2024 foi o ano em
que a democracia começou a voltar ao eixo, aponta Luis Nassif
Em editorial
veiculado no programa TVGGN 20 Horas, o jornalista Luis Nassif avaliou que
o ano de 2024 marcou o início da volta da democracia ao eixo. O ano foi
“pesado”, mas com o mérito de deflagrar o processo de punição daqueles que
tentaram dar o golpe de Estado em 2022 e também dos que ajudaram a forjar as
circunstâncias que levaram à ascensão do bolsonarismo.
Colocando os fatos
numa perspectiva temporal, Nassif voltou ao ano de 2005, quando “começa o
jornalismo de esgoto da Veja, seguido do Mensalão”. Com setores da grande mídia
empenhados em atacar Lula e o PT a qualquer custo, a década de 2010 marcou o
“desarranjo total da democracia brasileira”.
“Muitos setores se
aproveitaram da fragilidade dos sucessivos governos federais. Tivemos, em todo
esse período, um atropelo das normas básicas de freios e contrapesos que
caracterizam a democracia. Aos poucos é que vamos entrando nos eixos”, comentou
Nassif.
A volta à
normalidade passa pela revisão dos abusos da Lava Jato. “Está começando a ser
enquadrada através do relatório do Conselho Nacional da Justiça, do ministro
Luis Felipe Salomão, que está sendo retido vergonhosamente pelo
procurador-geral Paulo Gonet“, disse Nassif, citando o trabalho da corregedoria-nacional
de Justiça, que
inspecionou os principais tribunais da Lava Jato e descobriu uma série de
improbidades que geraram ações contra Gabriela Hardt e desembargadores do
TRF-4. Uma ação contra Sergio Moro ainda
aguarda para ser deflagrada.
Para Nassif, nesse
tema, “Gonet está sendo vergonhoso. É um processo demorado de reconstrução da
democracia, com muita gente se arriscando para colocar as coisas no lugar, e
Gonet prevaricando, segurando o relatório do Salomão. Isso depõe contra a
imagem dele.”
Já a Polícia
Federal, que na Lava Jato teve um papel ambíguo, também deu sinais de que
voltou a atuar com imparcialidade. Na Lava Jato, muitos delegados sentiram o
gosto do poder e transcenderam os limites. E aqueles que “tentavam se comportar
corretamente, foram perseguidos e condenados por calúnia, por causa de
informações que eram verdadeiras, como no caso do grampo em Alberto Youssef na Lava Jato.
Agora a PF parece estar cumprindo seu papel profissional, com exceção da
Polícia Rodoviária Federal que continua sendo um centro de massacre”, avaliou
Nassif.
Sobre o Congresso,
recaiu em 2024 uma decisão histórica em relação às emendas parlamentares, que,
na visão de Nassif, “viraram alvos de uma quadrilha”. “Em meio a deputados que
distribuem bem as suas emendas, há o crime organizado atuando, como mostrou o
rei do lixo na Bahia. O ministro Flávio Dino, de maneira corajosíssima, peitou,
e pôs a Polícia Federal para investigar.”
Por fim, fechamos o
ano com uma necessária e inédita discussão, ainda que
embrionária, sobre os limites de poder do mercado financeiro. “Com todo esse
potencial de chantagem – não o mercado como um todo, mas um grupo específico
que atua no cartel do câmbio -, começa a judicialização dos abusos. O câmbio e
os juros estão sendo controlados pelo mercado, isso é uma extravagância que
interfere na vida das empresas, nos empregos, na renda das famílias. Está
começando, primeiro, a se questionar o cartel da Faria
Lima –
e vai se chegar nele. (…) E ainda há o ponto da taxa Selic, que é fixada
pelas expectativas do mercado. Essa judicialização, que muita gente pode achar
indevida ou anacrônica, é o início de processo de enquadramento do mercado,
para colocar o mercado no seu devido lugar, como instrumento de financiamento
das empresas, mas não dono absoluto dos principais preços do país.”
¨ Está faltando uma revolução?
Por Luís Felipe Miguel
É difícil olhar para o Brasil de hoje não chegar à
conclusão de que estamos empacados. No Brasil, elegemos a duras penas um
governo que devia ser democrático e progressista, mas ele não consegue fazer
quase nada. Emparedado pela Faria Lima, pelo Centrão, pelos militares, pelos
latifundiários, pelos fundamentalistas religiosos, pela imprensa burguesa, vive
de recuo em recuo, de concessão em concessão.
Aprovou um pacote fiscal que, mais uma vez, faz os
pobres pagarem a conta. Para aprová-lo, liberou bilhões no pagamento de emendas
de parlamentares venais. Mas nem assim o “mercado” ficou satisfeito. Ele não
aceita qualquer gesto de mínima independência, qualquer migalha jogada para
satisfazer a base social do governo: quer submissão total e absoluta. A
especulação contra o real continua e o governo não vê outra saída senão se
curvar mais e mais.
Depois de dois anos reclamando, com razão, da gestão de
Roberto Campos Neto à frente do Banco Central, o governo Lula se vê
constrangido a sinalizar que seu indicado, Gabriel Galípolo, continuará na
mesma toada.
E quando Flávio Dino põe novamente um freio a farra das
emendas parlamentares, o governo se sente ameaçado porque sabe que a reação dos
donos do Congresso será tremenda.
O Supremo, por sua vez, tem agido em favor dos
instrumentos formais da democracia (depois de ter legitimado o golpe de 2016,
convém não esquecer). Mas já mostrou que não se dispõe a salvar nenhuma das
medidas de proteção à classe trabalhadora que perdemos nos últimos anos. Quando
briga com o Congresso, é uma disputa por espaço. E a prioridade é manter os
muitos privilégios do Judiciário, os salários inchados por mil penduricalhos, a
impunidade quase absoluta a seus integrantes.
Os ministros do STF passeiam pelo mundo com mordomias
bancadas por grandes empresas. Capitalista corruptor, político corrupto,
bicheiro assassino, parece que todo mundo tem um ministro do STF para chamar de
seu.
Falei de bicheiros, mas não é só. Todos os setores do
crime organizado – PCC, milicianos etc. – estão infiltrados no Legislativo, no
Judiciário, no Executivo. Têm seus vereadores e deputados, seus juízes e
desembargadores, seus delegados de polícia e coronéis.
Podemos ver algum alento no fato de que os militares
aparentemente aceitaram a prisão de um dos seus, o general Braga Netto, e sabem
que outros, como Augusto Heleno, já são favas contadas. Mas, fora isso, não
aceitam que se dê nenhum passo na ampliação do controle do poder civil sobre
eles. O episódio recente, em que a Marinha divulgou, nas redes sociais, um
vídeo de ostensiva insubordinação contra o governo legítimo, é revelador. Lula
ficou bravo, pensou em demitir o comandante da força, mas foi dissuadido e
deixou passar.
Podia falar da reunião do Conanda, em que, com medo do
barulho dos fundamentalistas religiosos, o governo votou contra a resolução de
garantiria o acesso das meninas estupradas a seu direito ao aborto legal.
Podia falar das pontes que caem sem manutenção, embora
os laudos se acumulem ano após ano. Podia falar da cobertura vacinal que
continua falha, dois anos depois do novo governo assumir.
Dá um desânimo desse país. O pior é saber como nosso
horizonte está restrito. Podemos sonhar com uma nova vitória em 2026, para
evitar que a extrema direita volte ao Planalto, mas não podemos sonhar com um
governo que governe. Qualquer governo estará emparedado.
A única esperança para o Brasil, como sabia Leonel Brizola,
era o presidencialismo. A possibilidade de eleger um presidente mais à
esquerda, que encaminhasse algumas medidas em favor das maiorias.
Pois o que foi feito, do golpe de 2016 para cá, foi
esvaziar a presidência de grande parte de seus poderes. Com um projeto claro;
nas palavras de Wanderley Guilherme dos Santos, escritas logo após a derrubada
de Dilma Rousseff, impor uma “ordem de dominação (…) nua de propósitos
conciliatórios com os segmentos dominados”.
Este projeto continua em vigor – e agora buscam
implantá-lo mesmo sem precisar reverter o resultado das eleições presidenciais,
como fizeram oito anos e meio atrás.
É difícil imaginar uma mudança que passe por esse
Congresso, por esse Judiciário, por essa elite política. Sem o aumento da
capacidade de pressão – isto é, da mobilização e da organização – da classe
trabalhadora e dos dominados em geral, há muito pouco espaço para avançar.
A revolução de que estou falando não precisa passar por
alguma tomada do Palácio de Inverno.
Mas o experimento democrático que foi fraturado com a
deposição de Dilma Rousseff se baseava num equilíbrio instável entre regras
democráticas e desigualdades sociais profundas, idêntico ao que vigorou no
período democrático anterior (1945-1964), que dificilmente tem como ser reativado.
Um novo equilíbrio precisará ser alcançado. É preciso
radicalizar a democracia, com um compromisso mais ambicioso com a justiça
social. Este caminho, infelizmente pouco provável no curto prazo, exige uma
transformação revolucionária do padrão histórico de relacionamento do Estado
brasileiro com as elites e com as classes populares.
Sem essa revolução, não temos sequer como manter uma
democracia liberal minimamente “civilizada”.
¨ O terceiro
governo Lula sob cerco: a urgência de enfrentar os adversários com mobilização
popular. Por João Lister
O
terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta desafios inéditos e
perigosos, orquestrados por uma coalizão que reúne setores do Centrão, grandes
veículos da imprensa nacional, o mercado financeiro especulativo, segmentos
religiosos conservadores, milícias e organizações criminosas. Essa frente
heterogênea, unida por interesses econômicos e políticos específicos, atua em
várias frentes para minar a estabilidade do governo e suas promessas de
reconstrução social, apresentadas durante a campanha eleitoral de 2022.
O
sequestro do Orçamento da União pelo Centrão é emblemático. Projetos de
interesse público são frequentemente relegados ao segundo plano, enquanto
verbas públicas são canalizadas para esquemas que favorecem currais eleitorais
e grupos privilegiados. Paralelamente, segmentos da grande imprensa reforçam
uma narrativa desestabilizadora, alinhada aos interesses do mercado
especulativo. Esse mercado, por sua vez, pressiona o governo com especulações sobre
juros, câmbio e dívida pública, inviabilizando políticas de distribuição de
renda e enfraquecendo a percepção de estabilidade econômica.
Outros
atores completam o cerco. Setores religiosos conservadores, evangélicos e
católicos, instrumentalizam pautas morais para polarizar a sociedade, enquanto
milícias e organizações criminosas consolidam territórios de exclusão social,
explorando serviços públicos e promovendo a degradação ambiental com queimadas
e mineração ilegal. Esses grupos buscam manter a concentração de renda e terra,
garantindo que políticas de inclusão social permaneçam travadas.
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A estratégia do governo: timidez perigosa
Diante
desse cenário, a estratégia do governo Lula tem se mostrado tímida e, em certa
medida, conciliatória. O diálogo constante com o Centrão e a tentativa de
aprovar pautas relevantes por meio da negociação política parecem reproduzir um
modus operandi que já demonstrou limitações no governo Dilma Rousseff. A
ex-presidenta foi alvo de um impeachment que, embora revestido de legalidade
formal, configurou-se como um golpe branco.
A
ausência de uma mobilização popular robusta deixou Dilma vulnerável,
especialmente após os protestos de 2013, que marcaram o início de sua
impopularidade e subsequente isolamento. Esses atos, inicialmente voltados
contra o aumento das tarifas de transporte público, rapidamente foram cooptados
por setores que capitalizaram a insatisfação popular. Sem apoio maciço nas
ruas, Dilma foi incapaz de resistir ao processo de impeachment, que selou sua queda.
Lula
enfrenta um risco semelhante. A falta de uma estratégia mais assertiva para
conter os ataques dos setores adversários e a dependência exclusiva de
negociações políticas no Congresso podem abrir espaço para um golpe branco ou
uma derrota eleitoral em 2026.
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Mobilização popular: a chave para reverter o jogo
O
terceiro governo Lula precisa aprender com os erros do passado e adotar uma
estratégia que vá além da negociação política. O presidente deve recorrer à
mobilização popular como instrumento de defesa e avanço de sua pauta política,
econômica e social. Isso exige um esforço pessoal de Lula em visitar grandes
cidades, promover comícios e criar um clima de engajamento que sensibilize a
população sobre os entraves impostos pelos setores adversários.
A
internet, embora fundamental, é insuficiente para mobilizar a militância e
atingir os milhões de cidadãos prejudicados pelas políticas excludentes
promovidas por seus adversários. A mobilização presencial tem o potencial de
gerar um impacto emocional e político que a comunicação digital não alcança. A
história recente do Brasil demonstra que, sem uma base popular ativa nas ruas,
governos progressistas ficam vulneráveis a ataques institucionais e narrativas
desestabilizadoras.
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Lições de 2013 e a necessidade de antecipação
Os
protestos de 2013 devem servir como lição. O governo Dilma foi surpreendido por
uma mobilização que, embora inicialmente legítima, tornou-se um catalisador de
sua impopularidade e subsequente queda. Lula não pode permitir que a direita e
a ultradireita repitam a estratégia de mobilizar a população contra o governo.
Ao
contrário, é necessário que o presidente lidere um movimento que antecipe e
neutralize essas tentativas, promovendo um ambiente político em que os setores
adversários sejam pressionados a recuar. Isso requer uma presença constante nas
ruas, consolidando a base de apoio popular e revitalizando a militância que foi
decisiva para suas vitórias eleitorais anteriores.
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Sem mobilização, não há futuro
Sem
uma estratégia de enfrentamento mais ousada, o governo Lula corre o risco de
ser engolido pelas forças que buscam sua derrocada. A história recente do
Brasil é clara: governos progressistas só sobrevivem a ataques sistemáticos
quando contam com uma base popular ativa e mobilizada.
Lula
tem o carisma e a experiência necessários para liderar essa mobilização. No
entanto, o tempo é curto, e os adversários já estão organizados. É imperativo
que o governo mude sua postura e enfrente seus inimigos com a mesma intensidade
com que é atacado. Somente assim será possível garantir a continuidade do
projeto de reconstrução social e a viabilidade de uma reeleição em 2026.
Fonte: Jornal GGN/Brasil 247
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