Por que brasileiros
são tão fascinados por reality shows
Desde que estreou
no Brasil em 2002, o reality show Big Brother é sucesso de audiência todos os
anos.
Na edição de 2021,
por exemplo, o programa atingiu um alcance médio diário de 39,8 milhões de
pessoas, com picos de 40. Foi uma das últimas vezes, inclusive, que a Globo
chegou aos 40 pontos de audiência na Grande São Paulo sem envolver partidas de
futebol.
O programa ainda
estabeleceu um recorde mundial ao registrar mais de 1,5 bilhão de votos em um
único paredão em 2020, conforme reconhecido pelo Guinness World Records.
E o sucesso não
para por aí: nas redes sociais, o BBB mobiliza
multidões, com discussões acaloradas sobre os participantes dia após dia.
No ar pela TV
Globo, o programa passou por diversas alterações para se manter vivo na grade
há duas décadas e já se tornou o reality mais longevo do país. Seu sucesso é
inegável e mesmo quem não o assiste regularmente sabe quando está no ar.
O atual sucesso do
reality brasileiro se torna ainda mais impressionante quando comparado às
versões estrangeiras do mesmo programa.
A última edição do
Big Brother Reino Unido, por exemplo, teve uma audiência de 2,8 milhões de
pessoas no seu episódio de estreia, em 2024.
Já versão americana
registrou uma média de aproximadamente 3,5 milhões de telespectadores por
episódio em sua 24ª temporada, exibida em 2022.
Mas afinal, por que
os brasileiros são tão fascinados pelo reality show?
Diversos estudiosos
das áreas de comunicação, marketing e psicologia já se debruçaram sobre o
gênero televisivo em que pessoas comuns ou celebridades vivem seu dia a dia e
enfrentam desafios específicos.
Todos eles
concordam que a principal explicação por trás da atração despertada está na
identificação com os participantes.
'Gente como a
gente'
Uma pesquisa
desenvolvida pelo professor de Psicologia Jonathan Cohen, da Universidade de
Haifa, em Israel, mostrou que os telespectadores dos reality shows desenvolvem
grandes sentimentos de empatia pelos participantes e, muitas vezes, se
reconhecem em suas escolhas e ações.
O experimento
entrevistou 183 pessoas sobre 12 reality shows diferentes, incluindo produções
que contam com versões em diversos países, como Big Brother, MasterChef e
Supernanny. Os resultados mostraram que quanto mais as pessoas gostam de um
programa, maior é a identificação e a vontade de um dia fazer parte da atração.
"No passado,
muitos assumiam que o interesse pelos reality shows estava ligado a uma espécie
de voyeurismo, ou gosto por presenciar situações de humilhação e
dificuldade", diz Cohen.
"Mas pesquisas
mais recentes mostram que os telespectadores se veem nas situações vividas pelos
participantes, torcem por eles e compartilham o entusiasmo da competição".
Segundo Cohen, os
realities por vezes levam vantagem sobre peças de ficção justamente por se
tratarem de obras da vida real. "O fascínio está justamente no fato de
serem pessoas reais, que correm riscos reais e sentem emoções reais", diz.
"É difícil assistir às provas e desafios sem imaginar como nos sairíamos
no lugar dos participantes".
"As pessoas
tendem a se projetar naqueles participantes com quem mais se identificam",
diz Mariana Munis, professora de Marketing e especialista em Comportamento do
Consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas. "Justamente
por isso, os competidores mais carismáticos e honestos acabam se transformando
quase que em fenômenos".
As últimas edições
do Big Brother Brasil ainda adicionaram um elemento a mais ao jogo com a
inclusão de celebridades entre os "brothers". "Para os fãs
daquele artista ou influencer é uma oportunidade única de ver seu ídolo em
situações do dia a dia", avalia a especialista.
·
Herança
brasileira
Entre os
brasileiros, há também um elemento de tradição que colabora para o sucesso dos
reality shows. O primeiro programa do gênero produzido e exibido no país foi
lançado pela MTV em 2000 e chamava-se 20 e Poucos Anos. A atração, que mostrava
a vida efervescente de jovens no início da vida adulta, durou três temporadas.
No mesmo ano, a TV
Globo lançou o programa No Limite, inspirado no americano Survivor. A emissora
ainda adquiriu os direitos para produzir a versão brasileira do Big Brother,
que deveria estrear como o primeiro reality de confinamento do Brasil. Poucos
meses antes do lançamento, porém, o SBT saiu na frente com Casa dos Artistas.
Mas muito antes de
qualquer rivalidade entre canais de televisão, os brasileiros já haviam sido
fisgados pelo entretenimento que se baseia na imprevisibilidade e antecipação.
A paixão pelos
programas seriados, cujos capítulos são exibidos aos poucos, data dos
folhetins. As histórias de ficção e romance publicadas de forma parcial e sequenciada
em jornais e revistas de todo o país atingiram seu pico de popularidade no
final do século XIX e serviram de inspiração para as rádio e telenovelas.
"Os realities
conservam um elemento que era central aos folhetins e que também foi herdado
pelas novelas que é a imprevisibilidade", diz Elmo Francfort, pesquisador
da televisão brasileira e professor do curso de Rádio, TV e Internet da
Universidade Anhembi Morumbi. "Os brasileiros foram fisgados pelos
sentimentos de curiosidade e antecipação despertados por esse gênero e adoram
torcer pelos personagens, sejam eles fictícios ou reais".
·
Feitos
para encantar
Para além de
qualquer fascínio ou tradição, as emissoras televisivas usam e abusam de
técnicas de marketing para atrair telespectadores. A fórmula do sucesso,
baseada em boas narrativas, um elenco diversificado e muita propaganda, faz com
que seja difícil resistir às espiadinhas.
"Tudo que
envolve o processo de produção de um reality show é pensado para satisfazer as
necessidade e desejos do consumidor", diz a professora Mariana Munis.
"As provas precisam ser emocionantes, os participantes devem ser pessoas
muito diferentes entre si para causar conflito e até mesmo o tempo de duração
do programa é planejada para que haja uma história envolvente, com começo, meio
e fim".
Para as redes de
televisão, o formato também costuma ser uma aposta certeira e barata. "É
mais barato produzir um reality do que uma novela, em que se gasta muito com
atores, cenários e edição", diz Elmo Francfort, da Universidade Anhembi Morumbi.
"Além disso, os programas costumam seguir a mesma fórmula em todas as suas
edições, garantindo uma previsibilidade de sucesso".
·
Relevância
social
E se no passado
muitos realities eram considerados fúteis e perda de tempo, esses programas
ganharam mais credibilidade ao discutirem temas de relevância social. O Big
Brother, em especial, movimentou grandes debates em suas últimas edições que
alavancaram sua audiência.
Por meio de
atitudes controversas dos participantes, alguns deles acusados de machismo,
racismo e xenofobia, as redes sociais foram inundadas de textos e vídeos que contribuíram para
manter a população mais informada.
A própria Globo
percebeu a relevância dessas discussões e passou a dar mais visibilidade a
elas, ao passo que abandonou práticas e quadros que sexualizavam algumas das
participantes. "O público passou a encarar o programa de forma diferente
graças a esses debates. Ao mesmo tempo, telespectadores mais jovens e que não
costumam assistir televisão aberta foram atraídos", avalia Francfort.
Fonte: BBC News
Brasil
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