Em
defesa da vida das meninas e mulheres: legalizar o aborto para garantir saúde
pública para todas
No
início da década de 1980, o movimento feminista e pela saúde das mulheres
ganhou mais força no processo de articulação em termos internacionais. Nesse
contexto, a Campanha Internacional por Contraceptivos, Aborto e Esterilização
(Icasc) realizou o 4º Encontro Internacional Mulher e Saúde (IWHM) em 1984, com
o tema “Não ao Controle Populacional… As Mulheres Decidem!”. A perspectiva da
autodeterminação das mulheres sobre seus corpos, sexualidades e desejos era
central. Nessa conferência de 1984 foi apontada a necessidade de respostas
comuns e estratégias globais frente às violências patriarcais sobre a
sexualidade, reconhecendo as particularidades e diferenças entre os grupos de
mulheres ao redor do mundo.
O 28 de
maio foi instituído como Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher durante
o 5º Encontro Internacional Mulher e Saúde, realizado em 1987 na Costa Rica,
por iniciativa de organizações feministas como a Rede Mundial de Mulheres pelos
Direitos Reprodutivos e Rede de Saúde das Mulheres Latino-Americanas e do
Caribe (RSMLAC), com o objetivo de denunciar as desigualdades no acesso à saúde
reprodutiva, combater a violência obstétrica e promover direitos como o aborto
seguro e o parto humanizado.
No
Brasil, a data do 28 de maio também marca o Dia Nacional de Redução da
Mortalidade Materna, um grave problema de saúde pública: o país registrou 1.963
óbitos maternos em 2022. As principais causas continuam sendo hemorragias
(25%), hipertensão (20%) e infecções pós-parto (15%), agravadas pela falta de
pré-natal adequado e de acesso a serviços de emergência obstétrica,
especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde alguns estados atingem taxas
de até 120 mortes por 100 mil nascidos vivos, segundo o Observatório Obstétrico
Brasileiro, em relatório de 2023.
Essas
desigualdades são profundamente marcadas pelo entrelaçamento da condição das
mulheres, negras e pobres: mulheres negras representam 65% dos óbitos maternos
e têm risco 2,5 vezes maior de morrer no parto comparado às brancas, enquanto
mulheres pobres enfrentam três vezes mais dificuldades para acessar serviços
especializados, segundo informes de 2023 da Fiocruz e OOB. A data, portanto,
relembra lutas históricas pelos direitos das mulheres e evidencia a urgência de
políticas públicas intersetoriais que enfrentem o racismo e a pobreza na saúde
integral das mulheres.
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A garantia do direito ao aborto é um processo de luta
Exigir
direitos sexuais e reprodutivos é reivindicar o fortalecimento e aprimoramento
de políticas públicas que atendam as realidades das mulheres, meninas e pessoas
que gestam. A luta feminista pela descriminalização das mulheres e legalização
do aborto faz parte dessa mesma forma de lutar por saúde pública de forma
integral. E faz parte da luta histórica das mulheres para decidirem sobre suas
próprias vidas, livres das opressões patriarcais, racistas e coloniais.
Temos
como inspiração a luta das companheiras argentinas fundadoras da Campanha
Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito. Nossas companheiras
argentinas garantem por experiência própria que o aborto legal, seguro e
gratuito é uma reivindicação que aprofunda a democracia e só se concretiza
quando está ancorada no debate, na luta e na pressão feminista ampla e popular.
A
aprovação da legalização do aborto na Argentina em dezembro de 2020 foi
resultado de um amplo e intenso processo de mobilização nacional e territorial,
que animou e inspirou mulheres militantes feministas das Américas e do mundo
todo. Mas a luta não se encerrou ali, pelo contrário: quando um direito é
conquistado, nossa atenção e mobilização devem se manter firmes, atentas e
vigilantes. Isso porque a reação conservadora e neoliberal sempre surge com
alguma ofensiva, utilizando nossos direitos e vidas como ajustes para a crise
capitalista, patriarcal e racista. As argentinas sabiam que apenas a legalização do aborto não bastaria,
visto que, ainda assim, as mulheres e pessoas que abortam continuam sendo
estigmatizadas, perseguidas e criminalizadas pela sociedade patriarcal
conservadora.
No
cenário do atual governo de extrema direita de Milei, a atenção e as tensões se
amplificam. As mulheres seguem travando batalhas frente às ameaças de anulação
da lei no poder legislativo, além das tentativas de sabotagem e o desmonte da
política, com problemas de reposição de estoque de medicamentos e insumos
necessários para garantir o acesso ao aborto a quem precisa.
Nós,
aqui no Brasil, sabemos o que é isso. Por vezes, quando enfrentamos tentativas
de retirada dos direitos das mulheres, esses ataques são taxados como “cortina
de fumaça” para esconder processos políticos dados como “mais importantes”. No
entanto, entendemos esses ataques como parte da política econômica de aumentar
o controle sobre nossas vidas e corpos.
Ano
passado, estivemos nas ruas contra o Projeto de Lei nº 1904 e as manobras
criminosas de Arthur Lira para mudar a legislação brasileira vigente. O projeto
afeta principalmente meninas menores de 14 anos (61,4% das vítimas de estupro
no Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2023), muitas
vezes violentadas dentro de casa (68,3%), obrigando-as à gestação forçada e à
revitimização – em 2023, 17 mil meninas de 8 a 14 anos tiveram negado o direito
ao aborto legal. Além de criminalizar vítimas e profissionais de saúde, o PL
desmonta políticas públicas já frágeis, ignorando a questão como saúde pública
e justiça reprodutiva, e aprofunda desigualdades raciais, uma vez que 56,8% das
vítimas são negras.
A
Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do
Aborto denunciou de forma ativa a ação
de grupos conservadores no Congresso, que atacam direitos conquistados e
ampliam a violência institucional. Essas mobilizações, que ficaram conhecidas
pela palavra de ordem “criança não é mãe”, foram exemplares para demonstrar a
capacidade de das mulheres de enfrentar a extrema direita.
Os
ataques aos direitos das mulheres acontecem em diferentes âmbitos da
legislação. Atualmente enfrentamos uma estratégia de aprovar leis por vezes
inconstitucionais, que têm por objetivo dificultar o acesso ao aborto já
previsto em lei. Essa é uma maneira de amedrontar e criminalizar as mulheres,
meninas e pessoas que precisam recorrer a esse direito. O medo e o
constrangimento são utilizados por grupos de extrema direita para coibir quem
deseja acessar esse direito, uma forma violenta de pressionar e culpabilizar as
mulheres.
Em São
Paulo, também enfrentamos isso ao nível estadual. Recentemente foi apresentando
na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o Projeto de Lei nº 444/2025,
de autoria de Fabiana Bolsonaro (PL), que quer instituir uma campanha estadual
de conscientização sobre os efeitos emocionais e físicos do aborto. Sob uma
falsa abordagem de “proteção à vida das mulheres” e combate a violência
obstétrica, se revela a armadilha conservadora: sob o discurso de humanização
do parto, promove valores religiosos que criminalizam mulheres, especialmente
as que buscam aborto legal.
Esse
discurso alinhado a grupos antiaborto transforma uma política pública de saúde
em instrumento de controle sobre os corpos, priorizando dogmas morais em vez de
autonomia e saúde integral das mulheres. O PL abre brechas para que
profissionais de saúde neguem o procedimento com base em “objeção de
consciência”, aprofundando a violência institucional. Ou seja, usam a pauta da
violência obstétrica para avançar uma agenda conservadora, disfarçada de
proteção.
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Mulheres conectam ações para avançar na luta feminista
Entre 8
de março e 17 de outubro de 2025, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) realiza
ações no Brasil como parte da 6 ª Ação Internacional, com o lema “Marchamos
contra as guerras e o capitalismo, por soberania dos povos e pelo bem viver”.
No estado de São Paulo, o tema das atividades tem como eixo o fim da violência
contra as mulheres e a autonomia sobre os corpos e sexualidades.
A MMM
compreende que o debate da violência não esta isolado, mas faz parte de
transformações sistêmicas de um contexto em que casos de violência,
feminicídios e tantas outras formas de violências são resultados do sistema
capitalista patriarcal e racista. Neste
28 de maio, militantes do movimento do estado de São Paulo realizaram ações que
reivindicaram a legalização do aborto e reabertura dos serviços de aborto legal
que seguem em ameça no estado. Participaram dessas ações mulheres dos
municípios de São Paulo e região metropolitana, Campinas e Osasco.
Na
capital, houve uma ação na frente da prefeitura para reivindicar a reabertura
dos serviços de aborto legal realizado no Hospital Cachoeirinha, denunciando
seus fechamentos e processo de sucateamento e perseguição. A luta por autonomia
das mulheres conecta o debate da liberdade das pessoas, vinculando a luta pela
legalização do aborto à superação da violência e à construção de políticas
públicas de saúde para todas as mulheres.
Fonte:
Por Maria Fernanda Marcelino, Renata Reis e Sonia Coelho, em Brasil de Fato

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