Rômulo
Paes de Sousa: Quem tem medo da COP-30?
Em muitos
lugares do Brasil, há muita gente perdendo o sono por causa da Conferência das
Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30), que o ocorrerá em
Belém do Pará, entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025. As expectativas mais
otimistas projetam uma participação de mais de 50 mil pessoas.
De
certo, teremos gente de todos os lugares e de todos os setores econômicos e
sociais ligados ao tema. São muitos e diversos: burocratas, acadêmicos,
empresários e assessores, ongueiros, artistas e ativistas.
A COP é
um espaço diverso que serve tanto para a denúncia dos crimes ambientais e
sociais como para o embuste relativo as insinceras medidas de adaptação e
mitigação que são exibidas mundo afora. Esse tipo de intervenção que só existe
nos relatórios de fim de ano produzidos pelos setores público e privado para o
gosto de eleitores e acionistas. É por conta deste último conjunto de
iniciativas que esse evento tem perdido credibilidade mesmo na combalida arena
da governança global. As últimas COP foram sediadas em países que têm os
combustíveis fosseis como a sua principal atividade econômica, cujos governos
são de longa tradição conservadora. Nada mais distante dos conceitos
fundamentais do desenvolvimento sustentável.
O
Brasil faz uma aposta alta ao trazer o evento para a Amazônia. Se os desafios
do subcontinente amazônico têm sido temas quentes nas últimas edições do
evento, o que torna atraente que se traga o mundo para que confira in
loco como a floresta de fato é, a realização do evento em Belém porá
em cheque a invenção mitológica sobre o território que tem sido construída há
mais 500 anos. Uma mitologia cultural que representa um pretenso ambiente
homogêneo que oscilaria entre o Éden primevo e o inferno natural a ser
devastado e submetido. São muitos séculos de interpretações enviesadas sobre a
Amazônia e seus povos, desde que Frei Gaspar de Cravajal, no século XVI, e
padre Cristóbal de Acuña, no século seguinte, difundiram na Europa os seus
registros de viagem à região.
Os
desafios para o país-sede são muitos. O primeiro será atenuar o efeito da
ausência dos Estados Unidos sobre os países que não lhes são subalternos, mas
não querem perder tempo com acordos com pouca chance de dar certo. O segundo
será reduzir (resolver seria pedir demais) as pendências herdadas da COP-29 do
Azerbaijão, sobretudo a referente ao financiamento da agenda climática, para
que ela não contamine excessivamente a agenda da COP do Brasil.
O
terceiro será romper com o atavismo que tem dominado as COP mais recentes e
sobretudo a regressividade sugerida por muitos países e produzir avanços na
agenda climática. O quarto será controlar o lobby das empresas produtoras de
commodities agro mineral e de petróleo para que elas não interditem os debates
políticos sobre devastação na região pan-amazônica. E, por fim, lidar com as
dificuldades logísticas de infraestrutura da cidade sede: falta de leitos,
obras de infraestrutura não sustentáveis, preços abusivos na hotelaria e na
alimentação, e segurança e mobilidade adequadas para os participantes.
Embora
o governo federal tenha feito escolhas acertadas para a condução do evento —
André Correa do Lago e Ana Toni eram as melhores opções para esta função –, o
contexto político da região é adverso a uma COP bem-sucedida. Nas eleições de
2022, nos oito estados da Amazônia Legal, a direita saiu-se excepcionalmente
bem. Nada menos do que 6 governadores de direita saíram-se vitoriosos,
juntamente com 7 senadores de 8 cadeiras em disputa e 50 das 73 cadeiras em
disputa para câmara dos deputados federais também foram conquistados pela
direita, como indica o bem-cuidado relatório do Instituto de Estudos
Socioeconômicos (2022) sobre “Perfil dos eleitos nas eleições de
2022”.
Porém,
seria simplório desconhecer que algumas dessas lideranças de direita possam se
unir ao governo federal em agendas progressistas e não reconhecer que
parlamentares de centro e mesmo de esquerda endossam políticas não sustentáveis
de desenvolvimento para a região. Basta observar a polêmica em torno da
exploração das reservas de petróleo situadas na foz do rio Amazonas e a
relacionada agressão misógina e negacionista que a ministra Marina Silva sofreu
no Senado, no dia 27/5 por parte de três senadores direitistas da região
amazônica.
Há
iniciativas importantes no governo federal em integrar as várias áreas da
administração pública os debates da COP. Uma iniciativa a ser destacada é a
Conferência Global de Clima e Saúde que será realizada de 29 a 31 de julho, em
Brasília, como fruto de uma parceria entre o governo brasileiro e as Nações
Unidas.
O
Ministério da Saúde tem buscado envolver a comunidade da saúde coletiva no
Brasil e no Mundo para a produção de o Plano de Ação sobre Clima e Saúde para
informar a COP 30. Contudo, o grande diferencial do evento em Belém tende a ser
a excepcional participação da sociedade civil. Elevá-la a uma maior
participação em termos de escala, intensidade e relevância. A articulação de
quase 800 entidades do mundo todo que se denomina Cúpula dos Povos, se
realizará em Belém de 12 a 16 de novembro, produzirá iniciativas em vários
pontos da Amazônia, incluindo a Marcha pelo Clima, que se dará no dia 15 de
novembro para que o mundo todo, de várias formas, se conecte aos debates da
agenda climática. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva colabora com o
Ministério da Saúde e está engajada na organização da Cúpula dos Povos.
O
futuro do planeta (e da Amazônia) é sabotado todos os dias, tanto em atividades
como o garimpo ilegal, como nos escritórios dos que financiam e são financiados
pelas práticas não sustentáveis de utilização de recursos naturais. Contudo,
nas florestas, no campo e nas cidades há resistência às ações dos que querem
acelerar “o fim dos tempos” e encontrar caminhos para um mundo melhor. Os
sabotadores do planeta têm medo de uma Conferência participativa e resolutiva
por isso tentarão controlá-la ou esvaziá-la ou, se nada disso der certo,
desacreditá-la. Os povos originários, e demais da floresta e das cidades da
Amazônia (e seus sinceros aliados) têm na COP uma oportunidade gigantesca de
apresentar a complexidade do seu modo de vida e o seu engenho para superar as
adversidades e apresentar as suas soluções para um mundo mais sustentável. Que
venha novembro!
¨
Pará, o último no mapa de qualidade de vida. Por Nádia
Pontes
Qualidade
das paredes, dos pisos e da iluminação nos cômodos da casa. Cobertura e
qualidade da internet móvel e densidade da internet em banda larga fixa. Mortes
por acidente de trânsito, assassinato de jovens e mulheres. Esgotamento
sanitário adequado e índice de abastecimento de água saudável. Paridade de
negros na câmara municipal, ações para direitos de minorias e famílias em
situação de rua. Índice de vulnerabilidade climática dos municípios e emissões
de CO₂ por habitante. Evasão escolar nos ensinos fundamental e médio. Consumo
de alimentos ultraprocessados, taxas de obesidade e de suicídio. Acesso à
cultura, lazer e esporte, e existência de praças e parques em áreas urbanas.
Esses
são alguns dos indicadores que, reunidos, formam o IPS, o Índice de Progresso
Social, que pelo segundo ano consecutivo mediu a qualidade de vida dos
brasileiros do ponto de vista social e ambiental nos 5.568 municípios do país,
além de Brasília e Fernando de Noronha (PE).
Inaugurado
em 2012 por cientistas de Harvard e do MIT, nos Estados Unidos, o IPS considera
três dimensões do progresso social (Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos
do Bem-estar e Oportunidades), organizados em doze componentes (Nutrição e
Cuidados Médicos Básicos, Água e Saneamento, Moradia, Segurança Pessoal, Acesso
ao Conhecimento Básico, Acesso à Informação e Comunicação, Saúde e Bem-estar,
Qualidade do Meio Ambiente, Direitos Individuais, Liberdades Individuais e de
Escolha, Inclusão Social e Acesso à Educação Superior).
As três
dimensões e os doze componentes são sustentados por 57 indicadores compostos
por dados públicos e fontes oficiais como DataSUS, Ministério da Saúde, Sistema
Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
CadÚnico, entre outras.
A
partir desses critérios, o IPS deste ano revela que o Pará, sede da próxima
Conferência da ONU sobre Mudança Climática, a COP30, em novembro, oferece a
pior qualidade de vida entre os estados do país. Belém, anfitriã da
conferência, ficou na 22ª colocação entre as capitais, à frente de Rio Branco,
Salvador, Maceió, Macapá e Porto Velho.
O Pará
concentra ainda doze das vinte cidades com pior pontuação na edição atual. São
elas: Jacareacanga, Bannach, Trairão, Pacajá, Portel, São Félix do Xingu,
Anapu, Cumaru do Norte, Uruará, Santana do Araguaia, São João do Araguaia e
Santa Maria das Barreiras.
O
desempenho ruim também aparece na segmentação por número de habitantes. O
estado lidera o ranking de piores municípios no grupo de até 5 mil habitantes
(Bannach), entre 20 e 100 mil (Jacareacanga), entre 100 mil e 500 mil
(Altamira) e acima dos 500 mil (Ananindeua). Apesar de não ter o pior município
no recorte entre 5 mil e 20 mil habitantes, 4 entre as 10 piores cidades desta
faixa são paraenses.
“Na
Amazônia, em geral, os indicadores ficam abaixo da média brasileira, mas eles
são piores ainda nos municípios que desmatam. E todos os municípios com muito
desmatamento no Pará têm nota muito baixa”, afirma à piauí Beto Veríssimo,
coordenador do Projeto Amazônia 2030 e diretor do IPS Brasil.
O Pará
é campeão de desmatamento no país. Em 2024, foram cortados 2,3 mil km2 de
Floresta Amazônica no estado, aponta o monitoramento via satélite do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe. A correlação entre desmatamento e baixo
desempenho descrita por Veríssimo é constatada no recorte por municípios.
Altamira, que aparece entre os piores no índice do IPS na faixa de 100 mil a
500 mil habitantes, foi o segundo município que mais desmatou, entre aqueles
que formam a Amazônia Legal, no ano passado, segundo o Inpe. Dos 15 municípios
que mais desmataram em 2024, 6 são paraenses: Altamira, Itaituba, Portel, São
Félix do Xingu, Uruará e Pacajá.
Outro
problema grave que ajuda a derrubar os índices do estado é o garimpo ilegal. Em
Jacareacanga, penúltimo colocado do ranking geral entre os piores municípios
(só perde para Uiramutã, de Roraima), o garimpo é uma das principais causas da
devastação da floresta, mostram os alertas de desmatamento analisados pelo
Mapbiomas desde 2019. O garimpo, ilegal na maioria dos casos, também acontece
em outras localidades que figuram na zona de rebaixamento do IPS, como Itaituba
e São Félix do Xingu.
Veríssimo
acredita que a realidade paraense e de sua capital estarão em diálogo com as
discussões que permeiam a COP30. O evento, que reúne países signatários da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a UNFCCC, tem a
missão de negociar acordos para o corte de emissões de gases do efeito estufa,
os causadores da emergência climática.
A piauí
esteve em Belém para acompanhar os preparativos da cidade para a conferência. O
urbanista Roberto Andrés, autor da reportagem Vai ter COP, na edição de abril
de 2024, constatou que Belém tinha “graves carências de infraestrutura que
penalizam as pessoas mais vulneráveis e os recursos naturais” e que “a crise
ambiental urbana precede a própria crise climática na região”.
Assim,
a expectativa é de que o debate sobre o atraso do progresso social registrado
pelo IPS apareça não só nas negociações oficiais para a redução dos entraves
climáticos, mas em todas as esferas que contam com a participação de
organizações sociais, empresas e sociedade civil.
“Acontecendo
numa região como a Amazônia, entrará para o coração do debate [na COP] a
necessidade de melhorar a condição de vida das pessoas que moram nas florestas
tropicais, onde há muitos problemas socioambientais”, aponta Veríssimo.
Neste
ano, a nota geral do país (61,96) foi ligeiramente mais alta que em 2024
(61,83). Entre as dimensões, Necessidades Humanas Básicas teve a nota geral
mais alta, enquanto Oportunidades apresentou pior desempenho. Já entre doze
componentes, Moradia e Água e Saneamento tiveram os melhores resultados,
enquanto Direitos Individuais e Inclusão Social, os piores.
“O IPS
sempre vai tentar trazer o indicador que seja mais preciso, mais atual. Mas a
qualidade de vida não muda de um ano para outro, geralmente são processos que
levam mais tempo, é preciso muito trabalho de gestão pública”, comenta
Veríssimo.
É por
isso que, segundo os pesquisadores, os resultados do Pará não surpreendem. Em
2014, quando o grupo testou a metodologia pela primeira vez no Brasil
considerando apenas os municípios da Amazônia Legal, os piores colocados de
agora já ocupavam essas posições. “O índice mostrava que desmatar não gerava
riqueza econômica ou progresso social”, diz Veríssimo.
O IPS
2025 reforça a desigualdade social brasileira. O ranking mostra uma disparidade
entre as cidades do Sudeste, melhores colocadas, e as do Norte, especialmente
na Amazônia Legal, com as pontuações mais baixas.
Gavião
Peixoto, no interior paulista, obteve a melhor avaliação no país, com 73,26 —
mais de dez pontos acima da média nacional. Com 4.797 habitantes, o município
se sai bem principalmente nos quesitos moradia, água e saneamento, nutrição e
cuidados médicos básicos e inclusão social.
Na mapa
do estudo, confeccionado com uma gradação de cores que vai do azul escuro,
indicação para boa qualidade de vida, ao vermelho, sinônimo de más condições, o
interior de São Paulo se destaca como região mais bem avaliada.
Dos
5570 municípios analisados, a maioria (932) aparece com tom amarelo escuro no
mapa, com IPS médio de 57,79. Neste grupo estão duas capitais: Macapá (AP) e
Porto Velho (RO). O azul escuro sinaliza a situação de 358 cidades que tiveram
pontuação média de 67,56. Eles abrigam 30% da população e englobam quinze
capitais: Curitiba, Campo Grande, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia,
Palmas, Florianópolis, João Pessoa, Cuiabá, Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Teresina, Aracaju e Natal.
Em
algumas cidades pintadas de vermelho, há iniciativas que têm mostrado bons
resultados — e que foram registradas no estudo. É o caso de Água Azul do Norte,
também no Pará, com nota geral 51,56, mas com bons indicadores na área de saúde
e bem-estar. “Na comparação regional, Água Azul do Norte vai bem na componente
de saúde. Nós fomos até lá e vimos que o município está aplicando políticas
públicas para tratar as populações que moram mais distantes dos centros de
atendimentos, o que tem contribuído para a prevenção de doenças”, explica
Melissa Wilm, que também coordena o estudo.
Numa
outra frente de atuação, a equipe de pesquisadores tem se preocupado em
discutir o diagnóstico com gestores da administração pública para provocar
impacto e mudanças. “O índice acaba criando uma saia justa para o gestor da
administração pública porque mostra que a falta de qualidade de vida não é um
problema de renda”, comenta Veríssimo. “Nós percebemos nestas trocas que os
gestores estão se interessando pelo IPS mais rápido do que a gente esperava,
pois ele pode ajudar a guiar os investimentos públicos.”
Fonte:
Outras Palavras/Revista Piauí

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