As
consequências dos EUA abusarem das sanções como arma global
Hoje,
estamos acostumados ao uso de sanções econômicas como ferramentas centrais da
política externa. Muitas pessoas podem se surpreender ao descobrir, no entanto,
que isso é, na verdade, um desdobramento bastante recente. As sanções
costumavam ser semelhantes a um tapa na mão — eram usadas para atingir líderes
estrangeiros e seus círculos mais próximos, dificultando a atracação de seus
iates no Mediterrâneo ou a compra de mansões em Londres. Agora, é claro, as
sanções estão entre as armas mais poderosas dos Estados para travar uma guerra
econômica.
Em
um novo livro, Chokepoints:
How the Global Economy Became a Weapon of War, Edward Fishman descreve como
as sanções foram transformadas nas últimas décadas. Fishman trabalhou no
Departamento de Estado, no Departamento de Defesa e no Tesouro, onde passou
vários anos na equipe de Terrorismo e Inteligência Financeira, elaborando sanções
contra Estados como o Irã. Chokepoints é, portanto, um relato
privilegiado de como os Estados Unidos desenvolveram um arsenal de sanções
poderosas com base em seu controle sobre o sistema financeiro mundial — e como
o uso excessivo dessas ferramentas acabou minando sua eficácia, comprometendo,
em última análise, a própria hegemonia estadunidense.
- Mirando a Coreia
do Norte e o Irã
Segundo
Fishman, tudo começou com a Coreia do Norte, um Estado pária que queria armas
nucleares. Burocratas do Tesouro perceberam que poderiam mirar os bancos que
conectavam a Coreia do Norte ao sistema financeiro internacional. Todos os
bancos precisam de dólares, já que são a moeda de reserva mundial, e os
Estados Unidos controlam o acesso a eles. Se o Tesouro decidir que um banco não
pode mais acessar dólares, ele estará efetivamente perdido.
Assim,
quando os Estados Unidos começaram a visar bancos ligados à Coreia do Norte,
ninguém quis fazer negócios com ela. A Coreia era bastante fácil de isolar,
pois era uma economia relativamente pequena — o mesmo não acontecia com o Irã.
As sanções estadunidenses contra o Irã na década de 1990 foram, portanto,
relativamente ineficazes. Os Estados Unidos impediram suas próprias empresas
(principalmente petrolíferas) de ter relações com o país, mas concorrentes
estrangeiros intervieram e assumiram os negócios. Os Estados Unidos então
tentaram impor “sanções secundárias” contra essas empresas, mas a medida causou
protestos na Europa e teve que ser abandonada.
Tendo
aprendido com a Coreia do Norte, na década de 2000, o Tesouro decidiu mirar as
ligações do Irã com o sistema financeiro internacional, numa tentativa de minar
seu programa nuclear. Em vez de sancionar bancos que faziam negócios
diretamente com o Irã, autoridades estadunidenses se reuniram com os chefes dos
principais bancos do mundo e os alertaram de que fazer negócios com o Irã era
perigoso e poderia comprometer seu acesso aos mercados financeiros dos EUA. Os
bancos obedeceram. Os Estados Unidos também conseguiram convencer as principais
empresas petrolíferas a saírem do Irã, usando uma combinação de incentivo e
punição.
A única
resistência foi da China, que começou a comprar mais petróleo do Irã. Em uma
situação que se tornou bastante comum, a economia iraniana, sob sanções,
tornou-se quase inteiramente dependente das exportações de petróleo. Dado que a
economia mundial é viciada em petróleo, enquanto os preços do petróleo
permanecessem altos, o Irã sempre teria acesso à moeda estrangeira necessária
para continuar seu programa nuclear.
Os
Estados Unidos consideraram sancionar o banco central iraniano, cortando seu
acesso a dólares, o que tornaria impossível para outros países comprarem
petróleo iraniano. Mas isso foi considerado um ato de guerra total. Havia
também grandes preocupações de que o corte repentino do petróleo iraniano na
economia mundial pudesse causar uma disparada nos preços, gerando inflação e
prejudicando o crescimento econômico.
Então,
autoridades estadunidenses inventaram uma solução: imporiam sanções ao banco
central, mas dariam aos clientes iranianos tempo para se livrarem do petróleo
do país. Acontece que, na época em que as sanções ao Irã foram impostas, a
produção de fracking dos EUA havia se expandido drasticamente, e os Estados
Unidos conseguiram repor grande parte do suprimento de petróleo perdido com o
bloqueio das exportações de petróleo iraniano.
O golpe
final veio quando os Estados Unidos conseguiram convencer a China e a Índia a
embarcarem. Os Estados Unidos propuseram um acordo pelo qual os petrodólares
iranianos seriam mantidos em bancos nos países importadores — assim, quando a
China comprasse petróleo do Irã, os dólares usados para comprar o petróleo
seriam mantidos em um banco chinês e só
poderiam ser usados para comprar importações
de produtos chineses aprovados. O acordo funcionou para países
como a China porque impulsionaria as exportações, e funcionou para os Estados
Unidos porque impedia o Irã de usar o dinheiro para expandir seu programa
nuclear.
Sem
acesso a dólares, a economia iraniana afundou. Houve protestos em massa, um
novo líder foi eleito e o acesso a esses petrodólares offshore tornou-se parte
central da nova rodada de negociações entre os Estados Unidos e o Irã. Essas
negociações terminaram em vitória para os Estados Unidos quando o Irã concordou
em reverter seu programa nuclear.
Os
Estados Unidos mostraram que seu controle sobre o dólar era como controlar o
Canal de Suez: permitia que a maior potência imperial do mundo cortasse a
capacidade de outros países de negociarem entre si, criando um “ponto de
estrangulamento” que lhe dava imensa vantagem.
- Sancionando a
Rússia
Em
seguida, veio a Rússia, que anexou a Crimeia em 2014. Os Estados Unidos não
podiam usar todo o seu arsenal econômico porque a Rússia estava simplesmente
muito ligada à economia global. Se os bancos russos quebrassem, eles levariam
consigo muitos bancos europeus, potencialmente desencadeando outra crise
financeira global. E a Europa era dependente demais do gás natural russo para
abandonar o país abruptamente. Além disso, muitas empresas petrolíferas
estadunidenses, incluindo a politicamente poderosa ExxonMobil, estavam
trabalhando com a Rússia. Rex Tillerson, ex-CEO da Exxon e nomeado secretário
de Estado por Donald Trump em 2017, havia fechado um acordo massivo para
desenvolver campos petrolíferos russos e era aliado pessoal de Vladimir Putin.
No fim,
esses vínculos acabaram se revelando a fraqueza de Putin. Os combustíveis
fósseis são a base de sua máquina de guerra — aliás, hoje, são a base de toda a
economia russa. As petrolíferas russas precisam de acesso a capital
internacional para desenvolver novos projetos e perfurar petróleo em locais de
difícil acesso, o que significa acordos com bancos ocidentais e empresas
ocidentais de combustíveis fósseis tecnologicamente avançadas. Outros setores
da economia russa também vinham tomando empréstimos em dólares, e o sistema
financeiro dependia da captação de recursos de investidores internacionais.
Em vez
de cortar o acesso da economia russa a dólares, o que poderia criar uma crise
financeira, os Estados Unidos criaram sanções que impediriam as instituições
russas de acessar novos dólares, limitando sua capacidade de crescimento e,
consequentemente, o crescimento da economia russa. Como afirma Fishman, “os EUA
usariam a dependência da Rússia dos mercados de capitais estadunidenses como um
gargalo”. A União Europeia hesitou inicialmente, mas quando a Rússia abateu um
avião de passageiros, a UE aderiu com seu próprio conjunto de sanções,
espelhando as impostas pelos Estados Unidos.
Essas
sanções surtiram o efeito desejado. A inflação disparou, o rublo despencou e a
economia russa entrou em colapso, impulsionada pela queda simultânea dos preços
do petróleo. O banco central interveio para tentar conter os danos,
principalmente elevando as taxas de juros a níveis extremamente altos. Os
Estados Unidos venceram mais uma vez — mas a que custo?
- Arrogância
imperial
Orelato
de Fishman é fascinante, pois ele está claramente de acordo com os objetivos da
política externa dos EUA, mas também está ciente de que os métodos usados para promover esses
objetivos têm sido contraproducentes. O uso exaustivo de sanções
nos últimos anos resultou em uma instrumentalização
do papel dos Estados Unidos no centro do sistema financeiro mundial.
Após o
sucesso no uso de sanções contra a Coreia do Norte, o Irã e a Rússia, os
líderes estadunidenses foram tomados pela arrogância. Acreditavam que detinham
um poder imenso e incontestável, e a única coisa que precisavam considerar ao
exercer esse poder era o potencial impacto econômico que as sanções poderiam
ter sobre a economia estadunidense e as economias de seus aliados. Isso ficou
muito claro quando os Estados Unidos tomaram a medida inédita de congelar os
fundos do banco central afegão quando o Talibã retornou ao poder em 2021.
Mas, à
medida que os Estados Unidos avançavam cada vez mais, seus inimigos — e Estados
neutros, cautelosos frente à influência imperial dos EUA — encontraram maneiras
de se adaptar. Essa estratégia ficou particularmente clara com a Rússia, que
aproveitou o período entre 2014 e a nova invasão da Ucrânia para isolar sua
economia das sanções estadunidenses, acumular reservas cambiais e — talvez o
mais importante — desenvolver laços comerciais com Estados como a China fora da
órbita dos Estados Unidos. O comércio entre os dois países cresceu tanto que o
dólar não é mais usado como intermediário — a China agora compra grande parte
do petróleo russo usando renminbi.
Na
década de 1990, o secretário do Tesouro de Bill Clinton se preocupava com o uso
excessivo de sanções como ferramenta da política externa dos EUA. Fishman o
cita dizendo que tal estratégia poderia “minar o papel do dólar como moeda de
reserva”. É exatamente isso que está acontecendo. As reservas de dólares dos
bancos centrais caíram nas últimas décadas — a guerra comercial de Trump apenas
exacerbou um antigo movimento de afastamento do dólar.
- Sanções e
desglobalização
Em
suma, as políticas de sanções dos EUA aceleraram uma tendência de longo prazo
de “desglobalização”. Como afirma Fishman, “governos em todo o mundo tentam
desfazer aspectos da globalização que os deixam suscetíveis à pressão externa”.
Os Estados Unidos exageraram, incentivando aliados e rivais a buscar maneiras
de se isolar de seu poder.
Fishman
prossegue com uma série de recomendações sobre como os Estados Unidos podem
exercer seu poder de sanções de forma mais eficaz. Mas esse navio já zarpou. A
nova rodada de guerra econômica de Trump — que visa minar o desafio da
China à supremacia tecnológica dos EUA — colocou um prego no caixão da
globalização liderada pelos Estados Unidos. Independentemente do que aconteça a
seguir, os parceiros comerciais dos EUA serão extremamente cautelosos em se
exporem ao poder estadunidense sobre os pontos de estrangulamento do mundo no
futuro.
Chokepoints também deixa
claro que um país com acesso a receitas substanciais de combustíveis fósseis
está isolado da maioria das formas de pressão doméstica e internacional. A
maioria dos piores tiranos do mundo depende das receitas de combustíveis
fósseis para sustentar seus regimes frágeis. Sem muita necessidade de cobrar
impostos de renda, eles são muito menos passíveis de responsabilização perante suas populações
nacionais. E, graças ao vício mundial em petróleo,
eles sabem que sempre poderão acessar moeda
estrangeira que pode ser usada para acessar equipamentos militares avançados —
seja para travar guerras contra nações estrangeiras ou contra suas próprias
populações.
Líderes
ocidentais devem tomar nota: afastem-se dos combustíveis fósseis, ou países
como Rússia e Arábia Saudita sempre poderão mantê-los reféns. Tony Blair pode não ser fã
da “agenda de zero emissões líquidas” defendida por mimizentos de esquerda, mas
o vício de seu país em combustíveis fósseis o torna fraco e impotente diante de
nações estrangeiras hostis. Ironicamente, os impulsos da esquerda pela
descarbonização estão entre as poucas coisas que podem realmente fortalecer a
posição dos governos ocidentais.
Fonte:
Por Grace Blakeley – Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil

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