Sergio Ferrari: Ofensiva de
Musk na Europa rumo a uma nova internacional reacionária
Musk
está emergindo como um poderoso peão do futuro governo de Donald Trump e não
escondeu sua ambição de se tornar o principal protagonista e nos últimos dias
ele mudou as peças no xadrez internacional. Antecipa, desta forma, que a partir
do confortável poder republicano na Casa Branca ele poderia se tornar um
promotor ativo do que se perfila como uma internacional de extrema direita.
Nada menos que uma "internacional reacionária", como muitos meios de
comunicação europeus já a definem. Sua estreita amizade com a chefe de governo
italiano, a conservadora Giorgia Meloni, os reuniu em Washington na primeira
semana de janeiro, durante a visita de Meloni a Trump. Um encontro que, sem
dúvida, traça qual será o eixo ideológico estadunidense-europeu dessa nova
aliança internacional.
A
proximidade quase carnal do presidente Javier Milei com Musk e com Meloni
projetaria o líder argentino como a "perna" latino-americana dessa
construção conservadora.
·
O gatilho
No
último fim de semana de dezembro, Musk, um bilionário sul-africano que se
tornou cidadão canadense e estadunidense, comentou no jornal alemão Welt am
Sonntag (edição de domingo do Die Welt) algo que teve o efeito de uma bomba
política naquele país. De acordo com Musk, a força de extrema-direita
Alternativa para a Alemanha (AfD) é "a última centelha de esperança"
para aquela nação, que, observou ele, "está à beira do colapso econômico e
cultural".
Este
comentário foi publicado ao lado de outro escrito por Jan Philipp Burgard, o
novo editor-chefe do grupo Welt, que afirmou que "O diagnóstico de Musk
está correto, mas sua abordagem terapêutica, no sentido de que apenas a AfD
pode salvar a Alemanha, está fatalmente errada". Burgard chamou a AfD de
"um perigo para os nossos valores e para a nossa economia" e lembrou
que Björn Höcke, um dos líderes da AfD, "foi condenado várias vezes por
ter usado um slogan nazista proibido".
A
posição de Musk ampliou uma mensagem publicada uns dias antes em sua rede
social X, na qual ele já antecipava brevemente sua análise da conjuntura alemã.
Essa análise gerou desconforto em setores importantes da classe política alemã
dedicados à campanha para as eleições antecipadas que serão realizadas em 23 de
fevereiro. Nas pesquisas preliminares, a AfD, que Musk apoia nos Estados
Unidos, aparece com 19% das intenções de voto.
Um dia
depois de seu polêmico comentário no Welt am Sonntag, o jornal francês Le Monde
se perguntou: "Até onde Elon Musk estenderá sua influência na campanha
eleitoral alemã?" De qualquer forma, opinou o Le Monde, "o bilionário
parece determinado a desempenhar um papel ativo nos debates menos de doze
semanas antes das eleições legislativas antecipadas".
·
A visão de Musk
Ao
contrário de suas breves opiniões no X, aponta o Le Monde, desta vez Elon Musk
"teve tempo para argumentar, justificando sua interferência no debate
público alemão por seu status de investidor", referindo-se ao seu grupo
empresarial Tesla, cuja única fábrica de automóveis europeia está localizada em
Grünheide, perto de Berlim. De acordo com o jornal francês, o apoio aberto de
Musk à Aliança para a Alemanha, de direita, é muito problemático, pois ele o
considera um partido "respeitável". Com grande oportunismo, as únicas
demandas da Aliança que Musk cita em sua coluna de opinião também fazem parte
dos manifestos eleitorais da União Democrata Cristã (CDU e CSU) e dos liberais
do Partido Democrático Livre (FDP): cortes de impostos e desregulamentação
econômica, controle mais rígido da imigração e reforma da política energética
em favor do retorno à energia nuclear.
O
magnata estadunidense também afirmou em seu comentário na semana passada que
apenas a AfD é confiável, já que os outros partidos "fracassaram" e
defendeu sua posição com argumentos banais: "Para aqueles que condenam a
AfD como extremista, eu digo: 'Não se preocupem com o rótulo que foi colocado
nele'". E ele citou como evidência de não ser de extrema-direita ou
anti-estrangeiro o fato de Alice Weidel, a principal líder e candidata a
chanceler da Aliança, estar em um relacionamento lésbico com sua parceira de
vida, a produtora de cinema Sarah Bossard, originalmente do Sri Lanka.
A
opinião de Musk levou a renúncias imediatas da equipe editorial do semanário e
também provocou respostas imediatas de líderes políticos, incluindo o chanceler
Olaf Sholz. Seu impacto foi tal que agitou as águas de um debate que ainda está
vivo na primeira quinzena de janeiro e que já ultrapassou a geografia alemã
para se espalhar para outros países europeus, como a Grã-Bretanha.
·
Ofensiva europeia
Musk
tem expressado um interesse particular na política britânica desde que o
Partido Trabalhista Socialdemocrata venceu as eleições, em julho de 2024. Nos
últimos seis meses, por exemplo, ele se manifestou a favor dos conservadores
naquele país e exigiu o julgamento de Keir Starmer, o primeiro-ministro
britânico, acusado pela oposição de encobrir a exploração sexual de inúmeras
meninas nas mãos de gangues de imigrantes em várias cidades quando era diretor
do Ministério Público nacional.
A
enquete que Musk acaba de lançar entre seus usuários, com a proposta de que
"os Estados Unidos devem libertar o povo da Grã-Bretanha de seu governo
tirânico", demonstra sua audácia. Por enquanto, a Grã-Bretanha, com laços
históricos com os Estados Unidos, e com a Alemanha, a espinha dorsal da União
Europeia, são o alvo favorito dos dardos lançados pelo futuro ministro do
gabinete dos EUA.
Na
primeira semana de janeiro, Starmer, Scholz, Emmanuel Macron e Pedro Sánchez
confrontaram as declarações de Musk, criticando seu apoio à extrema direita
europeia, bem como sua intromissão na política interna do continente. Em 7 de
janeiro, o presidente francês o denunciou por "apoiar uma internacional
reacionária" que ameaça a democracia, por se intrometer na campanha
eleitoral da Alemanha e pelas pressões de grandes "conglomerados de
tecnologia".
Um dia
antes, a União Europeia criticou Musk e sua rede social por não cumprirem os
regulamentos de transparência e o regulamento de serviços digitais da União e
instou a que sua plataforma deve manter uma postura neutra em relação às
próximas eleições na Alemanha.
De
acordo com a TV pública suíça TSR, em 4 de janeiro, Scholz condenou as
"declarações erráticas" de Musk, que o chamou de "louco" e
"imbecil incompetente", e chamou o presidente alemão Frank-Walter
Steinmeier de "tirano". A TSR também mencionou que o
primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre, expressou preocupação na rádio
pública NRK "sobre o fato de que um homem com acesso considerável às
mídias sociais e recursos econômicos significativos se envolva de tal maneira e
tão diretamente nos assuntos internos de outros países".
Mas
foi, talvez, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez quem foi mais longe em
suas críticas e, na quarta-feira, 8 de janeiro, no ato inicial para o 50º
aniversário do desaparecimento do ditador Francisco Franco, partiu para a
ofensiva. No Museu Reina Sofia, em Madri, ele garantiu que não é preciso ser de
esquerda ou de direita para olhar para os anos sombrios do franquismo com
enorme tristeza e terror e "medo de que esse revés se repita".
Sánchez acrescentou que "o fascismo que pensávamos estar deixando para
trás já é a terceira força na Europa. E a internacional de direita, que está
sendo liderada pelo homem mais rico do planeta" (referindo-se a Musk sem
mencionar seu nome), "ataca abertamente nossas instituições, estimula o
ódio e pede apoio aos herdeiros do nazismo na Alemanha". A liberdade nunca
é conquistada permanentemente; pode ser perdida, concluiu o líder
socialdemocrata espanhol.
·
Poder muito especial
Recentemente,
a emissora de rádio France Inter perguntou: "Que outro cidadão privado no
mundo tem esse poder de provocar tantas reações?" Sua conclusão foi que,
evidentemente, Musk não é um cidadão como os outros: "Ele é, ao mesmo
tempo, o homem mais rico do mundo, à frente de empresas emblemáticas como Tesla
ou Space X; ele se aproximou de Donald Trump, que lhe confiou a tarefa de
cortar gastos federais e, acima de tudo, ele é o dono da rede social X, o
antigo Twitter, transformando-a em sua caixa de ressonância pessoal e das
causas que defende".
Essa
mesma análise referia-se à "Aliança de Choque" entre o magnata e a
nova liderança dos EUA: "Elon Musk não fala em nome de Donald Trump, mas,
por enquanto, está em sintonia com ele. Adotou seus códigos de comunicação e usa
e abusa do poder de sua plataforma X". Ressaltou que a união de Musk e
outros gigantes da tecnologia com Donald Trump anuncia o casamento entre os
novos mestres do capitalismo estadunidense e o promotor do Make America Great
Again [MAGA]. E antecipou que essa formidável aliança impactará e influenciará
diretamente os aliados dos Estados Unidos, começando pelos europeus. Entre
eles, a primeira-ministra italiana Meloni, praticamente a única líder das
grandes nações europeias, que aceitou com alegria a linha Trump-Musk. Meloni
acaba de definir Musk como um "gênio" e "inovador
extraordinário".
·
Contraofensiva europeia
Contrariamente
a essa posição, vários parlamentares europeus opõem-se às negociações em curso
entre o governo italiano e a SpaceX para a utilização de sistemas de
encriptação para comunicações governamentais através da rede de satélites
Starlink (propriedade da corporação SpaceX, de Musk). Se essas negociações
forem realizadas, a Itália poderá ser o primeiro país da União Europeia a optar
por esse sistema em detrimento do projeto da comunidade europeia IRIS2.
Um
momento de grande turbulência na geopolítica internacional está se aproximando.
Enquanto Musk dá um salto transatlântico e se apropria do debate político
interno europeu, poucos dias após sua posse, Trump já fala em se apropriar da
Groenlândia (um território autônomo dependente da Dinamarca), recuperar o Canal
do Panamá e anexar o Canadá. Todas as projeções ousadas que precisam de mídia
favorável para criar consenso como parte de um exercício simplista para dividir
o mundo em amigos e inimigos. Precisamente, o papel que a rede X (como muitos
outros meios de comunicação) já está desempenhando como instrumento de
polarização política, conforme documentado por um estudo que a City St.
George's School of Science and Technology, University of London, com o apoio do
Alan Turing Institute, publicou em novembro de 2024 na Nature Communications
(https://www.nature.com/articles/s41467-024-53868-0).
Embora
esse estudo reconheça seus próprios limites –ele inclui apenas nove países e
sua análise das 375 milhões de interações em X é limitada a um único dia em
setembro de 2022–, ainda serve para indicar tendências. E conclui que mensagens
tóxicas influenciam e limitam o diálogo democrático nos nove países estudados,
promovendo o abuso ou o uso indevido de conteúdos políticos.
Mais
do que nunca, o mundo real, apresentado à sua maneira pela comunicação em redes
digitais –construída em grande parte pela nova inteligência artificial–,
controlada pelos homens mais ricos do mundo, está se tornando palco de uma
crescente polarização político-ideológica que não se via desde o fim da Guerra
Fria e que ameaça incendiar-se com novas guerras até então impensáveis.
¨ AfD amplia
controle sobre ala jovem do partido em convenção
A
liderança do partido alemão de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) votou
neste domingo (12/01) para reformular o braço juvenil da sigla, o Alternativa
Jovem (JA), em prol de um modelo que dá maior controle partidário sobre as
atividades do grupo.
A
proposta foi aprovada em uma conferência
partidária de dois dias na cidade de Riesa, no leste da Alemanha. O objetivo é
limitar a independência do grupo, tomado pelo serviço de inteligência doméstica
da Alemanha como um movimento suspeito de extremismo. Os membros da diretoria
sugeriram o nome "Juventude Patriótica" para a nova ala jovem do
partido.
Alternativa
Jovem impulsiona radicalização
Atualmente,
a juventude partidária da AfD atua com relativa autonomia. Membros da
associação — com exceção dos diretores — não precisam ser membros da AfD para
participar do grupo. Isso não será possível no novo modelo, exceto para menores
de 16 anos.
A
principal mudança agora adotada nos estatutos estipula que as atividades da
organização juvenil "não devem contradizer a ordem e os princípios do
partido."
Ela
afirma que a AfD e sua organização juvenil — para membros de até 36 anos —
devem "promover as atividades um do outro da melhor forma
possível."
A
liderança do partido está insatisfeita com o JA há muito tempo, alegando que
suas atividades autônomas poderiam trazer desonra para o partido como um
todo. A sigla também espera que o vínculo partidário impeça o grupo de
ser banido.
Em
2023, o Departamento
Federal para a Proteção da Constituição (BfV), o serviço de
inteligência interna da Alemanha, disse ter encontrado indícios
suficientes de que o JA tinha aspirações antidemocráticas, razão pela qual
deveria ser tratado como uma organização extremista.
Em
fevereiro de 2024, o Tribunal Administrativo de Colônia entendeu que a
Alternativa Jovem tem "aspiração seguramente extremista", ao julgar a
defesa do grupo de excluir da Alemanha todos aqueles classificados como
"etnicamente alienígenas". Como a DW mostrou, a ala jovem
da AfD se tornou o principal motor de radicalização do partido.
A
própria AfD, porém, também teve alguns de seus diretórios tomados como
suspeitos de extremismo de direita.
AfD
é segunda maior força política nas pesquisas eleitorais
No
sábado, os cerca de 600 delegados do partido aprovaram a co-líder Alice
Weidel como
candidata a chanceler da AfD nas próximas eleições gerais.
A
votação culmina em uma semana movimentada para Weidel, que na quinta-feira foi
recebida pelo aliado de Donald Trump, Elon Musk, para uma transmissão
ao vivo em sua plataforma X.
A
AfD ocupa o
segundo lugar nas pesquisas de opinião, com uma média de 20%. A conservadora
CDU/CSU lidera com 31%, enquanto os social-democratas do chanceler federal
alemão Olaf Scholz disputam o terceiro lugar com os Verdes, com 15% e
14%.
¨ Há forças políticas nos EUA que estão destruindo
instituições democráticas na Europa, diz Scholz
Certas forças
políticas nos Estados Unidos estão trabalhando propositalmente para destruir as
instituições democráticas ocidentais e não está claro agora como as relações
entre a Europa e os Estados Unidos se desenvolverão nos próximos anos, disse o
chanceler alemão Olaf Scholz no sábado (11).
"Este é um
momento em que certas forças nos Estados Unidos estão trabalhando deliberadamente
para destruir as instituições democráticas do Ocidente", afirmou Scholz
durante discurso no congresso do seu Partido Social-Democrata.
O chanceler alemão acrescentou
que neste momento ele não pode ter certeza de como as relações entre a
Alemanha e os EUA se desenvolverão nos próximos anos.
Ele chamou
novamente os tempos atuais de "muito sérios", pois estão
acontecendo coisas que não poderiam ter sido imaginadas há alguns anos, ou
mesmo há alguns meses, ou semanas.
Note-se que
Scholz não mencionou especificamente a quem ele se referia como
"certas forças nos EUA".
No entanto, a
declaração foi feita menos de dois dias depois de uma grande conversa entre o
bilionário americano Elon Musk e Alice Weidel, copresidente do partido
nacionalista alemão Alternativa para a
Alemanha (AfD,
na sigla em alemão). Durante a conversa, Musk pediu mais uma vez aos cidadãos
alemães que votassem no AfD nas próximas eleições, pois ele acredita
que somente este partido pode salvar a Alemanha.
¨ Mais de metade dos britânicos acham que Musk tem
influência negativa na política, aponta pesquisa
A pesquisa foi
divulgada dias após o empresário norte-americano criticar as lideranças
políticas do Reino Unido e acusar o primeiro-ministro britânico Keir Starmer de
ser cúmplice de estupros de meninas.
Mais de metade dos
eleitores britânicos (53%) acreditam que o empresário norte-americano Elon Musk tem uma
influência negativa sobre a política do Reino Unido, segundo uma pesquisa
divulgada neste sábado (11) pelo instituto Opinium, encomendada pelo jornal
britânico Observer.
A pesquisa foi
publicada dias após Musk acusar o primeiro-ministro britânico, Keir
Starmer, de ser cúmplice de numerosos casos de estupros de meninas
britânicas perpetrados por gangues de origem paquistanesa e afirmar que o
líder do Partido Reformista do Reino Unido, Nigel Farage,
deveria renunciar ao cargo.
"Mais de
metade dos eleitores pensam que Elon Musk tem um impacto negativo na política
britânica após as suas críticas a Keir Starmer e Nigel Farage", escreveu o
jornal.
Segundo a pesquisa,
47% dos britânicos consideram "inúteis" as declarações de
Musk sobre a situação das gangues criminosas no país, enquanto 26% concordaram
com as afirmações.
Em paralelo, 71%
dos eleitores do Partido Reformista (Reform UK) afirmaram que Farage deve
continuar em seu cargo.
Musk criticou Nigel
Farage por
o político britânico censurar o fundador da organização de direita radical e
anti-imigração Liga de Defesa Inglesa, Tommy Robinson, que Musk elogiou nas
redes sociais, enquanto Farage disse que Robinson não é a pessoa que o
Reino Unido precisa.
Fonte:
B rasil 247/DW Brasil/Sputnik Brasil
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