Pessoas
homossexuais e moralidade cristã
"A
questão ética, portanto, não é: é bom ou ruim ser homossexual, mas sim: o que
posso fazer com essa realidade, como posso abrir um caminho de humanização
dentro dessa realidade? Podemos qualificar o amor e os atos homossexuais à luz
de quatro considerações", escereve em artigo Renato Borrelli, padre da Igreja Jesus Divino
Trabalhador de Torremaggiore.
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Eis o artigo.
Depois
de abordar a questão de gênero, Aristide Fumagalli nos presenteou com outro
belo texto: Amor possível, pessoas homossexuais e moral cristã. Ele também
escreveu, entre outras coisas, um importante tratado sobre o Amor Sexual, no
qual fala com grande competência e de vários ângulos sobre o amor que une o
homem e a mulher, e o faz sem se intimidar nem um pouco com o desafio imposto
pela cultura ocidental atual, que está mais inclinada a remover a diferença do
que a confrontá-la. O autor não é, portanto, um revolucionário marginalizado
que, ao lidar com a homossexualidade, se lança na teologia moral com a intenção
de minar princípios intangíveis.
Ela tem
credenciais para dialogar tanto com o Magistério da Igreja, que muitas vezes se
ocupou do cuidado materno, traçando também as diretrizes para o cuidado
pastoral de pessoas com outra orientação sexual, quanto com autores que
estudaram em profundidade o fenômeno que está surgindo e que requer atenção e
respostas.
Neste
verdadeiro manual de teologia moral, evidentemente fruto de um curso
específico, Fumagalli parte da realidade fenomenal, isto é, de como o problema
se apresenta hoje, não sem olhar para o passado.
O povo
de Deus deve tomar consciência, sem repressão nem condenação, das diversas
maneiras pelas quais a sexualidade é vivenciada fora da modalidade binária,
que, no entanto, continua sendo o parâmetro básico da expressão sexual. Há
pessoas que têm uma orientação sexual clara em relação às pessoas do seu
próprio sexo.
É
preciso distinguir cuidadosamente a fase adolescente e transitória de
ambiguidade ou dificuldade transitória na aceitação do próprio sexo, do fato de
que também há pessoas que, desde a puberdade, se sentem incomodadas em seu
corpo biologicamente sexualizado, masculino ou feminino. Essa é a chamada
disforia de gênero.
Na
homossexualidade, deve-se distinguir entre a homossexualidade por inclinação,
que se forma nos primeiros anos de vida e que, dado o estado atual do
conhecimento, não pode ser mudada; a homossexualidade se desenvolveu durante a
puberdade como uma possível, mas transitória, fase homoerótica da maturação
sexual; homossexualidade induzida pela corrupção quando, por meio dessas
experiências, se consolida a fase homofílica transitória da puberdade. Durante
os estágios homoeróticos e homossexuais da puberdade, os adolescentes devem ser
protegidos de assistir a cenas homossexuais para preservá-los da consolidação
da tendência homossexual.
Há a
homossexualidade de emergência que ocorre durante o serviço militar, nas
prisões, nos internatos: todas essas formas de homossexualidade são
modificáveis. Somente a homossexualidade por inclinação pode ser considerada
verdadeira homossexualidade (cf. Martin Lintner, The Rediscovery of Eros, p.
140).
• Etiologia
Em
relação à homossexualidade, Fumagalli questiona a etiologia. Eis o que ele
escreve: "A análise das dimensões biológica, psicológica e sociocultural
da homossexualidade tem como resultado mais certo a incerteza da determinação
da etiologia exata".
No
máximo, pode-se considerar válido que a causa da homossexualidade provavelmente
reside em uma multiplicidade de fatores: é legítimo supor a presença de
potencialidades biológicas subjacentes ao comportamento sexual, mas a maneira
como essas potencialidades são utilizadas depende em grande parte das
influências ambientais que são exercidas sobre o sujeito, e também da livre
iniciativa deste.
A
interação entre fatores ambientais e pessoais sempre constitui um problema que
requer uma boa dose de cautela. A ausência de uma causa única e a presença de
várias causas presentes de diversas maneiras sugere que as origens e
configurações da homossexualidade são múltiplas e diversas. Portanto, do ponto
de vista etiológico e estrutural, não existe uma única homossexualidade, mas
múltiplas e diferentes homossexuais.
Uma
confirmação recente dessa afirmação é oferecida por uma pesquisa genética
realizada nos Estados Unidos no Broad Institute, um centro de pesquisa do MIT
em Harvard, por uma equipe internacional de cientistas coordenada pelo italiano
Andrea Ganna, que declara que "a genética não é o único fator que
influencia o comportamento, a identidade e a orientação sexual. A sexualidade
humana, como outras características humanas, é o resultado de uma mistura
complexa de fatores genéticos, influências ambientais e experiências de
vida".
A
pesquisa também quantificou a incidência do componente genético na orientação
sexual em 25%, embora não esteja concentrada em um único gene com alto efeito,
mas sim espalhada por muitos genes com efeito reduzido. Essa interação de
fatores que podem ser indicados individualmente, mas não separados na síntese
do ser humano vivo, depende do fato de que o desejo homossexual, embora exista
pré-socialmente, só pode ser apreendido culturalmente e também é transformado
socialmente (cf. p. 56-57).
Percebemos
o absurdo da homofobia diante da complexidade ligada a tantos fatores
complexos.
• Um olhar sobre a história
O autor
também fornece uma visão geral precisa da evolução histórica do fenômeno (p.
33-47). Limitando-nos ao mundo greco-romano, a homossexualidade e a efebofilia
eram consideradas etapas da iniciação sexual dos jovens, e a depravação dos
costumes sexuais como algo normal.
Naquela
época, o adulto de hoje era o efebo de ontem; os filósofos, escritores e
líderes sérios — pelo menos era assim que apareciam em seus bustos de mármore —
haviam, no entanto, passado por esse processo.
Por
outro lado, todo vício e toda outra expressão humana negativa tinham sua
própria divindade tutelar. Eis, portanto, a severa condenação de São Paulo
(1Cor 6,9-10; 1Tim 1,9-10; Rm 1,26-27), que via nos vícios ligados ao sexo uma
consequência e uma expressão de idolatria.
• …e à Sagrada Escritura
Um
exame das poucas passagens do Antigo Testamento que tratam de práticas
homossexuais (Gn 19:1-29; Lv 18:22 e 20-13; Jz 19) exclui a aprovação e
inclina-se, em vez disso, à condenação, que, no entanto, precisa ser
adequadamente especificada, a fim de evitar interpretações fundamentalistas que
encurtam, em vez de conectar hermeneuticamente, a mensagem bíblica com a
experiência atual do amor homossexual.
Ou
seja, a Bíblia não fala de inclinação erótica em relação a uma pessoa do mesmo
sexo, mas apenas de atos homossexuais (Pontifícia Comissão Bíblica, O que é o
homem).
Segue-se
que a condenação bíblica diz respeito apenas aos atos homossexuais, sem
qualquer referência à orientação homossexual e, menos ainda, à condição
homossexual que a antropologia bíblica não contemplou.
A
Bíblia condena a homogenitalidade, isto é, o comportamento sexual, mas não a
homossexualidade como orientação psicológica ou condição existencial.
Pode-se
observar, contudo, que a própria antropologia bíblica, concebendo o homem como
uma unidade inseparável de espírito e corpo, embora desconhecendo as categorias
de condição e orientação, pressupõe a realidade delas. Mesmo admitindo a
concepção unitária da antropologia bíblica, o que não cabe em seu entendimento
é justamente a possibilidade de uma tendência que não seja heterossexual. Atos
homossexuais são, portanto, condenados na Bíblia como resultado da livre
escolha de pessoas heterossexuais de expressar transgressivamente seu instinto
sexual.
Um
esclarecimento adicional sublinha que o comportamento homossexual é reprovado
como expressão da transgressão de um dever sagrado para com o próximo, como o
da hospitalidade para com estranhos, e como expressão de idolatria religiosa.
A
prática homossexual é, portanto, apresentada e condenada no Antigo e no Novo
Testamento como uma consequência imoral de um pecado religioso mais radical,
aquele cometido contra Deus ao negar as leis de sua criação e renunciar ao seu
reino.
A
Bíblia condena a homogenitalidade como um culto idólatra, mas não tem como
objeto de avaliação o amor entre duas pessoas do mesmo sexo e os atos
homossexuais praticados no contexto de um relacionamento amoroso e respeitoso.
E isto porque a distância entre os dois horizontes interpretativos, bíblico e
contemporâneo, proíbe a transferência imediata do juízo do primeiro para o
segundo.
O
silêncio bíblico sobre o amor homossexual, tal como se manifesta hoje, não pode
ser invocado como prova de sua aprovação, nem a indiscutível atitude
misericordiosa e inclusiva de Jesus, amplamente atestada nas Escrituras, para
com toda pessoa injustamente discriminada e marginalizada, pode ser considerada
como prova de legitimidade. Esta atitude de Jesus é, contudo, um fundamento
válido para contrastar toda forma de homofobia e reconhecer a dignidade
inalienável das pessoas homossexuais, bem como "a percepção de cada
sujeito humano como pessoa redimida pelo Senhor"(G. Piana).
A
interpretação e a avaliação da homossexualidade a partir dos poucos textos
bíblicos que a abordam explicitamente não são, portanto, suficientes para o
discernimento contemporâneo do amor homossexual, de modo que – como conclui o
documento da Pontifícia Comissão Bíblica de Antropologia Bíblica – "a
contribuição oferecida pelas ciências humanas, juntamente com a reflexão de
teólogos e moralistas, será indispensável para uma adequada exposição do
problema".
O
ensinamento bíblico sobre o amor entre o homem e a mulher é e continua sendo
uma referência fundamental para a interpretação e avaliação de toda expressão
da sexualidade humana. Portanto, não pode ser ignorado ao fazer um
discernimento sobre a experiência atual do amor homossexual (cf. Fumagalli
65-67).
O autor
também analisa a história da Igreja, desde os primeiros séculos do
cristianismo. Podemos dizer, em síntese extrema, que esse passado não era terno
para com os homossexuais, mas limitava-se apenas a juízos avaliativos.
• E hoje?
Olhando
para hoje, podemos dizer que a Igreja, nos seus documentos oficiais, se mostrou
atenta à realidade da orientação afetiva das pessoas para com o mesmo sexo, e
demonstrou um interesse pastoral materno para com estes, os seus filhos.
Em
2023, o Dicastério para a Doutrina da Fé, com a declaração Fiducia supplicans,
após "uma reflexão teológica baseada na visão pastoral do Papa
Francisco", abriu "a possibilidade de abençoar casais em situações
irregulares e casais do mesmo sexo, sem modificar de forma alguma o ensinamento
perene da Igreja sobre o matrimônio".
Esclarece-se
que os casais são abençoados, mas não as uniões, nem os relacionamentos, mas os
indivíduos no relacionamento. São bênçãos sem forma litúrgica que não podem
ocorrer no contexto de ritos civis, com roupas ou palavras típicas de
casamentos cristãos, nem diante do altar ou em outro lugar significativo da
igreja. Esclarecimentos que, no entanto, não ofuscam a força incondicional do
amor de Deus em que se baseia o gesto de bênção.
Já no
passado recente, Amoris laetitia, ao se referir ao cuidado pastoral de pessoas
homossexuais sem expressar explicitamente a desaprovação moral dos atos
homossexuais, não pretendia legitimá-los. Contudo, foi um sinal claro de como a
abordagem pastoral – em harmonia com sua mensagem geral e com todo o magistério
de Francisco – deve olhar antes de tudo para as pessoas na singularidade de
suas condições de vida, a fim de promover um caminho sempre possível.
Aproximar-se
da realidade concretamente vivida é, também no caso das pessoas homossexuais, a
melhor condição para a interpretação antropológica e teológica, para a
avaliação moral e para o discernimento pastoral do seu caminho de vida cristã
(cf. Fumagalli, p. 124-125).
Em
suma, podemos dizer que o juízo de condenação dos atos homossexuais pela
Escritura e pela tradição diz respeito à sua prática por livre escolha
resultante da idolatria religiosa ou do egoísmo hedonista. Este não parece ser
o caso de atos homossexuais que expressam amor pessoal realizados por pessoas
com orientação homossexual.
Essa
possibilidade de amor pessoal, também testemunhada por pessoas homossexuais
crentes, questiona a inevitável qualificação dos atos homossexuais como
expressão de idolatria religiosa e egoísmo hedonista, e avança a hipótese de
que eles poderiam ser precisamente uma expressão do amor pessoal cristão.
Esta
hipótese de amor pessoal não parece ser excluída pela apresentação bíblica do
amor responsável entre o homem e a mulher como significado da sexualidade
humana: este amor, de fato, é e permanece a figura ideal e paradigmática do
amor interpessoal, o que não exclui, contudo, outras figuras certamente não
emblemáticas, mas meramente análogas. O autor também destaca os limites do amor
homossexual (p. 170-174).
Entretanto,
a doutrina da Igreja não nega que a orientação homossexual possa corresponder à
identidade sexual da pessoa, ser inata a ela, tanto que não exija mudança de
orientação sexual. Ela põe em questão a opinião segundo a qual a tendência
homossexual definitiva, e portanto não somente transitória, de certas pessoas,
seria tão natural a ponto de se dever considerar que justifica, nelas, relações
homossexuais numa sincera comunhão de vida e de amor, análoga ao matrimônio.
O
Magistério não nega e, antes, reconhece a capacidade de “doação” das pessoas
homossexuais, mas nega que ela possa encontrar expressão num ato homossexual,
expressando unicamente o egocentrismo hedonista.
A
relação entre a objetividade dos atos e a subjetividade do agente é uma questão
crucial para a teologia moral, que se esforça por elaborar uma teoria da ação
que integre melhor os atos e a pessoa que os realiza, levando em devida conta o
valor simbólico de cada ato humano (cf. p. 170).
Fumagalli
busca uma solução argumentando com rigor, mantendo um equilíbrio entre os dados
antropológicos em exame e as dúvidas legítimas expressas pelos documentos que
expressam o magistério da Igreja. Certamente, uma teologia do ideal objetivo,
desatenta à história subjetiva, considera toda distância do ideal em termos
negativos do mal.
Uma
teologia mais atenta às experiências pessoais considera, em vez disso, o
caminho em direção ao ideal, reconhecendo a gradualidade necessária para
realizá-lo e os possíveis obstáculos que o limitam. Esta segunda concepção
teológica caracteriza o magistério mais recente da Igreja, amadurecido
sinodalmente e ensinado com autoridade pelo Papa Francisco.
Contudo,
o amor homossexual não é objetivamente a realização da vocação de amar própria
de todo ser humano em sua totalidade, mas somente em todas as partes possíveis
para as pessoas homossexuais.
• Um caminho de humanização
A
questão ética, portanto, não é: é bom ou ruim ser homossexual, mas sim: o que
posso fazer com essa realidade, como posso abrir um caminho de humanização
dentro dessa realidade? Podemos qualificar o amor e os atos homossexuais à luz
de quatro considerações.
A
doação interpessoal se revela num ato livre praticado e livremente aceito, e se
contradiz num ato imposto ao outro, bem como num ato sofrido: ela não
realizaria, de fato, um caminho de humanização. A doação se revela num ato de
atenção ao outro e, portanto, salvaguarda a alteridade do outro, evitando
retraimentos narcisistas. A doação de si em benefício do outro também se revela
num ato generativo, capaz de comunicar vitalidade, evitando um ato de algum
modo mortificante, capaz de danificar o corpo, perturbar o psiquismo e
perverter o espírito. A doação se revela em um ato que expressa e alimenta a
comunhão interpessoal.
A
unificação pessoal se revela num ato casto, realizado responsavelmente, que,
como todo gesto de amor, exige que seja casto, modesto, e não simplesmente uma
explosão instintiva e compulsiva, excluindo a responsabilidade pessoal e o
respeito pelos outros.
O dom
de si deve ser vivido num ambiente social que, em todo o caso, sugere
comportamentos homologados à cultura dominante: é necessário saber
distanciar-se dela à luz do amor cristão. Isso também exige que os dois
parceiros não pratiquem atos homossexuais com outros sujeitos, pois isso
trairia seu amor.
Por
fim, o amor sexual homossexual também deve ter sua própria história, no sentido
de que qualquer ato homossexual ocorre dentro de uma história de vida que os
dois compartilham sem limites de tempo. O que é exigido numa relação
homossexual na perspectiva de um caminho de humanização da relação é exigido
também para o amor que une o homem e a mulher.
Concluo
com as palavras do Papa Francisco:
"Antes
de mais nada, queremos reiterar que toda pessoa, independentemente de sua
orientação sexual, deve ser respeitada em sua dignidade e acolhida com
respeito, tendo o cuidado de evitar qualquer sinal de discriminação injusta e,
particularmente, qualquer forma de agressão e violência. No que se refere às
famílias, trata-se de garantir um acompanhamento respeitoso para que aqueles
que manifestam tendências homossexuais possam ter a ajuda necessária para
compreender e realizar plenamente a vontade de Deus em suas vidas" (Amoris
laetitia, n. 250).
Fonte:
Por Renato Borrellie, em Setimana News

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