'Ser
jornalista em Gaza é estar condenado à morte', afirma repórter palestino
Há mais
de cinco anos o jornalista palestino Hazem Abdullah Nasseer Suleiman tem
resistido às ameaças e ataques enquanto aponta ao mundo a brutalidade do
genocídio israelense na Faixa de Gaza. Nascido em Khan Younis, território
marcado pela fome, deslocamentos e violações de direitos humanos, o jovem de 27
anos contou a Opera Mundi que denunciar tais atrocidades é “como ser
condenado à morte”.
Atualmente,
Hazem mora em uma tenda improvisada para os refugiados em Rafah, onde vive
desde que a sua terra natal foi transformada em um cemitério a céu aberto. Além
de reportar o conflito, ele também faz parte do Gaza Sunbirds, uma equipe de
paraciclismo do enclave. Ex-jogador de futebol, perdeu uma perna após ser
alvejado por um tiro durante protestos de palestinos em Rafah.
Desde 7
de outubro, Hazem já presenciou o assassinato de mais de 214 profissionais por
Israel. “Os jornalistas se tornaram um alvo importante para Israel porque somos
os olhos do povo de Gaza, os olhos da verdade. O mundo vê o sofrimento desse
povo, o sofrimento humanitário dessas pessoas, o deslocamento e a guerra que a
ocupação israelense está travando contra nós através dos jornalistas. Por
isso, nos consideram como parte da resistência”, explicou.
Para
ele, o mundo todo, de certa forma, é cúmplice de Israel e possui sangue das
crianças palestinas nas mãos. “E a maior prova disso são os governos árabe e
islâmico, onde a população não pressiona o Estado. Estão em silêncio
recebendo [Donald] Trump, cujas mãos também estão com o nosso sangue”.
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Leia a entrevista:
·
Quando você decidiu se tornar um jornalista? Teve tempo
de estudar em uma universidade?
Hazem
Suleiman:
decidi trabalhar como jornalista no início de 2018. Não fui para a
universidade. Não consegui estudar em uma instituição por conta da idade, pois
eu era muito novo ainda. Comecei com paixão e amor a ser influenciado por um
grande jornalista, Hassan Salih, nosso colega, nosso pai e nosso amor (Que Deus
o tenha). Ele foi o meu mentor, o meu grande professor no jornalismo digital.
Então,
comecei a trabalhar na área influenciado por tudo isso. Passei a ler e
fotografar, apesar da minha pouca idade, das poucas possibilidades e do fato de
que eu não podia ser do campo do jornalismo e de tudo que envolve a
profissão. Porém, os profissionais Hassan Salih, Hany Al-Shaer e também nosso
colega Zaki Awadallah, todos os grandes colegas no campo da mídia e do
jornalismo, foram um grande apoio para mim na profissão.
·
Como tem sido trabalhar nas condições atuais da Faixa de
Gaza e quais foram as principais dificuldades durante o conflito?
Trabalhar
como jornalista na Faixa de Gaza é como ser condenado à morte. Minha lesão foi
devido à minha atuação nesse campo. A realidade é difícil, o jornalista é
alvo a qualquer momento. Neste conflito, neste genocídio, marcado pelo
deslocamento, fome, cerco, etc., somos mortos a sangue frio diante dos olhos de
um mundo injusto e hipócrita. Infelizmente, trabalhar nessas circunstâncias é
muito penoso. Vários profissionais foram martirizados em guerras anteriores na
Faixa de Gaza, sendo alvos de ataques e perdendo membros.
Quer
dizer, sou um dos jornalistas que foi o alvo direto. Desempenhar essas tarefas
num ambiente de guerra é muito difícil. Especialmente nesta, que foi e está
sendo duríssima e absolutamente intensa para nós, superando as expectativas de
que haveria uma guerra desta magnitude. Com o bombardeio, com o ritmo das
evacuações, muitas coisas que enfrentamos não vêm sendo simples. Trabalhar
à sombra da guerra e do conflito é difícil, especialmente em Gaza.
·
Mesmo tendo sido alvo de bombardeios do Exército
israelense, por que decidiu continuar trabalhando?
Decidi
continuar a trabalhar porque a ocupação, ao visar qualquer jornalista, seja ele
morto, incapacitado ou impedido de praticar sua função
e de transmitir a sua mensagem, é delirante, e eles pensam que podem parar os
jornalistas. Pensam que teremos medo se formos alvos ou se algum colega for
morto. Nesta guerra, cerca de 214 jornalistas foram assassinados. Os últimos
foram Hassan Salih e Hassan Samour e Ahmed Al-Helou. Perdemos muitos parceiros,
muitos. Eles estavam ao nosso lado e conosco em campo. A ocupação israelense pensa
que ao me atacar, e ao atacar os meus colegas, os fotojornalistas em Gaza, isso
fará com que nos pare, ou que iremos cessar a prática do jornalismo.
Mesmo
sendo alvejado e perdendo a perna, após uma longa jornada de tratamento, optei
por continuar o meu ofício porque acredito nesta causa. Não importa o que a
ocupação israelense faça, continuaremos a transmitir a verdade conforme as
imagens de Gaza.
·
Quantos colegas você perdeu desde 7 de outubro?
Até
agora perdemos de 214 a 218 colegas jornalistas e isso, obviamente, teve um
impacto. Dentre esses, há homens e mulheres, além de suas famílias e seus
filhos. Ter como alvo jornalistas é um crime punível por lei, porque é
contrário aos direitos desses profissionais, aos direitos humanos. Mas a
ocupação israelense rapidamente acabou com todas as organizações,
desrespeitando-as completamente.
·
E como você avalia a cobertura da imprensa internacional
sobre a guerra em Gaza e por que os jornalistas se tornaram alvos de Israel?
Sinceramente,
a dificuldade de conseguir internet e de recarregar os aparelhos, devido aos
cortes de energia, são ações desafiadoras. Quer dizer, continuamos trabalhando
em circunstâncias difíceis. Ter internet na Faixa de Gaza é algo grandioso.
Poder carregar o telefone, a câmera e se movimentar já é uma grande
conquista.
Os
jornalistas se tornaram um alvo importante para Israel porque somos os olhos do
povo de Gaza, os olhos da verdade. O mundo vê o sofrimento desse povo, o
sofrimento humanitário dessas pessoas, o deslocamento e a guerra que a
ocupação israelense está travando contra nós, através dos jornalistas. Por
isso, nos consideram como parte da resistência. Acreditam que nós estamos
afetando globalmente e internacionalmente enquanto expomos os crimes que estão
cometendo contra nós, ou seja, crimes de guerra. É por isso que estamos sendo
alvos, pois querem nos impedir de denunciá-los.
·
Considera que existe uma falta de solidariedade
internacional entre os seus colegas?
Honestamente,
a solidariedade internacional, as posições e protestos, têm
um impacto visível no meio do silêncio. Só
que há muitas pessoas no mundo que ainda se calam sobre os
crimes que a ocupação israelense comete
nestas circunstâncias difíceis e atuais. Ninguém está se movendo, há
falta de apoio em geral.
Nas
manifestações, vimos as fotos
de muitos jornalistas que foram mortos, e mesmo assim a grande imprensa não
condena o assassinato e os ataques a estes profissionais. Há uma falta de
solidariedade internacional entre jornalistas e muitos estão me seguindo nas
redes sociais, seguindo os repórteres teres na Faixa
de Gaza.
·
Como avalia a posição do Brasil e do presidente Lula em
relação à guerra na Palestina? Considera que o governo brasileiro errou ao não
tomar medidas mais duras contra Israel?
Não
só o Brasil ou o governo brasileiro, mas o mundo inteiro está em silêncio. O
mundo inteiro é cúmplice e participa do genocídio e da fome em Gaza. As
mãos dos governantes e de muitas pessoas ao redor do planeta também estão
manchadas com o sangue das nossas crianças, do nosso povo. Há quem seja capaz
de pressionar as autoridades e os governos para acabar com este massacre, mas é
insuficiente. E a maior prova disso são os governos árabe e islâmico, onde a
população não pressiona o Estado. Estão em silêncio recebendo [Donald]
Trump, cujas mãos também estão com o nosso sangue.
·
Os palestinos sempre foram alvos de Israel. Mas, desde
outubro de 2023, essa ofensiva militar tem aumentado. O que você percebe sobre
essa mudança? Israel agora tem maior apoio para realizar essas ações militares?
A
guerra não começou hoje nem no dia 7
de Outubro. A ocupação tomou isso como
desculpa, infelizmente. Israel comete crimes graves há muito tempo. Eles matam
crianças, mulheres e
idosos. Matam todos os dias a sangue frio o povo de Gaza e os palestinos na
Cisjordânia. Esses são os principais motivos para que
acontecesse o 7 de outubro. A ocupação israelense queimou uma criança em Jerusalém,
matou os reféns palestinos e os deixou famintos. Eles cometeram grandes
atrocidades ao longo dos 77 anos na Palestina. Defender a nossa terra não é
crime, já que estamos ocupados.
·
Morando em Gaza, qual é a sua opinião sobre os planos e
projetos relativos ao território palestino?
O
objetivo deles, desde as guerras anteriores até a que vivenciamos agora, tem
como alvo os projetos nacionais locais, a fim de acabar com a economia
palestina, seja na Cisjordânia, seja em Gaza, pressionando cidadãos,
famílias, comerciantes e especialistas a não investirem ou trabalharem na
região, desistindo assim das terras palestinas em geral. É uma política da
ocupação israelense para deslocar os palestinos daqui.
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Polícia em Israel monitora ativistas contrários ao
genocídio em Gaza, diz jornal
Três
ativistas que se opõem ao massacre promovido pelo governo de
Israel na
Faixa de Gaza relataram terem sido surpreendidos por uma operação de policiais
em suas respectivas residências, no meio da madrugada de sexta-feira (23/05),
horas após o término de suas prisões domiciliares. Os relatos foram feitos ao
jornal israelense Haaretz.
Os
militantes pró-Palestina – incluindo Alon-Lee Green, líder do movimento de
esquerda israelense Standing Together – foram presos dias antes durante um
protesto perto da fronteira com Gaza. Apesar de os três terem sido liberados do
regime de prisão domiciliar na quinta-feira (22/05) à meia-noite, os policiais
compareceram em suas casas entre 3h e 3h30 da manhã de sexta-feira,
questionando-os sobre participação em novos protestos.
De
acordo com o veículo israelense, os ativistas foram questionados pela polícia
se planejavam marcar presença em futuros protestos antiguerra. Segundo a defesa
dos militantes, as visitas policiais têm como objetivo intimidar e dissuadir
protestos antigovernamentais, embora a polícia negue ter interrogado os
indivíduos.
Green
descreveu ao Haaretz que os agentes bateram repetidamente em
sua porta, exigindo identificação.
“Eu
disse a eles que minha prisão domiciliar havia terminado à meia-noite e
perguntei o que eles queriam. Eles disseram: ‘Somos nós que fazemos as
perguntas’. Então eles perguntaram se eu estava planejando ir ao próximo
protesto e o que eu já havia planejado. A coisa toda parecia agressiva e
ameaçadora”, contou o ativista.
Hillel,
outro manifestante, afirmou ter atendido a porta após receber uma chamada de um
número bloqueado.
“Ela
perguntou se eu estava em prisão domiciliar. Eu disse a ela que havia terminado
há três horas. Então ela pediu minha identidade e depois foi embora”, relatou.
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Prisões
Os
manifestantes ouvidos pela reportagem do Haaretz fazem parte
de um grupo de nove ativistas detidos na semana passada, durante uma marcha de
Sderot até a fronteira com Gaza, onde tentaram bloquear uma estrada. Na
ocasião, a polícia justificou as prisões por “agressão, interferência com um
policial no exercício de suas funções, participação em uma reunião ilegal,
conduta suscetível de perturbar a paz e bloqueio ou interferência em uma via
pública”.
Seis
dos manifestantes tiveram suas prisões prorrogadas até a quarta-feira (21/05),
logo após um tribunal de Be’er Sheva liberá-los da prisão domiciliar.
Ao Haaretz,
os advogados dos ativistas pró-Palestina, incluindo Gaby Lasky e Gonen Ben
Yitzhak, acusaram a polícia de agir como “milícia privada” para suprimir
dissidência.
“Qualquer
maneira que eles tentem explicar isso não pode esconder o fato de que apenas
uma força policial que se tornou uma milícia privada pode enviar policiais às 3
da manhã, sem motivo, para a casa de uma pessoa que se manifestou a favor de um
acordo de reféns e contra a guerra. Isso é inaceitável e ilegal, constituindo
uma tentativa de dissuadir e intimidar os civis de realizar seu direito de se
manifestar contra o governo”, disse Lasky.
Por
outro lado, a polícia classificou tais alegações como “falsas” e insistiu que
“monitora o cumprimento de prisões domiciliares”.
“Qualquer
outra alegação é falsa. Em relação à alegação de que eles vieram após o término
da prisão domiciliar, isso está sendo examinado e as lições serão tiradas de
acordo”, afirmou.
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Viagem de Trump à Arábia é uma derrota para Israel. Por
Davide Assael
A
imposição de permitir a entrada de ajudas em
Gaza sofrida
por Netanyahu aprofunda, mais uma
vez, o fosso com os Estados Unidos. O primeiro-ministro tem apenas uma
chance de salvar a rede de alianças do Estado judeu: sair.
A
retomada das ajudas humanitárias a Gaza imposta pelos EUA, além de
desmentir totalmente uma certa retórica antissionista que tenta traçar um eixo do mal EUA de
Trump-Israel,
reitera o que emergiu da viagem do presidente
estadunidense ao Oriente Médio.
Coisas,
aliás, bem conhecidas dos analistas desde o governo Obama, o presidente do
“pivô para a Ásia”: depois das irresponsáveis campanhas de George W. Bush,
o objetivo estadunidense é se desvincular do Oriente Médio para se
concentrar no Indo-Pacífico, onde se disputa o jogo sobre Taiwan
com a China, apontada,
com ou sem razão, como a rival do século.
Como
todo império que se preze, até mesmo os EUA, que nunca desenvolveram uma
verdadeira consciência imperial, não podem se afastar de um cenário sem
garantias de que não retornarão a ele tão cedo. Há duas maneiras pelas quais os
EUA buscaram a estabilização da região. A primeira foi o acordo sobre
energia nuclear de Obama de 2015 com o Irã. O Oriente Médio o
rejeitou. Em primeiro lugar, Israel, com o eterno Netanyahu, que ia a
todos os encontros internacionais com o desenhinho da bomba com a linha
indicando o ponto de enriquecimento de urânio. Igualmente radical foi a
oposição dos sauditas, que, como disse Mohammed Bin Salman, se a antiga Pérsia
tivesse fabricado o dispositivo nuclear, eles o teriam comprado no mesmo dia.
Cenário nada animador em uma área em que já três Estados
(Israel, Paquistão e Índia) possuem armas nucleares e que vê
ciclicamente o avanço de milícias terroristas de todos os tipos e graus.
O
resultado é bem conhecido, a retirada dos EUA do acordo do primeiro
Trump e o restabelecimento das sanções. Com o agravante do assassinato do
general Souleimani,
o arquiteto do que hoje é conhecido como o eixo da resistência iraniana. O
segundo instrumento por meio do qual Washington tentou estabilizar a
área foram os Acordos de Abraão. Também assinados
sob a égide de Trump 1 em 2020. Último ato de um percurso de
reaproximação entre o Estado judeu e o mundo sunita que havia se
aberto pelo menos desde o fim da Guerra Fria, quando muitos países árabes
começaram a entrever as vantagens de desenvolver parcerias com Israel, que
tinha muito a oferecer aos países vizinhos. Competências nos campos da
agricultura, tecnologia, medicina, transporte aéreo, colaborações militares,
até as mais recentes colaborações no campo energético, em que Israel transporta
o gás extraído dos campos de Tamar e Leviatã para as usinas
de liquefação egípcias, criando um hub que promete se
candidatar como alternativa ao gás russo na Europa.
Em 7 de outubro, quando esse caminho
parecia estar na reta final, incluindo o destinatário final saudita, esse
cenário também foi detonado. A viagem de Trump pode ser considerada a
terceira rodada de uma negociação que parece obrigada. É inútil negar, a viagem
do presidente dos EUA foi uma derrota para Israel, que conseguiu dilapidar
numa só tacada as vitórias militares no Líbano, na Síria e
no Irã.
Primeiro,
a humilhação de uma visita que não incluiu a etapa em Tel Aviv. Em segundo
lugar, o encontro com o novo presidente sírio Ahmed al-Sharaa, o primeiro
de um presidente EUA desde 2000, quando Bill Clinton se encontrou em
Genebra com Hafez al-Assad, o pai de Bashar, hoje exilado na Rússia.
Cereja do bolo, a notícia mais insidiosa: a vitória total de Erdogan, que,
para resumir, de fato tomou a Síria e agora faz fronteira com Israel. O único
consolo é que ter um país da OTAN em suas fronteiras é melhor do que
ter o Irã. Mas a história não acaba aqui: navegando em meio às suas
habituais contradições, Trump está empenhado em reabrir o dossiê
iraniano, pressionando por aquele mesmo acordo que ele próprio havia descartado
e rejeitando definitivamente os sonhos de Bibi de um ataque ao Irã, mais uma etapa
daquela guerra permanente com a qual Netanyahu mantém todo o país sob controle.
O gelo para seus ingênuos apoiadores israelenses, que são idênticos aos
antissionistas dos quais partimos: não pensam em termos estratégicos.
Afinal,
a trajetória dos EUA, que converge com
a coroa saudita, é racional: a área só poderá encontrar estabilidade se
forem atendidos os interesses dos três sujeitos
hegemônicos, Israel, Arábia Saudita e Irã. Certamente não
um acordo-quadro, o que é impossível, mas pelo menos que o eixo
sunita-israelense encontre algum lugar para o Irã, deixando que a oposição
interna encontre uma maneira de se livrar do regime dos aiatolás.
Para
que isso aconteça, Netanyahu simplesmente tem que sair com seu
governo supremacista, que está colocando em risco uma estrutura de alianças que
dificilmente Israel conseguirá recuperar. Uma enorme culpa histórica. Com o
acréscimo de uma guerra em Gaza que contradisse
todas as doutrinas militares israelenses e que é estendida sem nenhum
propósito, descarregando-se sobre uma população civil submetida a gravíssimos
sofrimentos.
Fonte: Opera
Mundi/Domani

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