As pistas achadas
por cientistas de 'gêmeo perdido' do Sol
O nosso Sol parece um
nômade isolado.
Orbitando em um dos
braços em espiral da Via Láctea, ele nos leva para
uma jornada em torno da galáxia a cada cerca de 230 milhões de anos, em total solidão.
A estrela mais
próxima do nosso Sol é Proxima Centauri, a 4,2 anos-luz de distância. Mas ela é
tão distante que mesmo a espaçonave mais rápida já construída pela humanidade
levaria mais de 7 mil anos para chegar até lá.
Quanto mais
examinamos a nossa galáxia, a estrela no centro do nosso Sistema Solar parece cada
vez mais ser uma anomalia. Aparentemente, as estrelas binárias – que orbitam a
galáxia ligadas inexoravelmente em pares – são comuns.
Recentemente, os
astrônomos chegaram a identificar um par de estrelas em órbita
surpreendentemente próxima do imenso buraco negro existente no coração da Via
Láctea. Os astrofísicos acreditavam que, naquele local, as duas estrelas seriam
separadas ou esmagadas pela forte gravidade.
O fato é que as
descobertas de sistemas binários são tão comuns que alguns cientistas acreditam
que, talvez, todas as estrelas tenham mantido inicialmente relacionamentos
binários. Elas nasceriam como pares, com cada estrela tendo uma irmã gêmea.
Esta ideia gera uma
questão interessante: o nosso Sol terá sido, algum dia, uma estrela binária que
perdeu sua irmã gêmea muito tempo atrás?
Esta é certamente
uma possibilidade, segundo a astrônoma Gongjie Li, do Instituto de Tecnologia
da Geórgia, nos Estados Unidos. "E é muito interessante."
Felizmente para
nós, o nosso Sol não tem uma companheira ao seu lado hoje em dia. Se tivesse, a
atração gravitacional de uma estrela gêmea solar poderia ter alterado a órbita
da Terra e dos outros planetas, condenando nosso lar a extremos de calor e frio
que o tornariam inóspito para a manutenção da vida.
As estrelas
binárias mais próximas da Terra são Alpha Centauri A e B. Elas vivem em órbita
a cerca de 3,6 bilhões de quilômetros entre si, ou 24 vezes a distância entre a
Terra e o Sol.
Cientistas
sugeriram que o nosso Sol também poderia ter uma companheira mais fraca
circulando o nosso Sistema Solar hoje em dia – uma estrela hipotética
frequentemente chamada de Nêmesis.
Esta proposta foi
apresentada pela primeira vez em 1984 e descartada posteriormente, já que
inúmeros estudos e pesquisas nunca encontraram nenhuma estrela gêmea.
Mas esta situação
pode ter sido diferente na época da formação do nosso Sol, 4,6 bilhões de anos
atrás.
As estrelas se
formam com o resfriamento e a aglomeração de imensas nuvens de poeira e gás,
com dezenas de anos-luz de diâmetro.
O material no
interior dessas nebulosas – como são chamados estes casulos de gás e poeira –
se comprime devido à gravidade, formando aglomerados que continuam crescem cada
vez mais.
Durante este
processo, os aglomerados começam a se aquecer por milhões de anos, até dar
início à fusão nuclear, criando uma protoestrela com um disco de fragmentos
remanescentes girando em torno dela, que irá formar os planetas.
Em 2017, a
astrofísica Sarah Sadavoy, da Universidade Queen's, no Canadá, analisou dados
de uma pesquisa de rádio da nuvem molecular Perseus, um berçário estelar
repleto de jovens sistemas de estrelas binárias. Ela concluiu que o processo de
formação de estrelas pode preferencialmente formar protoestrelas em pares.
De fato, ela e seus
colegas descobriram que este processo é muito frequente e sugeriram que todas
as estrelas poderiam ser formar em pares, ou em sistemas de múltiplas estrelas.
"Você tem
pequenos picos de densidade no interior desses casulos, que podem entrar em
colapso e formar diversas estrelas, no que chamamos de processo de
fragmentação", explica Sadavoy. "Se elas estiverem muito distantes
[entre si], talvez nunca interajam. Mas, se estiverem muito mais próximas, a
gravidade tem a possibilidade de mantê-las unidas."
O trabalho da
astrofísica demonstrou que é possível que todas as estrelas tenham começado, um
dia, como binárias. Algumas permanecem unidas para sempre, enquanto outras se
separam rapidamente, em questão de "apenas" um milhão de anos.
"As estrelas
vivem por bilhões de anos", ela conta. "É um pequeno instante no
esquema geral de tudo. Mas muitas coisas acontecem naquele instante."
Será que o mesmo
pode ter acontecido com o nosso Sol? Para Sadavoy, não há razão para pensar o
contrário. Mas, "se realmente tivermos nos formado com uma companheira,
nós a perdemos".
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Onde
estará o gêmeo perdido?
Estão surgindo
indicações fascinantes de que o nosso Sol já fez parte de um sistema binário.
Em 2020, o
astrofísico Amir Siraj, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, sugeriu
que uma região de cometas gelados que circunda o nosso Sistema Solar muito além
de Plutão – a chamada Nuvem de Oort – pode conter a impressão digital da nossa
estrela companheira.
Esta nuvem de gelo e rochas está tão
distante que a espaçonave mais distante já lançada pela humanidade, a Voyager
1, só irá atingi-la depois de pelo menos 300 anos.
Para Siraj, se o
nosso Sol realmente tivesse uma companheira, ela teria resultado na existência
de outros planetas-anões naquela região, além de Plutão. E também teria gerado
um planeta maior na mesma distância, como o hipotético Planeta Nove, que seria do
tamanho de Netuno. Alguns astrônomos acreditam que este planeta ainda aguarda
para ser descoberto nos confins do nosso Sistema Solar.
Sem uma estrela
companheira, "é difícil produzir tantos objetos na distância da Nuvem de
Oort, como observamos", segundo Siraj.
Existem bilhões ou
até trilhões de objetos em órbita na Nuvem de Oort. Se mais um planeta fosse
encontrado, como o Planeta Nove, seria "realmente difícil" explicar
como ele foi parar tão longe do Sol, sem considerar o impulso gravitacional
desestabilizador de uma estrela gêmea.
"Ela poderia
ampliar a captura de cometas e a possibilidade de que o Sistema Solar
capturasse um planeta", explica ele.
O cientista
planetário Konstantin Batygin, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos
Estados Unidos, foi o primeiro a propor a existência do Planeta Nove, em 2016.
Ele baseou sua proposta no agrupamento de objetos distantes.
Mas Batygin não tem
tanta certeza sobre a ideia de Siraj. Segundo ele, "a companheira binária
é totalmente desnecessária para explicar a Nuvem de Oort".
"Você pode
explicar completamente a existência da Nuvem de Oort apenas pelo fato de que o
Sol se formou em um conjunto de estrelas e, à medida que Júpiter e Saturno
cresciam até atingirem suas massas atuais, eles ejetaram uma grande quantidade
de objetos."
Para Batygin, o
próprio Planeta Nove pode ser simplesmente explicado por "estrelas que
passavam no aglomerado de nascimento".
Mas, em um estudo
publicado recentemente, Batygin sugere que a extremidade interna da Nuvem de
Oort poderia ser explicada por uma estrela companheira.
"O que
encontramos com simulações de computador é que, à medida que os objetos se
espalham, eles começam a interagir com a companheira binária", explica
ele. "Eles podem se distanciar das órbitas de Júpiter e Saturno e ficar
presos na Nuvem de Oort interior."
Talvez seja
possível confirmar a veracidade desta ideia com o novo telescópio a ser
inaugurado no Chile. O Observatório Vera Rubin deve iniciar
suas operações em 2025 e irá realizar a observação mais detalhada do céu
noturno dos próximos 10 anos.
"Quando o Vera
Rubin entrar online e começar realmente a mapear a estrutura da Nuvem de Oort
com mais detalhes, poderemos ver se há uma impressão digital clara da
companheira binária", explica Batygin.
Outra possível
assinatura do impacto de um irmão gêmeo binário é que o nosso Sol apresenta
inclinação muito leve, de cerca de sete graus, em relação ao plano do Sistema
Solar. Uma possível explicação é que a atração gravitacional de outra estrela
teria alterado o equilíbrio do nosso Sol.
"Acho que a
explicação mais natural é a presença de uma estrela companheira logo no
início", segundo Batygin. Nós observamos este efeito em outras estrelas
binárias, em toda a galáxia.
Mas, mesmo se esta
evidência inicial realmente for correta, encontrar o gêmeo perdido do Sol pode
ser uma perspectiva muito mais desafiadora. Afinal, é provável que a eventual
estrela companheira esteja, agora, "perdida entre o mar de estrelas que
observamos no céu noturno", segundo Sadavoy.
Estrelas que
nasceram na mesma região do espaço do nosso Sol poderão ter composição similar,
pois elas terão sido formadas com a mesma mistura de gases e poeira, o que as
torna verdadeiras gêmeas.
Em 2018, cientistas
identificaram uma possível estrela "gêmea" do nosso Sol, com tamanho
e composição química similar, localizada a menos de 200 anos-luz de distância.
Mas precisamos
controlar nosso entusiasmo. A nuvem de gás e poeira onde nasceu o nosso Sol
provavelmente terá formado "centenas ou milhares de [outras]
estrelas", explica Sadavoy. E todas elas teriam composição similar, o que
significa que não haveria forma de saber se alguma delas seria a verdadeira
irmã gêmea do nosso Sol.
Além disso, a
eventual irmã gêmea do Sol pode não ter sido uma estrela de tamanho similar.
"Pode ter sido uma estrela anã vermelha [menor] ou um estrela mais quente
e azul", segundo ela.
Os astrônomos
começam, agora, a encontrar exoplanetas orbitando sistemas binários, o que pode
indicar que eles têm dois sóis brilhando no céu.
Encontrar e
identificar um possível irmão gêmeo do nosso Sol parece ser uma tarefa
gigantesca. Mas a possibilidade de que o Sol, um dia, tenha sido uma estrela
binária traz interessantes implicações para os planetas em volta de outras
estrelas, conhecidos como exoplanetas.
Mais
especificamente, isso demonstraria que, no nosso Sistema Solar, a existência da
vida e a sobrevivência dos nossos planetas não foram reduzidas pela presença de
uma segunda estrela.
"Existem
muitos sistemas exoplanetários já descobertos que, na verdade, orbitam estrelas
binárias", segundo Li.
Alguns desses
sistemas orbitam uma das duas estrelas. Eles são
conhecidos como sistemas circum-estelares. Já outros orbitam as duas estrelas e
seu céu tem dois sóis, como o planeta fictício Tatooine, em Guerra nas
Estrelas. Eles são chamados de sistemas circumbinários.
Mas, às vezes,
observamos companheiras binárias causando caos nesses sistemas. "Depende
da distância a que a estrela se encontra", segundo Li.
Se a estrela
estiver próxima, ela pode "chutar as órbitas planetárias" e
empurrá-las para formatos excêntricos e não circulares.
"Nos sistemas
circum-estelares, os planetas podem ter alta excentricidade", explica Li.
"Mas isso não os torna necessariamente instáveis", mesmo podendo
fazer com que o planeta enfrente grandes mudanças de temperatura ao oscilar
para perto e para longe da estrela, destaca ela.
Em relação ao nosso
planeta, parece que a possível presença de uma companheira binária do Sol,
muito tempo atrás, não impediu a nossa própria existência.
E, à medida que os
cientistas examinam as regiões mais distantes do nosso Sistema Solar com cada
vez mais detalhes, eles podem muito bem encontrar outros sinais de que ela
existiu algum dia – uma assinatura duradoura, esperando para ser encontrada.
Se a irmã gêmea do
Sol realmente existir, ele pode estar em qualquer lugar, com um sistema solar
próprio.
"Ela pode não
ter viajado para muito longe, para um lado ou para o outro", segundo
Sadavoy. "Ou pode estar no outro lado da galáxia e nós não sabemos."
"Ela pode
estar em qualquer lugar."
Fonte: BBC Future
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