Meta da inflação estourou, mas governo mira na Meta
Já dizia, Gilberto Gil, em carta musicada ao ex-jogador e médico
Afonsinho, que “a perfeição é uma meta defendida pelo goleiro”. No Brasil, a
meta de inflação, que virou uma miragem contínua a ser perseguida 18 meses
adiante pela política de juros do Comitê de Política Monetária do Banco
Central, é de 3,00% (a meta efetiva, mais uma tolerância, para cima ou para
baixo, de 1,50%, é de 4,50%, o chamado teto da inflação). No ano passado, o
teto da meta do Banco Central era de 4,50%. Mas choques diversos, climáticos
internos e externos e a alta internacional do dólar, que chegou a 27% no Brasil
(24,5% foi a desvalorização do real, segundo o Banco Central), fizeram a
inflação dos alimentos em domicílio (8,22%, puxada pelas altas de 20,84% das
carnes, de 29,21% do óleo de soja, de 18,83% do leite longa vida e de 39,60%do
café, devido à seca no Vietnã!), e a dos bens transacionáveis em dólar,
disparar no 2º semestre e fechar o ano em 4,83%. Acima do teto da meta.
Se fosse no futebol americano, com o gol mais elevado, em forma de
Y, poderia valer mais dois pontos na contagem. Como aqui joga-se futebol com
bola redonda e há regras para a meta de inflação definidas em junho de cada
ano, com dois anos de antecedência, pelo Conselho Monetário Nacional (presidido
pelo ministro da Fazenda, e com a participação da ministra do Planejamento,
Simone Tebet, e o presidente do Banco Central), um dos primeiros atos do novo
presidente do BC, Gabriel Muricca Galípolo - que era diretor de Política
Monetária e sucedeu a Roberto Campos Neto (que ficou na presidência de janeiro
de 2019 a 31 de dezembro de 2024) -, foi justificar as causas do estouro. Por
sinal, foi o terceiro estouro na gestão de Campos Neto: em 2021, o teto da meta
era de 5,25% e o IPCA subiu 10,06%; em 2022, mesmo com os cortes eleitoreiros
de impostos dos combustíveis, da energia elétrica e das comunicações, de 1º de
julho a 31 de dezembro, a inflação foi de 5,79%, acima do teto da meta, e não
impediu a vitória de Lula. Agora, Galípolo, que foi secretário-executivo do
Ministério da Fazenda, no começo do governo, até assumir a diretoria de
Política Monetária, em maio de 2023, explicou em 26 tópicos ao ministro
Fernando Haddad que “a inflação em 2024 ficou acima do intervalo de tolerância
em decorrência do ritmo forte de crescimento da atividade econômica [3,5% a
3,6%], da depreciação cambial e de fatores climáticos, em contexto de
expectativas de inflação desancoradas e inércia da inflação do ano anterior.
Portanto, a inflação envolveu uma gama ampla de fatores. No sentido contrário,
destaca-se a queda do preço internacional do petróleo no segundo semestre do
ano”.
Felizmente, essa carta formal de escusas pelo não cumprimento da
meta inaugura um diálogo que ficou ausente entre o Banco Central e o governo
Lula. Roberto Campos Neto exacerbou o mandato de independência do Banco Central
perante o Executivo (conquistado pela Lei 179, de fevereiro de 2021, mas
ignorado por Guedes em junho de 2022) e não trocou figurinhas com Fernando
Haddad, indicado ministro da Fazenda durante a fase de transição. Errou muito o
Banco Central por manter os juros altos supondo que haveria imediata e integral
retomada dos impostos em 1º de janeiro de 2023. Com o entrosamento entre
Galípolo e o Ministério da Fazenda, Lula não precisa entrar em campo para dar
caneladas no presidente do Banco Central, como fazia com Campos Neto (seria o
troco por CN ter votado em 2022 com a camisa do Brasil?).
Como tem trânsito livre com Haddad, Galípolo pode ser franco ao
decompor “os fatores determinantes da inflação”, analisados “quantitativamente
por meio da utilização de modelos macroeconômicos”. Assim, os “principais
fatores que contribuíram para o desvio de 1,83 p.p. da inflação em relação à
meta (3,00%) foram a inflação importada (contribuição de 0,72 p.p.), a inércia
do ano anterior (0,52 p.p.), o hiato do produto (0,49 p.p.) e as expectativas
de inflação (0,30 p.p.). Dentro do grupo inflação importada, a principal
contribuição adveio da depreciação cambial (efeito de 1,21 p.p.), seguida das
commodities em geral, medidas pelo Índice de Commodities – Brasil (IC-Br)
(efeito de 0,10 p.p.), as quais mais que contrabalançaram os efeitos estimados
da queda do preço internacional do petróleo (efeito de -0,59 p.p.)”.
Mas Galípolo advertiu, no item 9, que “o crescimento da atividade
econômica, que surpreendeu para cima ao longo do ano, foi forte e também
contribuiu para a inflação acima do intervalo de tolerância. O Produto Interno
Bruto (PIB) cresceu 3,3% no acumulado do ano até o 3º trimestre de 2024. O BC
espera crescimento de 3,5% para 2024. Destaca-se o significativo crescimento da
demanda doméstica, em especial do consumo das famílias e da Formação Bruta de
Capital Fixo (FBCF), que atingiram crescimento de 5,1% e 6,6%, respectivamente,
no acumulado até o terceiro trimestre do ano. O crescimento do consumo refletiu
o aumento da massa salarial real, com o rendimento médio nominal habitual de
todos os trabalhos entre janeiro e novembro de 2024, sendo 9,0% superior ao do
mesmo período do ano anterior, uma elevação de 4,5% em termos reais (descontada
a inflação). Isso significa dizer que “a economia está muito acelerada e
precisa de uma pausa, com juros altos para esfriar o motor”.
<><> A questão depende do acelerador de
Trump
Acontece que enquanto a classe política goza das imerecidas férias
- o serviço de 2024 não foi concluído, a começar pela votação do desenho final
do Orçamento Geral da União (OGU) de 2025, que ficou em aberto e só será
retomado após o recesso do Legislativo em 1º de fevereiro, com prioridade para
a eleição das respectivas mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal -, o mundo está em suspense quanto às primeiras medidas do governo
Trump, que toma posse na próxima segunda-feira, 20 de janeiro. Até aqui, antes
da posse, Trump, além de provocar uma guerra de moedas, com as ameaças de
pesadas barreiras tarifárias contra produtos chineses, dos parceiros da Alca –
Canadá e México – da Europa, se não aumentar as compras de gás liquefeito de
petróleo dos Estados Unidos, ainda se excedeu nas bravatas de anexar a
Groelândia (território da Dinamarca), assumir o controle do Canal do Panamá e
transformar o Canadá no 51º Estado americano.
O mundo está em compasso de espera. Os mercados financeiros
oscilam freneticamente. A cada hora a biruta sopra para uma nova direção e a
classe política brasileira parece não estar nem aí. Mas o governo Lula precisa
sair da inércia e criar pontes com a nova composição do comando do Congresso,
com o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) à frente do Senado e da
presidência do Congresso, e o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) assumindo a
Câmara. Além do entrosamento com dois grandes partidos que integram a base do
Centrão, o presidente Lula visa aumentar a influência entre os segmentos
religiosos: Alcolumbre é judeu e Hugo Motta representa, no Republicanos, uma
fatia dos evangélicos, como partido da Igreja Universal do Reino de Deus, de
Edir Macedo. Não basta formar maioria no Congresso. É preciso, antes de tudo,
se comunicar melhor com a sociedade. E não é com a linguagem do PT, que gera
reações em largas fatias da população.
Vejam o caso do estouro do teto da meta da inflação. Foi pequeno,
de 0,33 ponto percentual. E mais causado por problemas climáticos e externos,
que fogem ao controle da política econômica. O caso da estiagem no Sudeste
Asiático é sintomático. Como o Vietnã é o 2º produtor mundial do café e o líder
na produção do tipo "conilon" ou robusta (que prevalece no Espírito
Santo), e o Brasil é o maior produtor do café arábica, mais saboroso e valorizado,
seguido da Colômbia, as fábricas que misturam os dois tipos de café pelo mundo
reajustaram os preços fortemente, e a alta do dólar tornou o café mais amargo.
Pior foi o cacau, que subiu 182% (em dólar) na Bolsa de Mercadorias de Nova
Iorque. Esperem um salto no preço do ovo de Páscoa. Essas são questões que
precisam ser traduzidas para a população. Tirando esses percalços, a economia
está sendo um sucesso, mesmo com problemas climáticos, e a safra agrícola de
2024/25 promete ser excelente, com baixa nos preços dos alimentos.
A troca do modelo de comunicação do governo com o público não pode
visar apenas as eleições de 2026. É preciso mobilizar a cidadania para correr
aos postos de saúde para se vacinar contra a dengue e contra a covid e novas
ameaças que vêm da China. Os postos de saúde estavam vazios esta semana. Como
se não houvesse um surto de dengue... O Ministério da Saúde não faz campanhas
de mobilização. Saudades do “Zé Gotinha”, sepultado pelo negacionismo do
governo Bolsonaro. Sidônio Palmeira tem muito o que fazer para sacudir o
marasmo do governo Lula, que não pode oscilar entre os ministros trancados em
gabinetes e os discursos de Lula. Falta conexão entre os dois para que o povão
compreenda para onde o país está avançando.
<><> O desafio da Meta
No Brasil, já ficou claro que tanto na comunicação formal, através
dos meios tradicionais de divulgação de notícias e realizações (rádio, TV e
outdoors), quanto nas novas redes sociais, o governo Lula está disléxico.
Sidônio Palmeira precisa recuperar um terreno que há muito foi conquistado pela
direita e pela disseminação de “fake News”. O caráter da novidade de uma
notícia mentirosa, distorcida, ou de “fatos alternativos”, como Donald Trump
nomeava as “fake News” em seu primeiro governo, tende a ganhar mais terreno – a
partir dos Estados Unidos – depois que o X de Elon Musk e a Meta de Mark
Zuckerberg (que controla o Facebook, Instagram, Threads, Messenger e WhatsApp)
se curvaram politicamente a Trump e abdicaram de fazer a checagem da veracidade
do conteúdo das mensagens que veiculam em suas redes sociais. Ao deixar o
“policiamento” aos próprios usuários, que não têm discernimento para distinguir
boatos de notícias (função exercida por redes importantes de notícias – vejam o
caso dos haitianos que "comeriam gatos e cachorros" nos EUA),
criou-se um território sem lei na internet. A deturpação, a pornografia e a
exploração dos incautos por armadilhas de “influencers”, não terão limites. A
lógica dos donos de redes é fazer dinheiro com mais tráfego. Mesmo que à custa
de tráfico e de “acidentes de trânsito”.
As sociedades responsáveis – que já aboliram o uso de celulares
nas salas de aulas (por desviarem o foco dos alunos da aprendizagem) – estão
alertas. As leis que regem as atividades humanas cotidianas não podem ser
ignoradas nas plataformas. A Austrália, o Reino Unido, a União Europeia e o
Brasil (o 4º usuário das redes sociais no mundo) estão em guarda. O Supremo
Tribunal Federal, que conduz o inquérito das “fake news”, e o governo Lula já
instaram a Meta (como antes o STF enquadrou o X) a informar se os mesmos
princípios do “liberou geral” nas terras de Tio Sam vão valer abaixo do
Equador. Aqui, valem as leis brasileiras e a soberania nacional.
¨ Galípolo diz que BC tem atuado para
que inflação atinja a meta e reitera altas adicionais na Selic
O
Banco Central tem tomado as devidas providências para que a inflação atinja a
meta estabelecida, disse nesta sexta-feira o presidente do Banco Central,
Gabriel Galípolo, após descumprimento do alvo em 2024, apontando que a
desvalorização do real ainda pressionará os preços neste ano.
Em
carta aberta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Galípolo disse que o BC
tem definido a taxa Selic para assegurar a convergência da inflação à meta e
reforçou que, diante de um cenário mais adverso, a autarquia antevê duas
elevações de 1 ponto percentual nos juros básicos.
A
inflação no país fechou 2024 em 4,83%, informou nesta sexta-feira o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmando o estouro do teto da meta,
uma possibilidade que o BC já projetava em dezembro como próxima a 100%.
A
meta de inflação é de 3%, com uma banda de tolerância até o limite inferior de
1,5% e teto de 4,5%.
Na
carta, Galípolo afirmou que o principal fator a levar ao rompimento do teto da
meta foi a inflação importada, que contribuiu com 0,72 ponto percentual para o
desvio do índice de preços.
Dentro
desse componente, a desvalorização do real teve efeito de alta de 1,21 ponto,
seguida das cotações das commodities em geral, com efeito de 0,10 ponto. Por
outro lado, a queda do preço internacional do petróleo, com efeito de -0,59
p.p., contrabalançou parcialmente esses impactos.
"A
significativa depreciação cambial decorreu principalmente de fatores
domésticos, complementada pela apreciação global do dólar
norte-americano", afirmou, citando como fator a percepção do mercado sobre
a política fiscal do governo.
No
documento, o presidente da autarquia apontou que o processo de depreciação
cambial no Brasil começou em abril de 2024 e se intensificou ao longo do ano.
"Assim,
parcela dos efeitos diretos e indiretos do repasse cambial ainda deve se
efetivar em 2025", disse.
Galípolo
também citou como fatores que colaboraram para o estouro da meta de 2024 a
inércia do ano anterior (0,52 p.p.), o hiato do produto (0,49 p.p.) e as
expectativas de inflação (0,30 p.p.).
Esta
foi a oitava vez que a evolução dos preços ao consumidor no país rompeu os
limites de tolerância estabelecidos para o ano. Em 26 anos do regime de metas
de inflação no Brasil, o estouro ocorreu em 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021,
2022 e 2024.
“A
inflação em 2024 ficou acima do intervalo de tolerância em decorrência do ritmo
forte de crescimento da atividade econômica, da depreciação cambial e de
fatores climáticos, em contexto de expectativas de inflação desancoradas e
inércia da inflação do ano anterior”, acrescentou.
Em
relação aos preços à frente, a carta ressaltou que as projeções do cenário de
referência do BC apontam que a inflação ficará acima do teto da meta até o
terceiro trimestre de 2025, entrando depois em trajetória de declínio, mas
ainda permanecendo acima do centro do alvo.
O
BC acelerou o ciclo de alta nos juros básicos no fim do ano na tentativa de
debelar a inflação, diante de uma persistente desancoragem das expectativas de
mercado para os preços à frente, em um cenário com atividade aquecida,
incertezas externas e dúvidas sobre a política fiscal.
Em
dezembro, a autarquia elevou a taxa Selic em 1 ponto percentual, a 12,25% ao
ano, prevendo mais duas altas equivalentes em janeiro e março deste ano, nas
primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) com Galípolo na
presidência do BC e uma diretoria que passou a ter maioria de indicados pelo
governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Esta
foi a última carta feita pelo BC para explicar o descumprimento do alvo para a
inflação no regime que considerava o ano calendário para avaliar se o objetivo
foi cumprido.
A
partir deste ano, passa a vigorar no Brasil a avaliação do cumprimento da meta
num horizonte contínuo. No novo sistema, a carta aberta será produzida se a
inflação acumulada em 12 meses ficar por seis meses consecutivos fora do
intervalo de tolerância.
Fonte: Por Gilberto
Menezes Côrtes, no JB
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