sábado, 11 de janeiro de 2025

Decisões de Dino sobre emendas parlamentares fortalecem presidencialismo

As decisões recentes do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, para colocar um freio de arrumação na destinação de emendas parlamentares fortalecem o sistema presidencialista, de acordo com advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

O constitucionalista Lenio Streck, por exemplo, afirma que há no Brasil uma espécie de “sistema ornitorrinco”. Nele, o país é formalmente presidencialista, mas o crescente poder do Legislativo sobre o orçamento dificulta a execução de políticas do governo.

 “No nosso caso, o ‘fator emendas parlamentares’ aniquila o cerne do sistema presidencialista. Veja-se por exemplo que, no caso das emendas Pix, o município põe o dinheiro onde quiser ou em lugar que não está nas políticas públicas de quem se elegeu presidente da República.”

Segundo o advogado e parecerista, o crescimento dos valores empenhados como emendas cria uma distorção: quando a oposição é mais numerosa no Legislativo, o governo por vezes tem dificuldades para cumprir o programa que ele foi eleito para executar.

“O fato de o Parlamento ser de oposição não pode significar que essa oposição governe. Isso é inconstitucional. As decisões de Dino e do STF são uma mudança de paradigma. Trata-se de um evento histórico. Ruptural.”

<><> ‘Parlamentarismo irresponsável’

Walfrido Warde tem interpretação semelhante. Para ele, há uma espécie de “parlamentarismo irresponsável”, em que o Legislativo dispõe sobre o orçamento sem qualquer prestação de contas. As decisões de Dino, segundo ele, corrigem essas distorções.

A ADI 7.697, apresentada pelo Psol, é assinada por Warde. Foi nela que Dino suspendeu o pagamento de emendas impositivas. Também em petição assinada pelo advogado, o Psol narrou ao ministro uma tentativa de drible feita pela Câmara para a destinação das chamadas “emendas de comissão”. O partido pediu, então, a suspensão cautelar da execução de 5.449 emendas, tendo sido atendido pelo ministro do STF.

Na solicitação, a legenda afirmou que a Câmara estava descumprindo decisões de Dino sobre a transparência das emendas. Isso porque, em 2 de dezembro, o ministro autorizou a retomada do pagamento de emendas, que estava suspenso desde agosto, mediante diversas regras de transparência. Ficou estabelecido que as emendas de comissão precisariam ser autorizadas pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado, com informações sobre as indicações dos parlamentares solicitantes ou apoiadores.

No dia 12, porém, a Mesa Diretora da Câmara suspendeu o funcionamento de todas as comissões permanentes. Na sequência, 17 líderes partidários enviaram ao governo ofício pedindo o pagamento de 5.449 emendas, totalizando R$ 4,2 bilhões.

“A ADI 7.697 é um marco histórico na busca pela preservação das instituições e pela articulação harmônica dos poderes do Estado. As decisões da Suprema Corte, nessa ação, restituem a capacidade do Executivo de formular e de dar concreção a políticas públicas, que serão determinantes para o desenvolvimento do país, de modo sustentável e sob justiça social”, diz Warde.

Segundo ele, as decisões recentes de Dino, assim como o maior controle do Executivo sobre os valores empenhados, “devolve racionalidade ao trato do orçamento e ressignifica nosso presidencialismo”.

“O ofício que deu origem às ilegais emendas dos líderes foi rapidamente detectado pelo autor da ação e denunciado ao Supremo. O ministro Dino barrou essa tentativa de burlar, no apagar das luzes do ano legislativo, a Lei complementar 210. O autor da ação e o Supremo estão atentos. Não deverá acontecer novamente. Uma investigação pela Polícia Federal está em curso.”

<><> Emendas impositivas

Lenio Streck tratou do tema em parecer produzido em outubro de 2024 para a ADI do Psol. O documento abordou as chamadas “emendas impositivas”.

No parecer, o advogado afirma que essas emendas deram ao Legislativo o poder de elaborar, aprovar, executar e controlar gastos públicos discricionários do presidente, “driblando o sistema de freios e contrapesos institucionalizado pelo constituinte originário”.

O abalo no sistema presidencialista, diz Streck, cresceu a partir das Emendas Constitucionais 86/2015, 100/2019, 105/2019 e 126/2022, que deram impositividade às emendas parlamentares, afastando a discricionariedade do Executivo na fase da execução orçamentária.

“Dessa forma, alterou-se a histórica dinâmica entre os Poderes Executivo e Legislativo no âmbito do processo orçamentário brasileiro. O presidente da República, que apenas precisava apelar ao Parlamento no curso da execução do orçamento para alterar ou majorar gastos, (passou a ficar) submetido, uma vez que não mais pode subutilizar créditos”, diz trecho do parecer.

O autor conclui afirmando que o poder desproporcional dado ao Legislativo retirou do governo o poder de executar o projeto político escolhido pela população por meio do voto.

No entanto, as recentes decisões de Dino, conforme afirmou o constitucionalista à ConJur, representam um pontapé inicial para que o Brasil volte aos eixos. Segundo ele, é preciso aprofundar a discussão.

“O Brasil precisa olhar para dentro de si. O Parlamento precisa fazer uma autocrítica. Colocar o Poder Executivo refém de exigências de emendas com caráter de pagamento de apoio, que às vezes nem se realiza, é um ato antirrepublicano. O STF, quando julgar o mérito, fará história.”

“O sistema de governo é presidencialista. Aliás, é lamentável que isso seja matéria para ser discutida no Judiciário. Deveria ser óbvio que o papel do Parlamento está restrito ao que consta na Constituição. Porém, no Brasil o óbvio tem de ser desvelado. O óbvio se esconde. A ADPF instou o STF a dizer esse óbvio. Veja-se a importância da jurisdição constitucional e do papel do controle constitucional, especialmente quando ocorre descumprimento de preceito fundamental”, concluiu Streck.

<><> As ordens de Dino

Veja a seguir um resumo das determinações do ministro para cada modalidade de emenda:

·        Emendas de relator (RP9):

- também conhecidas como “orçamento secreto”: Estão liberadas, desde que haja identificação do congressista que as indicou. Caberá ao Executivo medir a transparência e liberar o pagamento caso a caso;

·        Emendas Pix:

- Podem ser pagas, desde que seja mostrado um plano de trabalho prévio para as emendas apresentadas a partir deste ano. Para as anteriores, foi aberto prazo de 60 dias para a apresentação do plano;

·        Emendas de bancada: 

- Destinadas a grandes projetos e obras, as emendas não poderão ser fragmentadas. A destinação deverá ser feita em conjunto pelos congressistas. A Controladoria-Geral da União fará uma auditoria da destinação em outubro deste ano;

·        Emendas destinadas a ONGs: 

- Só poderão ser liberadas quando as ONGs e entidades do terceiro setor informarem na internet, com total transparência, os valores oriundos de emendas parlamentares;

·        Emendas para a saúde: 

- Será necessária a aprovação nas comissões bipartite e tripartite do Sistema Único de Saúde.

Em uma de suas decisões, Dino criticou a explosão das emendas desde 2019 e o “destino incerto” dado a bilhões de reais do orçamento.

“Temos a gravíssima situação em que bilhões do orçamento da nação tiveram origem e destino incertos e não sabidos, na medida em que tais informações, até o momento, estão indisponíveis no Portal da Transparência ou instrumentos equivalentes”, afirmou o ministro.

 

¨      Dino se apresenta como combatente contra a corrupção, não pela demagogia, mas pela ação. Por José Carlos de Assis

O sistema partidário brasileiro é disfuncional. Dividido em 29 partidos legalizados, com bancadas de 513 deputados e 81 senadores no Congresso, não constitui uma base institucional firme para assegurar governabilidade ao País. O presidente Lula teve de fazer uma verdadeira colcha de retalho partidária a fim de estabelecer alianças que lhe assegurassem um mínimo de apoio no Legislativo para governar. Isso não representa nada em termos de um projeto político nacional.

Cada ministro constitui um braço independente do Executivo. Responde mais aos interesses de seu partido do que ao interesse geral. E os interesses de seu partido nem sempre são republicanos. No mínimo, são paroquiais. Em geral, o ministro, que é um parlamentar, dedica-se principalmente à sua reeleição. Isso fragmenta a estrutura do governo e sabota o princípio de planejamento único da ação governamental, que é violado sobretudo pelo uso generalizado das emendas parlamentares.

O exercício do governo não reflete um consenso nacional de prioridades. São iniciativas picotadas, do Executivo ou do Legislativo, negociadas pontualmente sem um sentido de coerência com um programa comum.

Diante de cada projeto de lei os grupos parlamentares avaliam seus interesses fisiológicos e suas alianças na sociedade civil, que estabelecem as decisões majoritárias do parlamento. Ao Executivo cabe aprovar ou vetar, e mesmo seu veto não corresponde a uma decisão definitiva, pois está sujeito à aprovação legislativa.

Diante disso é um milagre que haja ainda um resíduo de governabilidade e de funcionalidade governamental no País. Isso se deve quase exclusivamente às qualidades de Lula como negociador. Contudo, a arte da negociação consiste muitas vezes em ceder posições, o que implica sacrificar objetivos e princípios.

No limite, é um risco, pois a posição do negociador pode não ser bem compreendida pela opinião pública, e sua credibilidade pode ficar em risco. Esse risco pode ser menor se surgir um líder que assuma valores que não possam ser questionados pelas classes dominantes, pelas elites e pela opinião pública, e cuja defesa seja constatada na ação concreta, e não na retórica.

É nesse sentido que vejo no ministro Flávio Dino um candidato viável à Presidência, se Lula não concorrer à reeleição. Ele não está anunciando para o futuro que vai combater a corrupção das emendas parlamentares secretas, que se tornaram odiadas e repudiadas por toda a sociedade. Ele já está combatendo a corrupção parlamentar de público, com ampla cobertura da mídia, atraindo para si uma enorme simpatia.

A tradição política brasileira, cujos exemplos mais recentes de políticos que se apresentaram como grandes combatentes contra a corrupção, traz à memória, principalmente, Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. Uma vez eleitos, revelaram-se notórios corruptos. Não estou garantindo que Dino também não o seja ou venha a ser. Estou dizendo que ele já se apresenta como combatente contra a corrupção de alta credibilidade, não pela retórica ou pela demagogia, mas pela ação.

A luta contra uma facção corrupta do Congresso Nacional não é tarefa fácil. Especialmente quando estamos falando de um Congresso que tem maioria absoluta de parlamentares envolvidos direta ou indiretamente na fraude das emendas e pode, portanto, estabelecer emendas constitucionais em seu próprio benefício - como, aliás, tem feito. Vêm aí as eleições gerais de 2026. Nada está garantido em relação à composição do futuro Congresso. Se ficar como está, será ainda pior.

Portanto acredito que uma eventual candidatura de Dino à Presidência, ocupando o vazio de lideranças com credibilidade em que nos encontramos, pode ajudar a ampliar uma base de apoio parlamentar ao futuro governo (se ele for eleito), sem os vícios da atual maioria absoluta no Congresso. Para as eleições, isso seria possível uma vez articulada uma base de aliança consistente entre partidos que, sem líderes de expressão, não conseguiriam eleger o presidente sozinho.

Já chamei a atenção para outro aspecto positivo da eventual candidatura de Dino à Presidência. Ele deu mostras de que está a par dos impactos para o mundo e para o Brasil dos desastres climáticos extremos. Esses desastres trarão imensos custos de reconstrução e prevenção que vão repercutir de forma recorrente no “arcabouço fiscal” e na meta fiscal do orçamento. O ministro autorizou o Governo a “furar” essa meta. Com isso, impediu que oportunistas tentem um impeachment contra Lula.

 

Fonte: Conjur/Brasil 247

 

Nenhum comentário: