quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

César Fonseca: Classe média fortalecida sinaliza opção social-democrata lulista para 2026

O fortalecimento do poder de compra da classe C, classe média, que ganha de R$ 3,4 mil a R$ 8 mil, conforme pesquisa da Consultoria Tendências, reforça a percepção do segmento correspondente a 50,1% da população, majoritário formador de opinião, segundo o qual o caminho político no país, sob o governo Lula, aponta para a social-democracia, em contraposição ao neoliberalismo radical fascista bolsonarista.

Essa tendência se acentuaria ainda mais se, nos dois últimos anos do lulismo, 2025 e 2026, a prioridade seguir fortalecendo essa classe social com o cumprimento da promessa de isentar do IR quem ganha até R$ 5 mil, bem como de taxar os mais ricos, distribuindo melhor a renda nacional para combater a desigualdade social.

O rumo político que essa melhor distribuição da renda aponta afasta posições extremistas, seja à direita, seja à esquerda, nos dois últimos anos do terceiro mandato do presidente Lula, podendo favorecer sua reeleição no próximo ano.

À esquerda, tal possibilidade está distante, dada a desmobilização social, em processo acentuado desde o golpe neoliberal, que fragilizou as forças sindicais, com o fim, por exemplo, do imposto sindical, sem o qual aos sindicalistas faltam recursos materiais para a organização política.

Haja vista o que aconteceu com a complacência dos trabalhadores diante da decisão do Congresso na votação do pacote fiscal, que prejudicou a política de salário mínimo, base para a valorização da escala salarial, em geral, das categorias trabalhistas.

Não se verificou acirramento político da luta de classes, sem o chamamento às greves, como se imaginaria no processo de agitação social.

Com a direita ocorreu, igualmente, uma posição de conformidade com a política econômica, porque o governo atendeu amplamente seus segmentos organizados.

Tanto o agronegócio quanto o setor industrial se beneficiaram com a política de sustentação de gastos públicos, na casa dos 5% a 7% do PIB ao longo de 2023 e 2024, responsável por manter mais do que satisfatória a oferta de empregos, com taxa de desemprego baixa, embora com redução salarial decorrente da reforma trabalhista neoliberal herdada do fascismo bolsonarista.

PACTO SOCIAL

O comércio, os serviços, a agricultura e a indústria ganharam sustentabilidade, o que produziu recuperação relativa da classe média, favorecida pela manutenção da demanda estatal, que sustentou o PIB na casa dos 3% nos dois últimos anos.

Com esse quadro econômico conjuntural, que poderia ter sido bem mais vantajoso para a sociedade se o Banco Central não tivesse, claramente, feito a opção neoliberal pelos juros altos, os investimentos poderiam ser mais vigorosos.

Não é à toa que a Confederação Nacional da Indústria (CNI), interessada no fortalecimento da classe média, que favorece a política industrial mediante um mercado interno consumidor mais forte, lança a palavra de ordem favorável a um pacto social, estratégia capaz de reforçar a produção e o consumo relativamente ao status quo especulativo, que trava os investimentos.

Os empresários, com o pé no freio por causa das incertezas, optaram por jogar a maior parte da sua receita nas aplicações financeiras, onde ganham mais do que nas atividades produtivas, sustentando a taxa de lucro capaz de garantir a reprodução do seu capital.

Portanto, a conjuntura se mantém na expectativa de crescimento da economia para 2025, no mesmo nível de 2023 e 2024, reclamando, agora, uma participação maior do setor produtivo como ator do desenvolvimento para se contrapor ao setor financeiro, cujo faturamento exagerado na especulação jurista, patrocinada pelo Banco Central, precisa ser atenuado.

A classe média, sem dúvida, fortalece esse pacto social defendido pelos industriais, sinalizando maior engajamento dos setores produtivos no processo de desenvolvimento.

BC KEYNESIANO À VISTA?

Espera-se que o Banco Central, sob nova direção com Gabriel Galípolo, de orientação econômica mais ligada à heterodoxia da escola econômica de Campinas, de viés keynesiano, faça com que as taxas de juros caiam e os negócios ganhem mais impulso.

Afinal, Keynes, do qual Galípolo é discípulo, diz que a única variável econômica verdadeiramente independente no capitalismo é a quantidade da oferta de moeda na circulação capitalista determinada pela autoridade monetária.

Quando a autoridade monetária, o governo, age nesse sentido, produz quatro fatores simultâneos:

1 – Reduz os juros, diminuindo a dívida pública e aumentando os investimentos;

2 – Perdoa a dívida dos capitalistas contraída a prazo;

3 – Eleva relativamente os preços; e

4 – Diminui, também relativamente, os salários.

A combinação desses fatores, diz Keynes, produz, consequentemente, o aumento da eficiência marginal do capital, isto é, os lucros.

Nesse sentido, caso o BC dê um breque na especulação desenfreada que mantém a economia em permanente semiestagnação em relação aos investimentos, com baixa oferta de crédito à produção e ao consumo, devido ao receio do consumidor quanto ao seu endividamento, continuará, em 2025, o fortalecimento da classe média.

Estaria sendo, portanto, materializado o ideal perseguido pelo presidente Lula, como certificou a pesquisa da Consultoria Tendências, publicada pelo Globo no domingo.

Politicamente, tal processo econômico contribui para restabelecer a força da social-democracia frente ao neoliberalismo financeiro, com reflexos políticos previsíveis para a reeleição do presidente Lula em 2026, caso ele seja novamente candidato.

 

¨      Mesmo com aumento real do salário mínimo, poder de compra do brasileiro seguirá estagnado até 2026, mostra estudo

salário mínimo no Brasil passou a ser de R$ 1.518,00 em 2025, valor R$ 106 maior do que o de 2024, e correspondente a um reajuste de 7,5%.

Mas, com o dólar nas alturas e a perspectiva de continuidade da alta do preço dos alimentos este ano, não deve haver aumento do poder de compra do brasileiro em relação ao preço da cesta básica, aponta estudo da consultoria LCA 4intelligence.

E o cenário não muda em 2026, quando o poder de compra dos brasileiros seguirá estagnado e abaixo do nível pré-pandemia.

Isso ajuda a explicar o mau humor dos brasileiros com a economia, mesmo num cenário de desemprego na mínima histórica e renda em alta, dizem analistas.

Na terça-feira passada (31/12), uma pesquisa Datafolha mostrou que 61% dos brasileiros acreditam que a economia do país está no caminho errado, ante 32% que consideram a trajetória econômica positiva e 6% que não souberam responder.

O quadro também impõe um desafio ao projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026, num cenário inflacionário que tem penalizado outros mandatários nas urnas — em países como Estados UnidosReino UnidoCoreia do SulPortugal e Uruguai, partidos de oposição de diferentes ideologias chegaram ao poder ou conquistaram maioria no Congresso no ano passado.

Procurado para comentar a tendência de estagnação do poder de compra mostrada pelo estudo, o Ministério da Fazenda não respondeu até a publicação desta reportagem.

<><> 'Não voltaremos ao poder de compra pré-pandemia'

Para realizar o estudo, o economista Bruno Imaizumi, da LCA 4intelligence, usou a série histórica do valor da cesta básica na cidade de São Paulo produzida pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e o salário mínimo vigente.

Ele então projetou as duas séries à frente, a partir da estimativa da LCA para inflação de alimentos em domicílio em 2025 e 2026 e para o reajuste do salário mínimo segundo a nova regra.

Desde 2023, o salário mínimo é corrigido pela soma da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 12 meses até novembro e do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores.

A diferença é que agora há um teto de reajuste de 2,5% acima da inflação, a fim de adequar o crescimento do salário mínimo aos limites de gastos públicos definidos pelo novo arcabouço fiscal.

Desde 1998, início a série histórica da cesta básica do Dieese em São Paulo, até 2010, houve um ganho no poder de compra do brasileiro, mostram os dados.

Passando de um pouco mais de uma cesta básica por salário mínimo para 2,2 cestas básicas em janeiro de 2010.

No período entre 2010 e 2019, melhor momento para o poder de compra do brasileiro, o salário mínimo comprou em média 2,1 cestas básicas.

"O que o estudo mostra é que perdemos poder de compra a partir de 2020, quando entra a pandemia e os preços de alimentos ficam muito caros", observa Imaizumi.

A partir de 2022, há a guerra entre Rússia e Ucrânia, com forte impacto sobre o preço global dos grãos, além de uma série de episódios climáticos cada vez mais extremos, que reduzem a oferta de alimentos, elevando preços mundialmente.

Com isso, o poder de compra do salário mínimo caiu para 1,5 cesta básica em abril de 2022.

Desde então, se recuperou ligeiramente, para 1,7 em novembro de 2024, mas sem retomar o nível anterior à pandemia.

"Os níveis de preços permaneceram muito elevados e, olhando para as nossas projeções, que estendem para frente as métricas de poder de compra, vemos que não há uma recuperação [nos próximos dois anos]", diz o economista da LCA.

"Não voltaremos a patamares [de poder de compra] pré-pandemia, então o brasileiro ainda se sente lesado. Ele não consegue comprar o mesmo que comprava antes da pandemia, porque os níveis de preços permanecem muito altos."

Imaizumi observa que, mesmo considerando a regra antiga de cálculo de reajuste do salário mínimo, o cenário pouco mudaria.

"O que pode ajudar para que haja uma recuperação um pouco mais contundente do poder de compra é uma valorização do real", avalia o economista.

"Para isso, o governo vai precisar mostrar que está comprometido com a questão do ajuste fiscal, porque a trajetória das contas públicas brasileiras no médio e longo prazo é preocupante, o que afeta expectativas de investimento, consumo e crescimento a longo prazo do país."

O analista lembra que, em 2024, a inflação de alimentos ficou bem acima da alta da inflação em geral medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Isso ocorreu em grande medida devido ao excesso de chuvas, seca e queimadas que afetaram as safras não só no Brasil, mas também em outros grandes países produtores de commodities agrícolas.

Para 2025 e 2026, Imaizumi espera que IPCA e a inflação de alimentos tenham variações mais próximas.

"Mas os preços de alimentos vão continuar elevados", prevê o economista.

"Por mais que a gente tenha [em 2025] a perspectiva de uma safra próxima do recorde de 2023, o real desvalorizado incentiva a exportação, o que reduz a oferta de produtos no mercado doméstico."

Além disso, diz ele, o real desvalorizado também afeta o valor das commodities negociadas em dólar no mercado internacional.

E as expectativas de inflação desancoradas em meio às preocupações fiscais também acabam influenciando a inflação de alimentos, lembra Imaizumi.

<><> Efeito pêndulo

Para o economista, a permanência dos preços em patamar elevado após a pandemia pode ser um dos motivos que têm levado ao que é chamado na análise política de "efeito pêndulo", ou a tendência de vitória da oposição em eleições recentes pelo mundo.

"O presidente de uma determinada ideologia se elege, mas não consegue recuperar poder de compra ou fazer a economia crescer de maneira robusta e sustentável, então não consegue se reeleger, mesmo com a máquina pública operando", afirma.

Creomar de Souza, cientista político e diretor-executivo da consultoria de risco político Dharma Politics, avalia que, se as projeções de estagnação do poder de compra na segunda metade do mandato de Lula se confirmarem, ele pode de fato enfrentar dificuldades nas eleições de 2026.

"Tem uma frase que diz: 'Se a geladeira está cheia, o voto é no governo. Se está vazia, o voto é na oposição'. Então o grande desafio da administração Lula na atual conjuntura é convencer as pessoas de que a economia está funcionando", diz Souza.

"E esse não é só um desafio de comunicação. O desemprego está diminuindo, os salários estão aumentando, mas as pessoas não estão sentindo isso no mercado. Esse é o ponto."

Souza ressalta, no entanto, que as causas do problema podem estar além da capacidade do governo de remediá-lo e destaca que a inflação influenciou recentemente a eleição nos Estados Unidos, vencida por Donald Trump.

"Ou seja, é um problema global — os preços não voltaram ao que eram antes da pandemia aqui, na Europa, nos Estados Unidos, em todos os lugares", diz o cientista político.

Souza observa ainda que a economia não é o único fator que ajuda a explicar a avaliação negativa que parte da população faz do governo Lula — no Datafolha mais recente, 35% dizem aprovar o governo petista, enquanto outros 34% reprovam, e 29% avaliam a gestão como regular.

O país segue profundamente fraturado politicamente, avalia o analista.

"Uma parcela importante da sociedade que não gosta do Lula, se o governo conseguir fazer chover maná do céu, vai continuar não gostando do Lula", diz Souza.

"Isso gera uma dificuldade para o país como um todo, porque vai erodindo os consensos. Há uma dificuldade de transposição de dados positivos para a percepção de um número grande de eleitores."

Diante desse dilema, o governo tem dois caminhos possíveis para o fim de mandato, na visão de Souza: tentar resolver o desafio fiscal que tem gerado uma crise de confiança nos mercados, impactando o câmbio e as expectativas de inflação, ou "jogar mais lenha na caldeira" e acelerar os gastos no fim do mandato mirando a reeleição — como tentou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e fracassou.

"O dilema para o governo Lula é frear as expectativas negativas, e isso passa por o governo ser mais homogêneo, ter mais consensos e ter sinalizações muito claras acerca do que quer fazer", diz Souza.

Lembrando da crise de confiança durante o governo de Dilma Rousseff (PT), ele afirma que o passado recente mostra que não é uma boa ideia ir à guerra contra as forças de mercado.

"O Congresso e as forças políticas em Brasília sentem o cheiro de algo dando errado muito rapidamente — de fraqueza, de desgovernança ou de falta de consenso", diz.

"À medida que esse cheiro é sentido, as forças políticas vão tentar tirar o proveito máximo disso, então, para cada medida que o governo precisa aprovar, o preço vai ficando mais caro. E um governo que gasta muito recurso no processo de negociação fica desprovido de recursos para fazer outras questões que importam."

 

Fonte: Brasil 247/BBC News Brasil

 

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