sábado, 11 de janeiro de 2025

Pai Paulo de Oxalá: Brasil - laicidade em risco e preconceito religioso no futebol

A Constituição Brasileira de 1988, ao garantir um Estado laico, estabelece um marco de respeito, pluralidade e liberdade religiosa. No entanto, na prática, o Brasil jamais foi de fato laico, e o cumprimento dessa Constituição, que promete proteger a diversidade de crenças, ainda é um objetivo distante.

Desde o período colonial, a imposição de uma religião única sobre os nativos e os africanos forjou um cenário de intolerância religiosa que persiste até hoje. Durante séculos, as religiões de matriz africana foram perseguidas, seus adeptos humilhados e suas práticas estigmatizadas como blasfêmia.

Esse legado de intolerância persiste de forma agressiva. Ataques contra terreiros, agressões físicas e verbais, e até mortes, como a de Mãe Gilda de Ogum, na Bahia, continuam a marcar a realidade dos seguidores de religiões afro-brasileiras. A morte de Mãe Gilda, que ocorreu devido a um infarto após agressões morais, não sensibilizou os intolerantes. Pelo contrário, esses ataques só se amplificaram, em grande parte graças à propagação de discursos de ódio na internet.

Nos dias atuais, casos de intolerância religiosa têm se tornado cada vez mais frequentes. As manifestações de ódio e preconceito não se limitam aos religiosos de origem afro-brasileira; artistas e até atletas de futebol têm sido alvos de ataques. O caso do jogador Paulinho é emblemático. Desde que, em 2021, ele comemorou um gol imitando o arco e flecha de Oxóssi, o Orixá da caça, foi duramente criticado por seus seguidores religiosos, sendo rotulado de "macumbeiro", uma expressão carregada de desinformação e preconceito.

Esse episódio ganhou força nos meios de comunicação, como o colunista do portal Terra, Luã Andrade, que destacou em uma matéria a hipocrisia que permeia o discurso de alguns setores da sociedade. Enquanto Paulinho, por ser adepto do Candomblé, é atacado por sua fé, um técnico de futebol acusado por crime sexual é defendido por muitos, mostrando o quanto o futebol, assim como muitas outras esferas da sociedade, ainda está distante dos princípios de moralidade e justiça.

O futebol, conhecido por ser um reflexo de nossa sociedade, não está imune à impunidade e aos preconceitos. Crimes como homofobia, racismo e violência entre torcidas frequentemente acontecem nos estádios sem consequências sérias. Esse cenário de tolerância seletiva, onde crimes graves são ignorados em nome do esporte, é ainda mais acentuado quando comparado ao tratamento dado aos adeptos de religiões afro-brasileiras.

O caso de Paulinho é apenas um exemplo de como a intolerância religiosa é potencializada, especialmente quando se trata de alguém visivelmente identificado com o Candomblé. Ao ser alvo de ataques e insultos por sua fé, Paulinho representa não apenas um jogador, mas todos aqueles que enfrentam discriminação religiosa em suas vidas pessoais e profissionais. Em um país que se autodenomina laico, a realidade é outra, e a perseguição religiosa continua.

Não se trata de vitimar os personagens, mas enquanto não houver uma reação contundente contra o racismo religioso, a sociedade continuará a conviver com um Brasil que, apesar de seu caráter laico garantido na Constituição, permite que a intolerância e o preconceito floresçam impunemente, fazendo do país um lugar onde a liberdade religiosa é, muitas vezes, apenas uma promessa vazia.

Ibi ìbànújẹ ẹ̀sìn jẹ́ ẹ̀sùn! (Intolerância religiosa é crime!)

Axé para todos!

 

¨                O direito à vida e à liberdade religiosa: um diálogo necessário. Por Gabrielle Chalita e Diwlay Ferreira Rosa

O embate entre o direito à vida e à liberdade religiosa assume novas perspectivas com os recentes entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente nos Recursos Extraordinários 979.742 e 1.212.272. Esses casos reafirmam a relevância da ponderação de direitos fundamentais, evidenciando a complexidade das decisões médicas em situações de urgência.

No contexto de pacientes fiéis da igreja Testemunhas de Jeová que recusam transfusões de sangue por convicções religiosas, o STF avançou ao reconhecer a necessidade de soluções que respeitem a dignidade humana, os direitos individuais e a liberdade religiosa.

Isso não implica o abandono do tratamento, mas sim a continuidade dos cuidados por meio de procedimentos alternativos, mesmo que sejam realizados fora do domicílio do paciente, quando necessário.

Um paciente adulto, lúcido e plenamente capaz tem o direito de recusar tratamentos médicos, inclusive transfusões de sangue, ainda que isso represente risco à sua saúde ou vida, desde que a recusa seja feita de forma livre, informada e com plena capacidade de discernimento.

Os médicos devem respeitar essa decisão, documentando a recusa e assegurando-se de que o paciente compreenda todos os riscos e consequências. O atual entendimento do STF oferece proteção legal a médicos e hospitais que respeitem a vontade do paciente, protegendo-os contra questionamentos judiciais. No entanto, é fundamental que a recusa seja devidamente registrada e que todas as alternativas terapêuticas sejam exauridas.

Nos casos de pacientes inconscientes ou incapazes de manifestar sua vontade, a decisão do STF não se aplica diretamente. Nessas circunstâncias, cabe à equipe médica adotar medidas para preservar a vida do paciente, respeitando eventuais diretivas antecipadas de vontade ou manifestações de familiares sobre a posição religiosa. Em emergências, sem diretivas antecipadas, os médicos devem priorizar a proteção à vida.

A autonomia do paciente é um princípio basilar, embora não absoluto. A proteção à vida continua sendo a prioridade em situações extremas, como reconhecido pela Suprema Corte.

Essa temática ressalta a necessidade de capacitar profissionais de saúde e gestores hospitalares para lidar com cenários tão sensíveis, equilibrando direitos e responsabilidades. Além disso, evidencia a urgência de diretrizes mais claras para garantir segurança jurídica e ética nas decisões médicas.

O desafio é harmonizar o direito à vida e a liberdade religiosa, especialmente diante das mudanças jurisprudenciais. Cada caso deve ser analisado com sensibilidade e rigor técnico, assegurando o respeito à Constituição e aos direitos humanos.

 

Fonte:Extra OnLine/Correio Braziliense

 

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