Inflação
x vida real: por que os preços do dia a dia podem subir muito mais do que o
IPCA
Basta uma ida ao supermercado para os consumidores
brasileiros percam a paciência. A sensação é de que os preços estão descolados
da realidade medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação
oficial do país.
O resultado final do indicador em 2024 mostra que os preços subiram 4,83%
no ano, mas o número é uma média e tem muitas nuances.
O desânimo no supermercado se explica porque o
grupo que puxou o indicador foi Alimentação e bebidas (7,69%).
Itens como carne, café e leite subiram muito a mais que essa média, o que ajuda
a piorar a percepção dos consumidores .
E especialistas ouvidos pelo g1 confirmam o movimento: a alta dos alimentos tem sido o
principal motivo do mau humor de quem vai às compras.
·
A ampla
cobertura do IPCA — e a renda dos brasileiros
Considerado o índice oficial de inflação do Brasil,
o IPCA monitora os preços de uma grande cesta de serviços e produtos
comercializados no varejo. São 377 subitens medidos, mês a mês.
Além disso, o indicador tem uma cobertura
ampla: abrange
90% das famílias que vivem em áreas urbanas do país com renda entre 1 e 40
salários mínimos.
Essa discrepância ajuda a explicar os reflexos dos
preços de determinados produtos no bolso de cada família. Para quem ganha até um salário
mínimo, por exemplo, a forte alta dos alimentos gera um impacto muito maior no
bolso do que para quem ganha até 40 salários.
O economista André Braz, pesquisador do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que o Brasil é um país essencialmente constituído
por famílias de classe média-baixa. A maioria delas, então, tem uma cesta de
consumo muito restrita.
"Ganham pouco e concentram a maior parte da
despesa em alimentos, os vilões da inflação de 2024", diz. O economista
acrescenta que, mesmo com um IPCA a 4,83%, a alta de alimentos foi de quase 3
pontos percentuais a mais.
"Então,
uma família que tem a renda baixa e concentra o gasto em comida percebe uma
inflação de quase 8%, e não de quase 5%", pontua Braz. Ele explica que essa diferença pode ajudar a justificar a
sensação de que os preços estão mais altos do que o observado pelo índice.
"O IPCA é uma cesta muito diversificada. Tem
de tudo ali. O índice prevê famílias consomem passagem aérea, carro zero,
gasolina, o que não é a realidade de uma família de baixa renda. Isso às vezes
confunde", diz.
O economista Felippe Serigati, pesquisador do FGV
Agro, lembra que também há diferenças regionais, que implicam em percepções
diferentes sobre os preços a depender da cidade ou do estado.
"Por isso, é natural que alguém fale: 'Poxa, a
minha sensação é a de que os preços estão subindo mais do que os 4,83%' [a
média nacional]", destaca o especialista.
Serigati reforça ainda que o peso dos alimentos na
percepção de inflação é maior pelo fato de serem itens básicos e perecíveis. São
diferentes dos televisores, por exemplo, que são monitorados pelo índice, mas
de consumo muito mais pontual.
·
A confusão entre 'deflação' e 'desaceleração' da
inflação
Há ainda outra complicação no entendimento quando o
assunto é inflação: os
conceitos de deflação e desaceleração (que é apenas uma inflação menor).
A deflação ocorre quando os preços, de fato, caem no supermercado,
puxando o IPCA para o campo negativo. Enquanto isso, a desaceleração (ou
inflação mais baixa) não significa necessariamente o recuo dos preços: ela
indica que eles subiram
menos.
"Inflação menor não é preço em queda. É preço
subindo menos. Só que incomoda do mesmo jeito", diz Serigati, do FGV Agro.
"As pessoas podem dizer: 'O café está caro! E
a projeção é de inflação menor do item no próximo ano'. Então, ele vai voltar a
ficar acessível? Não. Ou seja, ele vai até ficar mais caro, mas o aumento vai
ser menor", exemplifica o especialista.
Em outras palavras: inflação é a elevação do nível
médio de preços da economia. Ou seja, uma inflação menor não significa que os
preços caíram.
Entre as altas de preços mais importantes para os
brasileiros está a carne, destaca Serigati, que subiu 20,8% em 2024 — o maior avanço em 5 anos. "Esse efeito não é transitório. Nós vamos passar 2025 com o
churrasco mais caro", diz.
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A expectativa do consumidor (maior do que a do
mercado)
Com base em sua Sondagem do Consumidor, o FGV Ibre
publica mensalmente um indicador que mede a perspectiva dos brasileiros em
relação à inflação do país. Eles respondem, basicamente, qual taxa acumulada
imaginam para daqui a 12 meses.
E a sondagem confirma o pessimismo: é muito comum que os
entrevistados esperem por uma inflação mais alta do que a registrada de fato
pelo índice oficial de preços, o IPCA. E não só: a
expectativa mediana dos brasileiros é tradicionalmente superior à do mercado
financeiro.
Todas as semanas, o Banco Central (BC) publica o boletim Focus, um relatório que contém estimativas de indicadores econômicos a partir
de pesquisa com mais de 100 instituições financeiras.
Veja abaixo a diferença entre as projeções dos
consumidores, do mercado financeiro e o IPCA oficial.
"Praticamente durante toda a série histórica,
iniciada em 2005, os consumidores têm a percepção de inflação mais alta do que
o que o próprio mercado prevê", destaca a economista Anna Carolina Lemos
Gouveia, responsável pela Sondagem do Consumidor.
Segundo a especialista, o pessimismo acontece
porque o consumidor vive mais de perto a inflação. "Ele consegue ver o
aumento dos preços de maneira diferente do mercado, que está sempre modelando
suas previsões."
Anna Gouveia também destaca a "memória recente"
como outro fator de peso sobre a percepção dos brasileiros. Há três anos, no
auge da pandemia de Covid-19, o país registrou uma inflação de dois dígitos, que fechou a 10,06% em 2021.
"E esse resultado ainda é recente. Então,
acredito que esse sentimento do consumidor, mais pessimista, irá se manter por
um bom tempo", conclui.
¨
Inflação do café da manhã e do prato feito: veja os
alimentos que ficaram mais caros (ou mais baratos) em 2024
O ano mais quente da história impactou a mesa do brasileiro e deixou as refeições mais caras. O preço de alimentos básicos como carne, café, leite e laranja
subiu de forma expressiva, e parte da explicação está justamente
no calor e na seca.
O clima extremo contribuiu para uma inflação
de 7,69% dos
alimentos e bebidas em 2024, bem acima do que ocorreu no ano anterior, quando o grupo subiu 1,11%. O número
também é maior do que a inflação oficial do país, que ficou em 4,83% segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado nesta sexta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
O suco de laranja e o cafezinho, por exemplo,
pesaram muito mais no bolso do que no ano anterior. A baixa quantidade de
frutas e o impacto da doença greening fizeram o preço da laranja-pera disparar em 48,3% no ano.
No caso do café, a alta em 2024 foi de 39,6%. Nos
supermercados, a média do preço do pacote de 1 kg, segundo a Associação
Brasileira da Indústria de Café (Abic), chegou perto dos R$ 50, como o g1 mostrou em dezembro.
O bife do almoço também ficou mais caro: o
contrafilé, por exemplo, avançou 20%, acompanhando a alta da carne (20,8%).
Os preços mais altos são consequência de problemas
na produção que foram motivados pelo clima extremo de 2024, com muito calor,
seca prolongada e enchentes que afetaram o sul do país.
Mesmo assim, alguns alimentos apresentaram queda expressiva no valor, como a cebola e o tomate,
e essa variação também ocorreu por causa do clima.
<><> Laranja: baixo estoque e doença em pomares
A alta da laranja tem como explicação o calor, a
seca e o greening,
doença que afeta pomares principalmente de São Paulo e Minas Gerais. Ela é
causada por uma bactéria, que, por sua vez, é disseminada por um inseto, diminuindo
a qualidade e a produtividade da fruta. “É uma doença séria que está em
crescimento exponencial”, diz Renato Garcia Ribeiro, do Cepea.
O valor da laranja-pera subiu 48,3% no
ano; no caso da laranja-lima,
a disparada foi de 91%.
Os problemas na produção prejudicaram a oferta, aumentando a demanda e o preço
da fruta. Como o g1 mostrou em agosto, o
cenário desfavorável fez com que os estoques de suco de laranja ficassem
tecnicamente zerados.
Tudo isso indica que os preços
não devem cair em curto prazo, segundo Renato Ribeiro. Mas há pelo menos um indício positivo: o clima mais úmido e menos
quente que marcou as últimas semanas no país. Caso essa condição persista, a
oferta de frutas pode aumentar, diz o especialista.
<><> Café e carne com preço nas alturas
Essa ligeira melhora no clima, no entanto, ainda
está longe de compensar os estragos causados pelas temperaturas e condições
extremas dos últimos meses.
As safras do café, por exemplo,
já haviam sido prejudicadas por intempéries como geadas e ondas de calor em
anos anteriores, e a situação não melhorou em 2024. Além disso, fatores externos, como a crise na produção do Vietnã,
elevaram a demanda internacional pela bebida – cujo maior exportador mundial é
o Brasil.
Essa junção de elementos elevou o preço do café às
alturas no ano passado – e, segundo especialistas ouvidos pelo g1, a perspectiva
é que ele continue alto até 2026.
A situação da carne é parecida. O preço
disparou 20,8% no
ano passado, a maior alta desde 2019, e não há expectativa de queda. Cortes
populares como o acém (25,2%),
patinho (24,1%)
e contrafilé (20%)
foram os destaques.
Quatro fatores ajudam a explicar a disparada de
preços, segundo economistas consultados pelo g1 no final de 2024:
1. Ciclo pecuário: após dois anos de muitos abates, a oferta de bois vai começar a
diminuir no campo;
2. Clima: seca e queimadas prejudicaram a formação de pastos, principal alimento
do boi;
3. Exportações: Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo e vem batendo
recordes de vendas;
4. Renda: queda do desemprego e valorização do salário mínimo estimularam
compras de carnes.
Segundo os analistas, esses fatores também indicam
que o preço não deverá baixar em
2025, e a alta pode se estender até 2026.
<><> Leite também subiu
A pecuária leiteira foi mais uma atingida pela seca
muito forte, ondas de calor, queimadas e enchentes, como explica Natália
Grigol, especialista do Cepea. “Tudo isso exigiu maior aporte de investimento e
limitou o crescimento da atividade”, diz ela.
Assim como a laranja, o leite
também teve problemas de oferta que são consequência da produção baixa em anos
anteriores. Mesmo mostrando alguma recuperação em 2024,
segundo a especialista, a demanda do consumidor ainda permanece alta, o que
estimula a alta de 18,8% no
preço do leite longa vida, por exemplo, ao longo dos 12 meses.
Natália afirma que 2024 foi atípico porque a
elevação de preço que ocorre próximo à metade do ano, uma flutuação sazonal,
durou mais tempo do que o normal. “E a oferta perdeu ritmo justamente por causa
da variação climática”, pontua.
<><> Clima estimulou cebola e tomate mais baratos
Se o clima foi um obstáculo para a maior parte das
lavouras, a lógica não valeu para todo mundo. Cebola e tomate, por exemplo,
registraram quedas de preço por esse mesmo motivo.
O preço da cebola caiu 35,3% em
2024, depois de apresentar alta em alguns meses no início do ano devido às
chuvas que atingiram regiões produtoras no sul do país. A recuperação ocorreu gradualmente
ao longo do ano, com a chegada do tempo seco.
“Para o produtor, no geral, é
melhor irrigar a plantação do que lidar com chuvas em excesso”,
afirma Renata Meneses, do Cepea. A estiagem contribuiu para alta produtividade
e, consequentemente, preços mais baixos para o consumidor.
No caso do tomate, a fruta também viveu momentos
distintos, registrando inflação no primeiro semestre e queda nos preços a
partir de junho. Segundo o especialista João Paulo Deleo, esse é o cenário
comum da produção, que normalmente enfrenta baixas no verão por causa do clima
quente e chuvoso.
O resultado anual, no entanto, foi de queda
significativa no preço: 25,8%.
A explicação também está no clima. “As condições do segundo semestre foram excelentes. O inverno foi
um pouco mais quente do que o normal, e isso favoreceu a produtividade”,
diz ele.
Fonte: g1
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