terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Marcelo Zero: Aliança entre as Big Techs e Trump representa a maior ameaça às democracias do mundo

A imprensa conservadora e a direita brasileira são bastante curiosas em suas avaliações sobre as ameaças à democracia.

Exibem uma compulsiva e pungente preocupação com grandes potências militares, econômicas e geopolíticas, como Cuba e Nicarágua, por exemplo, que, como se sabe, exercem forte e solerte influência em todo o mundo.

Outra pujante potência, no auge de seu poderio, a Venezuela, tornou-se, por sua parte, uma verdadeira obsessão. Pelo que lemos e ouvimos, Maduro não é só maior ditador da história da humanidade, mas também uma gravíssima ameaça ao Brasil e a toda a América Latina.

Mesmo com o governo brasileiro não tendo reconhecido o resultado das recentes eleições e esfriado muito as relações com Caracas, após o desapontamento com o descumprimento do Acordo de Barbados, a nossa mídia, furiosa com a posse de Maduro, exige condenação enérgica do Brasil, a qual implicaria o rompimento das relações diplomáticas com Caracas e a inviabilização definitiva de quaisquer negociações com o governo “de facto” do nosso estratégico vizinho. Querem que Lula repita o erro crasso de Bolsonaro, que agravou os problemas internos da Venezuela. As draconianas sanções e o isolamento só prejudicam a população mais pobre e frágil da Venezuela.

Mas a questão central aqui é que esses países, curiosamente todos de esquerda, não representam ameaça à democracia brasileira, embora existam muitos atritos atuais entre Manágua e Brasília e Caracas e Brasília. Tampouco representam real perigo para as democracias da nossa região e para o mundo.

Quem acha que Maduro tem condições de intervir em Essequibo, por exemplo, está extremamente mal-informado ou faz “análises fake”.

Mesmo potências reais, como China e Rússia, não representam nenhuma ameaça à nossa região. Só quem teve o cérebro congelado durante a primeira Guerra Fria acredita nos cânones da segunda Guerra Fria.

Se a nossa mídia conservadora procura verdadeiras ameaças à nossa região e às nossas democracias deveria olhar para outras direções. Mais especificamente, deveria mirar para o Norte do continente americano.

Lá, está prestes a tomar posse, na maior potência do planeta, um presidente que, além de não ter compromisso algum com democracia, tanto interna quanto externamente, é escancaradamente intervencionista e expansionista.

Segundo várias organizações estadunidenses comprometidas com a defesa da democracia, como a American Progress e a American Civil Liberties Union (ACLU), Trump, baseado no Projeto 2025, da organização de extrema-direita Heritage Foundation, intentará implantar um “presidencialismo imperial” nos EUA, uma espécie de “autocracia”, à semelhança de países como a Hungria, por exemplo.

Essa agenda antidemocrática está fundamentada na “teoria unitária do Executivo”. Essa filosofia de governo, visa a minar a separação tradicional de poderes e a conferir ao Presidente controle quase completo sobre a burocracia federal, incluindo agências independentes designadas pelo Congresso, ou ainda o DOJ e o FBI.

Nesse sentido, a agenda inclui a constituição de banco de dados de pessoal leal à extrema-direita para potencialmente substituir dezenas de milhares de servidores públicos federais; uma ferramenta educacional privada online para treiná-los; e um manual com planos de transição para cada agência federal. A Heritage Foundation pretende incluir 20.000 pessoas no banco de dados e já está levando seus esforços de recrutamento para todo o país.

A ideia básica é substituir a burocracia profissional por uma burocracia fortemente politizada.

Na realidade, Trump já está dedicado, há meses, a aparelhar toda a máquina do Estado com indivíduos que, por mais desqualificados que sejam, lhe dediquem fidelidade canina. Ele quer, inclusive, que todos os funcionários públicos prestem juramento ao MAGA.

Toda, ou praticamente toda a sua equipe, é composta por gente ligada ao MAGA e às suas propostas de extrema-direita. Quadros republicanos conservadores, porém moderados e racionais, estão sendo excluídos.

Como já escrevi, é uma Armada de Brancaleone de gente desqualificada, mas que terá imenso poder para cumprir as tarefas mais estapafúrdias e de legalidade duvidosa.

Ressalte-se que a maioria de extrema-direita da Suprema Corte dos EUA proferiu, recentemente, uma decisão que abalou a democracia estadunidense e que praticamente coloca o Presidente acima da lei, pela primeira vez na história americana. A Suprema Corte, com efeito, reescreveu a constituição americana ao decidir que o Presidente é amplamente imune a processos criminais e, portanto, não pode ser responsabilizado se violar leis, ao realizar “atos oficiais”.

Faz parte também dessa agenda reacionária procurar restringir ou dificultar o voto para grupos demográficos que tendem a votar nos Democratas. Trump quase que certamente rescindirá a Ordem Executiva 14019 do Presidente Biden sobre a Promoção do Acesso ao Voto. Essa Ordem Executiva inclui medidas destinadas a mitigar barreiras para indivíduos com deficiências e melhorar a educação do eleitor e as oportunidades de registro sob a Lei Nacional de Registro de Eleitores (NVRA). Isso incidiria, majoritariamente, sobre negros, latinos e pobres em geral.

Muito provavelmente, também Trump intentará um processo do que se chama nos EUA de gerrymandering. Trata-se de controverso método de desenhar ou redesenhar os distritos eleitorais, de forma a se obter vantagens para candidatos políticos de determinado perfil. Neste caso, haveria o redesenho dos distritos eleitorais para beneficiar candidatos conservadores.

A ideia de Trump, da Heritage Foundation e do MAGA é, portanto, a de tentar consolidar e eternizar uma opção política de extrema-direita nos EUA e de limitar fortemente o escopo da democracia estadunidense.

Pois bem, nesse diapasão, o controle da informação é fundamental.

Daí a centralidade do esforço em tornar a internet e as redes sociais um território livre, não para quaisquer manifestações, como alegam Musk e Zuckerberg, mas sim para as manifestações da extrema-direita, do discurso de ódio, das fake news etc.

Ao contrário do que se alega, os algoritmos das Big Techs e das redes sociais não são neutros. São manipuláveis e manipulados por grandes interesses econômicos e valores conservadores.

Como bem argumentou Robert McChesney, em sua obra How Capitalism is Turning The Internet Against Democracy (“Como o Capitalismo está Tornando a Internet Um Instrumento contra a Democracia”), o mundo da internet é principalmente dominado pelos interesses de grandes companhias, que efetivamente moldam a rede mundial de computadores. Com efeito, essas grandes companhias, com suas tecnologias proprietárias e seu imenso poder de produzir e controlar informações, transformam a internet numa grande plataforma de afirmação crescente de seus interesses próprios e particulares, em detrimento, muitas vezes, do interesse público.

Esse processo vem se intensificando, nos últimos anos, dado o poder crescente das Big Techs em monetizar, difundir e controlar as informações não somente dos cidadãos dos EUA, mas os de todo o mundo, com algumas exceções, como os da China, por exemplo.

Há de se considerar que, com o surgimento da mal chamada “inteligência artificial”, que não é inteligência e nem artificial, como bem observa o grande neurocientista Miguel Nicolelis, os algoritmos dessas empresas se tornaram bem mais sofisticados e eficazes. Sua capacidade de produzir dissonância cognitiva e de criar realidades paralelas aumentou exponencialmente.

Para se ter uma ideia do poder dessas Big Techs, pode-se mencionar que, em 2026, os “data centers” dessas empresas consumirão 1.000 terawatts de energia elétrica, o equivalente ao consumo de todo o Japão. E, para cada consulta individual média em inteligência artificial, gasta-se cerca de meio litro de água doce, pois a rede monumental de servidores precisa ser resfriada.

Em tal sentido, a aliança de Musk e de Zuckerberg com Trump e sua agenda de extrema-direita e antidemocrática é algo extremamente preocupante. Observe-se que outras Big Techs, como a Google, por exemplo, deverão se somar a esse, assim digamos, “esforço de contrainformação”.

É por isso que Daniel Ziblatt, professor da Universidade Harvard e coautor da obra “How Democracies Die” afirmou recentemente, ao Washington Post, que: “Já estávamos, nos últimos 10 anos, em um processo de decadência democrática, mas esta eleição de Trump só vai acelerar esse declínio.”

Trump e as Big Techs pretendem criar uma espécie de “super-Goebbels” extremamente sofisticado e danoso à democracia.

Note-se que esse não é um empreendimento nacional, algo restrito aos EUA.

É, na realidade, um esforço mundial, que envolve articulação de toda a extrema-direita internacional, inclusive a brasileira.

Haverá, assim, muita pressão sobre nossa região e sobre a democracia do Brasil. Pressão gerada por forças internas, em forte articulação internacional. Uma espécie de 8 de janeiro digital, com o objetivo de atingir nossa democracia e nossa soberania.

A designação de Marco Rubio para Secretário de Estado é um péssimo sinal e já há até um pedido da Subcomissão Global de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados dos EUA à OEA, requerendo informações sobre o suposto fato de o Brasil “desrespeitar a liberdade de expressão e impor censura”. No governo Trump, isso poderá se traduzir em sanções efetivas contra nossas instituições democráticas.

No plano externo, Trump não quer aliados, quer súditos.

Por isso, da próxima vez que Trump falar em tomar a Groenlândia ou o Canal Panamá é bom não rir ou desconsiderar como mero delírio megalomaníaco, pois o verdadeiro plano é bem mais ambicioso: trata-se de tomar de assalto as democracias do mundo.

É ameaça real e ampla que requererá a reação de todos.

 

¨      Hegemonia da desinformação e liberação do discurso de ódio na internet - retrocesso inaceitável na era digital. Por Celso de Mello

O grave retrocesso recentemente anunciado pelo CEO da META (empresa fundada originalmente como Facebook) , Mark Zuckerberg, consistente no encerramento do sistema de verificação de fatos (“fact-checking”), terá como consequência inevitável a irresponsável liberação do discurso de ódio e de intolerância em suas redes sociais (gesto que foi tão infamemente celebrado pela extrema-direita em nosso País).

Esse anúncio mereceu incisivo pronunciamento do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que corretamente enfatizou a necessária submissão das “big techs” ao princípio da “rule of law”, vale dizer, ao postulado da supremacia da Constituição e das leis da República!

Os fatos claramente demonstram quão essencial se revela a necessidade de regulação das “big techs, notadamente em face da primazia da soberania digital de nosso País , que constitui uma das múltiplas dimensões em que se projeta a soberania política do Estado brasileiro !

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

A anunciada supressão do modelo de “fact-checking” dará ensejo à proliferação da mentira, da fraude, da deturpação infamante da verdade e dos discursos de ódio e de intolerância , comprometendo, seriamente, ante a ausência de moderação de conteúdo, os valores básicos que regem a Internet no Brasil , inscritos na Lei 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet”) , e cuja observância deve prevalecer para que a rede mundial de computadores (“World Wide Web” ou WWW) propicie a todos um espaço digital democrático e seguro !

Os ambientes digitais tornar-se-ão locais em que , sob o falso (e enganoso) pretexto de proteção à liberdade de expressão, praticar-se-ão abusos no exercício dessa franquia constitucional e cometer-se-ão fraudes e ilegalidades, fragilizando-se (ou até mesmo suprimindo-se) direitos e liberdades fundamentais que protegem o patrimonio moral das pessoas, a integridade da ordem jurídica do Estado e a defesa de minorias e de grupos vulneráveis !

Com o virtual esvaziamento do dever de moderação, tornar-se-á possível desobedecer a regra básica (e incontornável) de que todos os usuários devem ser tratados com dignidade e igualdade, para impedir que as plataformas de conteúdo liberem ou facilitem , de modo seletivo (e, portanto , não igualitário) , a disseminação de “fake news” e de outras manifestações que vulnerem a legislação nacional, notadamente a de índole penal , inclusive a circulação, em caráter preferencial, de outros textos e imagens veiculadores de tratamentos degradantes , ofensivos , preconceituosos , insultuosos e discriminatórios em detrimento das pessoas em geral e , em particular, de grupos minoritários ou de comunidades vulneráveis!

Insista-se , pois, no seguinte ponto : a Lei n. n° 12.965, de 23 de abril 2014 , que instituiu o “Marco Civil da Internet” , tem como seu precípuo objetivo viabilizar tratamento isonômico que impeça , entre outras, a prática abusiva do direito à livre expressão (o abuso de direito constitui ato ilícito, como prescreve o artigo 187 do Código Civil) e que permita , segundo padrões compatíveis com o ordenamento constitucional , a comunicação democrática entre os usuários da rede, vedando-se , por efeito consequencial, qualquer tratamento discriminatório ou preconceituoso , por razões étnico-raciais, de nascimento, de orientação sexual e de identidade de gênero, de religião, de fortuna ou de posição social, proibidas, enfim, distinções de qualquer natureza , tudo em ordem a neutralizar atos que desfavoreçam ou que desrespeitem , notadamente, minorias ou grupos vulneráveis!

Para que a Internet seja efetivamente livre e aberta, torna-se essencial que as “big techs” (e não apenas elas) respeitem , considerado o ordenamento positivo nacional , o primado da soberania política, inclusive daquela que se projeta no plano digital , do Estado brasileiro, observando, de modo incondicional, a supremacia dos postulados constitucionais por ele promulgados , a significar que existem, nesse âmbito , limites éticos e jurídicos inultrapassáveis pelas plataformas digitais e que por estas não podem ser transgredidos !

Enfim : fragilizar, quando não suprimir , o poder de moderação de conteúdo, com a eliminação da checagem de fatos, importa em favorecer a disseminação do discurso de ódio, em fomentar a intolerância , em comprometer os princípios e diretrizes que regem as redes sociais e, ainda, em frustrar as atividades das plataformas digitais , destinadas , por imperativo legal, a fornecer serviços e espaços seguros e íntegros no âmbito da Internet , obstando-as , indevidamente, em razão do afastamento do modelo de “fact-checking”, que elas , no cumprimento de seus deveres legais, possam desempenhar a legítima incumbência de conferir eficácia real à tutela dos direitos fundamentais , de proteger o regime democrático e de tornar efetiva a promoção do pluralismo de ideias, impedindo , quanto a tal aspecto, que o arbítrio das maiorias asfixie , injustamente, em contraposição ao princípio democrático, os direitos e liberdades fundamentais das minorias e dos grupos vulneráveis.”

 

¨      O mercado do ódio. Por Marcia Tiburi

Como nos tornamos viciados em uma emoção destrutiva? 

Quanto vale o ódio do Trump contra o mundo? 

Quanto vale o ódio dos EUA contra os latino-americanos? 

Quanto vale o ódio dos ricos contra os pobres?  

Quanto vale o ódio dos brancos contra os negros? 

Quanto vale o ódio dos homens contra as mulheres? 

Quando vale o ódio dos ruralistas contra os indígenas? 

Quando vale o ódio dos fascistas contra aqueles que defendem a democracia? 

Tais perguntas podem parecer puramente retóricas, mas elas remetem a um fato terrível do capitalismo em seu estágio avançado de putrefação. 

Faz tempo que o ódio vem sendo monetizado. O que chamamos de “mercado” transformou o próprio ódio em mercadoria. Uma mercadoria que tem uma única serventia: viciar o usuário em odiar mais. O ódio traz uma grande compensação para aquele que odeia. Ele se sente vitorioso em uma guerra que, antes de acontecer na vida real, acontece no imaginário. Na verdade, o odiador está em guerra com ele mesmo. Ele projeta o ódio que sente a si mesmo para fora, em um outro imaginário. O ódio ao comunista depende de uma imagem forjada de comunismo, o que chamamos de comunismo imaginário. No território das telas, a compensação pelo ódio serve para quem odeia o inimigo imaginário, mas também para quem não possui os atributos valorizados pelo capitalismo. Por exemplo, na internet vemos homens feios odiando mulheres, todo tipo de gente esteticamente comprometida usa juízos estéticos para a promoção de preconceitos tais como racismo, gordofobia, misoginia e etc. 

Quem odeia é, na verdade, o “desmonetizado” do espetáculo. Aqueles que não possuem a imagem de valor, mas possuem o meio de aparecer nas redes sociais se sentem compensados pelo simples aparecer e conquistar likes. A compensação por si só, vale tudo. Como um «fã » de bilionário que não tem o dinheiro, mas tem a chance de adorar, um cidadão qualquer se sente compensado por amar o rico e odiar o pobre. Mesmo que ele seja pobre. A sensação de adorar o “maioral” traz a sensação de ser maior do que se é. E assim ser um fascista em paz consigo mesmo, ou seja, autocompensado emocionalmente. As redes sociais jogam com esses afetos envolvidos na produção da subjetividade e da “identidade”. 

Mark Zuckerberg com sua fala cheia de autoritarismo pusilânime aciona a preocupação mundial com a democracia. Ele segue Elon Musk, se alinha a Trump e a todos os fascistas do planeta em torno do mercado do ódio. A emoção mercadoria tem alta no mercado dos afetos. O ressentimento vale mais a cada dia. O sentimento da destruição e do gozo com o sofrimento alheio traz amparo aos odiadores. 

A pergunta que não pode calar é “o que podemos contra o ódio?”. 

Disso depende o futuro da nossa espécie, ameaçada por indivíduos tomados por sede de capital, mas também por delírio de poder. O poder pelo poder, para ter mais poder, para realizar-se no narcisismo sem fronteiras. Trump, o morto-vivo, retrato da desgraça humana, gozando com a ameaça contra outros países, gozando com a guerra. Defender a democracia é defender a nós mesmos, nossos filhos, nossos netos. Não há futuro sem democracia. Nenhum de nós existirá sem democracia. Derrubar a Meta é a meta! Talvez seja a hora também de perguntar se a inteligência humana do povo tem alguma chance de ser maior que a inteligência artificial de Mark Zuckerberg.

 

Fonte: Brasil 247/Jornal GGN

 

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