sábado, 11 de janeiro de 2025

Humanos passam mais vírus para animais do que eles para nós, diz estudo

Algumas das doenças mais letais que atingiram a humanidade vieram de patógenos que saltaram dos animais para as pessoas. O vírus que causa a AIDS, por exemplo, veio dos chimpanzés. E muitos especialistas acreditam que o vírus que causou a pandemia de Covid-19 surgiu dos morcegos. Um novo estudo mostra, no entanto, que essa troca não é uma via de mão única.

Conforme publicado em revista científica nesta semana, a troca também afeta os animais. Uma análise de todos as sequências de genomas virais disponíveis ao público produziu um resultado surpreendente: os humanos passam mais vírus – quase o dobro – aos animais do que eles para nós.

Os pesquisadores observaram quase 12 milhões de genomas virais e detectaram quase três mil exemplos de vírus pulando de uma espécie para outra. Desses, 79% envolveram vírus indo de uma espécie animal para outra espécie animal. Os 21% restantes envolveram humanos.

Do total, 64% foram transmissões humano-para-animal, conhecidas como zooantroponose, e 36% foram transmissões animal-para-humano, chamadas de antropozoonose.

Os animais afetados por zooantroponose incluem bichos de estimação, como gatos e cachorros, animais domesticados, como porcos, cavalos e gado, aves, como galinhas e patos, primatas, como chimpanzés, gorilas e macacos-uivadores e outros animais selvagens, como guaxinins, saguis-de-tufo-preto e ratos africanos de pelo macio.

Animais selvagens têm muito mais probabilidade de passar por uma transmissão humano-para-animal do que vice-versa.

“Isso realmente destaca nosso enorme impacto no meio ambiente e nos animais ao nosso redor”, disse Cedric Tan, estudante de doutorado em biologia computacional no Instituto de Genéticas da Universidade de Londres (University College London Genetics Institute, do nome original em inglês). Ele é o principal autor do estudo publicado nesta semana na revista Nature Ecology & Evolution.

Pessoas e animais são hospedeiros de inúmeros micróbios que podem pular para outra espécie por meio de contato próximo. O estudo observou transmissões virais envolvendo todos os grupos vertebrados: mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes.  “Os vírus podem pular entre espécies diferentes pelos mesmos modos de transmissão que se aplicam aos humanos, incluindo contato direto com fluídos infectados ou mordidas de outras espécies, entre outros”, disse Tan.

“No entanto, antes de um vírus pular para um novo hospedeiro, ele precisa ou já possuir a caixa de ferramentas biológica ou adquirir adaptações específicas ao hospedeiro, para entrar nas células da nova espécie hospedeira e explorar seus recursos”, acrescentou.

Ao longo dos milênios, pandemias que mataram milhões de pessoas foram causadas por patógenos como vírus, bactérias e fungos, que cruzaram dos animais para as pessoas. A antropozoonose tem sido a principal preocupação em relação às perigosas doenças infecciosas emergentes.

“A maior ameaça atual é provavelmente a gripe aviária H5N1, que está circulando em aves selvagens. A principal razão para saltos recentes de hospedeiros serem tão perigosos é que a população da espécie hospedeira não tem imunidade pré-existente à nova doença”, afirmou o biólogo computacional e um dos autores do estudo, François Balloux, diretor do instituto.

A maioria das transmissões de espécie para espécie são inconsequentes.  “Na maioria dos casos, essas infecções não vão para lugar nenhum porque o vírus é mal adaptado e não há transmissão posterior no novo hospedeiro”, disse Balloux.

“Em alguns casos, o vírus pode começar a circular, causando um surto de doença, uma epidemia, uma pandemia, ou mesmo se estabelecer como um patógeno endêmico. Pequenos surtos de doenças de antropozoonose são provavelmente bem comuns, mesmo se não percebemos a grande maioria deles, mas epidemias totais tendem a ser eventos raros, do ponto de vista evolucionário”, disse Balloux.

 

¨                Cientistas monitoram mutações do vírus da gripe em amostras de esgoto

O Institut Pasteur de São Paulo (IPSP) criou em julho um grupo de pesquisas para monitorar o surgimento e o avanço de novas cepas do vírus influenza, causador da gripe, na capital paulista.

Coletas periódicas de amostras de esgoto permitem identificar quais cepas entraram em circulação e quais podem trazer risco à saúde humana e animal. Também é possível prever o início e o pico de sua transmissão, além da dinâmica de circulação no ambiente urbano. As informações serão repassadas às autoridades de saúde pública e ajudarão no desenvolvimento de uma vacina mais eficaz e rápida contra a doença.

O projeto no IPSP tem previsão de durar de quatro a cinco anos e conta com financiamento da FAPESP.

Atualmente, os imunizantes distribuídos pelo Ministério da Saúde protegem contra os três tipos de cepas do vírus influenza que mais circularam nos hemisférios Norte e Sul. O problema é que nem sempre os vírus em circulação são os mesmos que compõem a vacina. Além de serem diversos, o influenza muta rapidamente. Estima-se que a eficácia da vacina em uma campanha varie de 40% a 60%, devido à adequação do imunizante às cepas em circulação e adaptação às especificidades de cada uma.

“Esse problema pode ser diminuído com a nova forma de vigilância e uma tecnologia que possibilite atualizar a vacina com mais rapidez, que é o objetivo do nosso grupo de pesquisa”, disse à Assessoria de Imprensa do IPSP o virologista e biomédico Rúbens Alves, coordenador do grupo de pesquisa Survivax: Laboratório de Vigilância Genômica e Inovação em Vacinas.

Segundo Alves, a proposta de fazer a vigilância por meio de amostras de águas residuais do saneamento básico é uma estratégia que se mostrou muito eficaz na pandemia da Covid-19 e que foi utilizada por mais de cem países e 293 universidades.

“Agora, estaremos na vanguarda da implementação dessa tecnologia para a influenza. No caso do coronavírus, foi possível observar os picos de transmissão em determinada região com duas semanas de antecedência – uma informação que foi muito útil para a tomada de decisões na saúde pública”, afirmou.

Atualmente, a vigilância dos vírus da gripe é feita pela Rede Global de Vigilância de Influenza da Organização Mundial da Saúde (OMS), composta por laboratórios espalhados pelo mundo. Eles são responsáveis por monitorar os vírus circulantes e potencialmente pandêmicos, com base em análises laboratoriais. A partir disso, todos os anos, a OMS divulga com seis a oito meses de antecedência quais são as cepas que devem ser usadas na produção das vacinas para o hemisfério Sul, para uso no ano seguinte.

“Boa parte dos monitoramentos inseridos nessa rede depende da testagem de casos suspeitos da doença. O monitoramento por esgoto permite uma cobertura mais representativa da população, porque inclui pessoas que não têm acesso a cuidados de saúde ou que optam por não ir ao hospital, o que o faz também ser menos caro, pois depende de menos exames clínicos. Além disso, é um sistema que permite um monitoramento contínuo, não apenas na sazonalidade de maior circulação do vírus, isso ajuda na avaliação de tendências a longo prazo e em um rastreamento em tempo real. Sem contar que pelo esgoto é possível monitorar não só o influenza como outros patógenos”, complementou Alves.

<><> Vacina inovadora

No projeto do IPSP, a proposta é criar uma plataforma de vacina baseada em RNA autorreplicativo. Essa tecnologia imita um mecanismo existente em alguns vírus, como o chikungunya e outros alfavírus, no qual a sequência codificadora da proteína vacinal alvo introduzida é replicada múltiplas vezes por mecanismos inseridos no próprio RNA da vacina.

“A vantagem dela é o fato de necessitar de uma menor quantidade de RNA e de criar respostas imunológicas mais prolongadas, o que resulta em um aumento da eficácia do imunizante e redução dos efeitos colaterais. Há também um aumento da velocidade para que a vacina possa ser produzida. Muitas das vacinas atuais contra a gripe dependem da reprodução de ovos para obtenção dos vetores dos vírus”, explicou o biomédico.

“Essa é uma plataforma que aprendi a dominar e fui responsável por implementar durante meus quatro anos de pós-doutorado, concluído em junho deste ano no La Jolla Institute for Immunology, em San Diego, nos Estados Unidos. Lá, desenvolvi novas vacinas contra a Covid-19, denguezika, entre outros flavivírus, utilizando essa tecnologia”, contou.

De acordo com Alves, a maior preocupação é com os subtipos potencialmente pandêmicos: “Hoje é com a gripe aviária, do tipo A, subtipo H5N1. Nos Estados Unidos está ocorrendo um surto da doença em rebanhos de gado e já foram identificados os primeiros casos em humanos, da mesma forma foi identificada a circulação do vírus nos esgotos. Assim, o vírus está fazendo spillover [transbordamento], contaminando outras espécies além das aves. Mas, fazendo uma vigilância eficiente e desenvolvendo imunizantes mais eficazes, podemos evitar que ele se torne pandêmico”.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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