terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Sergio Ferrari: Ofensiva de Musk na Europa rumo a uma nova internacional reacionária

Musk está emergindo como um poderoso peão do futuro governo de Donald Trump e não escondeu sua ambição de se tornar o principal protagonista e nos últimos dias ele mudou as peças no xadrez internacional. Antecipa, desta forma, que a partir do confortável poder republicano na Casa Branca ele poderia se tornar um promotor ativo do que se perfila como uma internacional de extrema direita. Nada menos que uma "internacional reacionária", como muitos meios de comunicação europeus já a definem. Sua estreita amizade com a chefe de governo italiano, a conservadora Giorgia Meloni, os reuniu em Washington na primeira semana de janeiro, durante a visita de Meloni a Trump. Um encontro que, sem dúvida, traça qual será o eixo ideológico estadunidense-europeu dessa nova aliança internacional.

A proximidade quase carnal do presidente Javier Milei com Musk e com Meloni projetaria o líder argentino como a "perna" latino-americana dessa construção conservadora.

·        O gatilho

No último fim de semana de dezembro, Musk, um bilionário sul-africano que se tornou cidadão canadense e estadunidense, comentou no jornal alemão Welt am Sonntag (edição de domingo do Die Welt) algo que teve o efeito de uma bomba política naquele país. De acordo com Musk, a força de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) é "a última centelha de esperança" para aquela nação, que, observou ele, "está à beira do colapso econômico e cultural".

Este comentário foi publicado ao lado de outro escrito por Jan Philipp Burgard, o novo editor-chefe do grupo Welt, que afirmou que "O diagnóstico de Musk está correto, mas sua abordagem terapêutica, no sentido de que apenas a AfD pode salvar a Alemanha, está fatalmente errada". Burgard chamou a AfD de "um perigo para os nossos valores e para a nossa economia" e lembrou que Björn Höcke, um dos líderes da AfD, "foi condenado várias vezes por ter usado um slogan nazista proibido".

A posição de Musk ampliou uma mensagem publicada uns dias antes em sua rede social X, na qual ele já antecipava brevemente sua análise da conjuntura alemã. Essa análise gerou desconforto em setores importantes da classe política alemã dedicados à campanha para as eleições antecipadas que serão realizadas em 23 de fevereiro. Nas pesquisas preliminares, a AfD, que Musk apoia nos Estados Unidos, aparece com 19% das intenções de voto.

Um dia depois de seu polêmico comentário no Welt am Sonntag, o jornal francês Le Monde se perguntou: "Até onde Elon Musk estenderá sua influência na campanha eleitoral alemã?" De qualquer forma, opinou o Le Monde, "o bilionário parece determinado a desempenhar um papel ativo nos debates menos de doze semanas antes das eleições legislativas antecipadas".

·        A visão de Musk

Ao contrário de suas breves opiniões no X, aponta o Le Monde, desta vez Elon Musk "teve tempo para argumentar, justificando sua interferência no debate público alemão por seu status de investidor", referindo-se ao seu grupo empresarial Tesla, cuja única fábrica de automóveis europeia está localizada em Grünheide, perto de Berlim. De acordo com o jornal francês, o apoio aberto de Musk à Aliança para a Alemanha, de direita, é muito problemático, pois ele o considera um partido "respeitável". Com grande oportunismo, as únicas demandas da Aliança que Musk cita em sua coluna de opinião também fazem parte dos manifestos eleitorais da União Democrata Cristã (CDU e CSU) e dos liberais do Partido Democrático Livre (FDP): cortes de impostos e desregulamentação econômica, controle mais rígido da imigração e reforma da política energética em favor do retorno à energia nuclear.

O magnata estadunidense também afirmou em seu comentário na semana passada que apenas a AfD é confiável, já que os outros partidos "fracassaram" e defendeu sua posição com argumentos banais: "Para aqueles que condenam a AfD como extremista, eu digo: 'Não se preocupem com o rótulo que foi colocado nele'". E ele citou como evidência de não ser de extrema-direita ou anti-estrangeiro o fato de Alice Weidel, a principal líder e candidata a chanceler da Aliança, estar em um relacionamento lésbico com sua parceira de vida, a produtora de cinema Sarah Bossard, originalmente do Sri Lanka.

A opinião de Musk levou a renúncias imediatas da equipe editorial do semanário e também provocou respostas imediatas de líderes políticos, incluindo o chanceler Olaf Sholz. Seu impacto foi tal que agitou as águas de um debate que ainda está vivo na primeira quinzena de janeiro e que já ultrapassou a geografia alemã para se espalhar para outros países europeus, como a Grã-Bretanha.

·        Ofensiva europeia

Musk tem expressado um interesse particular na política britânica desde que o Partido Trabalhista Socialdemocrata venceu as eleições, em julho de 2024. Nos últimos seis meses, por exemplo, ele se manifestou a favor dos conservadores naquele país e exigiu o julgamento de Keir Starmer, o primeiro-ministro britânico, acusado pela oposição de encobrir a exploração sexual de inúmeras meninas nas mãos de gangues de imigrantes em várias cidades quando era diretor do Ministério Público nacional.

A enquete que Musk acaba de lançar entre seus usuários, com a proposta de que "os Estados Unidos devem libertar o povo da Grã-Bretanha de seu governo tirânico", demonstra sua audácia. Por enquanto, a Grã-Bretanha, com laços históricos com os Estados Unidos, e com a Alemanha, a espinha dorsal da União Europeia, são o alvo favorito dos dardos lançados pelo futuro ministro do gabinete dos EUA.

Na primeira semana de janeiro, Starmer, Scholz, Emmanuel Macron e Pedro Sánchez confrontaram as declarações de Musk, criticando seu apoio à extrema direita europeia, bem como sua intromissão na política interna do continente. Em 7 de janeiro, o presidente francês o denunciou por "apoiar uma internacional reacionária" que ameaça a democracia, por se intrometer na campanha eleitoral da Alemanha e pelas pressões de grandes "conglomerados de tecnologia".

Um dia antes, a União Europeia criticou Musk e sua rede social por não cumprirem os regulamentos de transparência e o regulamento de serviços digitais da União e instou a que sua plataforma deve manter uma postura neutra em relação às próximas eleições na Alemanha.

De acordo com a TV pública suíça TSR, em 4 de janeiro, Scholz condenou as "declarações erráticas" de Musk, que o chamou de "louco" e "imbecil incompetente", e chamou o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier de "tirano". A TSR também mencionou que o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre, expressou preocupação na rádio pública NRK "sobre o fato de que um homem com acesso considerável às mídias sociais e recursos econômicos significativos se envolva de tal maneira e tão diretamente nos assuntos internos de outros países".

Mas foi, talvez, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez quem foi mais longe em suas críticas e, na quarta-feira, 8 de janeiro, no ato inicial para o 50º aniversário do desaparecimento do ditador Francisco Franco, partiu para a ofensiva. No Museu Reina Sofia, em Madri, ele garantiu que não é preciso ser de esquerda ou de direita para olhar para os anos sombrios do franquismo com enorme tristeza e terror e "medo de que esse revés se repita". Sánchez acrescentou que "o fascismo que pensávamos estar deixando para trás já é a terceira força na Europa. E a internacional de direita, que está sendo liderada pelo homem mais rico do planeta" (referindo-se a Musk sem mencionar seu nome), "ataca abertamente nossas instituições, estimula o ódio e pede apoio aos herdeiros do nazismo na Alemanha". A liberdade nunca é conquistada permanentemente; pode ser perdida, concluiu o líder socialdemocrata espanhol.

·        Poder muito especial

Recentemente, a emissora de rádio France Inter perguntou: "Que outro cidadão privado no mundo tem esse poder de provocar tantas reações?" Sua conclusão foi que, evidentemente, Musk não é um cidadão como os outros: "Ele é, ao mesmo tempo, o homem mais rico do mundo, à frente de empresas emblemáticas como Tesla ou Space X; ele se aproximou de Donald Trump, que lhe confiou a tarefa de cortar gastos federais e, acima de tudo, ele é o dono da rede social X, o antigo Twitter, transformando-a em sua caixa de ressonância pessoal e das causas que defende".

Essa mesma análise referia-se à "Aliança de Choque" entre o magnata e a nova liderança dos EUA: "Elon Musk não fala em nome de Donald Trump, mas, por enquanto, está em sintonia com ele. Adotou seus códigos de comunicação e usa e abusa do poder de sua plataforma X". Ressaltou que a união de Musk e outros gigantes da tecnologia com Donald Trump anuncia o casamento entre os novos mestres do capitalismo estadunidense e o promotor do Make America Great Again [MAGA]. E antecipou que essa formidável aliança impactará e influenciará diretamente os aliados dos Estados Unidos, começando pelos europeus. Entre eles, a primeira-ministra italiana Meloni, praticamente a única líder das grandes nações europeias, que aceitou com alegria a linha Trump-Musk. Meloni acaba de definir Musk como um "gênio" e "inovador extraordinário".

·        Contraofensiva europeia

Contrariamente a essa posição, vários parlamentares europeus opõem-se às negociações em curso entre o governo italiano e a SpaceX para a utilização de sistemas de encriptação para comunicações governamentais através da rede de satélites Starlink (propriedade da corporação SpaceX, de Musk). Se essas negociações forem realizadas, a Itália poderá ser o primeiro país da União Europeia a optar por esse sistema em detrimento do projeto da comunidade europeia IRIS2.

Um momento de grande turbulência na geopolítica internacional está se aproximando. Enquanto Musk dá um salto transatlântico e se apropria do debate político interno europeu, poucos dias após sua posse, Trump já fala em se apropriar da Groenlândia (um território autônomo dependente da Dinamarca), recuperar o Canal do Panamá e anexar o Canadá. Todas as projeções ousadas que precisam de mídia favorável para criar consenso como parte de um exercício simplista para dividir o mundo em amigos e inimigos. Precisamente, o papel que a rede X (como muitos outros meios de comunicação) já está desempenhando como instrumento de polarização política, conforme documentado por um estudo que a City St. George's School of Science and Technology, University of London, com o apoio do Alan Turing Institute, publicou em novembro de 2024 na Nature Communications (https://www.nature.com/articles/s41467-024-53868-0).

Embora esse estudo reconheça seus próprios limites –ele inclui apenas nove países e sua análise das 375 milhões de interações em X é limitada a um único dia em setembro de 2022–, ainda serve para indicar tendências. E conclui que mensagens tóxicas influenciam e limitam o diálogo democrático nos nove países estudados, promovendo o abuso ou o uso indevido de conteúdos políticos.

Mais do que nunca, o mundo real, apresentado à sua maneira pela comunicação em redes digitais –construída em grande parte pela nova inteligência artificial–, controlada pelos homens mais ricos do mundo, está se tornando palco de uma crescente polarização político-ideológica que não se via desde o fim da Guerra Fria e que ameaça incendiar-se com novas guerras até então impensáveis.

¨      AfD amplia controle sobre ala jovem do partido em convenção

A liderança do partido alemão de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) votou neste domingo (12/01) para reformular o braço juvenil da sigla, o Alternativa Jovem (JA), em prol de um modelo que dá maior controle partidário sobre as atividades do grupo.

A proposta foi aprovada em uma conferência partidária de dois dias na cidade de Riesa, no leste da Alemanha. O objetivo é limitar a independência do grupo, tomado pelo serviço de inteligência doméstica da Alemanha como um movimento suspeito de extremismo. Os membros da diretoria sugeriram o nome "Juventude Patriótica" para a nova ala jovem do partido. 

Alternativa Jovem impulsiona radicalização

Atualmente, a juventude partidária da AfD atua com relativa autonomia. Membros da associação — com exceção dos diretores — não precisam ser membros da AfD para participar do grupo. Isso não será possível no novo modelo, exceto para menores de 16 anos.

A principal mudança agora adotada nos estatutos estipula que as atividades da organização juvenil "não devem contradizer a ordem e os princípios do partido." 

Ela afirma que a AfD e sua organização juvenil — para membros de até 36 anos — devem "promover as atividades um do outro da melhor forma possível." 

A liderança do partido está insatisfeita com o JA há muito tempo, alegando que suas atividades autônomas poderiam trazer desonra para o partido como um todo.  A sigla também espera que o vínculo partidário impeça o grupo de ser banido.

 Em 2023, o Departamento Federal para a Proteção da Constituição (BfV), o serviço de inteligência interna da Alemanha, disse ter encontrado indícios suficientes de que o JA tinha aspirações antidemocráticas, razão pela qual deveria ser tratado como uma organização extremista.

Em fevereiro de 2024, o Tribunal Administrativo de Colônia entendeu que a Alternativa Jovem tem "aspiração seguramente extremista", ao julgar a defesa do grupo de excluir da Alemanha todos aqueles classificados como "etnicamente alienígenas". Como a DW mostrou, a ala jovem da AfD se tornou o principal motor de radicalização do partido.

A própria AfD, porém, também teve alguns de seus diretórios tomados como suspeitos de extremismo de direita.

AfD é segunda maior força política nas pesquisas eleitorais

No sábado, os cerca de 600 delegados do partido aprovaram a co-líder Alice Weidel como candidata a chanceler da AfD nas próximas eleições gerais. 

A votação culmina em uma semana movimentada para Weidel, que na quinta-feira foi recebida pelo aliado de Donald Trump, Elon Musk, para uma transmissão ao vivo em sua plataforma X

A AfD ocupa o segundo lugar nas pesquisas de opinião, com uma média de 20%. A conservadora CDU/CSU lidera com 31%, enquanto os social-democratas do chanceler federal alemão Olaf Scholz disputam o terceiro lugar com os Verdes, com 15% e 14%. 

¨      Há forças políticas nos EUA que estão destruindo instituições democráticas na Europa, diz Scholz

Certas forças políticas nos Estados Unidos estão trabalhando propositalmente para destruir as instituições democráticas ocidentais e não está claro agora como as relações entre a Europa e os Estados Unidos se desenvolverão nos próximos anos, disse o chanceler alemão Olaf Scholz no sábado (11).

"Este é um momento em que certas forças nos Estados Unidos estão trabalhando deliberadamente para destruir as instituições democráticas do Ocidente", afirmou Scholz durante discurso no congresso do seu Partido Social-Democrata.

O chanceler alemão acrescentou que neste momento ele não pode ter certeza de como as relações entre a Alemanha e os EUA se desenvolverão nos próximos anos.

Ele chamou novamente os tempos atuais de "muito sérios", pois estão acontecendo coisas que não poderiam ter sido imaginadas há alguns anos, ou mesmo há alguns meses, ou semanas.

Note-se que Scholz não mencionou especificamente a quem ele se referia como "certas forças nos EUA".

No entanto, a declaração foi feita menos de dois dias depois de uma grande conversa entre o bilionário americano Elon Musk e Alice Weidel, copresidente do partido nacionalista alemão Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão). Durante a conversa, Musk pediu mais uma vez aos cidadãos alemães que votassem no AfD nas próximas eleições, pois ele acredita que somente este partido pode salvar a Alemanha.

¨      Mais de metade dos britânicos acham que Musk tem influência negativa na política, aponta pesquisa

A pesquisa foi divulgada dias após o empresário norte-americano criticar as lideranças políticas do Reino Unido e acusar o primeiro-ministro britânico Keir Starmer de ser cúmplice de estupros de meninas.

Mais de metade dos eleitores britânicos (53%) acreditam que o empresário norte-americano Elon Musk tem uma influência negativa sobre a política do Reino Unido, segundo uma pesquisa divulgada neste sábado (11) pelo instituto Opinium, encomendada pelo jornal britânico Observer.

A pesquisa foi publicada dias após Musk acusar o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, de ser cúmplice de numerosos casos de estupros de meninas britânicas perpetrados por gangues de origem paquistanesa e afirmar que o líder do Partido Reformista do Reino Unido, Nigel Farage, deveria renunciar ao cargo.

"Mais de metade dos eleitores pensam que Elon Musk tem um impacto negativo na política britânica após as suas críticas a Keir Starmer e Nigel Farage", escreveu o jornal.

Segundo a pesquisa, 47% dos britânicos consideram "inúteis" as declarações de Musk sobre a situação das gangues criminosas no país, enquanto 26% concordaram com as afirmações.

Em paralelo, 71% dos eleitores do Partido Reformista (Reform UK) afirmaram que Farage deve continuar em seu cargo.

Musk criticou Nigel Farage por o político britânico censurar o fundador da organização de direita radical e anti-imigração Liga de Defesa Inglesa, Tommy Robinson, que Musk elogiou nas redes sociais, enquanto Farage disse que Robinson não é a pessoa que o Reino Unido precisa.

 

Fonte: B rasil 247/DW Brasil/Sputnik Brasil

 

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