Pai Paulo de Oxalá:
Brasil - laicidade em risco e preconceito religioso no futebol
A Constituição
Brasileira de 1988, ao garantir um Estado laico, estabelece um marco de
respeito, pluralidade e liberdade religiosa. No entanto, na prática, o Brasil
jamais foi de fato laico, e o cumprimento dessa Constituição, que promete
proteger a diversidade de crenças, ainda é um objetivo distante.
Desde o período
colonial, a imposição de uma religião única sobre os nativos e os africanos
forjou um cenário de intolerância religiosa que persiste até hoje. Durante
séculos, as religiões de matriz africana foram perseguidas, seus adeptos
humilhados e suas práticas estigmatizadas como blasfêmia.
Esse legado de
intolerância persiste de forma agressiva. Ataques contra terreiros, agressões
físicas e verbais, e até mortes, como a de Mãe Gilda de Ogum, na Bahia,
continuam a marcar a realidade dos seguidores de religiões afro-brasileiras. A
morte de Mãe Gilda, que ocorreu devido a um infarto após agressões morais, não
sensibilizou os intolerantes. Pelo contrário, esses ataques só se amplificaram,
em grande parte graças à propagação de discursos de ódio na internet.
Nos dias atuais,
casos de intolerância religiosa têm se tornado cada vez mais frequentes. As
manifestações de ódio e preconceito não se limitam aos religiosos de origem
afro-brasileira; artistas e até atletas de futebol têm sido alvos de ataques. O
caso do jogador Paulinho é emblemático. Desde que, em 2021, ele comemorou um
gol imitando o arco e flecha de Oxóssi, o Orixá da caça, foi duramente
criticado por seus seguidores religiosos, sendo rotulado de
"macumbeiro", uma expressão carregada de desinformação e preconceito.
Esse episódio
ganhou força nos meios de comunicação, como o colunista do portal Terra, Luã
Andrade, que destacou em uma matéria a hipocrisia que permeia o discurso de
alguns setores da sociedade. Enquanto Paulinho, por ser adepto do Candomblé, é
atacado por sua fé, um técnico de futebol acusado por crime sexual é defendido
por muitos, mostrando o quanto o futebol, assim como muitas outras esferas da
sociedade, ainda está distante dos princípios de moralidade e justiça.
O futebol,
conhecido por ser um reflexo de nossa sociedade, não está imune à impunidade e
aos preconceitos. Crimes como homofobia, racismo e violência entre torcidas
frequentemente acontecem nos estádios sem consequências sérias. Esse cenário de
tolerância seletiva, onde crimes graves são ignorados em nome do esporte, é
ainda mais acentuado quando comparado ao tratamento dado aos adeptos de
religiões afro-brasileiras.
O caso de Paulinho
é apenas um exemplo de como a intolerância religiosa é potencializada,
especialmente quando se trata de alguém visivelmente identificado com o
Candomblé. Ao ser alvo de ataques e insultos por sua fé, Paulinho representa
não apenas um jogador, mas todos aqueles que enfrentam discriminação religiosa
em suas vidas pessoais e profissionais. Em um país que se autodenomina laico, a
realidade é outra, e a perseguição religiosa continua.
Não se trata de
vitimar os personagens, mas enquanto não houver uma reação contundente contra o
racismo religioso, a sociedade continuará a conviver com um Brasil que, apesar
de seu caráter laico garantido na Constituição, permite que a intolerância e o
preconceito floresçam impunemente, fazendo do país um lugar onde a liberdade
religiosa é, muitas vezes, apenas uma promessa vazia.
Ibi ìbànújẹ ẹ̀sìn jẹ́
ẹ̀sùn! (Intolerância religiosa é crime!)
Axé para todos!
¨
O direito à vida e
à liberdade religiosa: um diálogo necessário. Por Gabrielle Chalita e
Diwlay Ferreira Rosa
O embate entre o
direito à vida e à liberdade religiosa assume novas perspectivas com os
recentes entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente nos
Recursos Extraordinários 979.742 e 1.212.272. Esses casos reafirmam a
relevância da ponderação de direitos fundamentais, evidenciando a complexidade
das decisões médicas em situações de urgência.
No contexto de
pacientes fiéis da igreja Testemunhas de Jeová que recusam transfusões de
sangue por convicções religiosas, o STF avançou ao reconhecer a necessidade de
soluções que respeitem a dignidade humana, os direitos individuais e a
liberdade religiosa.
Isso não implica o
abandono do tratamento, mas sim a continuidade dos cuidados por meio de
procedimentos alternativos, mesmo que sejam realizados fora do domicílio do
paciente, quando necessário.
Um paciente adulto,
lúcido e plenamente capaz tem o direito de recusar tratamentos médicos,
inclusive transfusões de sangue, ainda que isso represente risco à sua saúde ou
vida, desde que a recusa seja feita de forma livre, informada e com plena
capacidade de discernimento.
Os médicos devem
respeitar essa decisão, documentando a recusa e assegurando-se de que o
paciente compreenda todos os riscos e consequências. O atual entendimento do STF
oferece proteção legal a médicos e hospitais que respeitem a vontade do
paciente, protegendo-os contra questionamentos judiciais. No entanto, é
fundamental que a recusa seja devidamente registrada e que todas as
alternativas terapêuticas sejam exauridas.
Nos casos de
pacientes inconscientes ou incapazes de manifestar sua vontade, a decisão do
STF não se aplica diretamente. Nessas circunstâncias, cabe à equipe médica
adotar medidas para preservar a vida do paciente, respeitando eventuais
diretivas antecipadas de vontade ou manifestações de familiares sobre a posição
religiosa. Em emergências, sem diretivas antecipadas, os médicos devem
priorizar a proteção à vida.
A autonomia do
paciente é um princípio basilar, embora não absoluto. A proteção à vida continua
sendo a prioridade em situações extremas, como reconhecido pela Suprema Corte.
Essa temática
ressalta a necessidade de capacitar profissionais de saúde e gestores
hospitalares para lidar com cenários tão sensíveis, equilibrando direitos e
responsabilidades. Além disso, evidencia a urgência de diretrizes mais claras
para garantir segurança jurídica e ética nas decisões médicas.
O desafio é
harmonizar o direito à vida e a liberdade religiosa, especialmente diante das
mudanças jurisprudenciais. Cada caso deve ser analisado com sensibilidade e
rigor técnico, assegurando o respeito à Constituição e aos direitos humanos.
Fonte:Extra OnLine/Correio
Braziliense
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