Decisões de
Dino sobre emendas parlamentares fortalecem presidencialismo
As
decisões recentes do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, para
colocar um freio de arrumação na destinação de emendas parlamentares fortalecem
o sistema presidencialista, de acordo com advogados consultados pela revista
eletrônica Consultor Jurídico.
O
constitucionalista Lenio Streck, por exemplo, afirma que há no Brasil uma
espécie de “sistema ornitorrinco”. Nele, o país é formalmente presidencialista,
mas o crescente poder do Legislativo sobre o orçamento dificulta a execução de
políticas do governo.
“No nosso caso, o ‘fator emendas
parlamentares’ aniquila o cerne do sistema presidencialista. Veja-se por
exemplo que, no caso das emendas Pix, o município põe o dinheiro onde quiser ou
em lugar que não está nas políticas públicas de quem se elegeu presidente da
República.”
Segundo
o advogado e parecerista, o crescimento dos valores empenhados como emendas
cria uma distorção: quando a oposição é mais numerosa no Legislativo, o governo
por vezes tem dificuldades para cumprir o programa que ele foi eleito para
executar.
“O
fato de o Parlamento ser de oposição não pode significar que essa oposição
governe. Isso é inconstitucional. As decisões de Dino e do STF são uma mudança
de paradigma. Trata-se de um evento histórico. Ruptural.”
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‘Parlamentarismo irresponsável’
Walfrido
Warde tem interpretação semelhante. Para ele, há uma espécie de
“parlamentarismo irresponsável”, em que o Legislativo dispõe sobre o orçamento
sem qualquer prestação de contas. As decisões de Dino, segundo ele, corrigem
essas distorções.
A ADI
7.697, apresentada pelo Psol, é assinada por Warde. Foi nela que Dino suspendeu
o pagamento de emendas impositivas. Também em petição assinada pelo advogado, o
Psol narrou ao ministro uma tentativa de drible feita pela Câmara para a
destinação das chamadas “emendas de comissão”. O partido pediu, então, a suspensão
cautelar da execução de 5.449 emendas, tendo sido atendido pelo ministro do
STF.
Na
solicitação, a legenda afirmou que a Câmara estava descumprindo decisões de
Dino sobre a transparência das emendas. Isso porque, em 2 de dezembro, o
ministro autorizou a retomada do pagamento de emendas, que estava suspenso
desde agosto, mediante diversas regras de transparência. Ficou estabelecido que
as emendas de comissão precisariam ser autorizadas pelas comissões permanentes
da Câmara e do Senado, com informações sobre as indicações dos parlamentares
solicitantes ou apoiadores.
No dia
12, porém, a Mesa Diretora da Câmara suspendeu o funcionamento de todas as
comissões permanentes. Na sequência, 17 líderes partidários enviaram ao governo
ofício pedindo o pagamento de 5.449 emendas, totalizando R$ 4,2 bilhões.
“A ADI
7.697 é um marco histórico na busca pela preservação das instituições e pela
articulação harmônica dos poderes do Estado. As decisões da Suprema Corte,
nessa ação, restituem a capacidade do Executivo de formular e de dar concreção
a políticas públicas, que serão determinantes para o desenvolvimento do país,
de modo sustentável e sob justiça social”, diz Warde.
Segundo
ele, as decisões recentes de Dino, assim como o maior controle do Executivo
sobre os valores empenhados, “devolve racionalidade ao trato do orçamento e
ressignifica nosso presidencialismo”.
“O
ofício que deu origem às ilegais emendas dos líderes foi rapidamente detectado
pelo autor da ação e denunciado ao Supremo. O ministro Dino barrou essa
tentativa de burlar, no apagar das luzes do ano legislativo, a Lei complementar
210. O autor da ação e o Supremo estão atentos. Não deverá acontecer novamente.
Uma investigação pela Polícia Federal está em curso.”
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Emendas impositivas
Lenio
Streck tratou do tema em parecer produzido em outubro de 2024 para a ADI do
Psol. O documento abordou as chamadas “emendas impositivas”.
No
parecer, o advogado afirma que essas emendas deram ao Legislativo o poder de
elaborar, aprovar, executar e controlar gastos públicos discricionários do
presidente, “driblando o sistema de freios e contrapesos institucionalizado
pelo constituinte originário”.
O
abalo no sistema presidencialista, diz Streck, cresceu a partir das Emendas
Constitucionais 86/2015, 100/2019, 105/2019 e 126/2022, que deram
impositividade às emendas parlamentares, afastando a discricionariedade do
Executivo na fase da execução orçamentária.
“Dessa
forma, alterou-se a histórica dinâmica entre os Poderes Executivo e Legislativo
no âmbito do processo orçamentário brasileiro. O presidente da República, que
apenas precisava apelar ao Parlamento no curso da execução do orçamento para
alterar ou majorar gastos, (passou a ficar) submetido, uma vez que não mais
pode subutilizar créditos”, diz trecho do parecer.
O
autor conclui afirmando que o poder desproporcional dado ao Legislativo retirou
do governo o poder de executar o projeto político escolhido pela população por
meio do voto.
No
entanto, as recentes decisões de Dino, conforme afirmou o constitucionalista à
ConJur, representam um pontapé inicial para que o Brasil volte aos eixos.
Segundo ele, é preciso aprofundar a discussão.
“O
Brasil precisa olhar para dentro de si. O Parlamento precisa fazer uma
autocrítica. Colocar o Poder Executivo refém de exigências de emendas com
caráter de pagamento de apoio, que às vezes nem se realiza, é um ato
antirrepublicano. O STF, quando julgar o mérito, fará história.”
“O
sistema de governo é presidencialista. Aliás, é lamentável que isso seja
matéria para ser discutida no Judiciário. Deveria ser óbvio que o papel do
Parlamento está restrito ao que consta na Constituição. Porém, no Brasil o
óbvio tem de ser desvelado. O óbvio se esconde. A ADPF instou o STF a dizer
esse óbvio. Veja-se a importância da jurisdição constitucional e do papel do
controle constitucional, especialmente quando ocorre descumprimento de preceito
fundamental”, concluiu Streck.
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As ordens de Dino
Veja a
seguir um resumo das determinações do ministro para cada modalidade de emenda:
·
Emendas de relator (RP9):
-
também conhecidas como “orçamento secreto”: Estão liberadas, desde que haja
identificação do congressista que as indicou. Caberá ao Executivo medir a
transparência e liberar o pagamento caso a caso;
·
Emendas Pix:
- Podem
ser pagas, desde que seja mostrado um plano de trabalho prévio para as emendas
apresentadas a partir deste ano. Para as anteriores, foi aberto prazo de 60
dias para a apresentação do plano;
·
Emendas de bancada:
- Destinadas
a grandes projetos e obras, as emendas não poderão ser fragmentadas. A
destinação deverá ser feita em conjunto pelos congressistas. A
Controladoria-Geral da União fará uma auditoria da destinação em outubro deste
ano;
·
Emendas destinadas a ONGs:
- Só
poderão ser liberadas quando as ONGs e entidades do terceiro setor informarem
na internet, com total transparência, os valores oriundos de emendas
parlamentares;
·
Emendas para a saúde:
- Será
necessária a aprovação nas comissões bipartite e tripartite do Sistema Único de
Saúde.
Em uma
de suas decisões, Dino criticou a explosão das emendas desde 2019 e o “destino
incerto” dado a bilhões de reais do orçamento.
“Temos
a gravíssima situação em que bilhões do orçamento da nação tiveram origem e
destino incertos e não sabidos, na medida em que tais informações, até o
momento, estão indisponíveis no Portal da Transparência ou instrumentos
equivalentes”, afirmou o ministro.
¨ Dino se apresenta como
combatente contra a corrupção, não pela demagogia, mas pela ação. Por José
Carlos de Assis
O
sistema partidário brasileiro é disfuncional. Dividido em 29 partidos
legalizados, com bancadas de 513 deputados e 81 senadores no Congresso, não
constitui uma base institucional firme para assegurar governabilidade ao País.
O presidente Lula teve de fazer uma verdadeira colcha de retalho partidária a
fim de estabelecer alianças que lhe assegurassem um mínimo de apoio no
Legislativo para governar. Isso não representa nada em termos de um projeto
político nacional.
Cada
ministro constitui um braço independente do Executivo. Responde mais aos interesses
de seu partido do que ao interesse geral. E os interesses de seu partido nem
sempre são republicanos. No mínimo, são paroquiais. Em geral, o ministro, que é
um parlamentar, dedica-se principalmente à sua reeleição. Isso fragmenta a
estrutura do governo e sabota o princípio de planejamento único da ação
governamental, que é violado sobretudo pelo uso generalizado das emendas
parlamentares.
O
exercício do governo não reflete um consenso nacional de prioridades. São
iniciativas picotadas, do Executivo ou do Legislativo, negociadas pontualmente
sem um sentido de coerência com um programa comum.
Diante
de cada projeto de lei os grupos parlamentares avaliam seus interesses
fisiológicos e suas alianças na sociedade civil, que estabelecem as decisões
majoritárias do parlamento. Ao Executivo cabe aprovar ou vetar, e mesmo seu
veto não corresponde a uma decisão definitiva, pois está sujeito à aprovação
legislativa.
Diante
disso é um milagre que haja ainda um resíduo de governabilidade e de
funcionalidade governamental no País. Isso se deve quase exclusivamente às
qualidades de Lula como negociador. Contudo, a arte da negociação consiste
muitas vezes em ceder posições, o que implica sacrificar objetivos e
princípios.
No
limite, é um risco, pois a posição do negociador pode não ser bem compreendida
pela opinião pública, e sua credibilidade pode ficar em risco. Esse risco pode
ser menor se surgir um líder que assuma valores que não possam ser questionados
pelas classes dominantes, pelas elites e pela opinião pública, e cuja defesa
seja constatada na ação concreta, e não na retórica.
É
nesse sentido que vejo no ministro Flávio Dino um candidato viável à
Presidência, se Lula não concorrer à reeleição. Ele não está anunciando para o
futuro que vai combater a corrupção das emendas parlamentares secretas, que se
tornaram odiadas e repudiadas por toda a sociedade. Ele já está combatendo a
corrupção parlamentar de público, com ampla cobertura da mídia, atraindo para
si uma enorme simpatia.
A
tradição política brasileira, cujos exemplos mais recentes de políticos que se
apresentaram como grandes combatentes contra a corrupção, traz à memória,
principalmente, Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. Uma vez eleitos,
revelaram-se notórios corruptos. Não estou garantindo que Dino também não o
seja ou venha a ser. Estou dizendo que ele já se apresenta como combatente
contra a corrupção de alta credibilidade, não pela retórica ou pela demagogia,
mas pela ação.
A luta
contra uma facção corrupta do Congresso Nacional não é tarefa fácil.
Especialmente quando estamos falando de um Congresso que tem maioria absoluta
de parlamentares envolvidos direta ou indiretamente na fraude das emendas e
pode, portanto, estabelecer emendas constitucionais em seu próprio benefício -
como, aliás, tem feito. Vêm aí as eleições gerais de 2026. Nada está garantido
em relação à composição do futuro Congresso. Se ficar como está, será ainda
pior.
Portanto
acredito que uma eventual candidatura de Dino à Presidência, ocupando o vazio
de lideranças com credibilidade em que nos encontramos, pode ajudar a ampliar
uma base de apoio parlamentar ao futuro governo (se ele for eleito), sem os
vícios da atual maioria absoluta no Congresso. Para as eleições, isso seria
possível uma vez articulada uma base de aliança consistente entre partidos que,
sem líderes de expressão, não conseguiriam eleger o presidente sozinho.
Já
chamei a atenção para outro aspecto positivo da eventual candidatura de Dino à
Presidência. Ele deu mostras de que está a par dos impactos para o mundo e para
o Brasil dos desastres climáticos extremos. Esses desastres trarão imensos
custos de reconstrução e prevenção que vão repercutir de forma recorrente no
“arcabouço fiscal” e na meta fiscal do orçamento. O ministro autorizou o
Governo a “furar” essa meta. Com isso, impediu que oportunistas tentem um
impeachment contra Lula.
Fonte: Conjur/Brasil 247
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