sábado, 31 de maio de 2025

Rômulo Paes de Sousa: Quem tem medo da COP-30?

Em muitos lugares do Brasil, há muita gente perdendo o sono por causa da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30), que o ocorrerá em Belém do Pará, entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025. As expectativas mais otimistas projetam uma participação de mais de 50 mil pessoas.

De certo, teremos gente de todos os lugares e de todos os setores econômicos e sociais ligados ao tema. São muitos e diversos: burocratas, acadêmicos, empresários e assessores, ongueiros, artistas e ativistas.

A COP é um espaço diverso que serve tanto para a denúncia dos crimes ambientais e sociais como para o embuste relativo as insinceras medidas de adaptação e mitigação que são exibidas mundo afora. Esse tipo de intervenção que só existe nos relatórios de fim de ano produzidos pelos setores público e privado para o gosto de eleitores e acionistas. É por conta deste último conjunto de iniciativas que esse evento tem perdido credibilidade mesmo na combalida arena da governança global. As últimas COP foram sediadas em países que têm os combustíveis fosseis como a sua principal atividade econômica, cujos governos são de longa tradição conservadora. Nada mais distante dos conceitos fundamentais do desenvolvimento sustentável.

O Brasil faz uma aposta alta ao trazer o evento para a Amazônia. Se os desafios do subcontinente amazônico têm sido temas quentes nas últimas edições do evento, o que torna atraente que se traga o mundo para que confira in loco como a floresta de fato é, a realização do evento em Belém porá em cheque a invenção mitológica sobre o território que tem sido construída há mais 500 anos. Uma mitologia cultural que representa um pretenso ambiente homogêneo que oscilaria entre o Éden primevo e o inferno natural a ser devastado e submetido. São muitos séculos de interpretações enviesadas sobre a Amazônia e seus povos, desde que Frei Gaspar de Cravajal, no século XVI, e padre Cristóbal de Acuña, no século seguinte, difundiram na Europa os seus registros de viagem à região.

Os desafios para o país-sede são muitos. O primeiro será atenuar o efeito da ausência dos Estados Unidos sobre os países que não lhes são subalternos, mas não querem perder tempo com acordos com pouca chance de dar certo. O segundo será reduzir (resolver seria pedir demais) as pendências herdadas da COP-29 do Azerbaijão, sobretudo a referente ao financiamento da agenda climática, para que ela não contamine excessivamente a agenda da COP do Brasil.

O terceiro será romper com o atavismo que tem dominado as COP mais recentes e sobretudo a regressividade sugerida por muitos países e produzir avanços na agenda climática. O quarto será controlar o lobby das empresas produtoras de commodities agro mineral e de petróleo para que elas não interditem os debates políticos sobre devastação na região pan-amazônica. E, por fim, lidar com as dificuldades logísticas de infraestrutura da cidade sede: falta de leitos, obras de infraestrutura não sustentáveis, preços abusivos na hotelaria e na alimentação, e segurança e mobilidade adequadas para os participantes.

Embora o governo federal tenha feito escolhas acertadas para a condução do evento — André Correa do Lago e Ana Toni eram as melhores opções para esta função –, o contexto político da região é adverso a uma COP bem-sucedida. Nas eleições de 2022, nos oito estados da Amazônia Legal, a direita saiu-se excepcionalmente bem. Nada menos do que 6 governadores de direita saíram-se vitoriosos, juntamente com 7 senadores de 8 cadeiras em disputa e 50 das 73 cadeiras em disputa para câmara dos deputados federais também foram conquistados pela direita, como indica o bem-cuidado relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (2022) sobre “Perfil dos eleitos nas eleições de 2022”.

Porém, seria simplório desconhecer que algumas dessas lideranças de direita possam se unir ao governo federal em agendas progressistas e não reconhecer que parlamentares de centro e mesmo de esquerda endossam políticas não sustentáveis de desenvolvimento para a região. Basta observar a polêmica em torno da exploração das reservas de petróleo situadas na foz do rio Amazonas e a relacionada agressão misógina e negacionista que a ministra Marina Silva sofreu no Senado, no dia 27/5 por parte de três senadores direitistas da região amazônica.

Há iniciativas importantes no governo federal em integrar as várias áreas da administração pública os debates da COP. Uma iniciativa a ser destacada é a Conferência Global de Clima e Saúde que será realizada de 29 a 31 de julho, em Brasília, como fruto de uma parceria entre o governo brasileiro e as Nações Unidas.

O Ministério da Saúde tem buscado envolver a comunidade da saúde coletiva no Brasil e no Mundo para a produção de o Plano de Ação sobre Clima e Saúde para informar a COP 30. Contudo, o grande diferencial do evento em Belém tende a ser a excepcional participação da sociedade civil. Elevá-la a uma maior participação em termos de escala, intensidade e relevância. A articulação de quase 800 entidades do mundo todo que se denomina Cúpula dos Povos, se realizará em Belém de 12 a 16 de novembro, produzirá iniciativas em vários pontos da Amazônia, incluindo a Marcha pelo Clima, que se dará no dia 15 de novembro para que o mundo todo, de várias formas, se conecte aos debates da agenda climática. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva colabora com o Ministério da Saúde e está engajada na organização da Cúpula dos Povos.

O futuro do planeta (e da Amazônia) é sabotado todos os dias, tanto em atividades como o garimpo ilegal, como nos escritórios dos que financiam e são financiados pelas práticas não sustentáveis de utilização de recursos naturais. Contudo, nas florestas, no campo e nas cidades há resistência às ações dos que querem acelerar “o fim dos tempos” e encontrar caminhos para um mundo melhor. Os sabotadores do planeta têm medo de uma Conferência participativa e resolutiva por isso tentarão controlá-la ou esvaziá-la ou, se nada disso der certo, desacreditá-la. Os povos originários, e demais da floresta e das cidades da Amazônia (e seus sinceros aliados) têm na COP uma oportunidade gigantesca de apresentar a complexidade do seu modo de vida e o seu engenho para superar as adversidades e apresentar as suas soluções para um mundo mais sustentável. Que venha novembro!

¨      Pará, o último no mapa de qualidade de vida. Por Nádia Pontes

Qualidade das paredes, dos pisos e da iluminação nos cômodos da casa. Cobertura e qualidade da internet móvel e densidade da internet em banda larga fixa. Mortes por acidente de trânsito, assassinato de jovens e mulheres. Esgotamento sanitário adequado e índice de abastecimento de água saudável. Paridade de negros na câmara municipal, ações para direitos de minorias e famílias em situação de rua. Índice de vulnerabilidade climática dos municípios e emissões de CO₂ por habitante. Evasão escolar nos ensinos fundamental e médio. Consumo de alimentos ultraprocessados, taxas de obesidade e de suicídio. Acesso à cultura, lazer e esporte, e existência de praças e parques em áreas urbanas.

Esses são alguns dos indicadores que, reunidos, formam o IPS, o Índice de Progresso Social, que pelo segundo ano consecutivo mediu a qualidade de vida dos brasileiros do ponto de vista social e ambiental nos 5.568 municípios do país, além de Brasília e Fernando de Noronha (PE).

Inaugurado em 2012 por cientistas de Harvard e do MIT, nos Estados Unidos, o IPS considera três dimensões do progresso social (Necessidades Humanas Básicas, Fundamentos do Bem-estar e Oportunidades), organizados em doze componentes (Nutrição e Cuidados Médicos Básicos, Água e Saneamento, Moradia, Segurança Pessoal, Acesso ao Conhecimento Básico, Acesso à Informação e Comunicação, Saúde e Bem-estar, Qualidade do Meio Ambiente, Direitos Individuais, Liberdades Individuais e de Escolha, Inclusão Social e Acesso à Educação Superior).

As três dimensões e os doze componentes são sustentados por 57 indicadores compostos por dados públicos e fontes oficiais como DataSUS, Ministério da Saúde, Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), CadÚnico, entre outras.

A partir desses critérios, o IPS deste ano revela que o Pará, sede da próxima Conferência da ONU sobre Mudança Climática, a COP30, em novembro, oferece a pior qualidade de vida entre os estados do país. Belém, anfitriã da conferência, ficou na 22ª colocação entre as capitais, à frente de Rio Branco, Salvador, Maceió, Macapá e Porto Velho.

O Pará concentra ainda doze das vinte cidades com pior pontuação na edição atual. São elas: Jacareacanga, Bannach, Trairão, Pacajá, Portel, São Félix do Xingu, Anapu, Cumaru do Norte, Uruará, Santana do Araguaia, São João do Araguaia e Santa Maria das Barreiras.

O desempenho ruim também aparece na segmentação por número de habitantes. O estado lidera o ranking de piores municípios no grupo de até 5 mil habitantes (Bannach), entre 20 e 100 mil (Jacareacanga), entre 100 mil e 500 mil (Altamira) e acima dos 500 mil (Ananindeua). Apesar de não ter o pior município no recorte entre 5 mil e 20 mil habitantes, 4 entre as 10 piores cidades desta faixa são paraenses. 

“Na Amazônia, em geral, os indicadores ficam abaixo da média brasileira, mas eles são piores ainda nos municípios que desmatam. E todos os municípios com muito desmatamento no Pará têm nota muito baixa”, afirma à piauí Beto Veríssimo, coordenador do Projeto Amazônia 2030 e diretor do IPS Brasil. 

O Pará é campeão de desmatamento no país. Em 2024, foram cortados 2,3 mil km2 de Floresta Amazônica no estado, aponta o monitoramento via satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe. A correlação entre desmatamento e baixo desempenho descrita por Veríssimo é constatada no recorte por municípios. Altamira, que aparece entre os piores no índice do IPS na faixa de 100 mil a 500 mil habitantes, foi o segundo município que mais desmatou, entre aqueles que formam a Amazônia Legal, no ano passado, segundo o Inpe. Dos 15 municípios que mais desmataram em 2024, 6 são paraenses: Altamira, Itaituba, Portel, São Félix do Xingu, Uruará e Pacajá. 

Outro problema grave que ajuda a derrubar os índices do estado é o garimpo ilegal. Em Jacareacanga, penúltimo colocado do ranking geral entre os piores municípios (só perde para Uiramutã, de Roraima), o garimpo é uma das principais causas da devastação da floresta, mostram os alertas de desmatamento analisados pelo Mapbiomas desde 2019. O garimpo, ilegal na maioria dos casos, também acontece em outras localidades que figuram na zona de rebaixamento do IPS, como Itaituba e São Félix do Xingu.

Veríssimo acredita que a realidade paraense e de sua capital estarão em diálogo com as discussões que permeiam a COP30. O evento, que reúne países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a UNFCCC, tem a missão de negociar acordos para o corte de emissões de gases do efeito estufa, os causadores da emergência climática.

A piauí esteve em Belém para acompanhar os preparativos da cidade para a conferência. O urbanista Roberto Andrés, autor da reportagem Vai ter COP, na edição de abril de 2024, constatou que Belém tinha “graves carências de infraestrutura que penalizam as pessoas mais vulneráveis e os recursos naturais” e que “a crise ambiental urbana precede a própria crise climática na região”.

Assim, a expectativa é de que o debate sobre o atraso do progresso social registrado pelo IPS apareça não só nas negociações oficiais para a redução dos entraves climáticos, mas em todas as esferas que contam com a participação de organizações sociais, empresas e sociedade civil.

“Acontecendo numa região como a Amazônia, entrará para o coração do debate [na COP] a necessidade de melhorar a condição de vida das pessoas que moram nas florestas tropicais, onde há muitos problemas socioambientais”, aponta Veríssimo.

Neste ano, a nota geral do país (61,96) foi ligeiramente mais alta que em 2024 (61,83). Entre as dimensões, Necessidades Humanas Básicas teve a nota geral mais alta, enquanto Oportunidades apresentou pior desempenho. Já entre doze componentes, Moradia e Água e Saneamento tiveram os melhores resultados, enquanto Direitos Individuais e Inclusão Social, os piores. 

“O IPS sempre vai tentar trazer o indicador que seja mais preciso, mais atual. Mas a qualidade de vida não muda de um ano para outro, geralmente são processos que levam mais tempo, é preciso muito trabalho de gestão pública”, comenta Veríssimo. 

É por isso que, segundo os pesquisadores, os resultados do Pará não surpreendem. Em 2014, quando o grupo testou a metodologia pela primeira vez no Brasil considerando apenas os municípios da Amazônia Legal, os piores colocados de agora já ocupavam essas posições. “O índice mostrava que desmatar não gerava riqueza econômica ou progresso social”, diz Veríssimo.

O IPS 2025 reforça a desigualdade social brasileira. O ranking mostra uma disparidade entre as cidades do Sudeste, melhores colocadas, e as do Norte, especialmente na Amazônia Legal, com as pontuações mais baixas.

Gavião Peixoto, no interior paulista, obteve a melhor avaliação no país, com 73,26 — mais de dez pontos acima da média nacional. Com 4.797 habitantes, o município se sai bem principalmente nos quesitos moradia, água e saneamento, nutrição e cuidados médicos básicos e inclusão social.

Na mapa do estudo, confeccionado com uma gradação de cores que vai do azul escuro, indicação para boa qualidade de vida, ao vermelho, sinônimo de más condições, o interior de São Paulo se destaca como região mais bem avaliada. 

Dos 5570 municípios analisados, a maioria (932) aparece com tom amarelo escuro no mapa, com IPS médio de 57,79. Neste grupo estão duas capitais: Macapá (AP) e Porto Velho (RO). O azul escuro sinaliza a situação de 358 cidades que tiveram pontuação média de 67,56. Eles abrigam 30% da população e englobam quinze capitais: Curitiba, Campo Grande, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Goiânia, Palmas, Florianópolis, João Pessoa, Cuiabá, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Teresina, Aracaju e Natal. 

Em algumas cidades pintadas de vermelho, há iniciativas que têm mostrado bons resultados — e que foram registradas no estudo. É o caso de Água Azul do Norte, também no Pará, com nota geral 51,56, mas com bons indicadores na área de saúde e bem-estar. “Na comparação regional, Água Azul do Norte vai bem na componente de saúde. Nós fomos até lá e vimos que o município está aplicando políticas públicas para tratar as populações que moram mais distantes dos centros de atendimentos, o que tem contribuído para a prevenção de doenças”, explica Melissa Wilm, que também coordena o estudo.

Numa outra frente de atuação, a equipe de pesquisadores tem se preocupado em discutir o diagnóstico com gestores da administração pública para provocar impacto e mudanças. “O índice acaba criando uma saia justa para o gestor da administração pública porque mostra que a falta de qualidade de vida não é um problema de renda”, comenta Veríssimo. “Nós percebemos nestas trocas que os gestores estão se interessando pelo IPS mais rápido do que a gente esperava, pois ele pode ajudar a guiar os investimentos públicos.”

 

Fonte: Outras Palavras/Revista Piauí

 

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