Ângela
Carrato: Brasil precisa de rede social própria para enfrentar os ataques à
nossa democracia
O governo Lula e o STF reagiram rápido ao vídeo que o presidente da big
tech estadunidense Meta, o bilionário Mark Zuckerberg, postou em suas redes
sociais na terça-feira (7/1).
Além de reunião com o novo titular da Secretaria de Comunicação da
Presidência da República (Secom-PR), Sidônio Palmeira, Lula determinou que a
Advocacia Geral da União (AGU) analise os impactos que as medidas anunciadas
podem ter na sociedade brasileira, para que as devidas providências sejam
tomadas.
Já o ministro Alexandre de Moraes afirmou que o STF “não vai permitir
que as big techs, as redes sociais continuem sendo instrumentalizadas, dolosa
ou culposamente para ampliar discursos de ódio, nazismo, fascismo, misoginia,
homofobia e discursos antidemocráticos”.
Ele lembrou que “a nossa Justiça Eleitoral e o nosso Supremo Tribunal
Federal já demonstraram que aqui é uma terra que tem lei”.
Os anúncios feitos por Zuckerberg podem perfeitamente ser incluídos no
kit de desinformação preconizado pela extrema-direita internacional e
brasileira.
Ele anunciou que suas empresas (Facebook, Instagram, Whatsapp)
encerrarão as atividades de checagem dos fatos em “nome da liberdade de
expressão”. A mudança começará pelos Estados Unidos e progressivamente se
estenderá aos demais países onde atuam.
Zuckerberg, neste mesmo vídeo, mentiu ao afirmar que existe “tribunais
secretos na América Latina”, que impedem a liberdade de expressão, fazendo coro
com outro contumaz mentiroso, o bilionário, dono do X, Elon Musk, que
recentemente comprou e perdeu uma disputa com o STF brasileiro.
Zuckerberg ainda ameaçou pedir apoio ao governo Trump para que os
interesses das empresas estadunidenses sejam preservados na Europa, América
Latina e China.
Traduzindo para bom português, a fala do arrogante dono da Meta
significa que ele é o segundo empresário na área a aderir às delirantes
propostas de Trump para “fazer os Estados Unidos grande de novo”, a partir de
imperialismo explícito sobre os demais países.
Além de defender punição zero para quem espalha fake news, Trump, antes
mesmo de tomar posse – o que acontecerá no próximo dia 20 – tem dito
barbaridades e criado problemas políticos nos quatro cantos do planeta.
Do nada, ele anunciou o desejo de transformar o Canadá na 51º estrela da
bandeira dos Estados Unidos. Disse estar disposto a retomar o Canal do Panamá,
anexar a Groelândia, que pertence à Dinamarca, e mudar o nome do Golfo do
México para Golfo Americano.
Suas falas incluem ainda os anúncios de que concederá perdão a todos os
golpistas que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021, e de que pretende
taxar em 100% os produtos de qualquer país que comercializar fora do dólar.
Some-se a isso a declaração de que, já nos primeiros minutos após
empossado, começará a deportar todos os imigrantes ilegais.
Ao contrário da reação brasileira, os governos canadense, panamenho e
dinamarquês se pautaram pela timidez, possivelmente chocados diante do tamanho
dos absurdos ditos por Trump.
O Canadá, um dos maiores países do mundo, integra, junto com o México, o
Mercado Comum do Norte, criado pelos Estados Unidos.
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Qual a razão para uma declaração tão
estapafúrdia?
Já o governo da Dinamarca, membro da OTAN, chefiada pelos Estados
Unidos, deve ter pensado como ações para anexar a Groelândia seriam levadas a
cabo. Pela primeira vez haverá guerra entre dois integrantes deste tratado?
A presidente do México, Cláudia Sheinbaum, preferiu reagir de forma
irônica, sugerindo que os Estados Unidos deveriam passar a se chamar “República
das Terras Mexicanas”, em alusão a que mais de 50% do território do seu país
foi roubado pelos Estados Unidos. Sheinbaum tem rebatido cada provocação de
Trump.
Além de reações rápidas, como a brasileira, perplexas ou irônicas, como
de outros governantes, é importante entender o que pretendem Zuckerberg e Musk.
Noam Chomsky, um dos maiores pensadores estadunidenses, há décadas já
denunciou que o seu país nunca foi uma democracia.
Segundo ele, a melhor designação para o sistema vigente lá é
plutocracia: 183 famílias bilionárias controlam a economia e a política. E,
mais grave ainda, sempre quiseram e continuam querendo controlar a política e a
economia em toda parte do globo.
O nome disso é imperialismo.
Zuckerberg e Musk integram este seleto grupo, do qual Trump também faz
parte, e estão dispostos a colocar suas empresas a serviço do imperialismo
estadunidense.
No passado, o imperialismo levou a guerras. Continua levando, mas já
existe uma modalidade nova para que seus objetivos sejam alcançados. Ela atende
pelo nome de “guerra híbrida”.
As big techs e suas redes sociais são fundamentais neste processo, uma
vez que por intermédio de fake news e de discursos de ódio disseminados através
de suas plataformas, contribuem para moldar a opinião pública na perspectiva
que lhes interessa.
Com todas as letras, Zuckerberg deixou isso explícito ao anunciar que
sua empresa não adotará mais a moderação de conteúdo e se colocará ao lado do
governo Trump.
Em troca, pedirá apoio de Trump para combater governos que imponham
restrições às empresas estadunidenses. A dele, obviamente, em primeiro lugar.
A exemplo do que fez o X, a Meta também está abrindo mão de qualquer
compromisso com os fatos e passa a permitir todo tipo de publicação, inclusive
mentiras, estímulo a preconceitos e discursos de ódio, em nome da “liberdade de
expressão”.
Os extremistas de direita bateram palmas, pois o ambiente adequado para
prosperaram é em meio a mentiras e manipulações.
A Meta se torna assim a segunda big tech cuja máscara caiu. Ao contrário
de qualquer compromisso com os fatos e com uma comunicação horizontal, ela se
alinha às usinas de propaganda e manipulação, inimigas da democracia, da
soberania dos países e de sociedades mais justas.
Esse fato assume proporções dramáticas por se tratar de empresas de enorme
valor de mercado, na casa dos trilhões de dólares. Na atualidade estão entre as
mais lucrativas do mundo, ao lado da indústria bélica e da farmacêutica.
A fortuna de Musk, o homem mais rico do mundo, é de R$ 2,61 trilhões,
superior ao PIB de vários países. Zuckerberg ocupa o segundo lugar, com uma
fortuna de US$ 206 bilhões.
Mais uma vez é preciso dar razão a Chomsky. O produto dessas big techs
sempre foi a desinformação e a “garimpagem” de dados dos usuários com objetivo
de controle político, econômico e ideológico.
Diferentemente daquele alardeado começo mítico, em que um punhado de
“jovens geniais”, em garagens ou dormitórios nas universidades dos Estados
Unidos, criaram as redes sociais, como mostra o filme da Netflix de mesmo nome,
elas surgiram em sintonia com os grandes interesses econômicos e o alinhamento
a eles agora é total.
Apesar disso, aqueles jovens – Zuckerberg era um deles – venderam para o
público a ideia de que as redes sociais são quase serviços públicos, todos
podem acessá-las gratuitamente e obter uma infinidade de facilidades e
benefícios.
Nada mais mentiroso.
Durante muito tempo, no entanto, as pessoas acreditaram nisso.
Crença presente não só nos Estados Unidos, como na Europa e mesmo aqui
no Brasil, onde a Meta tem um dos seus maiores e mais lucrativos mercados. O
Facebook alcança 60% dos internautas brasileiros. O Instagram, um pouco mais,
62%. Já o WhatsApp é utilizado por 93,4% dos usuários de internet em nosso
país.
A convicção era de que finalmente a democracia havia chegado à
comunicação, rompendo o longo período em que esteve nas mãos de uns poucos
empresários.
Críticas aqui e acolá sempre existiram em se tratando do gigantesco
poder de manipulação das big techs.
Em 2018, por exemplo, o Facebook perdeu em um único dia aproximadamente
RS$ 115,5 bilhões, devido à denúncia de que a consultoria Cambridge Analytica
havia se valido de dados de usuários seus e os utilizados na campanha que
resultou no Brexit, nome dado ao plebiscito que aprovou a saída do Reino Unido
da União Europeia.
A principal arma para viabilizar o Brexit, proposta apoiada pela
extrema-direita inglesa e estadunidense, foi convencer a população do Reino
Unido de que os problemas econômicos que enfrentava tinha uma única origem: os
convênios da União Europeia que possibilitavam a presença de imigrantes árabes,
latino-americanos e africanos naquela sociedade.
Por outro lado, começava a chamar atenção o fato de perfis das pessoas
que integram as redes sociais serem considerados “moeda valiosa” no marketing
da guerra eleitoral. A título de exemplo, o Facebook acabou sendo obrigado a
fazer acordo milionário para encerrar o processo com as autoridades europeias e
muitos acreditaram que o erro não se repetiria.
Quando a Meta anunciou, em 2021, a suspensão indefinidamente das contas
de Trump no Facebook e Instagram, depois que ele manifestou apoio aos golpistas
que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro daquele ano, não faltou quem visse na
medida a prova irrefutável de independência dessas novas empresas.
A invasão havia redundado em seis mortes e Trump chamou a plataforma de
“inimiga”.
Pouco antes de completar quatro anos, eis que Zuckerberg vem a público
anunciar sua completa submissão a Trump e aos interesses imperialistas.
Com a picardia que lhe é peculiar, Trump, ao ser perguntado por
jornalistas sobre a fala de Zuckerberg, contou que, em novembro, estiveram
juntos em seu resort na Flórida, que recebeu dele uma doação de US$ 1 milhão
para a festa da posse e que o anunciado pelo dono da Meta foi exatamente o que
ele determinou.
Mais uma vez é preciso dar razão a Chomsky. Os interesses das grandes
empresas estadunidenses sempre estiveram alinhados aos da Casa Branca.
Também Jeff Bezos, o dono da Amazon, se rendeu a Trump. Além de outra
polpuda doação para a festa da posse, o tradicional jornal The Washington Post, historicamente
independente e mais próximo do Partido Democrata, comprado por ele em 2013,
evitou posicionar-se em relação à última campanha eleitoral nos Estados Unidos.
O mesmo pode ser dito das grandes redes de TV como CBS, NBC, ABC, que
agora já fazem abertos acenos a Trump. A lista inclui ainda a Fox, mas essa
emissora há muito é porta-voz do trumpismo.
Bravatas ou não, o certo é que Trump tem expressado desejo expansionista
e imperialista, algo que não se ouvia desde os tempos da ascensão de Adolf
Hitler e que levou à Segunda Guerra Mundial.
Mesmo declarando que quer acabar com todas as guerras em que os Estados
Unidos estão metidos, o cruzamento da fala de Trump com a dos donos das big
techs deixa claro que ele pretende apenas substituir as guerras tradicionais
por guerras híbridas, aquelas em que a comunicação e as redes sociais jogam
papel decisivo.
Exemplos não faltam. Basta lembra a impropriamente denominada “Primavera
Árabe”, onde as redes sociais foram utilizadas para derrubar governos que não
se submetiam às determinações dos Estados Unidos, como os do Egito e o da
Líbia, sob o argumento de que eram autoritários.
O caso mais explícito talvez seja o da Líbia, onde o governo de Muammar
Gaddafi foi alvo de pesada campanha de desestabilização, levando-o a ser
linchado e morto.
Qual o seu grande erro? Ter sido o primeiro presidente no mundo a propor
transações comerciais fora do dólar e governar de forma soberana um país rico
em petróleo.
“Erro” que parece ser o mesmo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro,
que tomou posse para o terceiro mandato nesta sexta-feira (10), sob pesada
artilharia dos governos conservadores e das redes sociais.
O golpe contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, também integra a longa
lista de “guerras híbridas” patrocinadas pelos Estados Unidos, com o objetivo
de retirar do poder políticos e partidos que não rezem por sua cartilha.
É importante lembrar que o golpe, travestido de impeachment contra
Dilma, aconteceu logo depois do anúncio da descoberta do pré-sal e da decisão
dela em garantir para a Petrobras o controle de sua exploração.
Detalhe: a primeira medida de Michel Temer, o vice golpista, ao assumir,
foi isentar as petroleiras estrangeiras que atuavam no pré-sal do pagamento de
qualquer imposto.
Esses são fatos que devem ter passado pela cabeça de qualquer pessoa
relativamente bem informada após a declaração de Zuckerberg. Não por acaso a
reação das instituições brasileiras foi dura.
Por tudo isso, o governo Lula e o STF têm enormes desafios pela frente,
uma vez que o Congresso Nacional, dominado pela extrema-direita, não deve mover
uma palha para regular as big techs.
Vale observar que mesmo diante dos absurdos proferidos por Zuckerberg, o
presidente da Câmara dos Deputados, o bolsonarista Arthur Lira, não falou nada.
O mesmo acontecendo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Se tivesse qualquer compromisso com a democracia, Lira poderia ter
anunciado que estava recolocando na pauta de discussões da Câmara o projeto de
regulação das big techs, engavetado por ele há meses.
A análise e recomendações que devem vir da AGU são importantes. As
conversas que o presidente Lula tem mantido com governantes europeus e da
Austrália, para atuarem juntos no combate à desinformação também.
Mas não basta determinar que fake news e discursos de ódio sejam
retirados das redes sociais. Não basta, igualmente, em situação limite, proibir
a presença dessas empresas estrangeiras no Brasil.
É preciso ir muito além.
É preciso, por exemplo, que o governo tome a dianteira para que seja
criada uma grande empresa brasileira de tecnologia, capaz de prover a população
brasileira de redes sociais próprias.
China, Rússia e Índia já fizeram isso. Não seria o caso do governo Lula
recorrer aos parceiros do BRICS para a criação desta rede?
A importância estratégica e geopolítica das big techs é tamanha, que os
Estados Unidos já aprovaram lei dando prazo para a rede social chinesa, Tik
Tok, encontrar um novo proprietário para continuar atuando no país.
Fora disso, terá que encerrar suas atividades por lá. O prazo final se
encerra em 18 de janeiro, mas os advogados da Byte Dance, proprietária da Tik
Tok, devem recorrer mais uma vez da decisão, invocando a liberdade total que os
extremistas de direita dizem defender.
O argumento que a Casa Branca usou para que essa legislação fosse
aprovada é que o Tik Tok, com seu poderoso algoritmo, estaria espionando e
armazenando dados da população dos Estados Unidos.
Mas não é exatamente isso o que fazem as redes sociais estadunidenses?
Dito de outra forma está na hora de o governo Lula convocar os mais
diversos segmentos do empresariado e a comunidade científica para, juntos,
construírem a nossa rede social.
Só assim poderá enfrenta a brutal pressão que Trump e a extrema-direita,
nacional e internacional, via redes sociais, farão contra a democracia no
Brasil.
Fonte: Viomundo
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