As
influencers que lucram com informação falsa sobre saúde feminina no Brasil e no
mundo
Por 12 anos, Sophie
vinha sofrendo com menstruações dolorosas, ganho de peso, depressão e fadiga.
Ela foi
diagnosticada com síndrome do ovário policístico
(SOP), uma condição hormonal que afeta, em média, uma em cada 10 mulheres.
Ao receber o
diagnóstico, ela teve dificuldade para conseguir orientação médica.
Sophie sentiu que
sua única opção era cuidar de sua saúde por si própria. E foi nesse momento que
Kourtney Simmang apareceu no Instagram.
Kourtney prometia
tratar a "causa raiz" da SOP, embora os
pesquisadores ainda não tenham identificado uma. Ela oferecia aos clientes
exames laboratoriais, um "protocolo de saúde" – um plano de dieta e
suplementos – e coaching por US$ 3.600 (R$ 22,3 mil).
Sophie se
inscreveu, pagando centenas de dólares a mais por suplementos, por meio dos
links de lojas parceiras de Kourtney.
Jen Gunter,
ginecologista e educadora em saúde feminina, disse que Kourtney não estava
qualificada para solicitar os testes que estava vendendo e que eles tinham uso
clínico limitado.
Depois de quase um
ano, os sintomas de Sophie não melhoraram, então ela desistiu da cura oferecida
por Kourtney.
"Saí do
programa com uma relação pior com meu corpo e com a comida, [sentindo] que não
tinha capacidade de melhorar minha SOP", disse ela.
Procurada, Kourtney
não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem.
Influenciadores não
qualificados clinicamente – muitos com mais de um milhão de seguidores – estão
explorando a ausência de uma solução médica fácil para a SOP, passando-se por
especialistas e vendendo curas falsas.
Alguns se descrevem
como nutricionistas ou "coaches hormonais", com qualificações que
podem ser feitas online em questão de semanas.
O serviço mundial
da BBC rastreou os vídeos mais assistidos com a hashtag "SOP" no
TikTok e Instagram, em quatro idiomas, durante o mês de setembro, e descobriu
que metade deles espalhou informações falsas. Analisamos os 25 principais
vídeos em inglês, suaíli, hindi e português. Muitos dos vídeos em inglês também
tiveram grande audiência na Índia, Nigéria, Quênia e Brasil.
A escala
Até 70% das
mulheres com SOP no mundo não foram diagnosticadas, segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS). E, mesmo quando diagnosticadas, as mulheres têm
dificuldade para encontrar tratamentos que funcionem.
"Sempre que há
uma lacuna na medicina, os predadores se aproveitam", disse Gunter.
As
principais informações falsas ou enganosas compartilhadas por esses
influenciadores incluem:
- "A SOP pode
ser curada com suplementos alimentares";
- "A SOP pode
ser curada com uma dieta, como a dieta cetogênica, rica em gordura e com baixo
teor de carboidratos";
- "Pílulas anticoncepcionais
causam SOP ou pioram os sintomas";
- "Medicamentos
tradicionais podem suprimir a SOP, mas não tratam sua 'causa raiz'".
Não há evidências
de que dietas altamente restritas em calorias tenham qualquer efeito positivo,
e a dieta cetogênica pode piorar os sintomas, dizem os especialistas.
As pílulas
anticoncepcionais não causam SOP e, de fato, ajudam muitas mulheres, embora não
funcionem para todas. Não há uma causa raiz conhecida para a SOP.
Um porta-voz do
TikTok disse que a empresa não permite na plataforma conteúdo enganoso, falso
ou que possa causar danos significativos.
Um porta-voz da
Meta disse que conteúdos de usuários sobre saúde feminina são permitidos na
plataforma sem "nenhuma restrição". A empresa disse que trabalhou com
terceiros para desmascarar outras informações incorretas sobre saúde.
·
O
que é SOP?
# A SOP é uma
condição hormonal crônica que afeta cerca de 8 a 13% das mulheres, segundo a
OMS;
# Os sintomas
incluem menstruação irregular dolorosa, crescimento excessivo de pelos e ganho
de peso, segundo o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS);
# A SOP é uma das
causas mais comuns de infertilidade, diz o NHS, mas a maioria das
mulheres pode engravidar com ajuda de
tratamento.
·
Questão
global
A BBC falou com 14
mulheres do Quênia, Nigéria, Brasil, Reino Unido, EUA e Austrália que
experimentaram diferentes produtos promovidos por influenciadores.
Uma delas foi
Vaishnavi, de Bangalore, na Índia. Ela colocou fé na influenciadora indiana
Aanya Sharma, que promove curas "naturais", como planos de dieta e
desintoxicações.
Como muitas outras
influenciadoras, Aanya dá grande ênfase à perda de peso.
Seguindo o plano de
dieta de Aanya, Vaishnavi foi instruída a comer entre 1.000 e 1.200 calorias
por dia.
Uma dieta saudável
pode ajudar a controlar os sintomas da SOP, mas essa restrição extrema pode
facilmente levar a distúrbios alimentares. O Serviço Nacional de Saúde do Reino
Unido recomenda que uma mulher coma em média 2.000 calorias por dia.
A menstruação de
Vaishnavi parou por seis meses, um efeito colateral comum de comer tão pouco.
Mas ela não perdeu peso tão rápido quanto lhe foi prometido, o que a fez se
sentir profundamente envergonhada.
"Todas as
outras clientes dela com SOP perderam muito mais peso do que eu", disse
ela. "Você acha que finalmente pode ser isso, está funcionando para todos,
então eu também terei ótimos resultados, e de alguma forma você é sempre a
exceção."
Aanya Sharma disse
que os sintomas da SOP podem ser revertidos, mas não afirma que haja uma cura.
E afirmou que incentiva um estilo de vida saudável para suas clientes.
Manisha, também de
Bangalore, caiu em armadilha semelhante.
Assim como Sophie,
ela recorreu a influenciadores após lutar para obter ajuda de médicos para
lidar com suas preocupações sobre pelos corporais, ganho de peso, cólicas
menstruais e possível infertilidade.
"Mulheres que
conheço tiveram casamentos rompidos porque as famílias descobriram que elas
tinham SOP e presumiram que não conseguiriam engravidar", disse ela.
"Eu queria desesperadamente uma cura."
Ela tentou dietas
da moda, como jejum extremo, e a dieta cetogênica, que era particularmente
difícil para ela como vegetariana. Ela também comprou suplementos que prometiam
uma "cura milagrosa".
Um deles era
Ashwaganda, um suplemento ayurvédico tradicional indiano. Os influenciadores a
desencorajaram a tomar remédios ocidentais, dizendo que apenas "mascaravam
os sintomas da SOP".
Mas as dietas e
"curas" só pioraram sua dor e outros sintomas.
"Em certo
momento, eu me sentia suicida. Como todos esses métodos poderiam funcionar para
todas as outras, mas não para mim?", disse ela. "Era inútil."
Manisha voltou ao
médico. Aos 29 anos, ela foi diagnosticada com diabetes tipo 2. Isso poderia
ter sido evitado, segundo especialistas, se antes ela tivesse tomado
metformina, medicamento usado para SOP e prevenção de diabetes.
Como muitas
mulheres com SOP têm resistência à insulina, significando problemas para
processar açúcar, elas correm um risco muito maior de desenvolver diabetes tipo
2.
Manisha disse que a
primeira vez que tentou realizar um tratamento para SOP, ela não foi levada a
sério e foi instruída a voltar quando quisesse engravidar.
Gunter afirmou que
esse é um grupo vulnerável de pacientes que pode enfrentar sentimentos de
desamparo, sem acesso a tratamento. Ela disse que a desinformação fazia com que
os pacientes frequentemente adiassem a busca por ajuda médica e que isso
poderia levar ao desenvolvimento de outras condições, como diabetes tipo 2.
Na Nigéria, a
estudante de Medicina Medlyn está tentando lidar com parte do estigma que
envolve a SOP.
Após tentar dietas
e suplementos sem sucesso, ela agora incentiva outras mulheres a consultar seus
médicos e adotar um tratamento baseado em evidências.
"Quando você é
diagnosticada com SOP, isso vem com muito estigma. As pessoas acham que você é
preguiçosa, que não cuida de si mesma, que não podemos engravidar", diz.
"Então, ninguém quer namorar você, ninguém quer se casar com você."
Mas agora ela está
aceitando algumas das características da SOP. "Foi uma jornada difícil
entender minha SOP, os pelos, meu peso", disse ela. "Essas coisas me
tornam diferente."
Sasha Ottey, da instituição
de caridade britânica PCOS Challenge, diz que o tratamento médico geralmente
permite que pessoas com a condição engravidem.
"Mulheres com
SOP têm o mesmo número de filhos que aquelas sem", acrescentou ela.
"Você pode apenas precisar de um pouco de ajuda para chegar lá."
Gunter diz que
mulheres que não estão recebendo ajuda de um clínico geral devem consultar um
especialista.
"Algumas
mulheres precisam de um endocrinologista ou de um especialista em obstetrícia e
ginecologia de confiança para o próximo nível de controle."
Após obter suporte
médico, Manisha tem tomado metformina, o que melhorou alguns de seus sintomas.
Ela espera que sua diabetes tipo 2 entre em remissão.
Vaishnavi está
melhorando sua rotina de exercícios e Sophie está trabalhando com um
nutricionista qualificado que a está ajudando a perder peso. Ambas continuam
explorando tratamentos com médicos e esperam que funcione.
Fonte: Por Jacqui
Wakefield, da BBC 100 Women e Unidade Global contra a Desinformação
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