sábado, 11 de janeiro de 2025

Novas regras da Meta permitem chamar gays de ‘aberrações’ e imigrantes de ‘imundos’

A Meta agora permite que seus usuários publiquem uma vasta gama de comentários depreciativos sobre raça, nacionalidade, grupos étnicos, orientação sexual e identidade de gênero, segundo revelam materiais obtidos pelo Intercept dos EUA.

Entre os exemplos de discurso que passou a ser permitido no Facebook e no Instagram, em destaque nos materiais de treinamento, estão:

- “Os imigrantes são uma merda imunda e asquerosa.”

- “Os gays são uma aberração.”

- “Olha esse traveco (sob a foto de uma garota de 17 anos)”.

As alterações fazem parte de uma mudança mais ampla nas políticas, que inclui a suspensão do programa de checagem de fatos da empresa. O objetivo declarado pela Meta na terça-feira é “permitir mais liberdade de expressão ao diminuir as restrições”.

Joel Kaplan, recém-nomeado como diretor de políticas globais da Meta, descreveu a iniciativa em um comunicado como uma forma de consertar “sistemas complexos de gerenciamento de conteúdo nas nossas plataformas, que estão cada vez mais complicados para aplicarmos”.

Embora Kaplan e o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, tenham amenizado o anúncio, dizendo que as mudanças são uma forma de permitir aos usuários mais liberdade nas divergências ideológicas e no debate político, os materiais inéditos analisados pelo Intercept ilustram a extensão do quanto um discurso puramente ofensivo e desumanizante passou a ser aceito.

O documento dá uma visão geral das mudanças de políticas sobre discurso de ódio para as pessoas que trabalham com conteúdo de usuários da Meta, e traz orientações sobre a aplicação das novas regras. As alterações mais significativas vêm acompanhadas por uma seleção de “exemplos relevantes”: publicações hipotéticas marcadas com “Permitir” ou “Remover”.

Questionado sobre as mudanças nas políticas, o representante da Meta, Corey Chambliss, direcionou o Intercept para uma postagem no blog de Kapla que anunciou a mudança: “estamos removendo diversas restrições em tópicos como imigração, identidade de gênero e gênero, que são objeto de frequente discurso político e debate. Não está certo que as coisas possam ser ditas na TV ou no Plenário do Congresso, mas não em nossas plataformas.”

Kate Klonick, especialista no assunto que foi entrevistada pelo Intercept, discorda do enquadramento da Meta de que as novas regras seriam menos politizadas, diante do espaço de manobra que oferecem para os ataques contra os bichos-papões do conservadorismo.

“Definir os limites da moderação de conteúdo sempre foi um esforço político”, diz Klonick, professora associada de direito na Universidade St. John’s e estudiosa de políticas de moderação de conteúdo. “Fingir que essas novas regras seriam mais ‘neutras’ que as antigas é uma ilusão e uma mentira.”

Ela vê as mudanças anunciadas por Kaplan — que foi vice-chefe de Gabinete no governo de George W. Bush e é um elo de Zuckerberg com a direita estadunidense há bastante tempo — como “a captura política aberta do Facebook, especialmente porque as mudanças estão favorecendo um lado específico”.

A página de Padrões da Comunidade da Meta diz que mesmo com as novas regras afrouxadas, a empresa ainda protege “refugiados, migrantes, imigrantes e requerentes de asilo dos ataques mais graves” e proíbe “ataques diretos” contra pessoas em razão de “raça, etnia, nacionalidade, deficiência, religião, casta, orientação sexual, sexo, identidade de gênero, e doenças graves”. Mas os exemplos instrutivos oferecidos no material interno mostram uma grande variedade de comentários que ofendem pessoas a partir dessas características, e trazem a orientação “Permitir”.

Em alguns casos, os exemplos fornecidos parecem complicados ou contraditórios. Uma página observa que “generalizações” sobre qualquer grupo permanecem proibidas se fizerem comparação com animas ou patógenos, como em “todos os refugiados sírios são ratos”. Mas as comparações com “sujeira ou fezes” deixaram de ser consideradas discurso de ódio e passaram a ser incluídas como a forma menos grave de “insulto”, que só viola as regras da empresa se for direcionado a um grupo protegido. De acordo com os exemplos dados pela Meta, essa alteração agora permite que os usuários desumanizem os imigrantes de forma generalizada, com afirmações como “os imigrantes são uma merda imunda e asquerosa”, embora, em outras partes do documento, estejam disposições que afirmam que “comparações sub-humanas” permanecem proibidas.

As políticas da empresa em relação ao ódio descrito em forma de náusea seguem uma linha especialmente tênue: “migrantes não são melhores que vômito” é permitido, segundo o material, mas “muçulmanos me dão vontade de vomitar” precisa ser removido, porque afirma que um grupo “causa doença”.

Embora comparações com animais de forma geral ainda sejam contra as regras, muitos outros tipos de estereótipos generalizantes e odiosos agora são permitidos. “TODAS as afirmações comportamentais (qualificadas ou não qualificadas)” deixaram de contrariar as regras da Meta, nos termos do documento, o que permite generalizações que vinculam raças ou grupos étnicos inteiros à criminalidade ou ao terrorismo. O documento oferece como exemplos de generalizações raciais aceitáveis: “esses malditos imigrantes não são confiáveis, são todos criminosos”, “aposto que foi o Jorge que roubou minha mochila depois do treino hoje. Os imigrantes são todos ladrões”, e “Os japoneses são todos da Yakuza”. Há uma observação, porém, de que a afirmação “Todos os negros são traficantes de drogas” continua proibida pelas novas regras.

Outros trechos do material oferecem exemplos de proibição de “insultos sobre imoralidade sexual”, como “as judias são umas vagabundas”. Mas o documento também dá inúmeros exemplos de insultos que passaram a ser permitidos, dirigidos contra identidades de gênero e orientações sexuais específicas, incluindo “gays são pecadores” e “pessoas trans são imorais”. Uma publicação que afirme “as lésbicas são muito idiotas” continuaria proibida como “insulto mental”, embora “pessoas trans são doentes mentais” esteja sinalizado como permitido.

Generalizações sobre superioridade e inferioridade são igualmente complicadas, embora os ataques contra os imigrantes tendam a ser aceitos. Exemplos de conteúdo proibido incluem: “os homens cristãos são completamente inúteis”, “sou só eu, ou todas as mulheres autistas são feias?” e “os hispânicos são mais sujos que o chão que a gente pisa”. Por outro lado, “os imigrantes mexicanos são um lixo!” passou a ser considerado aceitável.

De forma geral, as restrições às alegações de supremacia étnica ou religiosa foram significativamente atenuadas. O documento explica que a Meta agora permite “afirmações de superioridade, desde que as afirmações não façam referência a outro grupo [de característica protegida] (a) com base em capacidade intelectual inerente ou (b) sem fundamento”. Entre as afirmações permitidas por essa regra estão “os latinos são os melhores!” e “negros são superiores a todos os outros”. Também passaram a ser aceitas alegações comparativas como “negros são mais violentos que brancos”, “mexicanos são mais preguiçosos que asiáticos”, e “judeus são inegavelmente mais gananciosos que os cristãos”. É considerado inaceitável, mas só porque se refere à capacidade intelectual, o exemplo “os brancos são mais inteligentes que os negros”.

Afirmações genéricas sobre inteligência, porém, parecem ser permitidas se forem compartilhadas com suposta comprovação. Por exemplo, “acabei de ler um estudo estatístico que mostra que os judeus são mais inteligentes que os cristãos,  e até onde sei, é verdade!” Não está claro se seria necessário incluir um link para esse estudo, ou se bastaria alegar que ele existe.

As regras sobre declarações explícitas também foram consideravelmente afrouxadas. “Declarações de desprezo, antipatia e desdém, como ‘eu odeio’, ‘eu não ligo’, e ‘eu não gosto’ deixaram de ser consideradas violações, e estão permitidas”, explica o documento. Exemplos de publicações aceitáveis incluem “não estou nem aí para brancos” e “tenho orgulho de ser racista”.

As novas regras também proíbem “xingamentos direcionados” a um dos grupos protegidos, o que “inclui o uso da palavra ‘foder’ e suas variantes”. Mencionada como exemplo, uma postagem dizendo “argh, os judeus fodidos [fucking Jews] estão nessa de novo” viola as regras simplesmente por conter uma obscenidade (as novas regras permitem o uso de “vaca” [bitch] e “filho da puta” [motherfucker]).

Outra alteração de política: “referências ao alvo do ataque como genitália ou ânus também deixaram de ser consideradas violações e estão permitidas”. Como exemplo do que passou a estar permitido, o Facebook oferece: “os italianos são uns cuzões [dickheads]”.

Após a publicação desta matéria no site do Intercept dos EUA, Andy Stone, representante da Meta, informou que a empresa havia cometido um erro em um dos exemplos do material informativo. Stone diz que a Meta pretendia ilustrar conteúdo que não seria permitido quando incluiu o exemplo “olha esse traveco (sob a foto de uma menina de 17 anos”.

Embora muitos dos exemplos e das políticas que os orientam pareçam confusos, o documento é bastante claro quanto aos comentários depreciativos sobre pessoas trans, incluindo crianças. Os materiais destacam que “traveco [tranny] não é mais considerado insulto, e não é uma violação”, e fornecem três exemplos de discurso que não deve mais ser removido: “os travecos são um problema”, “olha esse traveco (sob a foto de uma menina de 17 anos)”, e “tirem esses travecos da minha escola (sob uma foto de alunos do ensino médio)”.

Segundo Jillian York, diretora de liberdade de expressão internacional na organização Electronic Frontier Foundation, as proteções da Meta contra discurso de ódio, historicamente, eram bem-intencionadas, mas profundamente falhas na prática. “Embora isso muitas vezes tenha resultado em moderação excessiva, que eu e muitos outros já criticamos, esses exemplos mostram que as mudanças nas políticas da Meta são de natureza política e não pretendem simplesmente permitir maior liberdade de expressão”, diz York.

A Meta vem enfrentando internacionalmente muitos questionamentos por sua abordagem ao discurso de ódio, especialmente depois do papel que o discurso de ódio e a retórica desumanizante no Facebook tiveram para fomentar o genocídio em Mianmar. Após as críticas por suas falhas em Mianmar, onde a ONU revelou que o Facebook teria desempenhado um “papel determinante” no massacre de mais de 650 mil muçulmanos da etnia rohingya, a empresa passou anos anunciando seus investimentos para impedir a disseminação futura de discursos semelhantes.

“A razão pela qual muitos desses limites foram traçados dessa forma é que o discurso de ódio frequentemente não fica só no discurso, e se transforma em ação no mundo real”, diz Klonick, a especialista em moderação de conteúdo.

É uma premissa com a qual a Meta afirmava concordar, até essa semana. “Temos a responsabilidade de combater os abusos no Facebook. Isso vale especialmente para países como Mianmar, onde muitas pessoas estão usando a internet pela primeira vez, e as redes sociais podem ser usadas para propagar o ódio e alimentar as tensões locais”, escreveu em 2018, em uma postagem de blog, Sara Su, diretora de produto da empresa. “Embora estejamos adaptando a nossa abordagem às notícias falsas, dadas as mudanças nas circunstâncias, nossas regras sobre o discurso de ódio permanecem as mesmas: não é permitido”.

 

Fonte: Por Sam Biddle, em The Intercept

 

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