segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Eduardo Vasco: Trump exacerba as contradições entre EUA e América Latina

Donald Trump ainda nem tomou posse e os atritos com a América Latina já se desenvolvem rapidamente. Temos aqui quatro exemplos muito recentes que apontam para uma tendência de conflitos políticos sem precedentes entre os países latino-americanos e caribenhos e os Estados Unidos.

O mais recente foi a troca de declarações entre Trump e a presidenta Xiomara Castro sobre os imigrantes e a base militar em Honduras. Após o presidente eleito dos EUA reafirmar que vai deportar uma quantidade ainda indefinida (porém, ao que se espera, recorde) de imigrantes ilegais da América Central – o que inclui Honduras –, a líder hondurenha tomou uma postura surpreendente e corajosa.

 “Diante de uma atitude hostil de expulsão em massa de nossos irmãos, teríamos que considerar uma mudança em nossas políticas de cooperação com os Estados Unidos, especialmente no campo militar em que, sem pagar um centavo, há décadas, eles mantêm bases militares em nosso território, que neste caso perderiam toda a razão de existir em Honduras”, disse ela em sua mensagem de Ano Novo.

Os Estados Unidos mantêm em Honduras a Base Aérea de Soto Cano, construída em 1982 em plena ditadura militar terrorista, famosa por seus massacres sumários na área rural com a utilização de esquadrões da morte. O grande pretexto para a construção da base era o combate aos guerrilheiros que lutavam contra a ditadura patrocinada por Washington. A ditadura acabou, a guerrilha sumiu, mas a base permaneceu.

São cerca de 1.000 pessoas que ainda servem na base, entre militares e civis, a maioria norte-americanos. Nos últimos anos, a presença militar dos EUA no país serviu para desestabilizar o governo de Manuel Zelaya – marido de Castro –, derrubado por um golpe militar-policial apoiado pelo Pentágono. O regime que se seguiu, considerado uma ditadura pelo atual governo, recebeu grande suporte dos EUA na repressão à oposição e aos movimentos sociais que contestavam a política de entrega dos recursos econômicos e naturais do país às companhias estadunidenses.

Um pouco antes outra crise diplomática já havia surgido, mais ao sul da América Central. No final de dezembro, Trump ameaçou retomar o controle do Canal do Panamá, por considerar que as tarifas cobradas aos EUA pela passagem pelo canal são “altamente injustas”. "Essa enganação completa do nosso país vai acabar imediatamente", acrescentou Trump.

"Quero expressar de forma precisa que cada metro quadrado do Canal do Panamá e sua área adjacente pertencem ao Panamá e continuarão sendo", respondeu imediatamente o presidente panamenho, José Raúl Mulino. "Soberania e independência não são negociáveis", continuou ele.

O líder panamenho continuou: "Todo panamenho aqui ou em qualquer lugar do mundo o carrega no coração, e ele faz parte da nossa história de luta e de uma conquista irreversível." Ele enfatizou: "Os panamenhos podem pensar diferente em muitas questões, mas quando se trata do nosso Canal e da nossa soberania, todos nós nos unimos sob uma única bandeira, a do Panamá."

Como Honduras, o Panamá sofre com um histórico de intensa interferência estadunidense. Ela começou com a própria criação do país, em 1903, quando Theodore Roosevelt percebeu a importância de se construir um canal para o escoamento da produção industrial dos EUA e a recepção das matérias primas vindas da Ásia. Só que o Panamá não existia: era uma parte da Colômbia. Então foi organizada uma revolução colorida que pedia a independência do Panamá. Os EUA enviaram navios de guerra para a região e, quando o movimento sagrou-se vitorioso, reconheceu imediatamente o novo país. No ano seguinte, o Canal do Panamá já estava sendo construído e seria concedido aos EUA. Um claro exemplo de como o imperialismo americano, já naquela época, dividia para reinar.

Quando Manuel Noriega, um notório colaborador da CIA, começou a se tornar independente demais do controle estadunidense, na década de 1980 – após o fim do prazo de concessão do Canal –, os Estados Unidos o acusaram de ser um narcotraficante e ameaçar a sua segurança nacional. Invadiram o Panamá, mataram um monte de panamenhos, prenderam Noriega e o levaram para os EUA e retomaram o controle efetivo sobre o país.

<><> Tarifas contra México e Brasil

Até mesmo dois gigantes do continente estão sofrendo ameaças de desestabilização do novo presidente dos EUA. No final de novembro, uma troca de declarações elevou as tensões de Washington com seu vizinho. Recém-eleito, Trump disse que irá impor tarifas de 25% a todas as importações do México e do Canadá e que só voltaria atrás em sua decisão caso os vizinhos detenham a imigração ilegal e o tráfico de drogas.

Então, a presidenta mexicana Claudia Sheinbaum respondeu: "Se houver tarifas dos EUA, o México também as aumentará." Os dois então tiveram uma conversa por telefone e Trump revelou que sua colega havia "concordado em interromper a migração através do México e para solo americano, efetivamente fechando nossa fronteira sul". Porém, Sheinbaum se apressou para negar categoricamente as afirmações do empresário tornado presidente.

“Se uma porcentagem do que os Estados Unidos alocam para a guerra for dedicada à construção da paz e ao desenvolvimento, a mobilidade das pessoas será fundamentalmente abortada”, escreveu Sheinbaum em uma carta a Trump.

O último capítulo das tensões foi a reivindicação do nome do Golfo do México, que, segundo a administração que assumirá o país, precisa mudar para Golfo da América e ser reconhecido como tal a nível internacional. Sheinbaum reagiu com humor: exibiu um mapa da América do Norte em que o sul dos Estados Unidos é descrito como “América Mexicana”.

Seja como for, as autoridades mexicanas estão apreensivas pelas primeiras medidas que poderão ser tomadas pela nova administração de seu vizinho do norte. Um sinal de alerta já está sendo enviado à comunidade mexicana nos Estados Unidos, para que fiquem atentos aos recados urgentes em caso de perigo.

Mas não foi somente o México que foi ameaçado com tarifas comerciais. No dia 16 de dezembro, Trump citou o Brasil nominalmente como exemplo de país que sofrerá novas taxas. Pouco antes, já havia anunciado a intenção de impor tarifas de 100% aos produtos importados dos países do BRICS, caso eles concretizem as ideias de desdolarização de suas transações comerciais. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, chamou as ameaças de “provocativas”.

O Brasil também teve desavenças nos últimos meses com Elon Musk, que agora fará parte do governo Trump, na prática. O magnata da tecnologia tem interferido de forma escandalosa nos assuntos internos do país. No ano passado, a Suprema Corte bloqueou o X por algumas semanas e a primeira-dama o acusou de violar a soberania nacional brasileira.

Com as declarações de Trump, os posicionamentos intervencionistas de Musk (como está fazendo também na Europa) e um secretário de Estado como Marco Rubio, a tendência é que as relações dos Estados Unidos com a América Latina observem uma piora significativa em comparação com os últimos anos – incluindo o primeiro mandato de Trump. Apesar de o continente sempre ter sido considerado por Washington como um quintal onde os estadunidenses fazem o que querem, o intercâmbio crescente com China e Rússia e a presença de líderes de esquerda (ainda que moderada) em vários países deve gerar atritos significativos.

Embora seja claro que os países latino-americanos sofrerão pressões da nova administração da Casa Branca, a situação tem um lado positivo que se sobrepõe ao negativo. Fica cada vez mais evidente como os Estados Unidos não veem as nações do sul como iguais e como desprezam os seus povos. As contradições abrem uma ótima possibilidade para colocar em prática as sugestões de Xiomara Castro e expulsar os militares estadunidenses que estão instalados em vários países latino-americanos para garantir o controle político ou desestabilizar seus governos.

Também surge a chance de diversificar as relações comerciais dos países da América Latina, historicamente dependentes dos EUA, e acelerar a aproximação com China, Rússia e os BRICS. É fundamental abandonar a dependência econômica dos Estados Unidos, porque ela é a base para a escravidão política e as intervenções militares promovidas por Washington quando bem entende. O establishment estadunidense não gosta de Trump por vários motivos, mas principalmente porque sua política escancara o funcionamento do imperialismo americano. Trump pode estar abrindo os olhos de muitos latino-americanos, que agora veem (já temperados por seu primeiro mandato) o quão nocivas e subservientes são as relações de seus países com os EUA. E que isso tem que acabar.

 

¨      Trump 2.0 será dureza para América Latina. Por Monica Hirst

Durante o todo o mês de dezembro anúncios nefastos, que faziam lembrar uma tempestade de meteoritos, foram dando a conhecer um variado elenco das linhas de ação do governo Trump 2.0. Não se quer propor uma gincana em que se compita entre ações que mais inspirem preocupação, até porque será difícil escolher a de maior desumanidade. Exemplo incontestável são as expectativas sobre a mesa relacionadas à política migratória. A nova administração pretende uma abrangente reconfiguração da política migratória americana entrelaçando três tipos de motivações: um processo de limpeza e purificação social-demográfica, o pleno controle da integridade territorial a partir de um eficaz controle fronteiriço e o aperfeiçoamento da segurança interna americana assegurado pela perseguição aos grupos e organizações de crimes organizados. Como já se sabe, a receita propalada durante a campanha presidencial do candidato republicano para cortar o mal pela raiz será a deportação massiva.

A narrativa trumpista encara a migração desde um prisma securitizado que pretende transformar o imigrante indocumentado numa ameaça. Ademais, de acordo com tal perspectiva, sua vinculação com grupos de crime organizados leva a que este “elemento” esteja associado como ações de natureza terrorista. A entrada de migrantes latinos converteu-se assim num tema demonizado; uma fonte de insegurança doméstica que prejudica a paz interna e perturba a vida cotidiana do cidadão americano. Discriminação, xenofobia e racismo tornam-se reações normalizadas nesta ambientação ideológica, correndo-se o risco de que estas más práticas se tornem impunes nos sistemas de administração pública federais e estaduais. O compromisso assumido por 26 governadores republicanos de apoiar a esta política com seus recursos econômicos e policiais, abre portas e janelas para que a missão se cumpra. Tal impunidade estará legitimada pelo slogan repetido durante toda a campanha do futuro presidente conclamando a recuperação da grandeza da nação. A intenção de dar início a um processo de limpeza social e étnico que compreende uma das receitas para este engrandecimento sacude de um dos pilares da Democracia do país; a chegada de levas sucessivas de imigrantes de todas as partes do planeta para “fazer a América”.

Uma meta da política migratória trumpista será uma expressiva redução do grupo de refugiados no país. Já ensaiada com sucesso no seu primeiro governo, este propósito é condizente com as intenções isolacionistas do que será a política externa de Trump. Programas de refúgio generosos caminham de mãos dadas com as orientações intervencionistas do liberalismo internacionalista, tão praticadas pelos governos democratas. A lógica é simples. Quanto menos os Estados Unidos se meterem na vida política de outros países, menos compromissos de proteção e acolhimento as vítimas de governantes que violam direitos humanos. De acordo com dados recentemente publicados no New York Times, Trump1.0 finalizou seu mandato em 2020 aceitado a entrada de um reles total de 11,000 refugiados. A partir do governo Biden o programa rapidamente reativou-se, o que significou no ano fiscal de 2023 um acolhimento de 110,000 beneficiados. Garantir que as concessões de refúgio não sejam revogadas será uma das árduas tarefas das inúmeras agências de integração de refugiados que atuam em diferentes partes do país. A promessa de imediata suspensão do Programa por Trump 2.0 indica que anos de retrocesso humanitário prevalecerão.

Em 2022 o Centro de pesquisa Pew calculava que os imigrantes indocumentados nos Estados Unidos chegavam a 11 milhões de pessoas, das quais 4,5 milhões são de origem latina. O grupo mais numeroso está composto de mexicanos, que neste ano alcançavam 4 milhões. Espalhados por todo o território americano, há uma concentração de migrantes latinos indocumentados nos Estados do Texas, Florida, Arizona e Nova York.

Nos países latino-americanos já é percebido o impacto político e mesmo psicológico das desventuras que afetarão o movimento migratório de Sul a Norte. Teme-se pelo impacto na vida cotidiana das famílias instaladas nos EUA, especialmente das crianças lá nascidas cuja cidadania não poderá ser retransmitida a seus pais. Além dos desafios econômicos enfrentados pelos diversos segmentos nacionais da diáspora regional, para a qual será dramática a redução dos envios de remessas, começam-se a observar divisões difíceis de lidar no plano da vida pessoal. Foi expressivo o apoio de votantes latinos - devidamente legalizados, por certo, à Trump nas últimas eleições. Nos anos vindouros é de se esperar maior polarização e conflitos no seio das próprias famílias que integram a diáspora latina.

É indiscutível que nossa região se tornou um fácil saco de pancadas da política internacional trumpista. A rede de aliados, amigos e antigos colaboradores já escolhidos para chefiar as embaixadas americanas será uma eficaz almofada para calar governos, garantir associados e assegurar um relaxado trânsito de interesses, sejam estes de Silicon Valley, Washington ou Miami. Cabe indagar se será possível articular um processo de agregação de forças e posicionamentos por parte da América Latina que se contraponha à tal mis em scéne. Já ecoam algumas reações em países da região à proposta de Trump de reescrever o tratado do Panamá. Será possível vislumbrar esforços aglutinadores que revertessem os anos recentes de paralisia e mesmo apatia do regionalismo latino-americano?

 

¨      Lobby de bolsonaristas deve prejudicar a relação Brasil e EUA na era Trump

No próximo dia 20, o presidente norte-americano eleito, Donald Trump, toma posse do segundo mandato envolto, desde a última semana, em muitas polêmicas. Uma delas foi o anúncio de indexação do Canadá ao território dos Estados Unidos, além da invasão da Groenlândia e da retomada do Canal do Panamá. 

Para Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE), as declarações do próximo presidente dos EUA mais parecem conversa de bar, criadas para servir de cortina de fumaça pela complexidade em cumprir o que foi prometido ao longo da campanha. 

“Primeiro, essa questão que ele colocou como ponto focal da campanha, que é a imigração, a deportação em massa. Ele não vai conseguir deportar 10 milhões de ilegais. Fisicamente é impossível. Segundo, já há uma articulação entre os governadores democratas do Sul e alguns estados agrícolas que dependem muito dos imigrantes para o trabalho no campo. Quer dizer, os boias-frias lá são os imigrantes. Então, eles vão reagir a isso. Não vai ser fácil para o Trump implementar essa política”, explica o também entrevistado no programa Nova Economia da última quinta-feira (9). 

Mas em relação ao Brasil e à América Latina, a aposta de Barbosa é que 2025 será um ano crucial para a política externa do Brasil, até porque com a possível indicação de Marco Rubio como secretário de Estado, existe a possibilidade da formação de uma coalizão de países da direita contra os da esquerda na América Latina. 

 “Ele é filho de cubanos que emigraram depois da Revolução Cubana. Então, ele tem posições muito definidas em relação à esquerda aqui na região, a Venezuela, a Colômbia, a Venezuela, a Cuba e a Nicarágua”, afirma o ex-embaixador, que descreve uma situação muito complicada para a região. 

Devido à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Barbosa acredita que o Brasil também estará na mira do novo governo norte-americano, devido ao lobby feito por bolsonaristas. “Bolsonaro foi convidado para posse. O filho do Bolsonaro tem muito boas relações com a equipe do Marco Rubio”, observou o entrevistado. 

“Um grupo de deputados que está indo à posse do presidente Trump está pedindo que o Departamento de Estado cancele o visto do Alexandre Moraes. Isso já tinha sido pedido pela Câmara dos Deputados. E tem mais, há um pedido escrito da Câmara dos  Representantes à OEA [Organização dos Estados Americanos], a Comissão de Direitos Humanos da OEA, para que ela abra um processo contra o Brasil, por causa das restrições à livre expressão de americanos aqui no Brasil”, continua Barbosa.

A possibilidade de regulamentar as Big Techs como a Meta, que na última semana anunciou o fim do programa de encerramento do programa de checagem de fatos e o alinhamento com Trump, também pode gerar choques e ter consequências políticas.

 

Fonte: Brasil 247/Jornal GGN

 

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