Como
os rentistas sabotam o desenvolvimento nacional
Uma
análise das estratégias discursivas que mantêm o Brasil refém dos interesses
financeiros.
<><>
O mito da escassez como arma política
O
Brasil vive sob o domínio de uma narrativa que se tornou senso comum: o Estado
está sempre à beira da falência, os gastos públicos são intrinsecamente
perigosos, e qualquer política que beneficie a população através do aumento de
gastos governamentais representa um risco fiscal inaceitável. Esta narrativa
não é acidental – é uma construção deliberada que serve aos interesses de quem
lucra com a manutenção da escassez artificial em economias monetárias e
capitalistas, os rentistas.
Para
compreender essa dinâmica, é fundamental reconhecer que vivemos em uma economia
onde diferentes grupos têm interesses estruturalmente antagônicos. De um lado,
encontram-se aqueles que dependem do desenvolvimento real da economia –
trabalhadores, empresários produtivos, setores voltados para o mercado interno.
Do outro, aqueles que extraem renda através de operações financeiras,
beneficiando-se da volatilidade, da escassez de crédito produtivo e das altas
taxas de juros.
<><>
A inversão da lógica econômica
O
discurso dominante inverteu completamente a relação entre Estado e economia.
Transformou o ente capaz de criar moeda em refém daqueles que dela dependem.
Esta inversão não é produto de ignorância – é resultado de uma sofisticada
operação ideológica que obscurece deliberadamente como funciona um sistema
monetário soberano.
Quando
economistas do mercado financeiro afirmam que “o Estado precisa se ajustar como
uma família”, estão propagando uma analogia que sabe ser falsa. Uma
família é usuária de moeda; o Estado soberano é seu emissor. Esta diferença não
é técnica – é fundamental para compreender o espaço fiscal real de qualquer
nação.
A
insistência nesta analogia revela sua funcionalidade política: manter o debate
econômico dentro de parâmetros que legitimam a primazia dos interesses
rentistas sobre as necessidades nacionais de desenvolvimento.
<><>
O fracasso histórico da conciliação
A
experiência do governo Dilma oferece lições
inequívocas sobre os limites da estratégia conciliatória. A tentativa de
conquistar credibilidade através do ajuste fiscal radical não apenas falhou em
seu objetivo político – aprofundou drasticamente a crise econômica e criou as
condições que viabilizaram o golpe de 2016.
Este
episódio demonstra que o setor rentista não busca políticas “tecnicamente
corretas” – busca políticas que maximizem seus rendimentos, independentemente
de seus custos sociais. A manutenção de juros elevados, a austeridade fiscal
procíclica e a subvalorização cambial inflacionária não são erros de gestão –
são características funcionais de um modelo econômico que subordina o
desenvolvimento nacional aos imperativos da acumulação financeira.
<><>
Desmistificando o “Risco Fiscal”
O
terror fiscal baseia-se em uma compreensão deliberadamente equivocada sobre as
capacidades de um Estado monetariamente soberano. Países que emitem sua própria
moeda enfrentam limites reais – inflação, constrangimentos de recursos
produtivos, pressões cambiais – mas não enfrentam limites financeiros no
sentido convencional.
Reconhecer
esta realidade não significa defender gastos ilimitados ou irresponsáveis.
Significa compreender que as restrições relevantes são aquelas relacionadas à
capacidade produtiva da economia, não aos saldos nominais de contas públicas.
Um Estado que possui recursos ociosos, desemprego em massa e necessidades
sociais urgentes enfrenta, na verdade, um imperativo ético de mobilizar estes
recursos – não uma restrição fiscal que o impeça de fazê-lo.
>>>>
Estratégias para quebrar o ciclo de sabotagem
- Desmascarar as
narrativas falsas
É
fundamental que o governo desenvolva uma comunicação sistemática que eduque a
população sobre o funcionamento real da economia. Isto inclui
explicar as diferenças entre Estados emissores e usuários de moeda, demonstrar
como funciona o sistema bancário, e expor os interesses específicos por trás
das demandas por austeridade.
- Implementar
políticas antifragilidade
Em vez
de buscar aprovação dos mercados financeiros, o governo deve construir sua
legitimidade através de resultados concretos para a população. Isto inclui
políticas de pleno emprego, investimentos massivos em infraestrutura,
fortalecimento dos serviços públicos e redução das desigualdades
regionais.
3.
Reformular a gestão da política monetária
A
obsessão com metas de inflação descontextualizadas serve principalmente para
manter elevados os rendimentos financeiros. Uma política monetária
verdadeiramente soberana deveria considerar o pleno emprego como objetivo
primário, utilizando a taxa de juros como instrumento de desenvolvimento, não
como mecanismo de transferência de renda para rentistas.
Somente
o Banco Central tem o poder ilimitado de criar reais na economia brasileira. Se
utilizado de forma competente, este poder pode inviabilizar quase completamente
a viabilidade das estratégias sabotadoras utilizadas hoje pelo setor financeiro
para manter refém o governo brasileiro. A oferta infinitamente elástica
de swaps cambiais (aplicações remuneradas pela desvalorização
cambial mais algum prêmio) tornariam inviavelmente custosa a especulação
cambial. Já a estabilidade da taxa referencial de juros de curto prazo (a
Selic) tornaria inviavelmente custosa a especulação contra títulos
públicos.
- Fortalecer as
instituições democráticas
O
combate ao poder rentista requer o fortalecimento das instituições que
representam os interesses populares. Isto inclui tanto o parlamento quanto os
mecanismos de participação social, criando contrapesos efetivos ao poder
econômico concentrado.
<><>
A urgência do momento histórico
O
Brasil enfrenta uma janela de oportunidade que pode não se repetir. O fracasso
das políticas neoliberais tornou-se evidente mesmo para setores que antes as
apoiavam. A população demonstra crescente ceticismo em relação às promessas do
mercado financeiro. O cenário internacional oferece espaços para políticas mais
soberanas.
Desperdiçar
esta oportunidade em nome de uma conciliação que sabemos ser impossível
representa mais do que um erro político – representa uma traição histórica às
possibilidades de transformação que o momento oferece.
<><>
Por um projeto nacional soberano
O
desenvolvimentismo do século XXI não pode repetir as ingenuidades do passado.
Deve reconhecer que o setor rentista não é um parceiro relutante do
desenvolvimento nacional – é seu adversário estrutural. Políticas que
beneficiam genuinamente a população brasileira ameaçam diretamente os
mecanismos de extração de renda que sustentam este setor.
A
escolha é clara: ou o Brasil constrói uma economia voltada para as necessidades
de seu povo, ou continua sendo uma plataforma de valorização para o capital
financeiro internacional. Não há meio-termo técnico que resolva esta
contradição fundamental.
O
momento exige coragem para enfrentar os interesses que se beneficiam da
subserviência nacional. Exige também a inteligência para construir alternativas
viáveis que demonstrem, na prática, que outro modelo econômico é
possível.
A
história julgará se soubemos aproveitar esta oportunidade ou se permitimos que
mais uma geração fosse sacrificada no altar da ortodoxia rentista.
¨ PIB sobe 1,4% no 1º
tri: por que analistas veem desaceleração da economia à frente
A economia brasileira
cresceu 1,4% no primeiro trimestre de 2025, em relação ao trimestre
anterior, informou nesta sexta-feira (30/5) o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatistica (IBGE).
O
resultado ficou ligeiramente abaixo do esperado pelos analistas
(1,5%), mas bem acima daquele registrado no quarto trimestre de 2024 (0,1%
conforme o dado revisado, ante 0,2% divulgado anteriormente).
Em
relação ao primeiro trimestre de 2024, o avanço foi de 2,9%, abaixo do
trimestre anterior, quando a alta foi de 3,6% na comparação anual.
Uma
forte alta de 12,2% da agropecuária garantiu o bom
desempenho da economia no começo do ano, graças à safra recorde de grãos, com
destaque para a soja e o milho.
Ainda
na ponta da oferta, os serviços cresceram 0,3%, e a indústria recuou 0,1% em
relação ao trimestre anterior.
No lado
da demanda, o maior crescimento foi registrado pelos investimentos, medidos
pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), com alta de 3,1%.
Esse
indicador mede o quanto as empresas aumentaram seus bens de capital, aqueles
usados para produzir outros bens.
O
aumento foi impulsionado pontualmente pela importação de uma plataforma de
petróleo da China.
O
consumo das famílias cresceu 1%, sustentado pelo bom desempenho do mercado de
trabalho e pelo crescimento da massa de renda, a soma de todos os rendimentos
dos trabalhadores do país. Já o consumo do governo oscilou positivamente em
0,1%.
O
mercado externo, por sua vez, teve contribuição negativa para o PIB do
trimestre, com as importações (5,9%) crescendo mais do que as exportações
(2,9%), um sinal da demanda interna aquecida.
Quando
o país importa mais do que exporta, significa que estamos comprando mais coisas
de fora do que estamos vendendo para outros países, e isso tira pontos do
cálculo do crescimento do PIB.
Apesar
do bom desempenho da atividade no início do ano, analistas esperam que a
economia perca fôlego nos próximos trimestres, em linha com a expectativa de
que o PIB deve crescer menos em 2025 do que
no ano passado.
<><>
O que esperar para o restante do ano?
A
expectativa dos economistas é de uma desaceleração gradual do PIB nos próximos
trimestres, em parte por causa da própria sazonalidade da economia, explica
Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos.
"Quase
dois terços da safra de soja são contabilizados [no PIB] entre janeiro e março,
e a expectativa é de um aumento da safra de soja na casa de 15%", observa.
Ariane
Benedito, economista-chefe da fintech PicPay, destaca ainda que a base de
comparação forte do primeiro trimestre dificulta um crescimento mais pujante
nos trimestres seguintes.
Isso
porque quando a economia já está em um patamar elevado de produção ou consumo,
qualquer crescimento adicional exige mais esforço.
A
economista também avalia que, na segunda metade do ano, deverão ser sentidos
com maior força os efeitos dos juros elevados pelo Banco
Central.
Os
juros altos tornam mais caro a tomada de crédito, reduzindo o consumo das
famílias e os investimentos das empresas, o que funciona como um freio para a
economia.
Quanto
aos riscos para o ano, os economistas avaliam que o principal deles seria um
possível recrudescimento da guerra comercial entre Estados Unidos
e China que
provoque uma desaceleração mais relevante da economia mundial, impactando o
preço das commodities, que têm grande peso nas exportações do
Brasil.
Mas
eles avaliam que esse não é o cenário mais provável, diante dos reiterados
recuos do presidente americano Donald Trump, que já suspendeu e
reduziu tarifas aplicadas a diversos países, inclusive para a China.
No
cenário interno, Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos, avalia
que a gripe aviária pode ter
impacto para inflação e balança comercial.
Após a
identificação de um caso da doença no Rio Grande do Sul, 23 países e a União
Europeia restringiram totalmente a importação de carne de aves do Brasil,
segundo informações do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) divulgadas
na quarta-feira (28/5).
Outros
16 países suspenderam importações apenas para o Rio Grande do Sul e dois
limitaram compras ao município de Montenegro (RS), onde foi identificado o foco
de influenza aviária.
No
entanto, Sobral diz que isso não deverá afetar o PIB, porque uma eventual queda
das exportações de aves deve ser compensada por maiores vendas no mercado
interno, o que pode baratear a carne de frango, sem que haja impacto relevante
no volume de produção.
No
entanto, Sobral diz que isso não deve afetar o PIB, porque a produção que
deixará de ser exportada provavelmente será absorvida pelo mercado interno.
A maior
oferta de frango no Brasil levaria a uma queda do preço doméstico, o que
estimularia as vendas, compensando a queda da exportação sem haver um impacto
relevante na produção total.
Já
o aumento do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) pode
tornar os empréstimos mais caros para as empresas.
A
alíquota passou de 1,88% para um teto de 3,5% ao ano no crédito a pessoa
jurídica, e de 0,88% para 1,95% no caso das empresas do Simples.
A
medida foi decretado pelo governo Lula há uma semana junto com outras mudanças,
mas há uma movimentação no Congresso para derrubá-la.
Sobral
avalia, no entanto, que, se passar pelo Congresso, o aumento do IOF não deverá
ter um impacto muito relevante para a atividade econômica, porque as condições
de crédito já são consideradas bastante restritivas devido ao aumento dos juros
nos últimos meses.
Em
14,75% ao ano, a Selic está no patamar mais alto em quase 20 anos.
Este é
um cenário que analistas avaliam como de riscos relativamente limitados,
porque, embora a guerra comercial, a crise de gripe aviária e a disputa em
torno do IOF criem incertezas, seus efeitos sobre a economia não devem ser
significativos.
Neste
contexto, os economistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a
desaceleração da economia deve acontecer de forma gradual, graças à demanda
sustentada pelo mercado de trabalho ainda aquecido e pelos gastos do governo,
que tendem a aumentar à medida que se aproximam as eleições de 2026.
Para
Margato, da XP, os dados divulgados nesta semana sobre o mercado de trabalho no
início do segundo trimestre reforçam essa percepção.
Em
abril, o Brasil registrou a criação de 257 mil empregos formais, segundo o
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), bem acima da expectativa,
que era de 170 mil.
Já a
taxa de desemprego ficou em 6,6% no trimestre encerrado em abril, menor do que
o esperado e nível mais baixo para o mês da série histórica da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
"São
exemplos que reforçam nosso cenário de atividade resiliente, de uma demanda
ainda aquecida e de um mercado de trabalho robusto", diz Margato.
Sobral
e Margato destacam ainda que os estímulos fiscais do governo têm representado
um peso importante na sustentação da atividade econômica.
O
economista da XP cita como exemplos recentes disso o aumento do salário mínimo acima da
inflação; o empréstimo consignado do trabalhador; a liberação de
cerca de R$ 12 bilhões em saldos do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); e o pagamento de R$ 90 bilhões em
precatórios (dívidas da União já reconhecidas pela Justiça, sem possibilidade
de novos recursos).
Sobral
lembra ainda que há outros estímulos a caminho, como a ampliação do programa
Minha Casa, Minha Vida; o aumento do vale-gás; e a redução da conta de luz para
famílias de baixa renda com baixo consumo de energia.
A
contrapartida desse crescimento puxado pelo gasto público é uma inflação que se mantém elevada, dizem os
economistas, o que deve fazer com que o Banco Central mantenha os juros também
em um nível alto por mais tempo.
A
inflação alta e o crédito mais caro ajudam a explicar o mau humor dos brasileiros com a
economia,
mesmo com o desemprego em baixa e o aumento da renda.
Fonte:
Por Daniel Negreiros Conceição, no Le Monde

Nenhum comentário:
Postar um comentário