Incêndios
florestais são ameaça crescente para as cidades
Com diversos incêndios
florestais à sua volta, a cidade de Los Angeles, Califórnia, é
o mais recente na série crescente de centros urbanos ameaçados de destruição
pelas chamas descontroladas, à medida que as temperaturas globais sobem. Alimentados
por ventos fortes, os incêndios se alastraram por áreas densamente povoadas,
causando pelo menos cinco mortes e destruindo milhares de edifícios.
No verão de 2024 no
Hemisfério Norte (junho a setembro), colunas de fumaça negra dominavam o céu por
trás do icônico Partenon, enquanto o fogo grassava pelos subúrbios de Atenas. Na mesma época, um
incêndio consumiu os bosques do Monte Mario, no centro de Roma.
De Halifax, Canadá, à Cidade
do Cabo, na África do Sul, a japonesa Nanyo City e agora Los Angeles forçaram
milhares de pessoas a deixar suas casas nos últimos meses. As imagens
dessas catástrofes tornaram-se um símbolo eloquente e uma advertência de que,
não mais confinados a distantes áreas rurais ou agrestes, agora os incêndios
florestais estão também tendo enorme impacto sobre as metrópoles.
As mudanças climáticas globais estão elevando as temperaturas e prolongando as temporadas de
seca, criando assim condições em que incêndios florestais queimam mais rápido,
por mais tempo e com violência maior.
Segundo dados recentes da
ONG de pesquisa global World Resources Institute, os incêndios florestais
atuais sacrificam duas vezes mais árvores do que duas décadas atrás. O
crescimento das cidades em todo o mundo igualmente acentua sua vulnerabilidade
ao fogo.
"Elas estão se
expandindo, e é sobretudo esse fenômeno que aumenta o risco de os incêndios
florestais afetarem a população e as casas", confirma Julie Berckmans,
especialista em avaliação de risco climático da Agência Europeia do Meio
Ambiente (AEA).
<><> WUI, uma
interface urbano-agreste perigosa
O termo técnico para as
zonas em que edifícios e vegetação silvestre se confrontam é wildland urban interface (WUI). Um
estudo recente do Centro Nacional Americano de Pesquisa Atmosférica revelou que
a WUI global cresceu 24% entre 2001 e 2020, cabendo à África a maior taxa de
expansão.
Calcula-se que isso implicou
23% mais incêndios florestais nessas regiões, e um aumento de 35% da área
devastada por eles. Dois terços da população mundial exposta ao fogo florestal
vivem nessas zonas fronteiriças entre paisagem urbana e agreste.
Alexander Held,
especialista-chefe do Instituto Florestal Europeu, destaca que vídeos de
Atenas, em meados de 2024, demonstram com que facilidade o fogo se alastra nessas
zonas. "A gente vê muita interface urbano-silvestre, onde a mata realmente
cresce pelos jardins adentro, e neles está um monte de material inflamável,
facilitando muito que o fogo avance até a casa."
O abandono rural crescente,
sobretudo no Mediterrâneo, igualmente contribui para o risco de incêndios, pois
os terrenos ficam sem cultivo nem vigilância. Assim, focos que antes seriam
detectados e rapidamente debelados passam a ameaçar as cidades, explica Held.
E nem é preciso as chamas
chegarem até as divisas urbanas para que o fenômeno se torne uma ameaça à
população, já que a fumaça atravessa centenas, por vezes até milhares de
quilômetros. Em 2023, Nova York registrou um de seus níveis máximos de poluição
atmosférica devido ao fogo florestal no Canadá.
<><> Clima,
secas e planejamento urbano
"Cidades em regiões de
clima subtropical seco, como Califórnia e o Mediterrâneo, são especialmente
sujeitas a incêndios florestais", explica Alexandra Tyukavina, geógrafa da
Universidade de Maryland, nos EUA.
"Elas são realmente
vulneráveis, por terem atravessado secas nos últimos anos, e em geral zonas
mais secas são mais expostas ao fogo, tanto historicamente como na presença da
mudança climática." A catástrofe de Atenas sucedeu-se ao inverno e ao
junho-julho mais quentes já registrados na Grécia.
"Subúrbios extensos,
como nos Estados Unidos, são outro fator de risco", prossegue Tyukavina.
No Japão, por exemplo, vê-se um tipo de planejamento urbano completamente
diferente: "Lá, as cidades são mais compactas e as áreas naturais são
separadas. Então existe menos área de WUI."
Segundo uma pesquisa de
2022, publicada pela revista Nature,
a Europa e a América do Norte apresentam a maior taxa de incêndios florestais
dentro de zonas de interface urbano-agreste.
<><> Municipalidades
e população unidos contra incêndios
A fim de reduzir o risco de
incêndios devastadores, é preciso maior financiamento para sistemas de alerta
precoce, mais orientação para gestão florestal e um aumento da conscientização
pública, já que a maior parte dos desastres parte de atividades humanas,
segundo Berckmans, da AEA. "Planejamento espacial também pode ajudar a
reduzir a expansão urbana", acrescenta.
O porta-voz da Comissão
Europeia Balazs Ujvári observa que dois aviões de combate ao fogo, dois helicópteros
e quase 700 bombeiros de todo o bloco foram mobilizados para assistir as forças
locais no combate aos incêndios do verão de 2024 em Atenas.
Porém Held insiste na
necessidade de encorajar mais medidas de prevenção entre a população. Elas
incluiriam: evitar espécies inflamáveis nos jardins, limpar as calhas dos
telhados, liberar espaço em torno dos edifícios e eliminar devidamente os
dejetos de jardinagem a fim de não constituírem combustível para incêndios
futuros.
"A gente vê imagens de
lugarejos e cidades inteiras aniquilados pelo fogo, e no meio deles, algumas
casas sobrevivem, aparentemente intocadas, ainda com um jardim verde em volta.
Essas são provas de que comportamento conscientizado funciona, sim."
As cidades deveriam manter,
em seus confins, áreas livres de galhos, mato e folhas que peguem rapidamente
fogo quando secos, prossegue o especialista do Instituto Florestal Europeu.
"Algumas municipalidades empregam pastores para preservar uma zona tampão
desmatada: suas ovelhas e cabras devoram todas as plantas mais combustíveis,
deixando as árvores maiores."
¨
O combate a incêndios florestais frente à mudança
climática
As chamas devastam as
florestas há milhões de anos, mas os incêndios florestais que assolam a Califórnia e, no último ano, o Brasil e vários outros países
do mundo, são sem precedentes, queimando por mais tempo e a temperaturas
mais altas, em parte devido às mudanças climáticas.
A menor incidência de chuvas
e as secas mais prolongadas deixam as florestas tão ressecadas que a simples
queda de um raio pode gerar um pequeno foco, que rapidamente se transforma em
um inferno antes que equipes de combate ao fogo
consigam conter os danos.
No ano passado, o Brasil,
por exemplo, enfrentou a maior seca da história, segundo o
Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) divulgou no
final de agosto. O número recorde de focos de incêndio fez também com que a
fumaça, oriunda principalmente do fogo na Amazônia, encobrisse o céu em todo o
país e se espalhasse por outras regiões. E o Brasil
concentra atualmente 76% dos incêndios em toda a América do Sul, com mais de 5
mil focos em todo o país.
<><> Incêndios
no mundo
Em agosto de 2024, grandes
incêndios consumiram florestas no oeste do Canadá e dos Estados Unidos,
forçando a retirada de dezenas de milhares de habitantes. Os primeiros dias de
2025 foram marcados por chamas violentas ao redor de Los Angeles.
No Canadá, um incêndio que
se deslocou rapidamente devastou Jasper e o parque nacional ao redor, na
província de Alberta, destruindo pelo menos um terço dos edifícios da cidade. O
parque é parte de uma área declarada Patrimônio Mundial pela Unesco, e
conhecido por suas Rocky Mountains.
"Qualquer bombeiro vai
lhe dizer que há pouco ou nada a fazer quando uma parede fogo como essa está
vindo na sua direção", afirma Mike Ellis, secretário de Segurança Pública
de Alberta. "Ninguém antecipou que o incêndio viria tão rápido, tão grande
assim."
Fogo alimentado pela mudança
climática já devastou o Canadá em 2023, consumindo cerca de 18,4 milhões
de hectares de vegetação e lançando gigantescas nuvens de fumaça sobre partes
dos EUA. Em meados do mesmo ano, grandes incêndios irromperam igualmente na
Itália, Grécia e Espanha.
Do outro lado do mundo,
os megaincêndios na Austrália em 2019 e 2020 devastaram quase 24 milhões de hectares, queimando também
florestas que anteriormente eram capazes de resistir ao fogo.
Enquanto o planeta
continuar a aquecer com a queima de combustíveis fósseis, a tendência é
que a ocorrência desses incêndios se agrave, colocando em risco vidas humanas e
de animais selvagens.
"Não estamos no caminho
certo para a redução de riscos", afirmava, em agosto de 2022, Hamish
Clarke, pesquisador da escola de ecossistemas e ciências florestais da
Universidade de Melbourne, na Austrália. "Precisamos urgentemente mudar de
rumo e reduzir de maneira séria as emissões de gases causadores do efeito
estufa."
Clarke é coautor de um
artigo sobre o risco de queimadas na Austrália, segundo
o qual "as mudanças climáticas excedem a capacidade de adaptação de
nossos sistemas ecológico e social". No texto, os autores afirmam que o
gerenciamento de incêndios florestais chegou a uma "encruzilhada".
Relacionamos abaixo três
áreas fundamentais nas quais o gerenciamento de incêndios tenta se adaptar à
nova realidade climática.
<><> Combater
fogo com fogo
A queima controlada ou
"prescrita" da vegetação de florestas, realizada com maior frequência
nos meses mais frios do ano, ajuda a diminuir os danos dos incêndios florestais
no verão ao reduzir a quantidade disponível de lenha e gravetos capazes de dar
impulso ao fogo.
Em nações propensas a
incêndios como Estados Unidos, Canadá, Austrália, França, Portugal, Espanha e África
do Sul, essa estratégia de gerenciamento do fogo vem sendo testada e utilizada
há décadas.
Também chamada de redução de
danos, a técnica é "bastante eficiente em diminuir a intensidade e a
gravidade dos incêndios", afirma Víctor Resco de Dios, professor de
engenharia florestal da Universidade de Lleida, na Espanha.
Mas, para que possa ser um
antídoto eficaz, a queima controlada sob temperaturas amenas deve ser feita em
uma "escala espacial bastante grande", afirma o engenheiro florestal.
Na Europa, onde
especialmente os países da região do Mar Mediterrâneo, como a Grécia, sofrem incêndios florestais
bastante graves durante o verão na região, Resco de Dios sugere que uma redução
substancial dos riscos exigiria uma queima controlada em uma área de 1,5 milhão
de hectares.
Contudo, um problema atual
da queima controlada é o aumento dos riscos em razão dos efeitos gerados pelas
mudanças climáticas.
Após uma operação de queima
controlada do Novo México, em maio de 2022, ter se transformado num dos piores
incêndios florestais da história do estado americano, o Serviço Florestal dos
EUA anunciou a suspensão dessas operações nas florestas nacionais em todo o
país, mesmo que aquele tenha sido um caso raro.
Queima de baixa intensidade
pelos povos originários
Durante milhares de anos,
antes das invasões europeias, os povos originários dos EUA e da Austrália utilizavam
uma forma de queimada controlada para reduzir a vegetação inflamável.
Eles praticavam uma
"queima de baixa intensidade" nos meses mais frios para reduzir a
ameaça de incêndios que criava um terreno com um tipo de cobertura de grama
amadeirada, semelhante a um parque, que também preservava a biodiversidade.
Isso foi descrito pelos
autores de um artigo de 2022, que também destacaram o "risco catastrófico
gerado pelo gerenciamento não indígena de controle de queimadas", no qual
o fogo é suprimido em vez de ser gerenciado.
A negação das técnicas
indígenas significa que "as florestas australianas possuem mais material
inflamável do que antes da invasão britânica", disseram os pesquisadores.
Desde que retomaram a posse
de suas terras nativas nos anos 1990, os povos aborígenes vem
praticando com sucesso o gerenciamento de incêndios na região de Kimberly, no
norte da Austrália, durante a estação de tempo frio e seco.
<>< Vigilância com
satélites e drones
Ainda que o melhor seja a
prevenção, a tecnologia se torna cada vez mais importante no combate aos
megaincêndios.
Satélites administrados por
agências como a Nasa ajudam as equipes de bombeiros a se manterem atualizadas
em relação à movimentação das chamas ao redor do planeta. Mais recentemente, os
drones se tornaram uma importante ferramenta de combate ao fogo.
Um projeto em andamento na
Finlândia, onde 75% da superfície é coberta por florestas, vem tornando mais
fácil rastrear os incêndios em fase inicial.
"Desenvolvemos uma
tecnologia de drones através da inteligência artificial para detectar com
rapidez os incêndios florestais e possibilitar o conhecimento da situação no
combate às chamas", explica a professora do Instituto de Pesquisa
Geoespacial (NLS) da Finlândia, Eija Honkavaara, que integra o grupo de pesquisa
do projeto chamado de Consórcio FireMan.
Após a queima de 400 mil
hectares de floresta na Europa em 2019, foi registrado um aumento de 25% no ano
seguinte. Víctor Resco de Dios calcula que a região da Europa Central, mais
quente e seca, "começará a vivenciar megaincêndios nas próximas
décadas".
"Os drones podem nos
ajudar a fornecer informações em tempo real sobre como a linha de fogo progride
e o quão altas são as chamas", afirma Honkavaara.
Ao mesmo tempo em que os
drones fornecer informações em tempo real, também são equipados com sensores
que podem enxergar através da fumaça para detectar a dimensão exata de um
incêndio. O único obstáculo é a necessidade de uma conexão sólida de internet
móvel em áreas remotas.
<><> Proteger as
florestas dos efeitos do clima
"Incêndios florestais
ocorrem na Terra há 420 milhões de anos, a vegetação está adaptada a
eles", sublinha Victor Resco de Dios. Mesmo assim, as propriedades
regenerativas das florestas podem não ser mais suficientes.
Especialistas avaliam que os
ecossistemas de florestas recém-vulneráveis precisam ser adaptados aos
incêndios frequentes através do plantio de espécies mais resistentes ao clima e
à seca.
"Devemos levar em conta
o clima no futuro e plantar espécies de locais mais secos",
aponta Resco de Dios. "Isso quer dizer que não devemos plantar
espécies nativas, mas aquelas que crescem em regiões mais quentes, que
conseguirão se adaptar ao clima das próximas décadas."
Após um inquérito sobre os
incêndios no verão de 2019-2020 na Austrália, pesquisadores concluíram que a
"regeneração efetiva" de mais de 250 espécies de plantas se tornou
menos provável devido à maior frequência de incêndios florestais em
seus habitats.
"Devemos considerar
que, até a virada do século, o clima se tornará inadequado para muitas espécies
que crescem atualmente, e temos que começar a nos planejar para isso",
destaca Resco de Dios.
Isso deve exigir um
monitoramento da regeneração das florestas décadas após elas
queimarem. "Se apenas plantarmos árvores e nos esquecermos delas,
estaremos plantando futuros incêndios florestais", alerta.
Fonte: DW Brasil
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