A
estratégia do Brasil para evitar sanções dos EUA contra Alexandre de Moraes
O
governo brasileiro intensificou, nos últimos dias, contatos com o Departamento
de Estado dos Estados Unidos numa estratégia para evitar que o governo
americano aplique sanções a autoridades brasileiras — entre elas, o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
A
informação foi divulgada pelo canal GloboNews e confirmada pela BBC News Brasil
nesta terça-feira (27/05) junto a uma fonte que falou à reportagem em caráter
reservado.
Segundo
esta fonte, o Ministério das Relações Exteriores vem indagando os americanos
sobre a lógica por trás de uma sanção a Moraes e
advertindo que essa medida seria interpretada pelo governo brasileiro como uma
ingerência internacional em assuntos domésticos — o que poderia trazer impactos
negativos à relação entre os dois países.
A
investida brasileira para evitar sanções a Moraes está sendo capitaneada pelo
Itamaraty.
Desde a
semana passada, o governo brasileiro passou a tratar como concreta a
possibilidade de sanção a Moraes depois que o secretário de Estado
americano, Marco Rubio, disse que o governo
do país estudava essa possibilidade por supostas ações de Moraes contra a
liberdade de expressão de pessoas e empresas dos EUA.
Uma
possível medida contra o magistrado seria baseada na Lei Global Magnitsky.
Rubio
não chegou a detalhar que medidas poderiam ser tomadas contra Alexandre de
Moraes. O secretário de Estado usou o Twitter para dizer que vai anunciar ainda
nesta quarta-feira (28/5) uma nova política de restrição de vistos a ser
aplicada contra "autoridades estrangeiras que são cúmplices na censura de
americanos".
"Estrangeiros
que trabalham para minar os direitos dos americanos não devem gozar do
privilégio de viajar para o nosso país. Seja na América Latina, na Europa ou em
qualquer outro lugar, os dias de tratamento passivo para aqueles que trabalham
para minar os direitos dos americanos chegaram ao fim", escreveu Rubio.
Sanções
a Alexandre de Moraes vêm sendo defendidas pelo filho do ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL), o deputado federal licenciado Eduardo
Bolsonaro (PL-SP).
O parlamentar se mudou para os Estados Unidos em
março deste ano e
vem fazendo campanha contra Moraes e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) junto ao
governo de Donald Trump e a
parlamentares republicanos.
Os
contatos do Itamaraty junto ao governo americano, segundo a BBC News Brasil
apurou, estão sendo feitos por autoridades de alto escalão da diplomacia e não
há previsão de que o seu conteúdo ou os seus interlocutores sejam divulgados.
Nos
bastidores, a estratégia é que o assunto seja tratado com a maior discrição
possível para evitar uma escalada que torne a situação diplomaticamente mais
complicada.
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Resposta brasileira
Apesar
de as conversas lideradas pelo Itamaraty ainda estarem em curso, outra fonte
que atua no campo diplomático ouvida pela reportagem disse que o Brasil deverá
adotar cautela ao responder a uma eventual sanção a Moraes.
Segundo
ele, uma sanção ao ministro levaria o governo brasileiro a repudiar a medida,
seja por meio de uma nota oficial ou em discursos de autoridades como o
presidente Lula.
A fonte
descartou, no entanto, a possibilidade de que o governo brasileiro
eventualmente adote o princípio da reciprocidade diplomática e imponha sanções
a autoridades americanas.
Ao
mesmo tempo em que o governo brasileiro tenta intensificar contatos nos
bastidores diplomáticos, não há previsão de que, sob os holofotes, os
presidentes Lula e Trump se encontrem.
Há
expectativa de que os dois participem da Cúpula do G7 (grupo composto por
Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) entre os
dias 15 e 17 de junho, no Canadá.
Apesar
disso, fontes do governo brasileiro disseram à BBC News Brasil que, até o
momento, o país não deverá formalizar nenhum pedido de reunião bilateral com
Trump.
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Empreitada de Eduardo Bolsonaro
A
imposição de sanções por parte dos EUA ao ministro Moraes é uma das principais
bandeiras levantadas por Eduardo Bolsonaro e por ativistas de direita que vivem
nos EUA.
Segundo
eles, Moraes e outros ministros do STF estariam promovendo uma perseguição
judicial contra Jair Bolsonaro e outros políticos ou militantes de direita.
Bolsonaro é réu em um processo que investiga a suposta trama golpista para que
o ex-presidente permanecesse no poder após a derrota eleitoral em 2022.
Nesta
semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito para investigar o
parlamentar licenciado, depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR)
enviar um pedido relacionado à sua atuação nos Estados Unidos contra
autoridades brasileiras.
Na
denúncia, a PGR diz que, desde o início do ano, Eduardo diz publicamente que
está se dedicando a conseguir do governo dos Estados Unidos a imposição de
sanções contra integrantes do Supremo, da PGR e da Polícia Federal, "pelo
que considera ser uma perseguição política a si mesmo e a seu pai".
"Há
um manifesto tom intimidatório para os que atuam como agentes públicos",
diz o documento assinado pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, que
afirma que Eduardo tem intensificado suas ações conforme avança o processo
contra o pai.
Outro
tema que também vem sendo usado por Rubio para criticar o Judiciário brasileiro
é a crescente tensão entre o STF e plataformas digitais.
Em fevereiro deste ano, Moraes foi
processado individualmente pela Trump Media & Technology Group (TMTG),
empresa ligada ao presidente Donald Trump, em conjunto com a plataforma Rumble,
que havia sido bloqueada no Brasil por determinação do magistrado.
A ação,
movida na Flórida, questionava a autoridade de Moraes para decidir sobre
conteúdos publicados no Rumble e sobre a monetização desses conteúdos.
O
processo foi protocolado poucas horas depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR)
apresentar denúncia contra Jair Bolsonaro, acusando-o de liderar uma
organização criminosa que teria planejado um golpe após a derrota nas eleições
de 2022.
Em
outra frente, parlamentares do Partido Republicano encabeçam na Câmara dos
Representantes dos Estados Unidos (equivalente à Câmara dos Deputados
brasileira) um projeto de lei intitulado "No Censors on our Shores
Act" (em tradução livre, "Lei Contra Censores em Nossas
Fronteiras").
A
proposta determina a deportação ou a proibição de entrada em território
americano de autoridades estrangeiras que tenham violado a Primeira Emenda da
Constituição dos Estados Unidos, que prevê a garantia de liberdade de
expressão.
A
atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos tem gerado desdobramentos no
Brasil. Na segunda-feira (26/5), o STF atendeu a um pedido da PGR e
instaurou um inquérito para investigar se o parlamentar licenciado vem agindo
contra o Judiciário brasileiro em território americano.
Em suas
redes sociais, o deputado criticou a decisão do STF.
"Essa
medida, injusta e desesperada, só configura aquilo que sempre falamos: o Brasil
vive um regime de exceção onde tudo no Judiciário depende de quem seja o
cliente", disse Eduardo Bolsonaro.
Na
terça-feira, o PT pediu a abertura de um processo contra o parlamentar no
Conselho de Ética da Câmara, pedindo a cassação de seu mandato. O processo
ainda não foi instaurado.
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O que pode acontecer com Alexandre de Moraes se for alvo
de sanções dos EUA
O
secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou nesta
quarta-feira (28/5) que restrições de visto serão anunciadas contra autoridades
estrangeiras que são "cúmplices de censura a americanos".
"Por
muito tempo, americanos foram multados, assediados e até processados por
autoridades estrangeiras por exercerem seu direito à liberdade de
expressão", disse Rubio.
"Estrangeiros
que atuam para minar os direitos dos americanos não devem desfrutar do
privilégio de viajar para o nosso país. Seja na América Latina, na Europa ou em
qualquer outro lugar, os dias de tratamento passivo para aqueles que atentam
contra os direitos dos americanos acabaram."
Até o
momento, não foi anunciado quem são estas autoridades, mas, na semana passada,
em audiência no Congresso americano, Rubio afirmou que o governo está
analisando a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com base na Lei
Global Magnitsky.
Esta
legislação permite punições a autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou
graves violações de direitos humanos e tem aplicação global.
Segundo
o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções
extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias
sistemáticas ou por motivação política.
A
afirmação de Rubio veio em resposta a um questionamento feito pelo deputado
republicano Cory Mills, da Flórida, sobre o tema. O parlamentar tem articulado
com o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que está morando nos EUA.
O
Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito na
segunda-feira, 26, para investigar o parlamentar, depois de a
Procuradoria-Geral da República (PGR) enviar um pedido relacionado à sua
atuação nos Estados Unidos contra autoridades brasileiras.
Nesta
quarta, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, chegou a
comentar o anúncio de Rubio em sessão na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Vieira
disse que a "questão de vistos é uma política de cada Estado".
"O
Estado toma a decisão de conceder ou de não conceder."
Não há
confirmação até o momento de que sanções serão, de fato, impostas contra
Moraes. Mas o que elas significariam, na prática?
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O que pode acontecer com Alexandre de Moraes?
Há três
consequências principais para quem é colocado dentro da lista de sancionados
da Lei Magnitsky:
- proibição de
viagem aos EUA;
- congelamento de
bens nos EUA;
- proibição de
qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o
indivíduo sancionado.
Esse
último item é o que costuma causar maiores problemas às pessoas sancionadas
pelos EUA, afirma Natalia Kubesch, advogada da Redress — entidade britânica que
ajuda vítimas de tortura e abusos de direitos humanos em diversas partes do
mundo — em entrevista à BBC News Brasil.
Isso
significa, por exemplo, que os cartões de crédito de Moraes podem ser
cancelados — mesmo se emitidos por bancos no Brasil — já que as empresas de
cartões Visa, MasterCard e American Express são americanas?
Em
tese, sim. Mas não necessariamente. Decisões como essa precisariam ser
analisadas caso a caso pelas instituições financeiras. Kubesch afirma que há
precedentes em que isso aconteceu.
"A
American Express anunciou no ano passado que havia encerrado contas de clientes
[sancionados pela Lei Magnitsky]. Eles provavelmente tinham ligações com o
governo do Irã, então a operadora encerrou completamente essas contas de
clientes", diz a advogada.
"Da
mesma forma, em 2022, Visa, MasterCard e American Express bloquearam certos
bancos russos de suas redes de pagamento após a imposição de sanções."
E as
contas de mídias sociais de Alexandre de Moraes? As sanções americanas poderiam
forçar empresas baseadas nos EUA — como Google, Meta e X — a cancelarem as
contas do juiz brasileiro?
Kubesch
afirma que existe uma "zona jurídica cinzenta" quanto a isso.
"Ser
sancionado não o proíbe de ter uma conta em uma rede social. E empresas como
Twitter e o Facebook não necessariamente violariam as sanções ao permitir que
alguém tivesse uma conta", diz a advogada.
Isso
porque vetar o acesso de uma pessoa a uma plataforma de comunicação de massa
por causa de sanções seria visto por muitos como uma violação do seu direito à
liberdade de expressão, diz Kubesch.
"Mas
existe uma área cinzenta porque contas em redes sociais podem ser usadas para
permitir ou facilitar a potencial proibição de uma sanção, ou podem promover
sua agenda específica", diz a advogada.
"Há
precedentes em que o Facebook bloqueou em 2017 contas do chefe da República
Chechena da Rússia, patrocinado pelo Kremlin, depois que ele foi
sancionado", ressalta Kubesch.
"Há
precedentes de plataformas de mídia bloquearam contas após a imposição de
sanções, mas isso também pode, às vezes, ser uma abordagem proativa [das
empresas de mídias sociais], em vez de ser uma violação direta, resultado da
qual eles teriam que agir."
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Sanções e política
A
advogada diz que a inclusão de pessoas na lista de sanções pela Lei Magnitsky é
"semilegal" e "semipolítico".
"É
preciso que a pessoa sancionada esteja envolvida em graves violações de
direitos humanos, e esse é um teste legal que precisa ser cumprido. Agora,
impor ou não uma sanção, no final das contas, fica a critério das autoridades
governamentais relevantes."
A
especialista diz que o possível enquadramento de Alexandre de Moraes nas
sanções pela Lei Magnitsky seria incomum, considerando como a lei costuma ser
usada.
"Essa
pessoa [Moraes] provavelmente não seria passível de sanções sob as sanções
Magnitsky no Reino Unido", diz Kubesch, em referência à lei britânica de
mesma natureza — Canadá e União Europeia também têm suas próprias leis
Magnitsky.
"No
Reino Unido, você só pode ser sancionado e sujeito às sanções Magnitsky se
estiver envolvido em uma violação grave do direito à vida, do direito de não
ser torturado e do direito de não ser escravizado. E nenhum desses casos se
aplica aqui em particular, então ele não seria elegível para as sanções
Magnitsky sob a lei do Reino Unido."
Ela
aponta que, sob o novo governo de Donald Trump, parece estar havendo mudanças
nos critérios de inclusão ou exclusão da lista de sanções americanas.
Recentemente,
o governo americano retirou da lista colonos israelenses na Cisjordânia que
estavam implicados em abusos de direitos humanos e uma autoridade do governo da
Hungria que havia sido sancionado pelo governo do ex-presidente Joe Biden por
corrupção.
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Impacto além do financeiro
Aprovada
durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky foi criada para
punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que
denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia em Moscou.
Inicialmente
voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em
2016, após uma emenda que permitiu a inclusão de qualquer pessoa acusada de
corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.
Desde
então, a lei passou a ter aplicação global. Segundo relatório semestral da
Humans Rights First, organização sediada em Nova York, 69 pessoas foram
sancionadas sob esta legislação no ano passado. A média tem sido de 75 por ano
desde sua criação.
Um
estudo publicado em 2023 pelo International Lawyers Project analisou o impacto
das 20 primeiras sanções da legislação. A pesquisa categorizou os diferentes
tipos de impactos aos sancionados. Dentre eles estão:
1)
congelamento de bens e proibição de viagens nos EUA;
2)
instituições financeiras no exterior encerrando relações comerciais com o
indivíduo alvo, mesmo sem uma obrigação legal;
3)
desenvolvimentos na jurisdição de origem, como investigações criminais ou
processos judiciais contra o indivíduo mencionado, perda de emprego ou
influência política do indivíduo alvo da sanção.
Para o
advogado e professor de Direito da pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas
(FGV) Jean Menezes de Aguiar, a sanção pode ser considerada "uma severa
afetação financeira, já que o mundo ficou menor com a globalização",
lembrando que, caso a pessoa punida tenha patrimônio nos EUA, teria que
contratar um advogado no país para se defender e tentar reverter a situação,
com todos os gastos envolvidos.
Ele
avalia que Moraes não se enquadra juridicamente nas possibilidades da lei e
que, mesmo que haja a penalização, isso "em nada impactaria a legitimidade
dos processos judiciais que ele é relator, nem daria às defesas qualquer
direito de retirar do magistrado a condução dos processos."
O
professor ressaltou também que a lei americana não tem o poder de bloquear bens
ou ativos no exterior. "Só quem pode fazer isso é o poder judiciário de
cada país."
Os
casos citados pelo International Lawyers Project também apontam para desfechos
distintos para os sancionados, nos EUA e em seus países de origem.
Segundo
o documento, a esposa do senador da República Dominicana Felix Ramon Bautista
Rosario, sancionado por "envolvimento em atos de corrupção", tinha
pelo menos duas empresas atuantes no país.
Ele
alegou, em um processo judicial, que administrar as empresas "tornou-se
praticamente impossível em razão do congelamento de bens e da proibição de
viagens impostas pelos EUA." Vistos americanos de dois filhos dele também
foram cancelados e não renovados.
Já o
vice-presidente do Sudão do Sul Benjamin Bol Mel, sancionado em 2017 por
supostos atos de corrupção, não teria sofrido "consequências
significativas" em decorrência da punição.
Segundo
o relatório, "ele e empresas a ele relacionadas continuam a receber
tratamento preferencial de autoridades de alto escalão do Sudão em um processo
não competitivo."
Fonte:
BBC News Brasil

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