sexta-feira, 30 de maio de 2025

A estratégia do Brasil para evitar sanções dos EUA contra Alexandre de Moraes

O governo brasileiro intensificou, nos últimos dias, contatos com o Departamento de Estado dos Estados Unidos numa estratégia para evitar que o governo americano aplique sanções a autoridades brasileiras — entre elas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

A informação foi divulgada pelo canal GloboNews e confirmada pela BBC News Brasil nesta terça-feira (27/05) junto a uma fonte que falou à reportagem em caráter reservado.

Segundo esta fonte, o Ministério das Relações Exteriores vem indagando os americanos sobre a lógica por trás de uma sanção a Moraes e advertindo que essa medida seria interpretada pelo governo brasileiro como uma ingerência internacional em assuntos domésticos — o que poderia trazer impactos negativos à relação entre os dois países.

A investida brasileira para evitar sanções a Moraes está sendo capitaneada pelo Itamaraty.

Desde a semana passada, o governo brasileiro passou a tratar como concreta a possibilidade de sanção a Moraes depois que o secretário de Estado americano, Marco Rubio, disse que o governo do país estudava essa possibilidade por supostas ações de Moraes contra a liberdade de expressão de pessoas e empresas dos EUA.

Uma possível medida contra o magistrado seria baseada na Lei Global Magnitsky.

Rubio não chegou a detalhar que medidas poderiam ser tomadas contra Alexandre de Moraes. O secretário de Estado usou o Twitter para dizer que vai anunciar ainda nesta quarta-feira (28/5) uma nova política de restrição de vistos a ser aplicada contra "autoridades estrangeiras que são cúmplices na censura de americanos".

"Estrangeiros que trabalham para minar os direitos dos americanos não devem gozar do privilégio de viajar para o nosso país. Seja na América Latina, na Europa ou em qualquer outro lugar, os dias de tratamento passivo para aqueles que trabalham para minar os direitos dos americanos chegaram ao fim", escreveu Rubio.

Sanções a Alexandre de Moraes vêm sendo defendidas pelo filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

O parlamentar se mudou para os Estados Unidos em março deste ano e vem fazendo campanha contra Moraes e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) junto ao governo de Donald Trump e a parlamentares republicanos.

Os contatos do Itamaraty junto ao governo americano, segundo a BBC News Brasil apurou, estão sendo feitos por autoridades de alto escalão da diplomacia e não há previsão de que o seu conteúdo ou os seus interlocutores sejam divulgados.

Nos bastidores, a estratégia é que o assunto seja tratado com a maior discrição possível para evitar uma escalada que torne a situação diplomaticamente mais complicada.

<><> Resposta brasileira

Apesar de as conversas lideradas pelo Itamaraty ainda estarem em curso, outra fonte que atua no campo diplomático ouvida pela reportagem disse que o Brasil deverá adotar cautela ao responder a uma eventual sanção a Moraes.

Segundo ele, uma sanção ao ministro levaria o governo brasileiro a repudiar a medida, seja por meio de uma nota oficial ou em discursos de autoridades como o presidente Lula.

A fonte descartou, no entanto, a possibilidade de que o governo brasileiro eventualmente adote o princípio da reciprocidade diplomática e imponha sanções a autoridades americanas.

Ao mesmo tempo em que o governo brasileiro tenta intensificar contatos nos bastidores diplomáticos, não há previsão de que, sob os holofotes, os presidentes Lula e Trump se encontrem.

Há expectativa de que os dois participem da Cúpula do G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) entre os dias 15 e 17 de junho, no Canadá.

Apesar disso, fontes do governo brasileiro disseram à BBC News Brasil que, até o momento, o país não deverá formalizar nenhum pedido de reunião bilateral com Trump.

<><> Empreitada de Eduardo Bolsonaro

A imposição de sanções por parte dos EUA ao ministro Moraes é uma das principais bandeiras levantadas por Eduardo Bolsonaro e por ativistas de direita que vivem nos EUA.

Segundo eles, Moraes e outros ministros do STF estariam promovendo uma perseguição judicial contra Jair Bolsonaro e outros políticos ou militantes de direita. Bolsonaro é réu em um processo que investiga a suposta trama golpista para que o ex-presidente permanecesse no poder após a derrota eleitoral em 2022.

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito para investigar o parlamentar licenciado, depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviar um pedido relacionado à sua atuação nos Estados Unidos contra autoridades brasileiras.

Na denúncia, a PGR diz que, desde o início do ano, Eduardo diz publicamente que está se dedicando a conseguir do governo dos Estados Unidos a imposição de sanções contra integrantes do Supremo, da PGR e da Polícia Federal, "pelo que considera ser uma perseguição política a si mesmo e a seu pai".

"Há um manifesto tom intimidatório para os que atuam como agentes públicos", diz o documento assinado pelo Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, que afirma que Eduardo tem intensificado suas ações conforme avança o processo contra o pai.

Outro tema que também vem sendo usado por Rubio para criticar o Judiciário brasileiro é a crescente tensão entre o STF e plataformas digitais.

Em fevereiro deste ano, Moraes foi processado individualmente pela Trump Media & Technology Group (TMTG), empresa ligada ao presidente Donald Trump, em conjunto com a plataforma Rumble, que havia sido bloqueada no Brasil por determinação do magistrado.

A ação, movida na Flórida, questionava a autoridade de Moraes para decidir sobre conteúdos publicados no Rumble e sobre a monetização desses conteúdos.

O processo foi protocolado poucas horas depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentar denúncia contra Jair Bolsonaro, acusando-o de liderar uma organização criminosa que teria planejado um golpe após a derrota nas eleições de 2022.

Em outra frente, parlamentares do Partido Republicano encabeçam na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) um projeto de lei intitulado "No Censors on our Shores Act" (em tradução livre, "Lei Contra Censores em Nossas Fronteiras").

A proposta determina a deportação ou a proibição de entrada em território americano de autoridades estrangeiras que tenham violado a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que prevê a garantia de liberdade de expressão.

A atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos tem gerado desdobramentos no Brasil. Na segunda-feira (26/5), o STF atendeu a um pedido da PGR e instaurou um inquérito para investigar se o parlamentar licenciado vem agindo contra o Judiciário brasileiro em território americano.

Em suas redes sociais, o deputado criticou a decisão do STF.

"Essa medida, injusta e desesperada, só configura aquilo que sempre falamos: o Brasil vive um regime de exceção onde tudo no Judiciário depende de quem seja o cliente", disse Eduardo Bolsonaro.

Na terça-feira, o PT pediu a abertura de um processo contra o parlamentar no Conselho de Ética da Câmara, pedindo a cassação de seu mandato. O processo ainda não foi instaurado.

¨      O que pode acontecer com Alexandre de Moraes se for alvo de sanções dos EUA

O secretário de Estado dos EUAMarco Rubio, afirmou nesta quarta-feira (28/5) que restrições de visto serão anunciadas contra autoridades estrangeiras que são "cúmplices de censura a americanos".

"Por muito tempo, americanos foram multados, assediados e até processados por autoridades estrangeiras por exercerem seu direito à liberdade de expressão", disse Rubio.

"Estrangeiros que atuam para minar os direitos dos americanos não devem desfrutar do privilégio de viajar para o nosso país. Seja na América Latina, na Europa ou em qualquer outro lugar, os dias de tratamento passivo para aqueles que atentam contra os direitos dos americanos acabaram."

Até o momento, não foi anunciado quem são estas autoridades, mas, na semana passada, em audiência no Congresso americano, Rubio afirmou que o governo está analisando a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com base na Lei Global Magnitsky.

Esta legislação permite punições a autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou graves violações de direitos humanos e tem aplicação global.

Segundo o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sistemáticas ou por motivação política.

A afirmação de Rubio veio em resposta a um questionamento feito pelo deputado republicano Cory Mills, da Flórida, sobre o tema. O parlamentar tem articulado com o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que está morando nos EUA.

O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito na segunda-feira, 26, para investigar o parlamentar, depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviar um pedido relacionado à sua atuação nos Estados Unidos contra autoridades brasileiras.

Nesta quarta, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, chegou a comentar o anúncio de Rubio em sessão na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Vieira disse que a "questão de vistos é uma política de cada Estado".

"O Estado toma a decisão de conceder ou de não conceder."

Não há confirmação até o momento de que sanções serão, de fato, impostas contra Moraes. Mas o que elas significariam, na prática?

<><> O que pode acontecer com Alexandre de Moraes?

Há três consequências principais para quem é colocado dentro da lista de sancionados da Lei Magnitsky:

  • proibição de viagem aos EUA;
  • congelamento de bens nos EUA;
  • proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo sancionado.

Esse último item é o que costuma causar maiores problemas às pessoas sancionadas pelos EUA, afirma Natalia Kubesch, advogada da Redress — entidade britânica que ajuda vítimas de tortura e abusos de direitos humanos em diversas partes do mundo — em entrevista à BBC News Brasil.

Isso significa, por exemplo, que os cartões de crédito de Moraes podem ser cancelados — mesmo se emitidos por bancos no Brasil — já que as empresas de cartões Visa, MasterCard e American Express são americanas?

Em tese, sim. Mas não necessariamente. Decisões como essa precisariam ser analisadas caso a caso pelas instituições financeiras. Kubesch afirma que há precedentes em que isso aconteceu.

"A American Express anunciou no ano passado que havia encerrado contas de clientes [sancionados pela Lei Magnitsky]. Eles provavelmente tinham ligações com o governo do Irã, então a operadora encerrou completamente essas contas de clientes", diz a advogada.

"Da mesma forma, em 2022, Visa, MasterCard e American Express bloquearam certos bancos russos de suas redes de pagamento após a imposição de sanções."

E as contas de mídias sociais de Alexandre de Moraes? As sanções americanas poderiam forçar empresas baseadas nos EUA — como Google, Meta e X — a cancelarem as contas do juiz brasileiro?

Kubesch afirma que existe uma "zona jurídica cinzenta" quanto a isso.

"Ser sancionado não o proíbe de ter uma conta em uma rede social. E empresas como Twitter e o Facebook não necessariamente violariam as sanções ao permitir que alguém tivesse uma conta", diz a advogada.

Isso porque vetar o acesso de uma pessoa a uma plataforma de comunicação de massa por causa de sanções seria visto por muitos como uma violação do seu direito à liberdade de expressão, diz Kubesch.

"Mas existe uma área cinzenta porque contas em redes sociais podem ser usadas para permitir ou facilitar a potencial proibição de uma sanção, ou podem promover sua agenda específica", diz a advogada.

"Há precedentes em que o Facebook bloqueou em 2017 contas do chefe da República Chechena da Rússia, patrocinado pelo Kremlin, depois que ele foi sancionado", ressalta Kubesch.

"Há precedentes de plataformas de mídia bloquearam contas após a imposição de sanções, mas isso também pode, às vezes, ser uma abordagem proativa [das empresas de mídias sociais], em vez de ser uma violação direta, resultado da qual eles teriam que agir."

<><> Sanções e política

A advogada diz que a inclusão de pessoas na lista de sanções pela Lei Magnitsky é "semilegal" e "semipolítico".

"É preciso que a pessoa sancionada esteja envolvida em graves violações de direitos humanos, e esse é um teste legal que precisa ser cumprido. Agora, impor ou não uma sanção, no final das contas, fica a critério das autoridades governamentais relevantes."

A especialista diz que o possível enquadramento de Alexandre de Moraes nas sanções pela Lei Magnitsky seria incomum, considerando como a lei costuma ser usada.

"Essa pessoa [Moraes] provavelmente não seria passível de sanções sob as sanções Magnitsky no Reino Unido", diz Kubesch, em referência à lei britânica de mesma natureza — Canadá e União Europeia também têm suas próprias leis Magnitsky.

"No Reino Unido, você só pode ser sancionado e sujeito às sanções Magnitsky se estiver envolvido em uma violação grave do direito à vida, do direito de não ser torturado e do direito de não ser escravizado. E nenhum desses casos se aplica aqui em particular, então ele não seria elegível para as sanções Magnitsky sob a lei do Reino Unido."

Ela aponta que, sob o novo governo de Donald Trump, parece estar havendo mudanças nos critérios de inclusão ou exclusão da lista de sanções americanas.

Recentemente, o governo americano retirou da lista colonos israelenses na Cisjordânia que estavam implicados em abusos de direitos humanos e uma autoridade do governo da Hungria que havia sido sancionado pelo governo do ex-presidente Joe Biden por corrupção.

<><> Impacto além do financeiro

Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky foi criada para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia em Moscou.

Inicialmente voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em 2016, após uma emenda que permitiu a inclusão de qualquer pessoa acusada de corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.

Desde então, a lei passou a ter aplicação global. Segundo relatório semestral da Humans Rights First, organização sediada em Nova York, 69 pessoas foram sancionadas sob esta legislação no ano passado. A média tem sido de 75 por ano desde sua criação.

Um estudo publicado em 2023 pelo International Lawyers Project analisou o impacto das 20 primeiras sanções da legislação. A pesquisa categorizou os diferentes tipos de impactos aos sancionados. Dentre eles estão:

1) congelamento de bens e proibição de viagens nos EUA;

2) instituições financeiras no exterior encerrando relações comerciais com o indivíduo alvo, mesmo sem uma obrigação legal;

3) desenvolvimentos na jurisdição de origem, como investigações criminais ou processos judiciais contra o indivíduo mencionado, perda de emprego ou influência política do indivíduo alvo da sanção.

Para o advogado e professor de Direito da pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Jean Menezes de Aguiar, a sanção pode ser considerada "uma severa afetação financeira, já que o mundo ficou menor com a globalização", lembrando que, caso a pessoa punida tenha patrimônio nos EUA, teria que contratar um advogado no país para se defender e tentar reverter a situação, com todos os gastos envolvidos.

Ele avalia que Moraes não se enquadra juridicamente nas possibilidades da lei e que, mesmo que haja a penalização, isso "em nada impactaria a legitimidade dos processos judiciais que ele é relator, nem daria às defesas qualquer direito de retirar do magistrado a condução dos processos."

O professor ressaltou também que a lei americana não tem o poder de bloquear bens ou ativos no exterior. "Só quem pode fazer isso é o poder judiciário de cada país."

Os casos citados pelo International Lawyers Project também apontam para desfechos distintos para os sancionados, nos EUA e em seus países de origem.

Segundo o documento, a esposa do senador da República Dominicana Felix Ramon Bautista Rosario, sancionado por "envolvimento em atos de corrupção", tinha pelo menos duas empresas atuantes no país.

Ele alegou, em um processo judicial, que administrar as empresas "tornou-se praticamente impossível em razão do congelamento de bens e da proibição de viagens impostas pelos EUA." Vistos americanos de dois filhos dele também foram cancelados e não renovados.

Já o vice-presidente do Sudão do Sul Benjamin Bol Mel, sancionado em 2017 por supostos atos de corrupção, não teria sofrido "consequências significativas" em decorrência da punição.

Segundo o relatório, "ele e empresas a ele relacionadas continuam a receber tratamento preferencial de autoridades de alto escalão do Sudão em um processo não competitivo."

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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