Trump
age como pretenso 'imperador do mundo' ao ameaçar STF, afirma ex-presidente do
tribunal
A
tentativa do governo americano de interferir no Supremo Tribunal Federal (STF), com ameaças ao ministro Alexandre de
Moraes,
é resultado de "arrogância desmedida" e de uma pretensa postura de
"imperator mundi" (imperador do mundo) do presidente Donald Trump, afirmou à BBC News
Brasil o ex-integrante da Corte Celso de Mello.
Para o
ministro aposentado e presidente do tribunal entre 1997 e 1999, o STF não tomou
qualquer decisão que interfira em assuntos domésticos americanos e a Casa
Branca atua para garantir imunidade a suspeitos de crimes cometidos no Brasil.
"No
caso brasileiro, não houve, em momento algum, por parte do STF, qualquer
determinação que pudesse caracterizar indevida intromissão em assuntos
domésticos dos EUA ou interferência no exercício da jurisdição interna desse
país."
"Pelo
simples fato de que tais matérias (assuntos domésticos e jurisdição
interna) submetem-se ao exclusivo domínio político e jurídico legitimado
pela soberania americana!", continuou, em resposta escrita.
O
governo Trump mira autoridades em diversos países que têm atuado para regular
plataformas digitais ou tomado decisões contra usuários que estariam cometendo
crimes em redes sociais .
Nos
últimos anos, Moraes suspendeu contas em plataformas ou determinou a prisão de
pessoas que teriam proferido discursos antidemocráticos e ameaçado autoridades
brasileiras no ambiente virtual, atingindo grandes empresas sediadas nos EUA.
Atualmente,
ele é relator de um processo criminal sobre uma suposta tentativa de golpe de
Estado liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
O
deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, está licenciado do
cargo, morando nos Estados Unidos, onde tenta articular uma retaliação do
governo Trump a Moraes — o que levou à abertura de um
inquérito criminal contra o parlamentar para apurar suposta tentativa de
obstrução de Justiça.
Foi
nesse contexto que o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou na
quarta-feira (28/5) que restrições de visto serão anunciadas
contra autoridades estrangeiras que são "cúmplices de censura a
americanos", sem citar diretamente o ministro brasileiro.
Na
semana anterior, porém, Rubio ameaçou Moraes com possíveis sanções previstas
na Lei Global Magnitsky. Essa legislação
americana permite outras punições a autoridades estrangeiras acusadas de
corrupção ou graves violações de direitos humanos, como a proibição de qualquer
pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo
sancionado.
"Isso
está sob análise neste momento, e há uma grande possibilidade de que isso
aconteça", disse Rubio ao ser questionado pelo deputado republicano Cory
Mills, da Flórida, parlamentar que tem dialogado com Eduardo Bolsonaro.
Em meio
às ameaças, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, marcou para a
próxima quarta-feira (04/06) a retomada do julgamento do Marco Civil da Internet, que estava suspenso
desde dezembro por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro
André Mendonça.
Nessa
ação, a Corte analisa se plataformas digitais devem ser responsabilizadas por
conteúdos de terceiros caso deixem de tomar as providências necessárias para
remover postagens com teor criminoso.
À BBC
News Brasil, Celso de Mello criticou a movimentação do governo americano e
disse que Trump desrespeita "a igualdade soberana dos Estados
nacionais", prevista na Carta das Nações Unidas (ONU).
"A
tentativa de querer interferir, política e diplomaticamente, em assuntos
internos do Brasil, brandindo medidas com o autoritário (e irresponsável)
objetivo de pressionar e de influir sobre os rumos de um processo criminal
instaurado em nosso País, motivado por gravíssimas acusações, SÓ PODE RESULTAR
da arrogância desmedida de quem assim age ou DERIVAR de sua inaceitável (e
contraditória) pretensão de agir como verdadeiro "monarca
presidencial" (ou inadmissível "imperator mundi")",
respondeu o ministro aposentado por escrito.
Para
Celso de Mello, o governo Trump busca sustentar uma tese "esdrúxula"
de que a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que garante a
liberdade de expressão e outros direitos, teria validade fora do território
americano e impediria autoridades brasileiras de atuar "mesmo que as
ilicitudes cometidas por nacionais americanos ou estrangeiros residentes nos
EUA tenham sido perpetradas em território brasileiro".
"Autoridades
e agentes públicos brasileiros são pautados, no que concerne ao desempenho de
suas funções, pelo que dispõem a Constituição e as leis da (nossa)
República!", escreveu ainda à reportagem.
Não
está claro que tipo de medida está sendo cogitada contra Moraes. Para Celso de
Mello, uma ação restrita à recusa de visto para entrada no país seria diferente
de sanções mais amplas.
"Finalmente,
mostra-se diversa, segundo entendo, a situação em que os EUA — tanto quanto o
Brasil e qualquer outro Estado estrangeiro — deliberarem impor restrições à
concessão de "vistos", porque, nesse específico caso, o controle de
movimentação de estrangeiros (ingresso e saída) em seu território tem
fundamento no poder soberano de que dispõe qualquer Estado na ordem
internacional", explicou.
"Trata-se,
na realidade, de poder discricionário fundado na soberania dos Estados
nacionais, ressalvado o que tais Estados vierem a pactuar nas convenções
internacionais que celebrarem com outros Estados estrangeiros", disse
ainda.
·
O que pode acontecer com Alexandre de Moraes?
Há três
consequências principais para quem é colocado dentro da lista de sancionados da
Lei Magnitsky:
- proibição de
viagem aos EUA;
- congelamento de
bens nos EUA;
- proibição de
qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o
indivíduo sancionado.
Esse
último item é o que costuma causar maiores problemas às pessoas sancionadas
pelos EUA, afirma Natalia Kubesch, advogada da Redress — entidade britânica que
ajuda vítimas de tortura e abusos de direitos humanos em diversas partes do
mundo — em entrevista à BBC News Brasil.
Isso
significa, por exemplo, que os cartões de crédito de Moraes podem ser
cancelados — mesmo se emitidos por bancos no Brasil — já que as empresas de
cartões Visa, MasterCard e American Express são americanas?
Em
tese, sim. Mas não necessariamente. Decisões como essa precisariam ser
analisadas caso a caso pelas instituições financeiras. Kubesch afirma que há
precedentes em que isso aconteceu.
"A
American Express anunciou no ano passado que havia encerrado contas de clientes
[sancionados pela Lei Magnitsky]. Eles provavelmente tinham ligações com o
governo do Irã, então a operadora encerrou completamente essas contas de
clientes", diz a advogada.
"Da
mesma forma, em 2022, Visa, MasterCard e American Express bloquearam certos
bancos russos de suas redes de pagamento após a imposição de sanções."
E as
contas de mídias sociais de Alexandre de Moraes? As sanções americanas poderiam
forçar empresas baseadas nos EUA — como Google, Meta e X — a cancelarem as
contas do juiz brasileiro?
Kubesch
afirma que existe uma "zona jurídica cinzenta" quanto a isso.
"Ser
sancionado não o proíbe de ter uma conta em uma rede social. E empresas como
Twitter e o Facebook não necessariamente violariam as sanções ao permitir que
alguém tivesse uma conta", diz a advogada.
Isso
porque vetar o acesso de uma pessoa a uma plataforma de comunicação de massa
por causa de sanções seria visto por muitos como uma violação do seu direito à
liberdade de expressão, diz Kubesch.
"Mas
existe uma área cinzenta porque contas em redes sociais podem ser usadas para
permitir ou facilitar a potencial proibição de uma sanção, ou podem promover
sua agenda específica", diz a advogada.
"Há
precedentes em que o Facebook bloqueou em 2017 contas do chefe da República
Chechena da Rússia, patrocinado pelo Kremlin, depois que ele foi
sancionado", ressalta Kubesch.
"Há
precedentes de plataformas de mídia bloquearem contas após a imposição de
sanções, mas isso também pode, às vezes, ser uma abordagem proativa [das
empresas de mídias sociais], em vez de ser uma violação direta, resultado da
qual eles teriam que agir."
A
advogada diz que a inclusão de pessoas na lista de sanções pela Lei Magnitsky é
"semilegal" e "semipolítico".
"É
preciso que a pessoa sancionada esteja envolvida em graves violações de
direitos humanos, e esse é um teste legal que precisa ser cumprido. Agora,
impor ou não uma sanção, no final das contas, fica a critério das autoridades
governamentais relevantes."
A
especialista diz que o possível enquadramento de Alexandre de Moraes nas
sanções pela Lei Magnitsky seria incomum, considerando como a lei costuma ser
usada.
"Essa
pessoa [Moraes] provavelmente não seria passível de sanções sob as Lei
Magnitsky no Reino Unido", diz Kubesch, em referência à lei britânica de
mesma natureza — Canadá e União Europeia também têm suas próprias leis
Magnitsky.
"No
Reino Unido, você só pode ser sancionado e sujeito às sanções Magnitsky se
estiver envolvido em uma violação grave do direito à vida, do direito de não
ser torturado e do direito de não ser escravizado. E nenhum desses casos se
aplica aqui em particular, então ele não seria elegível para as sanções
Magnitsky sob a lei do Reino Unido."
Ela
aponta que, sob o novo governo de Donald Trump, parece estar havendo mudanças
nos critérios de inclusão ou exclusão da lista de sanções americanas.
Recentemente,
o governo americano retirou da lista colonos israelenses na Cisjordânia que
estavam implicados em abusos de direitos humanos e uma autoridade do governo da
Hungria que havia sido sancionada pelo governo do ex-presidente Joe Biden por
corrupção.
Fonte:
BBC News Brasil

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