segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Meta da inflação estourou, mas governo mira na Meta

Já dizia, Gilberto Gil, em carta musicada ao ex-jogador e médico Afonsinho, que “a perfeição é uma meta defendida pelo goleiro”. No Brasil, a meta de inflação, que virou uma miragem contínua a ser perseguida 18 meses adiante pela política de juros do Comitê de Política Monetária do Banco Central, é de 3,00% (a meta efetiva, mais uma tolerância, para cima ou para baixo, de 1,50%, é de 4,50%, o chamado teto da inflação). No ano passado, o teto da meta do Banco Central era de 4,50%. Mas choques diversos, climáticos internos e externos e a alta internacional do dólar, que chegou a 27% no Brasil (24,5% foi a desvalorização do real, segundo o Banco Central), fizeram a inflação dos alimentos em domicílio (8,22%, puxada pelas altas de 20,84% das carnes, de 29,21% do óleo de soja, de 18,83% do leite longa vida e de 39,60%do café, devido à seca no Vietnã!), e a dos bens transacionáveis em dólar, disparar no 2º semestre e fechar o ano em 4,83%. Acima do teto da meta.

Se fosse no futebol americano, com o gol mais elevado, em forma de Y, poderia valer mais dois pontos na contagem. Como aqui joga-se futebol com bola redonda e há regras para a meta de inflação definidas em junho de cada ano, com dois anos de antecedência, pelo Conselho Monetário Nacional (presidido pelo ministro da Fazenda, e com a participação da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central), um dos primeiros atos do novo presidente do BC, Gabriel Muricca Galípolo - que era diretor de Política Monetária e sucedeu a Roberto Campos Neto (que ficou na presidência de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2024) -, foi justificar as causas do estouro. Por sinal, foi o terceiro estouro na gestão de Campos Neto: em 2021, o teto da meta era de 5,25% e o IPCA subiu 10,06%; em 2022, mesmo com os cortes eleitoreiros de impostos dos combustíveis, da energia elétrica e das comunicações, de 1º de julho a 31 de dezembro, a inflação foi de 5,79%, acima do teto da meta, e não impediu a vitória de Lula. Agora, Galípolo, que foi secretário-executivo do Ministério da Fazenda, no começo do governo, até assumir a diretoria de Política Monetária, em maio de 2023, explicou em 26 tópicos ao ministro Fernando Haddad que “a inflação em 2024 ficou acima do intervalo de tolerância em decorrência do ritmo forte de crescimento da atividade econômica [3,5% a 3,6%], da depreciação cambial e de fatores climáticos, em contexto de expectativas de inflação desancoradas e inércia da inflação do ano anterior. Portanto, a inflação envolveu uma gama ampla de fatores. No sentido contrário, destaca-se a queda do preço internacional do petróleo no segundo semestre do ano”.

Felizmente, essa carta formal de escusas pelo não cumprimento da meta inaugura um diálogo que ficou ausente entre o Banco Central e o governo Lula. Roberto Campos Neto exacerbou o mandato de independência do Banco Central perante o Executivo (conquistado pela Lei 179, de fevereiro de 2021, mas ignorado por Guedes em junho de 2022) e não trocou figurinhas com Fernando Haddad, indicado ministro da Fazenda durante a fase de transição. Errou muito o Banco Central por manter os juros altos supondo que haveria imediata e integral retomada dos impostos em 1º de janeiro de 2023. Com o entrosamento entre Galípolo e o Ministério da Fazenda, Lula não precisa entrar em campo para dar caneladas no presidente do Banco Central, como fazia com Campos Neto (seria o troco por CN ter votado em 2022 com a camisa do Brasil?).

Como tem trânsito livre com Haddad, Galípolo pode ser franco ao decompor “os fatores determinantes da inflação”, analisados “quantitativamente por meio da utilização de modelos macroeconômicos”. Assim, os “principais fatores que contribuíram para o desvio de 1,83 p.p. da inflação em relação à meta (3,00%) foram a inflação importada (contribuição de 0,72 p.p.), a inércia do ano anterior (0,52 p.p.), o hiato do produto (0,49 p.p.) e as expectativas de inflação (0,30 p.p.). Dentro do grupo inflação importada, a principal contribuição adveio da depreciação cambial (efeito de 1,21 p.p.), seguida das commodities em geral, medidas pelo Índice de Commodities – Brasil (IC-Br) (efeito de 0,10 p.p.), as quais mais que contrabalançaram os efeitos estimados da queda do preço internacional do petróleo (efeito de -0,59 p.p.)”.

Mas Galípolo advertiu, no item 9, que “o crescimento da atividade econômica, que surpreendeu para cima ao longo do ano, foi forte e também contribuiu para a inflação acima do intervalo de tolerância. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,3% no acumulado do ano até o 3º trimestre de 2024. O BC espera crescimento de 3,5% para 2024. Destaca-se o significativo crescimento da demanda doméstica, em especial do consumo das famílias e da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que atingiram crescimento de 5,1% e 6,6%, respectivamente, no acumulado até o terceiro trimestre do ano. O crescimento do consumo refletiu o aumento da massa salarial real, com o rendimento médio nominal habitual de todos os trabalhos entre janeiro e novembro de 2024, sendo 9,0% superior ao do mesmo período do ano anterior, uma elevação de 4,5% em termos reais (descontada a inflação). Isso significa dizer que “a economia está muito acelerada e precisa de uma pausa, com juros altos para esfriar o motor”.

<><> A questão depende do acelerador de Trump

Acontece que enquanto a classe política goza das imerecidas férias - o serviço de 2024 não foi concluído, a começar pela votação do desenho final do Orçamento Geral da União (OGU) de 2025, que ficou em aberto e só será retomado após o recesso do Legislativo em 1º de fevereiro, com prioridade para a eleição das respectivas mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal -, o mundo está em suspense quanto às primeiras medidas do governo Trump, que toma posse na próxima segunda-feira, 20 de janeiro. Até aqui, antes da posse, Trump, além de provocar uma guerra de moedas, com as ameaças de pesadas barreiras tarifárias contra produtos chineses, dos parceiros da Alca – Canadá e México – da Europa, se não aumentar as compras de gás liquefeito de petróleo dos Estados Unidos, ainda se excedeu nas bravatas de anexar a Groelândia (território da Dinamarca), assumir o controle do Canal do Panamá e transformar o Canadá no 51º Estado americano.

O mundo está em compasso de espera. Os mercados financeiros oscilam freneticamente. A cada hora a biruta sopra para uma nova direção e a classe política brasileira parece não estar nem aí. Mas o governo Lula precisa sair da inércia e criar pontes com a nova composição do comando do Congresso, com o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) à frente do Senado e da presidência do Congresso, e o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) assumindo a Câmara. Além do entrosamento com dois grandes partidos que integram a base do Centrão, o presidente Lula visa aumentar a influência entre os segmentos religiosos: Alcolumbre é judeu e Hugo Motta representa, no Republicanos, uma fatia dos evangélicos, como partido da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo. Não basta formar maioria no Congresso. É preciso, antes de tudo, se comunicar melhor com a sociedade. E não é com a linguagem do PT, que gera reações em largas fatias da população.

Vejam o caso do estouro do teto da meta da inflação. Foi pequeno, de 0,33 ponto percentual. E mais causado por problemas climáticos e externos, que fogem ao controle da política econômica. O caso da estiagem no Sudeste Asiático é sintomático. Como o Vietnã é o 2º produtor mundial do café e o líder na produção do tipo "conilon" ou robusta (que prevalece no Espírito Santo), e o Brasil é o maior produtor do café arábica, mais saboroso e valorizado, seguido da Colômbia, as fábricas que misturam os dois tipos de café pelo mundo reajustaram os preços fortemente, e a alta do dólar tornou o café mais amargo. Pior foi o cacau, que subiu 182% (em dólar) na Bolsa de Mercadorias de Nova Iorque. Esperem um salto no preço do ovo de Páscoa. Essas são questões que precisam ser traduzidas para a população. Tirando esses percalços, a economia está sendo um sucesso, mesmo com problemas climáticos, e a safra agrícola de 2024/25 promete ser excelente, com baixa nos preços dos alimentos.

A troca do modelo de comunicação do governo com o público não pode visar apenas as eleições de 2026. É preciso mobilizar a cidadania para correr aos postos de saúde para se vacinar contra a dengue e contra a covid e novas ameaças que vêm da China. Os postos de saúde estavam vazios esta semana. Como se não houvesse um surto de dengue... O Ministério da Saúde não faz campanhas de mobilização. Saudades do “Zé Gotinha”, sepultado pelo negacionismo do governo Bolsonaro. Sidônio Palmeira tem muito o que fazer para sacudir o marasmo do governo Lula, que não pode oscilar entre os ministros trancados em gabinetes e os discursos de Lula. Falta conexão entre os dois para que o povão compreenda para onde o país está avançando.

<><> O desafio da Meta

No Brasil, já ficou claro que tanto na comunicação formal, através dos meios tradicionais de divulgação de notícias e realizações (rádio, TV e outdoors), quanto nas novas redes sociais, o governo Lula está disléxico. Sidônio Palmeira precisa recuperar um terreno que há muito foi conquistado pela direita e pela disseminação de “fake News”. O caráter da novidade de uma notícia mentirosa, distorcida, ou de “fatos alternativos”, como Donald Trump nomeava as “fake News” em seu primeiro governo, tende a ganhar mais terreno – a partir dos Estados Unidos – depois que o X de Elon Musk e a Meta de Mark Zuckerberg (que controla o Facebook, Instagram, Threads, Messenger e WhatsApp) se curvaram politicamente a Trump e abdicaram de fazer a checagem da veracidade do conteúdo das mensagens que veiculam em suas redes sociais. Ao deixar o “policiamento” aos próprios usuários, que não têm discernimento para distinguir boatos de notícias (função exercida por redes importantes de notícias – vejam o caso dos haitianos que "comeriam gatos e cachorros" nos EUA), criou-se um território sem lei na internet. A deturpação, a pornografia e a exploração dos incautos por armadilhas de “influencers”, não terão limites. A lógica dos donos de redes é fazer dinheiro com mais tráfego. Mesmo que à custa de tráfico e de “acidentes de trânsito”.

As sociedades responsáveis – que já aboliram o uso de celulares nas salas de aulas (por desviarem o foco dos alunos da aprendizagem) – estão alertas. As leis que regem as atividades humanas cotidianas não podem ser ignoradas nas plataformas. A Austrália, o Reino Unido, a União Europeia e o Brasil (o 4º usuário das redes sociais no mundo) estão em guarda. O Supremo Tribunal Federal, que conduz o inquérito das “fake news”, e o governo Lula já instaram a Meta (como antes o STF enquadrou o X) a informar se os mesmos princípios do “liberou geral” nas terras de Tio Sam vão valer abaixo do Equador. Aqui, valem as leis brasileiras e a soberania nacional.

¨      Galípolo diz que BC tem atuado para que inflação atinja a meta e reitera altas adicionais na Selic

O Banco Central tem tomado as devidas providências para que a inflação atinja a meta estabelecida, disse nesta sexta-feira o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, após descumprimento do alvo em 2024, apontando que a desvalorização do real ainda pressionará os preços neste ano.

Em carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Galípolo disse que o BC tem definido a taxa Selic para assegurar a convergência da inflação à meta e reforçou que, diante de um cenário mais adverso, a autarquia antevê duas elevações de 1 ponto percentual nos juros básicos.

A inflação no país fechou 2024 em 4,83%, informou nesta sexta-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmando o estouro do teto da meta, uma possibilidade que o BC já projetava em dezembro como próxima a 100%.

A meta de inflação é de 3%, com uma banda de tolerância até o limite inferior de 1,5% e teto de 4,5%.

Na carta, Galípolo afirmou que o principal fator a levar ao rompimento do teto da meta foi a inflação importada, que contribuiu com 0,72 ponto percentual para o desvio do índice de preços.

Dentro desse componente, a desvalorização do real teve efeito de alta de 1,21 ponto, seguida das cotações das commodities em geral, com efeito de 0,10 ponto. Por outro lado, a queda do preço internacional do petróleo, com efeito de -0,59 p.p., contrabalançou parcialmente esses impactos.

"A significativa depreciação cambial decorreu principalmente de fatores domésticos, complementada pela apreciação global do dólar norte-americano", afirmou, citando como fator a percepção do mercado sobre a política fiscal do governo.

No documento, o presidente da autarquia apontou que o processo de depreciação cambial no Brasil começou em abril de 2024 e se intensificou ao longo do ano.

"Assim, parcela dos efeitos diretos e indiretos do repasse cambial ainda deve se efetivar em 2025", disse.

Galípolo também citou como fatores que colaboraram para o estouro da meta de 2024 a inércia do ano anterior (0,52 p.p.), o hiato do produto (0,49 p.p.) e as expectativas de inflação (0,30 p.p.).

Esta foi a oitava vez que a evolução dos preços ao consumidor no país rompeu os limites de tolerância estabelecidos para o ano. Em 26 anos do regime de metas de inflação no Brasil, o estouro ocorreu em 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021, 2022 e 2024.

“A inflação em 2024 ficou acima do intervalo de tolerância em decorrência do ritmo forte de crescimento da atividade econômica, da depreciação cambial e de fatores climáticos, em contexto de expectativas de inflação desancoradas e inércia da inflação do ano anterior”, acrescentou.

Em relação aos preços à frente, a carta ressaltou que as projeções do cenário de referência do BC apontam que a inflação ficará acima do teto da meta até o terceiro trimestre de 2025, entrando depois em trajetória de declínio, mas ainda permanecendo acima do centro do alvo.

O BC acelerou o ciclo de alta nos juros básicos no fim do ano na tentativa de debelar a inflação, diante de uma persistente desancoragem das expectativas de mercado para os preços à frente, em um cenário com atividade aquecida, incertezas externas e dúvidas sobre a política fiscal.

Em dezembro, a autarquia elevou a taxa Selic em 1 ponto percentual, a 12,25% ao ano, prevendo mais duas altas equivalentes em janeiro e março deste ano, nas primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) com Galípolo na presidência do BC e uma diretoria que passou a ter maioria de indicados pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Esta foi a última carta feita pelo BC para explicar o descumprimento do alvo para a inflação no regime que considerava o ano calendário para avaliar se o objetivo foi cumprido.

A partir deste ano, passa a vigorar no Brasil a avaliação do cumprimento da meta num horizonte contínuo. No novo sistema, a carta aberta será produzida se a inflação acumulada em 12 meses ficar por seis meses consecutivos fora do intervalo de tolerância.

 

Fonte: Por Gilberto Menezes Côrtes, no JB

 

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