalmente, não temos que dar consentimento para ser
encarcerados ou colocados em quarentena, por exemplo. Estas são situações
impostas pelo Estado. Então, será que podemos ignorar o consentimento no caso
da castração química para pessoas que estão presas?
E,
embora alguns criminosos possam preferir que seus desejos sexuais problemáticos
sejam suprimidos, a castração química pode ter efeitos colaterais
significativos, incluindo ganho de peso e mudanças de humor.
Se a
castração química de fato reduzir os desejos problemáticos, os agressores
sexuais podem se beneficiar dela, apesar dos efeitos colaterais.
Mas não
está claro exatamente como esse "benefício" em potencial deve ser
entendido. É benéfico para os agressores sexuais ter seus desejos sexuais
atenuados? Evitar punições futuras conta como um benefício? Também pode ser
benéfico para os criminosos que não consentirem com a intervenção? E será que é
eticamente admissível fornecer castração química sem benefício para o receptor?
Precisamos
de uma compreensão mais claramente articulada do benefício, e da sua relação
com o consentimento, para determinar quando a castração química é eticamente
admissível.
• É legal?
A
finalidade também é importante para a justificativa legal. As intervenções que
usam meios médicos — como a castração química — geralmente são legais, mais uma
vez, porque se espera que beneficiem os receptores. Portanto, novamente, a
falta de clareza sobre quem "se beneficia" e como o benefício deve
ser entendido é um problema.
Minha
análise do arcabouço legal na Inglaterra e no País de Gales mostra que fornecer
castração química a agressores sexuais pode ser consistente com as obrigações
impostas às autoridades públicas do Reino Unido de acordo com a Convenção
Europeia de Direitos Humanos (por meio da Lei de Direitos Humanos de 1998).
Esse
pode ser o caso mesmo sem o consentimento dos receptores, especialmente quando
o objetivo é a proteção pública. Mas aqui também é necessário esclarecer como o
benefício ou o dano estão relacionados ao consentimento.
• Um dilema para os médicos
A
implantação da castração química para agressores sexuais — seja voluntária ou
obrigatória — também levanta dilemas éticos e legais para as pessoas que
administram o programa.
O
psiquiatra forense Don Grubin disse que a administração da castração química é
"a respeito de médicos tratando pacientes, em vez de médicos fazendo um
trabalho para as agências de justiça criminal, mas um efeito colateral é que a
reincidência provavelmente vai ser reduzida".
No
entanto, não está claro que a castração química deva ser sempre entendida
sobretudo como "médicos tratando pacientes" da maneira que
normalmente esperamos nas intervenções terapêuticas.
A ideia
de que os médicos, ao administrar a castração química, estão sempre agindo
principalmente para beneficiar o receptor, e que a proteção pública na forma de
redução do risco de reincidência é um mero efeito colateral, obscurece as
questões éticas e legais em jogo.
Uma
abordagem melhor é esclarecer os diferentes valores e deveres em jogo — e como
os médicos e outras pessoas envolvidas na prestação deste serviço devem
colocá-los na balança.
A
castração química vai gerar, com frequência, deveres conflitantes, com os quais
precisamos encontrar maneiras de lidar. É compatível com as obrigações
profissionais realizar intervenções que não sejam do interesse clínico dos
receptores, se isso beneficiar outras pessoas? As obrigações profissionais
variam de acordo com a finalidade da intervenção?
A
castração química expõe tensões nas obrigações éticas e legais que os
provedores individuais e institucionais têm com os receptores e com a
sociedade.
Estou
analisando estas questões em uma pesquisa que investiga como devemos entender,
avaliar e regulamentar intervenções com dupla finalidade. Estas são questões
que o governo e aqueles que estão envolvidos na castração química de criminosos
sexuais também precisam encarar de frente.
Fonte:
Por Lisa Forsberg, para The Conversation

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