segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

2024 foi o ano em que a democracia começou a voltar ao eixo, aponta Luis Nassif

Em editorial veiculado no programa TVGGN 20 Horas, o jornalista Luis Nassif avaliou que o ano de 2024 marcou o início da volta da democracia ao eixo. O ano foi “pesado”, mas com o mérito de deflagrar o processo de punição daqueles que tentaram dar o golpe de Estado em 2022 e também dos que ajudaram a forjar as circunstâncias que levaram à ascensão do bolsonarismo.

Colocando os fatos numa perspectiva temporal, Nassif voltou ao ano de 2005, quando “começa o jornalismo de esgoto da Veja, seguido do Mensalão”. Com setores da grande mídia empenhados em atacar Lula e o PT a qualquer custo, a década de 2010 marcou o “desarranjo total da democracia brasileira”.

“Muitos setores se aproveitaram da fragilidade dos sucessivos governos federais. Tivemos, em todo esse período, um atropelo das normas básicas de freios e contrapesos que caracterizam a democracia. Aos poucos é que vamos entrando nos eixos”, comentou Nassif.

A volta à normalidade passa pela revisão dos abusos da Lava Jato. “Está começando a ser enquadrada através do relatório do Conselho Nacional da Justiça, do ministro Luis Felipe Salomão, que está sendo retido vergonhosamente pelo procurador-geral Paulo Gonet“, disse Nassif, citando o trabalho da corregedoria-nacional de Justiça, que inspecionou os principais tribunais da Lava Jato e descobriu uma série de improbidades que geraram ações contra Gabriela Hardt e desembargadores do TRF-4. Uma ação contra Sergio Moro ainda aguarda para ser deflagrada.

Para Nassif, nesse tema, “Gonet está sendo vergonhoso. É um processo demorado de reconstrução da democracia, com muita gente se arriscando para colocar as coisas no lugar, e Gonet prevaricando, segurando o relatório do Salomão. Isso depõe contra a imagem dele.”

Já a Polícia Federal, que na Lava Jato teve um papel ambíguo, também deu sinais de que voltou a atuar com imparcialidade. Na Lava Jato, muitos delegados sentiram o gosto do poder e transcenderam os limites. E aqueles que “tentavam se comportar corretamente, foram perseguidos e condenados por calúnia, por causa de informações que eram verdadeiras, como no caso do grampo em Alberto Youssef na Lava Jato. Agora a PF parece estar cumprindo seu papel profissional, com exceção da Polícia Rodoviária Federal que continua sendo um centro de massacre”, avaliou Nassif.

Sobre o Congresso, recaiu em 2024 uma decisão histórica em relação às emendas parlamentares, que, na visão de Nassif, “viraram alvos de uma quadrilha”. “Em meio a deputados que distribuem bem as suas emendas, há o crime organizado atuando, como mostrou o rei do lixo na Bahia. O ministro Flávio Dino, de maneira corajosíssima, peitou, e pôs a Polícia Federal para investigar.”

Por fim, fechamos o ano com uma necessária e inédita discussão, ainda que embrionária, sobre os limites de poder do mercado financeiro. “Com todo esse potencial de chantagem – não o mercado como um todo, mas um grupo específico que atua no cartel do câmbio -, começa a judicialização dos abusos. O câmbio e os juros estão sendo controlados pelo mercado, isso é uma extravagância que interfere na vida das empresas, nos empregos, na renda das famílias. Está começando, primeiro, a se questionar o cartel da Faria Lima – e vai se chegar nele. (…) E ainda há o ponto da taxa Selic, que é fixada pelas expectativas do mercado. Essa judicialização, que muita gente pode achar indevida ou anacrônica, é o início de processo de enquadramento do mercado, para colocar o mercado no seu devido lugar, como instrumento de financiamento das empresas, mas não dono absoluto dos principais preços do país.”

 

¨      Está faltando uma revolução? Por Luís Felipe Miguel

É difícil olhar para o Brasil de hoje não chegar à conclusão de que estamos empacados. No Brasil, elegemos a duras penas um governo que devia ser democrático e progressista, mas ele não consegue fazer quase nada. Emparedado pela Faria Lima, pelo Centrão, pelos militares, pelos latifundiários, pelos fundamentalistas religiosos, pela imprensa burguesa, vive de recuo em recuo, de concessão em concessão.

Aprovou um pacote fiscal que, mais uma vez, faz os pobres pagarem a conta. Para aprová-lo, liberou bilhões no pagamento de emendas de parlamentares venais. Mas nem assim o “mercado” ficou satisfeito. Ele não aceita qualquer gesto de mínima independência, qualquer migalha jogada para satisfazer a base social do governo: quer submissão total e absoluta. A especulação contra o real continua e o governo não vê outra saída senão se curvar mais e mais.

Depois de dois anos reclamando, com razão, da gestão de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central, o governo Lula se vê constrangido a sinalizar que seu indicado, Gabriel Galípolo, continuará na mesma toada.

E quando Flávio Dino põe novamente um freio a farra das emendas parlamentares, o governo se sente ameaçado porque sabe que a reação dos donos do Congresso será tremenda.

O Supremo, por sua vez, tem agido em favor dos instrumentos formais da democracia (depois de ter legitimado o golpe de 2016, convém não esquecer). Mas já mostrou que não se dispõe a salvar nenhuma das medidas de proteção à classe trabalhadora que perdemos nos últimos anos. Quando briga com o Congresso, é uma disputa por espaço. E a prioridade é manter os muitos privilégios do Judiciário, os salários inchados por mil penduricalhos, a impunidade quase absoluta a seus integrantes.

Os ministros do STF passeiam pelo mundo com mordomias bancadas por grandes empresas. Capitalista corruptor, político corrupto, bicheiro assassino, parece que todo mundo tem um ministro do STF para chamar de seu.

Falei de bicheiros, mas não é só. Todos os setores do crime organizado – PCC, milicianos etc. – estão infiltrados no Legislativo, no Judiciário, no Executivo. Têm seus vereadores e deputados, seus juízes e desembargadores, seus delegados de polícia e coronéis.

Podemos ver algum alento no fato de que os militares aparentemente aceitaram a prisão de um dos seus, o general Braga Netto, e sabem que outros, como Augusto Heleno, já são favas contadas. Mas, fora isso, não aceitam que se dê nenhum passo na ampliação do controle do poder civil sobre eles. O episódio recente, em que a Marinha divulgou, nas redes sociais, um vídeo de ostensiva insubordinação contra o governo legítimo, é revelador. Lula ficou bravo, pensou em demitir o comandante da força, mas foi dissuadido e deixou passar.

Podia falar da reunião do Conanda, em que, com medo do barulho dos fundamentalistas religiosos, o governo votou contra a resolução de garantiria o acesso das meninas estupradas a seu direito ao aborto legal.

Podia falar das pontes que caem sem manutenção, embora os laudos se acumulem ano após ano. Podia falar da cobertura vacinal que continua falha, dois anos depois do novo governo assumir.

Dá um desânimo desse país. O pior é saber como nosso horizonte está restrito. Podemos sonhar com uma nova vitória em 2026, para evitar que a extrema direita volte ao Planalto, mas não podemos sonhar com um governo que governe. Qualquer governo estará emparedado.

A única esperança para o Brasil, como sabia Leonel Brizola, era o presidencialismo. A possibilidade de eleger um presidente mais à esquerda, que encaminhasse algumas medidas em favor das maiorias.

Pois o que foi feito, do golpe de 2016 para cá, foi esvaziar a presidência de grande parte de seus poderes. Com um projeto claro; nas palavras de Wanderley Guilherme dos Santos, escritas logo após a derrubada de Dilma Rousseff, impor uma “ordem de dominação (…) nua de propósitos conciliatórios com os segmentos dominados”.

Este projeto continua em vigor – e agora buscam implantá-lo mesmo sem precisar reverter o resultado das eleições presidenciais, como fizeram oito anos e meio atrás.

É difícil imaginar uma mudança que passe por esse Congresso, por esse Judiciário, por essa elite política. Sem o aumento da capacidade de pressão – isto é, da mobilização e da organização – da classe trabalhadora e dos dominados em geral, há muito pouco espaço para avançar.

A revolução de que estou falando não precisa passar por alguma tomada do Palácio de Inverno.

Mas o experimento democrático que foi fraturado com a deposição de Dilma Rousseff se baseava num equilíbrio instável entre regras democráticas e desigualdades sociais profundas, idêntico ao que vigorou no período democrático anterior (1945-1964), que dificilmente tem como ser reativado.

Um novo equilíbrio precisará ser alcançado. É preciso radicalizar a democracia, com um compromisso mais ambicioso com a justiça social. Este caminho, infelizmente pouco provável no curto prazo, exige uma transformação revolucionária do padrão histórico de relacionamento do Estado brasileiro com as elites e com as classes populares.

Sem essa revolução, não temos sequer como manter uma democracia liberal minimamente “civilizada”.

 

¨      O terceiro governo Lula sob cerco: a urgência de enfrentar os adversários com mobilização popular. Por João Lister

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta desafios inéditos e perigosos, orquestrados por uma coalizão que reúne setores do Centrão, grandes veículos da imprensa nacional, o mercado financeiro especulativo, segmentos religiosos conservadores, milícias e organizações criminosas. Essa frente heterogênea, unida por interesses econômicos e políticos específicos, atua em várias frentes para minar a estabilidade do governo e suas promessas de reconstrução social, apresentadas durante a campanha eleitoral de 2022.

O sequestro do Orçamento da União pelo Centrão é emblemático. Projetos de interesse público são frequentemente relegados ao segundo plano, enquanto verbas públicas são canalizadas para esquemas que favorecem currais eleitorais e grupos privilegiados. Paralelamente, segmentos da grande imprensa reforçam uma narrativa desestabilizadora, alinhada aos interesses do mercado especulativo. Esse mercado, por sua vez, pressiona o governo com especulações sobre juros, câmbio e dívida pública, inviabilizando políticas de distribuição de renda e enfraquecendo a percepção de estabilidade econômica.

Outros atores completam o cerco. Setores religiosos conservadores, evangélicos e católicos, instrumentalizam pautas morais para polarizar a sociedade, enquanto milícias e organizações criminosas consolidam territórios de exclusão social, explorando serviços públicos e promovendo a degradação ambiental com queimadas e mineração ilegal. Esses grupos buscam manter a concentração de renda e terra, garantindo que políticas de inclusão social permaneçam travadas.

<><> A estratégia do governo: timidez perigosa

Diante desse cenário, a estratégia do governo Lula tem se mostrado tímida e, em certa medida, conciliatória. O diálogo constante com o Centrão e a tentativa de aprovar pautas relevantes por meio da negociação política parecem reproduzir um modus operandi que já demonstrou limitações no governo Dilma Rousseff. A ex-presidenta foi alvo de um impeachment que, embora revestido de legalidade formal, configurou-se como um golpe branco.

A ausência de uma mobilização popular robusta deixou Dilma vulnerável, especialmente após os protestos de 2013, que marcaram o início de sua impopularidade e subsequente isolamento. Esses atos, inicialmente voltados contra o aumento das tarifas de transporte público, rapidamente foram cooptados por setores que capitalizaram a insatisfação popular. Sem apoio maciço nas ruas, Dilma foi incapaz de resistir ao processo de impeachment, que selou sua queda.

Lula enfrenta um risco semelhante. A falta de uma estratégia mais assertiva para conter os ataques dos setores adversários e a dependência exclusiva de negociações políticas no Congresso podem abrir espaço para um golpe branco ou uma derrota eleitoral em 2026.

<><> Mobilização popular: a chave para reverter o jogo

O terceiro governo Lula precisa aprender com os erros do passado e adotar uma estratégia que vá além da negociação política. O presidente deve recorrer à mobilização popular como instrumento de defesa e avanço de sua pauta política, econômica e social. Isso exige um esforço pessoal de Lula em visitar grandes cidades, promover comícios e criar um clima de engajamento que sensibilize a população sobre os entraves impostos pelos setores adversários.

A internet, embora fundamental, é insuficiente para mobilizar a militância e atingir os milhões de cidadãos prejudicados pelas políticas excludentes promovidas por seus adversários. A mobilização presencial tem o potencial de gerar um impacto emocional e político que a comunicação digital não alcança. A história recente do Brasil demonstra que, sem uma base popular ativa nas ruas, governos progressistas ficam vulneráveis a ataques institucionais e narrativas desestabilizadoras.

<><> Lições de 2013 e a necessidade de antecipação

Os protestos de 2013 devem servir como lição. O governo Dilma foi surpreendido por uma mobilização que, embora inicialmente legítima, tornou-se um catalisador de sua impopularidade e subsequente queda. Lula não pode permitir que a direita e a ultradireita repitam a estratégia de mobilizar a população contra o governo.

Ao contrário, é necessário que o presidente lidere um movimento que antecipe e neutralize essas tentativas, promovendo um ambiente político em que os setores adversários sejam pressionados a recuar. Isso requer uma presença constante nas ruas, consolidando a base de apoio popular e revitalizando a militância que foi decisiva para suas vitórias eleitorais anteriores.

<><> Sem mobilização, não há futuro

Sem uma estratégia de enfrentamento mais ousada, o governo Lula corre o risco de ser engolido pelas forças que buscam sua derrocada. A história recente do Brasil é clara: governos progressistas só sobrevivem a ataques sistemáticos quando contam com uma base popular ativa e mobilizada.

Lula tem o carisma e a experiência necessários para liderar essa mobilização. No entanto, o tempo é curto, e os adversários já estão organizados. É imperativo que o governo mude sua postura e enfrente seus inimigos com a mesma intensidade com que é atacado. Somente assim será possível garantir a continuidade do projeto de reconstrução social e a viabilidade de uma reeleição em 2026.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

 

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