terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Inflação x vida real: por que os preços do dia a dia podem subir muito mais do que o IPCA

Basta uma ida ao supermercado para os consumidores brasileiros percam a paciência. A sensação é de que os preços estão descolados da realidade medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial do país.

resultado final do indicador em 2024 mostra que os preços subiram 4,83% no ano, mas o número é uma média e tem muitas nuances.

O desânimo no supermercado se explica porque o grupo que puxou o indicador foi Alimentação e bebidas (7,69%). Itens como carne, café e leite subiram muito a mais que essa média, o que ajuda a piorar a percepção dos consumidores .

E especialistas ouvidos pelo g1 confirmam o movimento: a alta dos alimentos tem sido o principal motivo do mau humor de quem vai às compras.

·        A ampla cobertura do IPCA — e a renda dos brasileiros

Considerado o índice oficial de inflação do Brasil, o IPCA monitora os preços de uma grande cesta de serviços e produtos comercializados no varejo. São 377 subitens medidos, mês a mês.

Além disso, o indicador tem uma cobertura ampla: abrange 90% das famílias que vivem em áreas urbanas do país com renda entre 1 e 40 salários mínimos.

Essa discrepância ajuda a explicar os reflexos dos preços de determinados produtos no bolso de cada família. Para quem ganha até um salário mínimo, por exemplo, a forte alta dos alimentos gera um impacto muito maior no bolso do que para quem ganha até 40 salários.

O economista André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que o Brasil é um país essencialmente constituído por famílias de classe média-baixa. A maioria delas, então, tem uma cesta de consumo muito restrita.

"Ganham pouco e concentram a maior parte da despesa em alimentos, os vilões da inflação de 2024", diz. O economista acrescenta que, mesmo com um IPCA a 4,83%, a alta de alimentos foi de quase 3 pontos percentuais a mais.

"Então, uma família que tem a renda baixa e concentra o gasto em comida percebe uma inflação de quase 8%, e não de quase 5%", pontua Braz. Ele explica que essa diferença pode ajudar a justificar a sensação de que os preços estão mais altos do que o observado pelo índice.

"O IPCA é uma cesta muito diversificada. Tem de tudo ali. O índice prevê famílias consomem passagem aérea, carro zero, gasolina, o que não é a realidade de uma família de baixa renda. Isso às vezes confunde", diz.

O economista Felippe Serigati, pesquisador do FGV Agro, lembra que também há diferenças regionais, que implicam em percepções diferentes sobre os preços a depender da cidade ou do estado.

"Por isso, é natural que alguém fale: 'Poxa, a minha sensação é a de que os preços estão subindo mais do que os 4,83%' [a média nacional]", destaca o especialista.

Serigati reforça ainda que o peso dos alimentos na percepção de inflação é maior pelo fato de serem itens básicos e perecíveis. São diferentes dos televisores, por exemplo, que são monitorados pelo índice, mas de consumo muito mais pontual.

·        A confusão entre 'deflação' e 'desaceleração' da inflação

Há ainda outra complicação no entendimento quando o assunto é inflação: os conceitos de deflação e desaceleração (que é apenas uma inflação menor).

A deflação ocorre quando os preços, de fato, caem no supermercado, puxando o IPCA para o campo negativo. Enquanto isso, a desaceleração (ou inflação mais baixa) não significa necessariamente o recuo dos preços: ela indica que eles subiram menos.

"Inflação menor não é preço em queda. É preço subindo menos. Só que incomoda do mesmo jeito", diz Serigati, do FGV Agro.

"As pessoas podem dizer: 'O café está caro! E a projeção é de inflação menor do item no próximo ano'. Então, ele vai voltar a ficar acessível? Não. Ou seja, ele vai até ficar mais caro, mas o aumento vai ser menor", exemplifica o especialista.

Em outras palavras: inflação é a elevação do nível médio de preços da economia. Ou seja, uma inflação menor não significa que os preços caíram.

Entre as altas de preços mais importantes para os brasileiros está a carne, destaca Serigati, que subiu 20,8% em 2024 — o maior avanço em 5 anos. "Esse efeito não é transitório. Nós vamos passar 2025 com o churrasco mais caro", diz.

·        A expectativa do consumidor (maior do que a do mercado)

Com base em sua Sondagem do Consumidor, o FGV Ibre publica mensalmente um indicador que mede a perspectiva dos brasileiros em relação à inflação do país. Eles respondem, basicamente, qual taxa acumulada imaginam para daqui a 12 meses.

E a sondagem confirma o pessimismo: é muito comum que os entrevistados esperem por uma inflação mais alta do que a registrada de fato pelo índice oficial de preços, o IPCA. E não só: a expectativa mediana dos brasileiros é tradicionalmente superior à do mercado financeiro.

Todas as semanas, o Banco Central (BC) publica o boletim Focus, um relatório que contém estimativas de indicadores econômicos a partir de pesquisa com mais de 100 instituições financeiras.

Veja abaixo a diferença entre as projeções dos consumidores, do mercado financeiro e o IPCA oficial.

"Praticamente durante toda a série histórica, iniciada em 2005, os consumidores têm a percepção de inflação mais alta do que o que o próprio mercado prevê", destaca a economista Anna Carolina Lemos Gouveia, responsável pela Sondagem do Consumidor.

Segundo a especialista, o pessimismo acontece porque o consumidor vive mais de perto a inflação. "Ele consegue ver o aumento dos preços de maneira diferente do mercado, que está sempre modelando suas previsões."

Anna Gouveia também destaca a "memória recente" como outro fator de peso sobre a percepção dos brasileiros. Há três anos, no auge da pandemia de Covid-19, o país registrou uma inflação de dois dígitos, que fechou a 10,06% em 2021.

"E esse resultado ainda é recente. Então, acredito que esse sentimento do consumidor, mais pessimista, irá se manter por um bom tempo", conclui.

 

¨      Inflação do café da manhã e do prato feito: veja os alimentos que ficaram mais caros (ou mais baratos) em 2024

ano mais quente da história impactou a mesa do brasileiro e deixou as refeições mais caras. O preço de alimentos básicos como carne, café, leite e laranja subiu de forma expressiva, e parte da explicação está justamente no calor e na seca.

O clima extremo contribuiu para uma inflação de 7,69% dos alimentos e bebidas em 2024, bem acima do que ocorreu no ano anterior, quando o grupo subiu 1,11%. O número também é maior do que a inflação oficial do país, que ficou em 4,83% segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado nesta sexta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O suco de laranja e o cafezinho, por exemplo, pesaram muito mais no bolso do que no ano anterior. A baixa quantidade de frutas e o impacto da doença greening fizeram o preço da laranja-pera disparar em 48,3% no ano.

No caso do café, a alta em 2024 foi de 39,6%. Nos supermercados, a média do preço do pacote de 1 kg, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), chegou perto dos R$ 50como o g1 mostrou em dezembro.

O bife do almoço também ficou mais caro: o contrafilé, por exemplo, avançou 20%acompanhando a alta da carne (20,8%).

Os preços mais altos são consequência de problemas na produção que foram motivados pelo clima extremo de 2024, com muito calor, seca prolongada e enchentes que afetaram o sul do país.

Mesmo assim, alguns alimentos apresentaram queda expressiva no valor, como a cebola e o tomate, e essa variação também ocorreu por causa do clima.

<><> Laranja: baixo estoque e doença em pomares

A alta da laranja tem como explicação o calor, a seca e o greening, doença que afeta pomares principalmente de São Paulo e Minas Gerais. Ela é causada por uma bactéria, que, por sua vez, é disseminada por um inseto, diminuindo a qualidade e a produtividade da fruta. “É uma doença séria que está em crescimento exponencial”, diz Renato Garcia Ribeiro, do Cepea.

O valor da laranja-pera subiu 48,3% no ano; no caso da laranja-lima, a disparada foi de 91%. Os problemas na produção prejudicaram a oferta, aumentando a demanda e o preço da fruta. Como o g1 mostrou em agosto, o cenário desfavorável fez com que os estoques de suco de laranja ficassem tecnicamente zerados.

Tudo isso indica que os preços não devem cair em curto prazo, segundo Renato Ribeiro. Mas há pelo menos um indício positivo: o clima mais úmido e menos quente que marcou as últimas semanas no país. Caso essa condição persista, a oferta de frutas pode aumentar, diz o especialista.

<><> Café e carne com preço nas alturas

Essa ligeira melhora no clima, no entanto, ainda está longe de compensar os estragos causados pelas temperaturas e condições extremas dos últimos meses.

As safras do café, por exemplo, já haviam sido prejudicadas por intempéries como geadas e ondas de calor em anos anteriores, e a situação não melhorou em 2024. Além disso, fatores externos, como a crise na produção do Vietnã, elevaram a demanda internacional pela bebida – cujo maior exportador mundial é o Brasil.

Essa junção de elementos elevou o preço do café às alturas no ano passado – e, segundo especialistas ouvidos pelo g1, a perspectiva é que ele continue alto até 2026.

A situação da carne é parecida. O preço disparou 20,8% no ano passado, a maior alta desde 2019, e não há expectativa de queda. Cortes populares como o acém (25,2%), patinho (24,1%) e contrafilé (20%) foram os destaques.

Quatro fatores ajudam a explicar a disparada de preços, segundo economistas consultados pelo g1 no final de 2024:

1.    Ciclo pecuário: após dois anos de muitos abates, a oferta de bois vai começar a diminuir no campo;

2.    Clima: seca e queimadas prejudicaram a formação de pastos, principal alimento do boi;

3.    Exportações: Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo e vem batendo recordes de vendas;

4.    Renda: queda do desemprego e valorização do salário mínimo estimularam compras de carnes.

Segundo os analistas, esses fatores também indicam que o preço não deverá baixar em 2025, e a alta pode se estender até 2026.

<><> Leite também subiu

A pecuária leiteira foi mais uma atingida pela seca muito forte, ondas de calor, queimadas e enchentes, como explica Natália Grigol, especialista do Cepea. “Tudo isso exigiu maior aporte de investimento e limitou o crescimento da atividade”, diz ela.

Assim como a laranja, o leite também teve problemas de oferta que são consequência da produção baixa em anos anteriores. Mesmo mostrando alguma recuperação em 2024, segundo a especialista, a demanda do consumidor ainda permanece alta, o que estimula a alta de 18,8% no preço do leite longa vida, por exemplo, ao longo dos 12 meses.

Natália afirma que 2024 foi atípico porque a elevação de preço que ocorre próximo à metade do ano, uma flutuação sazonal, durou mais tempo do que o normal. “E a oferta perdeu ritmo justamente por causa da variação climática”, pontua.

<><> Clima estimulou cebola e tomate mais baratos

Se o clima foi um obstáculo para a maior parte das lavouras, a lógica não valeu para todo mundo. Cebola e tomate, por exemplo, registraram quedas de preço por esse mesmo motivo.

O preço da cebola caiu 35,3% em 2024, depois de apresentar alta em alguns meses no início do ano devido às chuvas que atingiram regiões produtoras no sul do país. A recuperação ocorreu gradualmente ao longo do ano, com a chegada do tempo seco.

Para o produtor, no geral, é melhor irrigar a plantação do que lidar com chuvas em excesso”, afirma Renata Meneses, do Cepea. A estiagem contribuiu para alta produtividade e, consequentemente, preços mais baixos para o consumidor.

No caso do tomate, a fruta também viveu momentos distintos, registrando inflação no primeiro semestre e queda nos preços a partir de junho. Segundo o especialista João Paulo Deleo, esse é o cenário comum da produção, que normalmente enfrenta baixas no verão por causa do clima quente e chuvoso.

O resultado anual, no entanto, foi de queda significativa no preço: 25,8%. A explicação também está no clima. “As condições do segundo semestre foram excelentes. O inverno foi um pouco mais quente do que o normal, e isso favoreceu a produtividade”, diz ele.

 

Fonte: g1

 

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