sábado, 11 de janeiro de 2025

Guilherne Cavalcanti: Redução de escala 6×1 para 4×3 - o pouco discutido impacto no meio ambiente

A redução da escala 6×1 para uma eventual 4×3, já testada fora do Brasil, poderia trazer efeitos pouco discutidos quanto ao meio ambiente, além das questões sociais e de produtividade, mais discutidas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), protocolada em 1º de maio deste ano, propõe a redução da carga horária máxima semanal de 44 para 36 horas, possibilitando, assim, três dias de descanso por semana, o que tem efeitos na saúde do trabalhador e impactos na economia. A alteração massiva do modelo de trabalho, no entanto, também apresenta efeitos no consumo energético, no trânsito urbano e na emissão de gases do efeito estufa.

Um dos principais efeitos imediatos esperados é a queda no consumo de energia elétrica. De acordo com o líder de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) Vinícius Oliveira da Silva, o padrão de consumo hoje restrito aos dois dias de finais de semana poderia ser prolongado, reduzindo a carga no sistema elétrico observado nos dias úteis. No Japão, onde a Microsoft já testou a semana de quatro dias dando folga a 2,3 mil funcionários às sextas-feiras, a queda de consumo elétrico foi de 23%, além do aumento de produtividade registrado pela empresa, estimado em 40. “Vai ser menos empresas abrindo, quer dizer que são menos empresas ligando ar-condicionado, são menos empresas ligando motores elétricos para funcionarem os equipamentos das diversas indústrias, diversos serviços, diversos comércios”, estima Silva. “Certamente a redução da escala 6×1 pela 4×3 traria benefícios indiretos para o meio ambiente, pois reduziria o congestionamento de trânsito em mais dias na semana”, complementa.

Os efeitos no tráfego urbano já foram destaque no relatório “Benefits from Auckland Road Decongestion”, realizado na Nova Zelândia em 2017, que evidenciou não apenas a redução dos congestionamentos nas principais rotas de Auckland, mas a diminuição das emissões de carbono em até 30%. Esse impacto seria alcançado graças ao menor tempo de veículos parados no trânsito, o que também resultaria em uma queda significativa do consumo de combustíveis fósseis e da poluição atmosférica.

A redução da escala de trabalho poderia ter ainda mais impacto ambiental caso seja associada ao retorno do chamado horário de verão. “O horário de verão tem um benefício no sentido de [que] ele vai atuar exatamente nos períodos onde se exige a maior quantidade de termelétricas operando […] E ao fazer isso você precisa partir [de] menos [uso de] termelétricas, que elas são mais caras, ou seja, pesam na conta de luz das pessoas, e elas também emitem mais gás de efeito estufa e poluentes”, detalha o líder de projetos do Iema. “Os pilotos [da escala 4×3] que estão sendo realizados de forma global mostram que, havendo um planejamento adequado e os ajustes às realidades locais, a gente tem um ganho. Tem muito potencial para explorar outros pilares de sustentabilidade, como o ambiental. Jornadas mais curtas podem reduzir o uso de recursos naturais, as emissões da pegada de carbono, promovendo mais práticas alinhadas com sustentabilidade climática”, explica Gabriela Brasil, diretora da comunidade 4 Day Week Global, organização sem fins lucrativos que realiza testes com empresas ao redor do mundo a fim de incentivar outros modelos de escala de trabalho e que já promoveu experiências no Brasil.

·        Escala 4×3, produtividade e criatividade: como foram os testes no Brasil

Entre janeiro e julho deste ano, 19 empresas e seus 252 colaboradores fizeram parte do piloto da “Semana de 4 dias”. No relatório final da ONG 4 Day Week, foram destacados avanços em aspectos organizacionais e individuais como uma redução de 72,8% na exaustão frequente dos trabalhadores, enquanto 49,6% relataram uma melhora significativa na qualidade do sono e 43,6% passaram a praticar atividades físicas com maior frequência. Apenas 2,5% das pessoas envolvidas no teste alegaram que não gostariam que a jornada de quatro dias de trabalho fosse mantida em suas empresas. “A gente precisa encontrar um equilíbrio mais saudável entre trabalho e vida pessoal. […] Quando a gente foca em produtividade, sucesso profissional, frequentemente se ignora o descanso, se ignora o lazer, se ignora o autocuidado, que são fundamentais para essa vida sustentável”, defende Gabriela Brasil, que aponta que os testes feitos pela organização indicam um aumento de produtividade de 71,5% nas empresas que testaram o modelo 4×3.

Uma dessas empresas foi a GR Assessoria Contábil, cuja equipe de 10 pessoas teve a escala reduzida com dois grupos tendo folgas alternadas entre as segundas e sextas-feiras e inversão a cada trimestre. “Não é algo fácil de implementar e a adaptação é lenta e gradual, é preciso abandonar velhos hábitos, crenças e metodologia de trabalho, que ficou no passado, e isso vale para os dois lados”, relata a sócia Maria Marta Neves. “Criamos um método para que [a produção equivalente] às 8 horas do dia de folga sejam minimamente distribuídas nos quatro dias úteis. Assim, conseguimos manter o equilíbrio”. A empresária destaca que a implementação tem funcionado com adaptações em momentos de alta demanda de tarefas, no qual a equipe corta o feriado semanal, como em dezembro, quando há uma demanda maior para os contabilistas. “São apenas 20 dias para atender toda a demanda: 13º, férias coletivas de clientes, além do trabalho do dia a dia. Fica impossível”, admite.

Outra brasileira que testa o formato desde janeiro foi a Rede Alimentare, de alimentação coletiva para empresas. Segundo a coordenadora de Planejamento Estratégico, Caroline Soldi, a iniciativa partiu do diretor e a medida foi implementada inicialmente no administrativo, composta por 11 colaboradores. “Hoje já não é um ponto, assim, ‘a gente precisa fazer dar certo até quinta-feira’. Flui naturalmente. É normal. A gente trabalha de segunda a quinta, as nossas demandas estão adaptadas para essa carga horária de trabalho, e a gente dá conta de tudo”, explica Soldi, que disse verificar também aumento de produtividade e retenção dos profissionais. “A gente reduziu a zero gastos com rescisão”, garante. O modelo, no entanto, ainda não tem previsão de ser expandido para o restante da empresa “devido à maior complexidade de implementação”.

Entre 19 as companhias envolvidas na experiência, nove decidiram manter o formato de quatro dias após o término do piloto, enquanto outras sete decidiram estender a experiência para avaliar melhor os impactos de longo prazo. “Se é uma decisão da liderança para baixo, ela tende a não funcionar. Se é uma decisão onde os colaboradores estão envolvidos, trazendo a participação deles, como que uma tarefa pode ser otimizada, com pesquisa para entender os pontos que são realizados, avaliando necessidade, ideias, progresso, pensando em soluções, medindo o impacto… Tudo isso é importante para fazer uma mudança de jornada”, completa Brasil.

Pesquisadores que fizeram testes da escala 4×3 ao redor do mundo refutam a ideia de que a redução impactaria negativamente a economia. “Nós vimos em todos os países que reduziram a semana de trabalho, por exemplo, de 6 dias para 5, que já foi há quase 100 anos nos Estados Unidos, nunca piorou a economia. Se surpreenderam sempre, os economistas, porque a economia acabou por funcionar tão bem como antes, ou ainda melhor, com menos horas de trabalho”, afirma o economista português Pedro Gomes, professor da Universidade de Londres e autor do livro Sexta-feira é o novo sábado.

Gomes também explica que a dinâmica do mercado exige “adaptação natural” em cada setor. “[A jornada] Para os jornalistas é muito diferente dos professores, das pessoas que trabalham no restaurante, nos hospitais, portanto, mesmo uma economia que funciona com um fim de semana de dois dias, é muito diferente para toda a gente […] Uma semana de quatro dias não seria o mesmo para as pessoas que trabalham no restaurante, ou nos bancos”, afirma, destacando ainda que a redução da escala de trabalho e o ganho do tempo livre não se voltam apenas a momentos de lazer, mas permitem se ter novas ideias que beneficiem o mercado, e como colocá-las em prática.

O professor de psicologia do Centro Universitário de Brasília (Ceub) Carlos Manoel Rodrigues complementa que a falta do tempo de descanso causa uma perda cognitiva que impacta na criatividade em si. “Com os períodos longos de trabalho, sem o descanso, a gente tem uma redução da capacidade da memória que vem aos 40%, a partir de 45 anos, por exemplo, porque você já tem o efeito do envelhecimento, mas também tem o efeito desse estado de alerta constante”, explica. Além disso, Rodrigues reforça que trabalhadores que conseguem desconectar-se do ambiente de trabalho têm mais oportunidades de vivenciar experiências variadas, o que contribui para a criatividade: “A questão não é só o fato do tempo, mas a qualidade desse tempo de descanso. Por exemplo, trabalha de segunda a sexta, mas sábado, domingo, você está no celular respondendo coisas de trabalho, então, você não está descansando”. “O tempo livre não é tempo morto para a economia […] Vamos aos restaurantes, aos hotéis, à cultura, aos teatros, cinema, e portanto há muitas indústrias que [se] beneficiariam diretamente de mais tempo livre”, complementa.

·        Resistência ainda é generalizada

Apesar das pesquisas já realizadas, os pesquisadores explicam que, mesmo em países nos quais os testes alcançaram alto número de empresas e colaboradores, existe uma tendência natural à mudança que vem do próprio setor da economia.

“Há a visão de que, se baixarmos [o tempo de serviço], se trabalharmos menos, a economia vai cair, o PIB vai baixar […] Depois há uma certa visão um pouco moralista, um pouco filosófica, [de] que o nosso valor vem do trabalho, temos de estar a trabalhar […] quando não estamos a trabalhar, estamos preguiçosos, não contribuímos [com a sociedade]”, explica Pedro Gomes.

Gabriela Brasil argumenta que a falta de aprofundamento no debate, que apresente dados e testes já realizados, pode criar um cenário que facilite a disseminação de mitos. Um exemplo seria como, nas últimas audiências públicas para debater a diminuição da escala 6×1, deputados críticos à PEC defendiam, sem embasamento, que, caso a PEC fosse aprovada, as empresas teriam mais gastos em contratações, cujos custos recairiam sobre os próprios trabalhadores. “Quando os empresários e os empregadores entendem que a redução da jornada, por exemplo, pode diminuir o absenteísmo, aumentar a produtividade, melhorar a rentabilidade, atrair talentos, aí a gente começa a sair do campo das opiniões vagas e do senso comum e entra no terreno das possibilidades reais”, alerta.

 

¨      O trabalho na era da inteligência artificial. Por Ricardo Antunes

Nestes tempos de trabalho digital, algoritmos, Inteligência artificial e assemelhados, está surgindo um novo espectro que ronda o mundo do trabalho. Trata-se do espectro da uberização.

·        O advento da nova aberração

O mundo do trabalho vivencia sua fase mais aguda, desde a gênese do capitalismo. Mergulhados em uma profunda “crise estrutural”, que pode ser assim resumida. O sistema de capital não mais consegue acumular sem destruir. Com as fronteiras terrestres já sob seu domínio, adentramos na era da acumulação do espaço sideral.

Quadro que aflorou, a partir de 1973, quando a trípode destrutiva – financeirização, neoliberalismo e reestruturação do capital – deu impulso para que as tecnologias de informatização invadissem o mundo da produção na indústria e, em seguida, nos serviços que foram privatizados e se converteram em excepcionais laboratórios de expansão dos capitais, potencializados pelos algoritmos, Inteligência artificial, Big Data etc.

No mundo do trabalho, a explosão global do desemprego, mais intensa no Sul Global. O moinho satânico, cunhado por Karl Polanyi, chegava à era cibernética.

No mundo do trabalho vimos a explosão global do desemprego, sempre mais exacerbado no Sul Global, agravada em 2008/9 e intensificada com a inesperada eclosão da pandemia. Essa realidade, além jogar nas alturas o desemprego, levou as grandes corporações a terem um novo leitmotiv. Com o toyotismo japonês, conhecemos a expansão ilimitada da terceirização, que nos trouxe ao trabalho intermitente, legalizado no Brasil com a contrarreforma trabalhista de Michel Temer, em 2017, logo depois do golpe que depôs Dilma Rousseff. E foi assim que chegamos ao trabalho uberizado, aquele que se expande nas grandes plataformas digitais, articulando, com indiscreto charme, os inventos digitais e algorítmicos, com a força de trabalho desempregada e ávida por qualquer labor. O Brasil, com uma taxa de informalidade entre 30 e 40%, foi solo fértil para essa empreitada.

Mas urgia ainda encontrar uma denominação para dar vida à nova empulhação, de modo a burlar a legislação do trabalho. O reconhecimento da condição de assalariamento, por si só, obrigaria o cumprimento da legislação do trabalho que, vale recordar, foi resultado de lutas históricas da classe trabalhadora. No Brasil, a primeira greve foi dos “ganhadores”, trabalhadores negros que, em 1857 em Salvador, paralisaram o carregamento de mercadorias e pessoas e exigiram a extinção de opressões que tipificavam a escravização. Ou a Greve Geral de 1917, em São Paulo, que paralisou diversas categorias do operariado, na luta por direitos básicos do trabalho. Pois bem, em pleno século XXI, na era da explosão das tecnologias digitais que poderiam reduzir expressivamente a jornada de trabalho, as empresas forjaram “novas” modalidades de trabalhos, com um condicionante inquestionável: a cabal recusa em cumprir a legislação do trabalho. Apresentando-se como “empresas prestadoras de serviços e de tecnologia”, com o estrito objetivo de obliterar a condição real de assalariamento, o trabalho uberizado deslanchou. Foi assim que as grandes plataformas digitais “redefiniram” a condição de assalariamento, milagrosamente convertido em empreendedorismo.

Um aparente paradoxo aflorou: em plena era dos algoritmos, Inteligência artificial, ChatGPT, Big Data etc., o capitalismo do século XXI vem recuperando formas pretéritas de exploração, expropriação e espoliação do trabalho que foram vigentes nos séculos XVIII e XIX. O crowdsourcing, por exemplo, tão cultuado hoje, é a variante digital e algorítmica do velho outsourcing, vigente durante parte da Revolução Industrial, onde homens, mulheres e crianças trabalhavam em suas casas ou em espaços fora das fábricas, desprovidos de qualquer legislação do trabalho. Nos defrontamos, então, atualmente, com um novo espectro rondando o mundo do trabalho: a epidemia da uberização. Mas não parou aí o tamanho do problema. Um outro movimento tornou o trabalho ainda mais vulnerável: o advento da Indústria 4.0, que foi criada para potencializar a automação, digitalização, a internet das coisas (IoT) e a Inteligência artificial. Seu objetivo precípuo: reduzir trabalho humano, introduzindo mais máquinas digitais, robôs, ChatGPT etc., que passaram a se esparramar nas novas cadeias produtivas de mais-valia.

O que estamos vendo hoje, com a Inteligência artificial calibrada pelos capitais financeiros, já apresenta resultados catastróficos para a classe trabalhadora. Se sabemos que a tecnologia floresceu junto com o primeiro microcosmo familiar, é imperioso reconhecer que a tecnologia atual está sendo prioritariamente plasmado pelo sistema do capital, que só pensa naquilo: na sua valorização. O resto é pura balela. Ou alguém conhece uma grande corporação global que ampliou a Inteligência artificial, reduziu significativamente a jornada de trabalho e ainda aumentou substantivamente o salário dos trabalhadores/as?

Atam-se, então, as duas pontas do mesmo processo destrutivo em reação ao trabalho: ao mesmo tempo em que a Indústria 4.0 elimina uma miríade de atividades laborativas, as grandes plataformas digitais incorporam essa força sobrante de trabalho em condições que remetem à protoforma do capitalismo.

·        O Brasil no meio do furacão

Primeira nota: Lula ganhou as eleições de outubro de 2022, depois de um embate eleitoral árduo. Nos subterrâneos, gestava-se um plano golpista – o “punhal verde e amarelo” – urdido pelos neofascistas. Mas Lula sagrou-se vitorioso, vale reiterar, pelo voto majoritário da classe trabalhadora. Dentre as propostas que defendeu em sua campanha, uma é essencial: vencendo as eleições, ele revogaria a (contra)reforma trabalhista de Michel Temer. Aquela que nos herdou o trabalho intermitente; a prevalência do negociado sobre o legislado; o desmonte sindical; a forte retração da Justiça do Trabalho; a perda de direitos das mulheres trabalhadoras etc. Sem falar da Lei da Terceirização, que eliminou a diferença entre atividade meio e fim e assim propiciou a liberação geral da terceirização.

>>> Será que Lula esqueceu dessa proposta?

O que pode explicar o PLP 12/2024, apresentado pelo governo, em abril deste ano que, em seu artigo 3º afirma: “o trabalhador que preste o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em veículo automotor de quatro rodas […] será considerado, para fins trabalhistas, trabalhador autônomo”.

Autônomo? Como assim? Desconsiderando as pesquisas acadêmicas sérias, feitas sem recurso financeiro das plataformas? Desconhecendo a Diretiva da União Europeia, recém aprovada pelos 27 Estados-membros da região, que parte da presunção do vínculo empregatício e indica também a necessidade imperiosa de controlar os algoritmos, programados para beneficiar exclusivamente as grandes plataformas. Se esse PLP for aprovado, uma enorme parcela da classe trabalhadora será excluída da legislação do trabalho. Não terá férias, nem 13º. salário, descanso semanal, FGTS, nenhum direito para as mulheres e ainda verá liberada uma jornada (ilegal) de até 12 horas por dia, por plataforma. Se for aprovada, a porteira vai se escancarar de vez… E a conta vai sobrar para a história do Lula.

Segunda nota: As eleições municipais desse ano, se estão entre as mais negativas da história recente, ao menos ofereceram um lampejo crucial, ao tematizar vivamente a questão da jornada de trabalho (escala 6×1). Tema que tem sido tergiversado até mesmo pelas esquerdas dominantes, que se curvam às benesses do embuste do falso empreendedorismo. Daí a louvável exceção de um jovem trabalhador do comércio no Rio de Janeiro, que fez sua campanha, pelo PSol, centrada na jornada de trabalho, apontando para a exploração do trabalho presente na escala 6×1. Ao tornar este tema eixo de sua campanha eleitoral, questões vitais foram afrontadas: tempo extenuante de trabalho, intensidade da exploração, que impede que essa geração de trabalhadores/as possa dispor de um mínimo de vida dotada de sentido fora do trabalho.

A alternativa: a jornada 4×3, quatro dias de labuta dura, e três de descanso, então, emplacou em cheio. Enquanto outros, aqui e alhures, mostravam-se maravilhados com o falso empreendedorismo. E, ao aflorar uma das questões mais vitais do mundo do trabalho, jogou para o debate público uma real tragédia cotidiana do trabalho. Trabalhar, trabalhar, sem chance de estudar, sociabilizar, descansar, sem a possibilidade de viver um tempo maior fora da exaustão do trabalho. Isso porque a jornada 6×1 significa laborar em geral, cinco dias de trabalho, com oito horas cada, mais um dia de ao menos quatro horas, para totalizar 44 horas semanais (que é a jornada legal no Brasil). Que frequentemente se converte em 48 horas, especialmente nos serviços do comércio, hotelaria, bares, restaurantes, shoppings, etc., onde a burla é muito frequente e muitos sindicatos carecem de força social ou ter perfil mais patronal. Sem esquecer as jornadas ilimitadas presentes no trabalho motoristas e entregadores uberizados.

<<<< Pior que o 6×1, ao menos para quem gosta de futebol, só mesmo o 7×1.

Uma última nota: Nestes tempos de trabalho digital, algoritmos, Inteligência artificial e assemelhados, está surgindo um novo espectro que ronda o mundo do trabalho. Trata-se do espectro da uberização. Como impedir essa tragédia?

Esse é o maior desafio da classe-que-vive-do-trabalho. E há um elemento novo e quase sempre desconsiderado no cenário social global: ao mesmo tempo em que a classe trabalhadora se mostra ainda mais heterogênea em seu mosaico laborativo, está em curso também uma forte homogeização em suas condições de trabalho, uma vez que a precarização estrutural do trabalho é uma tendência global, diminuindo em alguma medida as diferenças entre Norte e Sul. Basta pensar no trabalho imigrante global. Fonte, portanto, de novas ações e lutas da classe trabalhadora, base social imprescindível para que se possa reinventar um novo modo de vida.

 

Fonte: Agencia Pública/A Terra é Redonda 

 

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