Quem é
contra câmeras em policiais desconhece resultados, diz secretário de segurança
No morro do São Bento, em
Santos, no Litoral Paulista, oito policiais militares realizavam uma incursão,
em 6 de novembro do ano passado, quando supostamente envolveram-se em uma troca
de tiros com dois adolescentes, de 15 e 17 anos. Ambos foram baleados e o mais
velho morreu. Em meio aos disparos, Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos,
que não era alvo da ocorrência, foi atingido por uma bala que supostamente saiu
da arma dos PMs. A criança foi socorrida, mas não resistiu aos
ferimentos. Os policiais não usavam câmeras corporais.
Em fevereiro do mesmo ano,
Ryan Santos havia perdido o pai para a Operação Verão, que matou 56 pessoas e
se tornou a mais letal da história do estado, desde o massacre do Carandiru, em
1992. Até março de 2024, ainda durante a operação, dos 31 supostos confrontos
com mortes analisados pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), apenas seis tinham as
imagens completas das câmeras.
Quase dois meses após a
morte da criança santista, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
ministro Luiz Alberto Barroso, determinou que a PM
de São Paulo utilizasse câmeras corporais em grandes operações e em comunidades
vulneráveis.
O estado de São Paulo tem
hoje 10.125 câmeras em operação e está em fase de testes com novos
equipamentos. “A Polícia Militar informa que as novas câmeras corporais terão
acionamento obrigatório, podendo ser realizado também de forma remota. Qualquer
policial que não cumprir os protocolos estabelecidos para o uso do equipamento
será responsabilizado”, informou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) à Agência Pública.
Em maio de 2024, o
Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou uma portaria com diretrizes
para o uso das câmeras corporais em integrantes dos órgãos de segurança pública
nas esferas municipal, estadual e federal. No entanto, Amazonas e Goiás não
pretendem adquirir o equipamento. Ao todo, 13 estados ainda não têm câmeras ou
ainda estão no processo de comprá-las.
Mário Sarrubbo, secretário
nacional de Segurança Pública, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança
Pública (MJSP) conversou com a Pública e
apontou os motivos que podem levar os governadores a não adotarem o uso das
câmeras corporais. Ele diz que políticos como Ronaldo Caiado, governador de
Goias, que são contra os equipamentos, jogam com um “eleitorado que desconhece
a eficiência que as câmeras trazem para o trabalho do policial […] Portanto, é
uma fala muito mais política do que técnica”, critica.
<><> Por que
isso importa?
·
A Secretaria Nacional de Segurança Pública tem
regras para uso de câmeras por policiais e financia esses equipamentos para os
estados.
·
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas,
chegou a dizer em 2022 que retiraria “com certeza” o equipamento do uniforme
dos policiais.
Ele defende que São Paulo
está no caminho de colocar mais câmeras nos policias, até mesmo porque está
inscrito no edital do governo federal para a compra desses equipamentos. O
secretário também afirma que as polícias Federal e Rodoviária Federal serão
obrigadas a usar câmeras.
A assessoria de imprensa do
Ministério da Justiça informou que monitora toda e qualquer operação policial,
mas que não tem o poder de julgar os resultados das ações.
<><>
Estados que ainda não implementaram câmeras
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Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Distrito Federal,
Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Sergipe e
Tocantins.
LEIA A ENTREVISTA:
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Secretário, na sua visão, por que há governadores que
resistem à implementação das câmeras corporais em seu efetivo de segurança
pública?
É um grande problema de
desconhecimento. Em primeiro lugar, da portaria [do Ministério da Justiça e
Segurança Pública] do uso das câmeras corporais.
Em segundo lugar, há um
grande desconhecimento dos resultados que as câmeras corporais produzem em
termos de segurança pública. As estatísticas, os estudos e o que está
informando e justificando a política do Ministério da Justiça pelas câmeras
corporais, é justamente o fortalecimento da ação policial, da carreira do
policial militar, principalmente, porque o policial trabalha com mais
segurança, ele trabalha de forma mais transparente.
Então, até o cidadão
que está sendo abordado tem um comportamento diferente quando ele sabe que está
sendo abordado por alguém que usa câmera corporal. [Também] há que se
destacar que isso tem qualificado de forma muito significativa a prova do
processo penal, porque essas imagens, de abordagem, apreensões policiais, ações
policiais, elas vão para o processo criminal e, em elas sendo retratadas no
processo criminal, o resultado é a realidade no processo, trazendo mais
justiça.
Portanto, só não está
utilizando quem desconhece essas regras e quem conhece as regras e mesmo assim
não quer, [talvez] ele não esteja tão bem intencionado nesse processo como a
gente gostaria.
·
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União
Brasil), que está inelegível, disse durante o Seminário
Internacional de Segurança Pública, em maio de 2024, em Brasília, que não
usaria câmeras corporais em seu efetivo policial, mas em presos sob regime
semiaberto. Como o MJSP recebe esse posicionamento?
Eu vejo, na verdade, como um
posicionamento político. O governador Ronaldo Caiado fala para um segmento
do eleitorado que desconhece a eficiência que as câmeras trazem para o trabalho
do policial. Portanto, é uma fala muito mais política do que técnica. É
uma fala para uma determinada parcela do eleitorado, lamentavelmente,
politizando um tema que não é de governo, não é um tema de Estado. É um tema
que trata da vida das pessoas, da vida inclusive do próprio policial que nós
queremos [também] proteger.
·
Mas o Ministério da Justiça pensa em discutir a
implementação das câmeras corporais ou até mesmo adotar um posicionamento mais
rígido com os governadores que ainda resistem?
O ministro Enrique Ricardo
Lewandowski é alguém do diálogo. Ele foi forjado no diálogo e na democracia
[…]E os governadores têm dialogado.
Nós vimos a mudança de
posicionamento, por exemplo, do governador de São Paulo [Tarcisio de Freitas],
que era expressamente contrário às câmeras e hoje se diz favorável,
apresentando, participando inclusive de certames aqui no Ministério da Justiça,
sempre se habilitando para receber investimentos em câmeras corporais.
·
O governo do estado de São Paulo foi um dos que usou
verba do Fundo Nacional de Segurança para aquisição de câmeras corporais?
O Governo de São Paulo, num
dos nossos programas, nós fizemos um edital [programa para aquisição de
câmeras corporais], ele foi habilitado preliminarmente nesse edital, agora
estamos na fase da conferência dos requisitos, mas o Governo de São Paulo
aderiu sim e tem intenção, mostrou aí claramente, concorrendo neste certame e
preliminarmente sendo habilitado.
É uma demonstração clara de
que pretende investir nas câmeras corporais, e aumentar o número de câmeras, o
percentual de policiais que passam a usar as câmeras corporais.
·
Desde que o Guilherme Derrite assumiu a Secretaria
Estadual de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, indicado pelo governador
Tarcísio, o estado assiste o aumento no número de mortes por intervenção
policial. Em 2023, foram 504 mortes e até novembro de 2024 somam-se 749, o que
representa um aumento de 48% em 11 meses, mesmo com parte do efetivo usando
câmeras. Como o MJSP enxerga esse cenário?
São Paulo está caminhando
para um número maior de câmeras corporais, aderindo ao programa do Governo
Federal e do Ministério da Justiça, justamente pela intenção do governador e a
diminuição da letalidade.
Então, a gente acredita que
haverá um cenário mais positivo para o estado de São Paulo nessa questão da
letalidade. Esse é um problema que não acontece só em São Paulo, acontece
em outros estados do Brasil. E nós precisamos caminhar, até porque nós temos
aqui no Ministério da Justiça mais firme convicção de que não é o aumento da
letalidade policial que vai melhorar os índices ou mesmo a sensação de segurança
das pessoas. Eu acho que a construção de uma polícia menos letal é a
construção de uma polícia mais democrática e mais efetiva.
Gosto sempre de dizer que
uma operação policial de sucesso é aquela em que o criminoso é preso com sua
integridade física preservada e levado à justiça com provas rígidas, concretas
e seguras.
·
A Operação Verão, a mais letal desde o massacre do
Carandiru (1992), completa um ano. E a grande pergunta que se faz é por que
parte significativa dos agentes não usava câmeras corporais durante as
ocorrências. O Ministério da Justiça monitora como as mortes ocorreram?
Nós acompanhamos a
repercussão de qualquer operação. Não por outra razão, por esta e por todas as
outras questões que envolvem o Brasil com aumentos de letalidade em vários estados
de letalidade policial.
E a intenção do governo
agora, aderindo a um dos programas aqui do Ministério da Justiça, me parece
aumentar de forma substancial. Então a nossa expectativa, eu insisto, não só
para São Paulo, mas também para os demais estados do Brasil, é que a gente
diminua a letalidade e melhore a qualidade da segurança pública no Brasil como
um todo.
·
Secretário, uma colega presenciou uma abordagem
hostil da PM de São Paulo, nesta quarta-feira, 8 de janeiro, a caminho da
redação. Ela interveio e se surpreendeu ao ser informada que um dos policiais
começaria a gravação naquela hora. Tem alguma supervisão para policiais que não
cumprem os regimentos para a utilização do equipamento?
Na verdade, a portaria do
Ministério da Justiça estabelece pelo menos 16 situações em que é obrigatório o acionamento da câmera e todo o Estado que
utilize recursos do governo federal, do Fundo Nacional de Segurança Pública,
para investimento em câmeras corporais, necessariamente tem que criar
regimentos internos, regras, etc.
E tal, e que o policial
não se adeque a essas 16 situações, não cumprindo uma dessas 16 situações, o
policial tem que ser punido.
Então, a regra é essa, que é
usar a verba federal para aquisição de câmera corporal em qualquer dos três
programas que existem aqui no âmbito do Ministério, suas regras internas [dos
estados], regimentos internos e tudo mais, os policiais são obrigados a acionar
as câmeras em pelo menos 16 situações, que praticamente são todas as situações
rotineiras do dia-a-dia de um policial militar.
O policial não obedeceu a
regra, está com a câmera corporal e tem que ser punido, e essa punição tem que
ser severa para isso.
·
E essa punição é feita pelo Estado?
Ela tem que ser feita pelo
Estado, mas evidentemente o Ministério fiscaliza se isso está acontecendo.
As Polícias Federal e Rodoviária Federal, que são
órgãos diretamente subordinados ao Ministério da Justiça, não utilizam as
câmeras corporais, em sua maioria.
Eles vão utilizar. Eles
estão obrigados a utilizar. […] Eles querem isso, tanto Polícia Federal como
Polícia Rodoviária Federal. E a perspectiva é que nos próximos meses essa
questão avance de forma significativa nessas duas corporações.
Então pra eles não é opção,
para eles é, na verdade, obrigatória, porque eles fazem parte da estrutura do
Ministério.
Fonte: Por Rafael Custódio,
da Agencia Pública
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