Miguel
do Rosário: O Plano B para 2026
O plano
A é Lula, claro. O atual presidente já conquistou três eleições presidenciais e
tem plenas condições de vencer pela quarta vez. Seu governo apresenta índices
econômicos sólidos que justificariam sua reeleição. A oposição, embora ainda
esteja um pouco desorientada em função da inelegibilidade de Bolsonaro, tem um
nome forte: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo. Se ele conseguir
recosturar politicamente com astúcia, poderá formar uma frente ampla pela
direita, dificultando a reeleição do presidente Lula. É preciso manter isso em
mente.
Mas em
um mundo cada vez mais instável e perigoso, é questão de responsabilidade
pensar em estratégias alternativas. Não por falta de confiança no plano A, mas
para não deixar a população mais vulnerável à deriva caso surja algum
imprevisto. Esta é uma responsabilidade que cabe ao campo democrático, à mesma
Frente Ampla que garantiu a vitória de Lula em 2022 e que poderá ser novamente
decisiva em 2026.
Desde 7
de outubro de 2023, quando o Hamas atacou Israel e desencadeou uma resposta que
a Anistia Internacional caracterizou como “um genocídio transmitido ao vivo”, o
cenário internacional deteriorou-se rapidamente. Na Ucrânia, após anos de
provocações e expansão da OTAN, os Estados Unidos finalmente conseguiram o que
queriam: arrastar a Rússia para uma guerra na região, permitindo desovar seu
estoque velho de armas e enriquecer sua indústria bélica decadente.
Neste
contexto de incertezas globais, o PT precisa considerar alternativas. E se o
candidato for Fernando Haddad? O atual ministro da Fazenda, que já disputou a
presidência em 2018 ficando em segundo lugar, surge como o nome natural para
substituir Lula caso o presidente decida não concorrer em 2026.
Fernando
Haddad consolidou-se como um dos ministros mais influentes nos dois primeiros
anos da gestão Lula 3, mas agora enfrenta sua fase mais delicada no cargo. Aos
62 anos, considerado o “pupilo 01” do presidente, tem na economia um trampolim
para voos maiores, embora negue qualquer pretensão eleitoral.
Haddad
procura oferecer uma imagem de administrador equilibrado para atender vários
setores sociais, o que é uma tarefa complexa e tem um preço. Quem tenta agradar
a todos acaba, muitas vezes, não agradando a ninguém. Sua atuação inclui um
diálogo constante com o mercado financeiro e o setor empresarial, buscando
evitar ataques especulativos e amenizar tensões.
Apesar
de críticas levianas de que Haddad gostaria de cortar programas sociais, os
números mostram o contrário. Ao mesmo tempo, ele busca atender as bases,
mantendo verba para o aumento significativo desses programas nos quase dois
anos e meio de governo Lula 3. O Orçamento de 2025 prevê R$ 158,6
bilhões para o Bolsa Família e R$ 112 bilhões para o BPC (Benefício de
Prestação Continuada), segundo dados da CNN Brasil. Isso representa um
crescimento expressivo em relação a 2023, quando os valores eram de R$ 142
bilhões e R$ 87 bilhões, respectivamente.
O investimento em saúde e educação
também cresceu,
com o Orçamento de 2025 prevendo R$ 245 bilhões para a saúde pública e R$ 226
bilhões para a educação, conforme dados do Senado Federal.
Para
compreender o contexto em que Haddad opera, é importante analisar os
fundamentos econômicos do Brasil. O país possui características que o
diferenciam de outros emergentes: reservas internacionais de US$332,5
bilhões (março/2025), superávit comercial acumulado em 12
meses de US$74,6 bilhões (o segundo maior da história, atrás apenas do
recorde de 2023) e um mercado interno robusto.
Enquanto
alguns analistas do mercado financeiro criticam aspectos da política fiscal,
deixam de reconhecer avanços sociais significativos: a redução histórica da
desigualdade social, com a renda dos mais pobres crescendo 10,7% em 2024 –
ritmo 50% maior que o verificado entre os 10% mais ricos (6,7%). O Índice de
Gini, que mede a desigualdade, atingiu 0,506 em 2024, o menor nível da série
histórica do IBGE.
“Vimos
uma redução significativa na desigualdade em 2024. Esse efeito é perceptível na
renda do trabalho”, destaca Monica de Bolle, economista independente e
pesquisadora do Peterson Institute for International Economics. O Brasil
atingiu em 2024 a menor taxa média de desemprego já registrada, de 6,6%,
enquanto a renda média mensal do brasileiro bateu recorde, chegando a R$ 3.057.
É
importante contextualizar que, embora existam desafios fiscais, a situação vem
apresentando melhoras mês a mês. O déficit em transações correntes nos
doze meses encerrados em abril de 2025 somou US$68,5 bilhões (3,22% do PIB), segundo dados do
Banco Central. Este número, embora significativo, está longe de representar uma
crise quando comparado com outros países de tamanho similar.
Ao
olharmos para além das fronteiras brasileiras, encontramos exemplos que ajudam
a contextualizar nossa situação. A Argentina, por exemplo, apresenta números
fiscais melhores, mas ao custo de indicadores sociais dramáticos – algo que
Haddad nunca considerou implementar no Brasil.
Nos
Estados Unidos, o cenário também é preocupante. O recente orçamento aprovado
pelo governo Trump prevê, segundo Laura Carvalho, economista independente da
Universidade de São Paulo, “uma transferência massiva de renda dos mais pobres
para os mais ricos, aprofundando desigualdades já gritantes na sociedade
americana”.
Vale
destacar que mesmo a China, frequentemente citada como exemplo de solidez
fiscal, enfrenta desafios significativos. Segundo a agência Fitch Ratings, o
déficit fiscal chinês está projetado para atingir 8,8% do PIB em 2025, acima
dos 6,5% registrados em 2024. “O endividamento chinês se igualou ao dos EUA e
cria problemas para o Brasil”, alerta Samuel Pessôa, economista independente da
Fundação Getúlio Vargas.
A
dívida pública brasileira, embora continue crescendo em relação ao PIB por
alguns anos, já apresenta perspectivas de estabilização e posterior queda,
graças às medidas graduais implementadas pelo Ministério da Fazenda. Vale
lembrar que o Brasil não enfrenta problemas de financiamento externo que
afligem outras economias emergentes.
No
campo das relações internacionais, o Brasil vive um momento interessante. As
relações Brasil-China alcançaram um fortalecimento sem precedentes. Em 2024, o
comércio bilateral atingiu patamares históricos, com a China absorvendo 28% das
exportações brasileiras (US$ 94,4 bilhões).
Mais
importante que os números comerciais são os acordos estratégicos para o
desenvolvimento tecnológico e industrial. “Os acordos com a China representam
uma oportunidade única para o Brasil recuperar sua capacidade industrial”,
avalia José Luis Oreiro, economista independente da Universidade de Brasília. A
transferência de tecnologia e a formação de mão de obra são componentes
essenciais desses acordos, que já começam a mostrar resultados concretos.
O plano
Nova Indústria Brasil (NIB), lançado em janeiro de 2024, visa impulsionar a
neoindustrialização do país até 2033, com a China como parceira estratégica.
Essa cooperação representa uma proeza diplomática e econômica, em um cenário
global marcado por tensões comerciais entre as grandes potências.
Voltando
ao cenário político interno, a gestão de Haddad no Ministério da Fazenda revela
um fenômeno curioso da política brasileira atual: sua interlocução com o
mercado financeiro vem acompanhada de críticas de setores da esquerda. Este
paradoxo ilustra as complexas tensões ideológicas que permeiam o atual governo
e o desafio de conciliar diferentes visões sobre o desenvolvimento econômico do
país.
Olhando
para o futuro eleitoral, as pesquisas mostram um cenário desafiador, mas não
impossível, para Haddad como potencial candidato presidencial em 2026. Segundo
o Datafolha de abril de 2025, em um cenário sem
Lula e Bolsonaro, Ciro Gomes (PDT) teria 19% das intenções de voto, Tarcísio de
Freitas (Republicanos) 16%, e Fernando Haddad 15%.
A
pesquisa revela fragilidades regionais importantes: no Nordeste, região em que
a preferência por Lula é maior, Ciro tem 27% das intenções de voto, ante 18% de
Haddad e 12% de Tarcísio. No Sudeste, onde está a maioria do eleitorado,
Tarcísio lidera com 21%, seguido por Ciro (17%) e Haddad (16%).
Entre
evangélicos, segmento crucial para qualquer candidatura presidencial, Haddad
tem apenas 8%, contra 18% de Tarcísio e 13% de Ciro.
A Paraná Pesquisas de fevereiro de 2025 apresenta
cenários similares: contra Tarcísio de Freitas, Haddad ficaria em segundo
lugar, com 18,9% das intenções de voto, contra 23,9% de Tarcísio. Contra
Michelle Bolsonaro, a diferença seria maior: 18,8% para Haddad contra 30,2%
para a ex-primeira-dama.
Dentro
do PT, Haddad também enfrenta resistências. Gleisi Hoffmann, presidente do
partido, é crítica de aspectos da política fiscal do ministro e, em outubro de
2024, chegou a dizer que ele deveria concorrer ao Senado por São Paulo em 2026.
Por
outro lado, dirigentes do PT avaliam que Haddad é o principal quadro da sigla
em São Paulo e que seu nome “precisa” estar nas urnas em 2026, seja para o
Senado ou para o governo estadual. O partido considera que os ministros políticos
do governo devem ser candidatos, pela exposição e entregas realizadas durante
os anos do governo Lula 3.
A
amigos, o ministro já teria confessado que só sairia candidato à sucessão de
Lula se tivesse chances reais. Dentro do governo, nega que seja candidato, mas
mapeia entraves internos que precisaria superar no PT para avançar numa
candidatura.
O
desgaste de Haddad abre espaço para especulações em torno de outros nomes, como
o vice-presidente Geraldo Alckmin, que teria a vantagem de ser visto como uma
figura mais ao centro e de não ser o responsável direto pelas políticas
econômicas que a oposição procura criticar.
A
sucessão de Lula é hoje um dos maiores desafios do PT. A sigla não tem, neste
momento, outros quadros com o mesmo capital político do presidente para
apresentar como alternativa, caso ele não tente a reeleição para o quarto
mandato.
O
dilema da esquerda brasileira, da sua vanguarda mais intelectualizada, é pensar
além do plano A. Ter um plano B não significa abandonar o plano A, mas sim
garantir que, caso surjam imprevistos, o projeto político não fique à deriva.
Fernando
Haddad, com todas suas contradições e desafios, representa esse plano B. Um
ministro que atua na complexa interseção entre responsabilidade fiscal e
compromisso social, em um contexto de redução da desigualdade e esforços para o
fortalecimento da indústria nacional. Se será bem-sucedido, só o tempo dirá.
Mas o debate sobre sua viabilidade como alternativa a Lula é não apenas
legítimo, mas necessário para a maturidade política da esquerda brasileira.
¨ O que restou da
agenda progressista do governo Lula?
Recentemente,
o ex-presidente do Banco Central,
Armínio Fraga, voltou a reforçar uma suposta necessidade de que o
governo brasileiro congele o salário mínimo por seis anos, de modo a não
realizar aumentos reais, apenas reajustando o valor pela inflação do ano
anterior. Fraga ressaltou que o gasto com folha de pagamentos e previdência no
país chegam a 80% do orçamento, por isso um ajuste drástico nessa ordem seria
fundamental. O ex-presidente ainda afirmou que o país precisa de uma reforma
mais profunda em relação à previdência, nos moldes do ajuste promovido pelo
presidente da Argentina, Javier Milei. Interessante notar que Armínio não citou
o fato de que a pobreza na Argentina atinge 57,4% da população, o maior patamar
em 20 anos e que a indigência assola 15% do povo argentino.
No
Brasil, o salário mínimo exerce grande influência sobre a economia e a vida dos
trabalhadores. Além de definir o piso legal para empregados formais, ele serve
de referência para remunerações de autônomos e estabelece o valor mínimo dos
benefícios da Seguridade Social, como aposentadorias, auxílios e
seguro-desemprego. Por isso, seu reajuste real impacta diretamente o poder de
compra da população, estimulando o consumo e reduzindo desigualdades. Para se
ter uma ideia, sem os ganhos reais obtidos entre 2004 e 2019, o salário mínimo
em 2019 seria de apenas R$ 573,00 ao invés de R$ 998,00 – ou seja, os aumentos
acumulados no período representaram um incremento de R$ 425,00 acima da
inflação. Esse crescimento elevou não apenas a remuneração de trabalhadores formais,
mas também influenciou pisos salariais de diversas categorias, tanto nas
negociações entre sindicatos e empresas quanto em leis específicas, como os
pisos da educação e da saúde. Além disso, impulsionou a adoção de salários
mínimos estaduais em regiões como o Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Como
resultado, houve uma concentração de trabalhadores na faixa de um a dois
salários mínimos, reduzindo a desigualdade na distribuição de renda do trabalho
e aumentando a participação dos salários na economia.
Apesar
dos avanços, o salário mínimo ainda está longe de cumprir o disposto na
Constituição, que prevê um valor capaz de atender às necessidades básicas do
trabalhador e sua família, incluindo moradia, alimentação, saúde e educação.
Esse desafio torna-se ainda mais urgente diante das recentes mudanças na
legislação trabalhista, como as Leis 13.429/2017 e 13.467/2017, que
fragilizaram direitos e ampliaram formas precárias de contratação, como o
trabalho intermitente e a terceirização irrestrita. Nesse contexto, a
valorização do salário mínimo surge como uma ferramenta essencial para garantir
renda digna, especialmente aos trabalhadores mais vulneráveis.
Segundo
o IBGE, em 2024, a renda média dos 40% mais pobres alcançou 601 reais e o 1% da
população brasileira com maior renda recebeu o equivalente a 36,2 vezes o que
recebia os 40% de menor renda. Ainda, dados do relatório da Oxfam mostram que
63% da riqueza do Brasil está nas mãos de 1% da população. O levantamento
também aponta que os 50% mais pobres detêm apenas 2% do patrimônio do país. O
estudo traz ainda detalhes sobre o grupo que mais acumula riqueza. Segundo o
documento, 0,01% da população brasileira possui 27% dos ativos financeiros.
Mas
sobre nada disso o sócio-fundador da Gávea Investimentos, Armínio Fraga, falou, muito menos disse que quando o Banco
Central eleva a taxa de juros em 0,5%, há um aumento de R$ 2,9 bilhões anuais
nas despesas do governo, segundo estimativas do Tesouro Nacional. Aumento este
que vai direto para o 0,01% mais rico da população brasileira. Ele também não
comentou sobre o impacto do recolhimento do Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural (ITR) entre 2019 a
2024, que apesar do aumento na arrecadação, atingindo R$ 3 bilhões, é um
montante que corresponde ao valor arrecadado apenas com o IPTU do bairro de
Pinheiros, na cidade de São Paulo. Mais preocupante, contudo, é o fato de que,
desde 2008, o governo alterou as regras do tributo, transferindo às prefeituras
a responsabilidade pelo cadastro e fiscalização dos imóveis rurais, além de
destinar a elas os recursos arrecadados – quando, originalmente, conforme
estabelecido pelo Estatuto da Terra, a finalidade do ITR era financiar a
reforma agrária. Como consequência, as grandes propriedades rurais contribuem
com valores irrisórios, muitas vezes recorrendo à sonegação, enquanto os
recursos arrecadados deixam de cumprir sua função social.
Demonstrar
uma preocupação com a economia e a sociedade brasileira e receitar remédios que
só acentuam desigualdades, seja de renda, gênero, raça ou educação, virou praxe
entre grandes nomes da política brasileira, como é o caso de Armínio Fraga, e
até mesmo do próprio governo federal, como são os cortes feitos sobre o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa Família, programas de
distribuição de renda essenciais à população brasileira. E aqui também não
posso deixar de comentar o recente contingenciamento de gastos promovido via o
Decreto nº 12.448, que estabelece a programação orçamentária do Poder Executivo
para o exercício de 2025. Para as universidades federais, este decreto
representa uma profunda contenção nos seus recursos, que já não são vultosos. A
busca incessante do governo pela diminuição do déficit e por agradar o mercado
produz esses supostos remédios amargos e prejudiciais aos serviços públicos e
aos seus usuários.
Nesta
mesma semana, o governo também assinou o Decreto nº 12.456/2025, que
regulamenta a Nova Política de Educação a Distância (EaD), um passo importante
e necessário, tendo em vista a grande arapuca dos conglomerados educacionais
para capturar o dinheiro da classe trabalhadora que quer estudar, que se
tornaram os cursos EaD. Este modelo de ensino (e negócio) foi proclamado por
seus defensores como um modo de “democratizar” a educação, o que certamente é
uma afirmação falsa, uma vez que o ensino de excelência, seja na educação
básica ou no nível superior, têm na modalidade presencial seu formato mais
eficaz. As instituições acadêmicas mais renomadas, tanto no cenário nacional
quanto internacional, adotam e valorizam esse modelo de aprendizagem.
Agora
façamos a seguinte reflexão: se ao mesmo tempo que limita os cursos EaD (o que
é correto) o governo federal contingencia as despesas das universidades
federais, que ano após ano tem seus recursos diminuídos e sua capacidade de
promoção de bolsas e auxílio permanência reduzida, como é que a população mais
pobre vai estudar? Não parece óbvio que isto inclusive impacta na percepção das
pessoas em relação ao acesso à educação e na dificuldade de se conseguir
estudar? Até quando o Presidente Lula vai seguir o receituário de Armínio Fraga
e afins e com isso prejudicar a população que o elegeu? O povo quer estudar,
salário digno, acesso à saúde e educação de qualidade, o que não pode se
concretizar enquanto o Novo Arcabouço Fiscal e a busca pelo déficit zero
persistirem como metas do governo. E com isso, a popularidade de Lula só
diminui, afinal, de todas as suas promessas de campanha, o que de fato está
cumprindo com êxito e integralmente?
Fonte:
O Cafezinho/Opera Mundi

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