Marcelo Uchôa: Dois anos
da tentativa de golpe
Em 8 de janeiro de 2023, o
Brasil assistiu a uma tentativa de golpe que enlameou severamente sua história
democrática. Terroristas e radicais extremistas invadiram e vandalizaram as
sedes dos Três Poderes em ação visando destituir o recém-empossado governo do
presidente Lula. Dois anos depois é fecundo analisar avanços, desafios e
lacunas no enfrentamento do episódio.
No dia da intentona e dias
posteriores, o ex-ministro da Justiça Flávio Dino teve papel determinante. Sob
sua liderança, o Executivo reagiu com veemência e, pela batuta da Polícia
Federal, os protagonistas do caos começaram a ser responsabilizados. Por
articulação do presidente Lula, o Executivo reforçou a segurança institucional
e articulou esforços de cooperação com governos estaduais, restaurando a
ordem.
O Judiciário também não se
calou. Ali, o ministro Alexandre de Moraes, em especial, consolidou-se como
peça-chave na defesa do Estado Democrático de Direito. À frente de decisões
cruciais, coordenou inquéritos viabilizando ações que resultaram em avanços
concretos, como a condenação de 371 pessoas diretamente envolvidas nos ataques,
com penas chegando a 17 anos de prisão, sinalizando que os atos
antidemocráticos teriam consequências severas. Em casos de menor gravidade, 527
acordos de não persecução penal foram firmados, de tal maneira que 898 réus,
dos mais de 1500 denunciados, já tiveram processos apreciados. Vultuosas somas
em dinheiro foram recuperadas para o erário, processos e mais processos foram
movidos pela Advocacia Geral da União a título de ressarcimento por danos ao
patrimônio público.
Apesar dos avanços, o Brasil
ainda enfrenta desafios sobremaneira significativos. Passados dois anos, os
principais financiadores, autores intelectuais e altas autoridades que apoiaram
a trama golpista seguem fora do alcance da Justiça. A impunidade lança dúvidas
sobre as conquistas obtidas e alimenta questionamentos sobre o comprometimento
das autoridades competentes no enfrentamento do problema em sua totalidade.
A partir da prisão do
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, investigações já concluíram que
generais como o ex-candidato a vice na chapa do ex-presidente Braga Netto
(atualmente preso preventivamente por tentar frustrar apurações policiais)
articularam diretamente ações visando o golpe, com planejamento de ações
meticulosas que incluíam o assassinato do presidente Lula, de seu vice Geraldo
Alkmin, do ministro do STF Alexandre de Moraes, além de intervenção militar
direta no governo nacional e especulação, até mesmo, de criação de campo de
prisioneiros (semelhante a campo de concentração) para reclusão em massa de
oposicionistas. Uma gangue denominada Kids Pretos tentava, de dentro das Forças
Armadas, viabilizar o golpe.
É certo que, de lá para cá,
a Policial Federal vem fazendo a sua parte. Quarenta altos conspiradores foram
indiciados pela inserção em núcleos político, militar, operacional, financeiro
e de inteligência na trama conspiratória. Além de Braga Netto e Mauro Cid,
figurões do governo anterior, como o ex-ministro do Gabinete de Segurança
Institucional general Augusto Heleno, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres
e o ex-diretor da Agência Brasileira de Informação Alexandre Ramagem foram
indiciados. O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro foi indiciado por abolição
violenta do estado democrático de direito, golpe de estado e organização
criminosa (sucessivamente, arts. 359-L e 359-M, ambos do Código Penal, e art.
2° da Lei n. 12.850/2013), imputações que, se convertidas em condenações, podem
resultar em 28 anos de prisão, à parte eventuais adicionais por agravantes.
O fato é que, neste 8 de
janeiro de 2025, dois anos após a tentativa de golpe, milhões de pessoas país
afora estão interconectados pelo questionamento de uma só pergunta: quando o
Procurador-Geral da República Paulo Gonet irá denunciar Jair Bolsonaro para que
finalmente ele responda pelas gravíssimas acusações que lhe dizem respeito?
Como é patentemente conhecido, o tempo é amigo da impunidade e a impunidade é
irmã siamesa da injustiça. Portanto, nada de demora, nada de anistia, nada de
perdão. Todos os que tentaram acabar com a democracia no Brasil precisam pagar
caro, muito caro, pela ousadia de tentar calar mais uma vez o povo brasileiro.
Somente assim o fantasma do golpismo perecerá na imensidão das sombras.
¨ Autoridades
pedem responsabilização por tentativa de golpe
O Palácio do Planalto foi
palco, na manhã desta quarta-feira (8), de um ato político sobre os dois anos
da invasão e destruição dos prédios na Praça dos Três Poderes, em uma tentativa
de golpe de Estado para depor o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que derrotou o ex-presidente Jair Bolsonaro nas urnas, em 2022.
Acompanhado por autoridades, entre magistrados de tribunais superiores, parlamentares
e ministros, o evento contou com discursos dos representantes dos Poderes
presentes, que reafirmaram a necessidade de que o episódio de ataque à
democracia assegure a responsabilização de seus mentores e executores.
"Não podemos ser
tolerantes com os intolerantes. Não podemos homenagear o fascismo, o ódio
político. Precisamos aprender com a história. Aqueles que querem romper com a
democracia não podem ter de nossa parte a leniência", afirmou a deputada
federal Maria do Rosário (PT-RS), segunda-secretária da Câmara dos Deputados.
Ela representou o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que não compareceu
ao ato. Em alguns momentos durante a cerimônia, os presentes gritaram em coro a
frase "sem anistia", em alusão aos processos judiciais e investigação
em curso contra os envolvidos nos atos golpistas.
Pelo Senado Federal, o
vice-presidente Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) foi o representante no lugar
do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Para ele, o ato não significa
partidarização, mas a necessidade de preservar a memória de uma agressão à
democracia. Na presença dos comandantes das Forças Armadas (Exército, Força
Aérea e Marinha), Veneziano falou sobre destacar aquelas autoridades que
permaneceram fiéis à democracia, separando-as de quem tentou quebrar as regras
constitucionais.
"Entre membros das
Forças houve aqueles que não se predispuseram a subjugar-se à infâmia dos que
tentavam e tramavam contra as vidas, como a do presidente Lula, do
vice-presidente Alckmin, do ministro Alexandre de Moraes. É necessário que
façamos justiça porque não podemos tratar igualmente os que são
desiguais", afirmou.
Já o presidente Lula fez
questão, antes iniciar o seu discurso, de destacar a presença dos comandantes
militares. "Eu quero agradecer ao José Múcio [ministro da Defesa], que
trouxe os três comandantes das Forças Armadas, para mostrar a esse país que é
possível a gente construir as Forças Armadas com o propósito de defender a
soberania nacional", disse.
O vice-presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, foi quem discursou no lugar do
ministro Luís Roberto Barroso, que está em viagem. "Relembrar essa data,
com a gravidade que o episódio merece, constitui um esforço para virarmos a
página, mas sem arrancá-la da história. A maturidade institucional exige a
responsabilização por desvios dessa natureza. Ao mesmo tempo, porém, estamos
aqui para reiterar nossos valores democráticos, nossa crença no pluralismo e no
sentimento de fraternidade. Há lugar para todos que queiram participar sob os
valores da Constituição", afirmou Fachin lendo um discurso do próprio
ministro Barroso.
<><> Redes sociais
O ministro prosseguiu o
discurso do presidente do STF, enfatizando as iniciativas para desregulamentar
a profusão de notícias falsas nas redes sociais. Foi uma menção indireta ao
anúncio da empresa Meta, que controla Instagram, WhatsApp e Facebook, que
afrouxará regras sobre conteúdos de ódio nas plataformas.
"Não devemos ter
ilusões. No Brasil e no mundo, está sendo insuflada a narrativa falsa de que
enfrentar o extremismo e o golpismo, dentro do Estado de direito, constituiriam
autoritarismo. É o disfarce dos que não desistiram das aventuras
antidemocráticas, com violação das regras do jogo e supressão dos direitos
humanos. A mentira continua a ser utilizada como instrumento político
naturalizado".
Em seu discurso, Lula falou
que a democracia venceu que, agora, é preciso que as pessoas que provocaram a
tentativa de quebra democrática e de crimes graves sejam processadas e punidas.
"Os responsáveis pelo 8 de janeiro estão sendo investigados e punidos.
Ninguém foi ou será preso injustamente. Todos pagarão pelos crimes que
cometeram, inclusive os que planejaram os assassinatos do presidente, do
vice-presidente da República e do presidente do Tribunal Superior
Eleitoral", afirmou.
Segundo a Presidência da
República, três governadores compareceram ao evento: Fátima Bezerra (Rio Grande
do Norte), Jerônimo Rodrigues (Bahia) e Elmano de Freitas (Ceará). A
vice-governadora de Pernambuco, Priscila Krause, também estava presente. Já
entre os ministros do governo, o comparecimento foi amplo, com 34 titulares do
primeiro escalão presentes. Presidentes de tribunais superiores, como o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Superior Tribunal Militar (STM), também
marcaram presença no ato.
<><> Lula acena às Forças Armadas em ato
contra o golpismo
O
presidente Lula expressou sua gratidão nesta quarta-feira (8), durante o ato em
Defesa da Democracia, que marcou os dois anos dos atos antidemocráticos de 8 de
janeiro. Durante a cerimônia, Lula agradeceu inclusive ao ministro da Defesa,
José Múcio, por ter reunido os comandantes das Forças Armadas na solenidade:
“Quero agradecer José Múcio, que trouxe os três comandantes das Forças
Armadas para mostrar a esse país que é possível a gente construir as Forças
Armadas com o propósito de defender a soberania nacional, nossos 16 mil
quilômetros de fronteira seca, nossos quase 5,5 milhões de km² de mar sob a
responsabilidade do Brasil, a nossa maior floresta de reserva no mundo, 12% da
água doce, as nossas riquezas no subsolo, as nossas riquezas no solo, a nossa
riqueza no fundo do mar e, sobretudo, a soberania do povo brasileiro”.
A
maioria dos condenados pelos atos golpistas foi detida no local dos ataques ou
em acampamentos que permaneceram por semanas em frente aos quartéis, com a
conivência das Forças Armadas. Essa relação tem sido evidenciada no inquérito
conduzido pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes.
Imagens
registram, inclusive, membros das Forças Armadas facilitando o acesso de
manifestantes a áreas restritas próximas à Praça dos Três Poderes, no dia dos
atos. Atualmente, o Ministério da Defesa colabora com o STF na identificação
dos responsáveis por essas ações.
¨ Nova ameaça
de atentado contra Lula e Moraes é investigada pela PF
A Polícia Federal e a
Polícia Civil do Distrito Federal investigam uma nova ameaça de morte contra o
presidente Lula (PT) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal, informa a CNN Brasil. Segundo a denúncia, um ataque com uso de
explosivos, granadas e um fuzil Barrett, utilizado por atiradores de elite,
seria feito em janeiro.
Neste momento, as
investigações buscam identificar autores, participantes e meios empregados no
possível atentado. O caso começou a ser apurado na semana passada, mas ainda é
mantido em sigilo na Divisão de Proteção e Combate ao Extremismo Violento
(Dpcev), da PCDF, e na Divisão de Inteligência Policial (DIP), da PF.
Na última semana de 2024, a
PCDF prendeu um homem de 30 anos, suspeito de planejar ataques na capital
federal. Após denúncias anônimas, o indivíduo foi capturado na Bahia, após o
caminhão em que viajava ser interceptado por um helicóptero da Polícia Civil. O
suspeito foi monitorado e teve a prisão temporária e “outras medidas
judiciais” solicitadas.
Na mesma semana, um homem
foi detido após estacionar um veículo nas proximidades do Comando-Geral da
Polícia Militar do DF, no Setor Policial de Brasília. Ele alegou ter
dispositivos explosivos que seriam usados para atacar as sedes da Polícia
Militar e da Polícia Federal.
¨ Governo
Lula e TSE veem "retrocesso" na mudança de política da Meta e
especialistas apontam risco para 2026
A recente decisão da Meta,
controladora de plataformas como Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp, de
encerrar seu programa de checagem de fatos nos Estados Unidos provocou uma onda
de preocupação entre autoridades e especialistas no Brasil. A medida foi
anunciada pelo CEO Mark Zuckerberg na última terça-feira (7), justificando que
o modelo baseado em verificadores externos apresentava “muitos erros e
censura”. A iniciativa, que inicialmente valerá apenas para os EUA, já gera
temor sobre sua replicação em outros países, especialmente com a proximidade
das eleições de 2026 no Brasil, relata Malu Gaspar, do jornal O Globo.
Membros do Palácio do
Planalto e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) consideram que a nova política
da Meta representa um retrocesso significativo no combate à desinformação. A
mudança ocorre em meio a um alinhamento entre a empresa e o presidente eleito
dos Estados Unidos, Donald Trump, conhecido por sua retórica contra regulações
e pela disseminação de conteúdos falsos. “Estamos entrando numa realidade
distópica”, comentou reservadamente um integrante do Judiciário brasileiro.
“O Trump nem assumiu a Casa
Branca e já botou as garras de fora. O Facebook e o Instagram correm o risco de
se tornarem um novo X", disse um integrante do governo Lula.
<><> Desafios
para a democracia digital
No Brasil, a Meta desempenhou um papel crucial nas últimas eleições.
Durante a campanha de 2022, a empresa removeu mais de 2 milhões de conteúdos
considerados nocivos às suas políticas de violência e discurso de ódio. Essas
ações foram parte de um esforço para proteger o processo democrático, especialmente
após os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. No entanto, o fim do programa
de checagem nos EUA e a implementação de um modelo que confia em “notas da
comunidade”, similar ao adotado pelo X (antigo Twitter), geram
desconfiança.
João Feres Júnior, cientista
político do Iesp-Uerj e diretor do Monitor da Extrema Direita (MED), considera
a postura de Zuckerberg desastrosa. Ele afirma que, caso a nova política seja
adotada no Brasil, o ambiente digital corre o risco de se transformar em um
faroeste digital. “Foi uma briga enorme para o STF e o TSE conseguirem algum
tipo de compromisso das big techs. Agora, parece que incentivam ativamente
discursos de ódio contra minorias e gêneros”, avaliou Feres.
<><> Judicialização
e impactos eleitorais
Especialistas preveem que a
mudança na política da Meta pode levar a um aumento significativo na
judicialização de casos envolvendo desinformação e propaganda irregular. André
Eler, diretor técnico da consultoria Bites, alerta que, sem uma política de
moderação efetiva, será necessário um acionamento maior do Judiciário para
remoção de conteúdos criminosos. “As plataformas não são obrigadas a ter
moderação, mas não estão livres para descumprir decisões judiciais”, explicou.
Essa possível mudança também
levanta dúvidas sobre as regras de impulsionamento de conteúdos nas próximas
eleições. Em 2024, a Meta foi a maior fornecedora de serviços de campanhas
eleitorais no Brasil, acumulando R$ 195,6 milhões em receitas de candidatos. A
restrição ao impulsionamento político por cidadãos fora das campanhas oficiais
era uma política interna da empresa, em colaboração com a Justiça Eleitoral.
Com a nova orientação, não está claro se essa política será mantida.
<><> Reação do
governo brasileiro
No governo Lula, a
preocupação é evidente. A Advocacia-Geral da União (AGU), por meio de sua
Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, pode ser acionada com
mais frequência para combater a disseminação de fake news. Apesar de não possuir
poderes de remoção unilateral de conteúdos, o órgão tem atuado na intimação de
plataformas para exclusão de postagens e na responsabilização judicial de
responsáveis por disseminação de desinformação.
Além disso, o Ministério
Público Federal (MPF) deu 30 dias para que a Meta esclareça se sua nova
política será implementada no Brasil e quando. A decisão poderá impactar
diretamente as medidas de combate à desinformação nas eleições de 2026.
Fonte: Brasil
247/Agencia Brasil
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