sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

João Reis da Silva Júnior: Eles ainda estão aqui

A anistia de 1979 causou indignação na sociedade brasileira e na imprensa mundial. Ela perdoou tanto criminosos quanto vítimas, preservando os homens de farda e defensores do pacto colonial vigente. Este alerta vem do filme Ainda Estou Aqui, que premiou Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro 2025. Promulgada pelo presidente João Figueiredo, a lei concedeu anistia a criminosos políticos ativos entre 1961 e 1981, incluindo torturadores e assassinos das forças de segurança.

Os anistiados englobavam militares, policiais e civis perseguidos ou punidos por atividades políticas durante o regime militar. A lei foi considerada um “cala-boca histórico” devido ao envolvimento das forças armadas. A intenção era encerrar o vexame criminoso e estabelecer a reconciliação nacional, mas intelectuais e políticos criticaram, argumentando que, como no Chile, Argentina e Uruguai, os torturadores de patentes deveriam estar presos.

O filme recebeu aplausos merecidos no Festival de Cannes (França) e atraiu multidões aos cinemas do país. A obra é uma cobrança artística que reflete a vontade popular, exceto dos golpistas de 8 de janeiro. No final de 2022 e início de 2023, estivemos à beira de outra ditadura. Temos uma nova oportunidade de romper o pacto colonial, devolver os militares aos quartéis e iniciar uma verdadeira democracia. Uma Nação não pode tolerar a invasão militar na República. Somos tutelados pelos países centrais do capitalismo e precisamos conquistar respeito além das fronteiras brasileiras. Não se trata apenas de Anistia Jamais, mas de dar adeus à “impunidade fardada”.

A ditadura deixou cicatrizes permanentes na sociedade brasileira. Nos anos de chumbo, a repressão política foi intensa, com prisões arbitrárias, tortura e desaparecimentos. Numerosos indivíduos foram perseguidos por suas convicções políticas e ações. A censura à imprensa e à comunicação foi vigorosamente instituída, controlando as informações e cerceando a liberdade de expressão. O regime militar implementou políticas econômicas que objetivavam o desenvolvimento nacional, que futuramente se consolidaram no Plano Real e na abertura econômica; entretanto, tais políticas também acentuaram repercussões negativas, como a dívida externa, que era de 1 bilhão de dólares em 1964 e, ao final da ditadura, alcançou 105 bilhões de dólares, agravando a desigualdade social.

A ditadura deixou um legado na educação com a operacionalização do Mobral, que focava na aprendizagem de leitura e escrita para transformar cidadãos em trabalhadores alfabetizados, sem promover o conhecimento de mundo e a criticidade. A luta pela memória e justiça continua a ressoar, manifestada por meio de movimentos e comissões dedicadas a reconhecer e reparar as atrocidades contra os direitos humanos perpetradas durante o regime militar. A ditadura, em seu fim, inaugurou um processo de redemocratização com eleição de Tancredo Neves em 1985 e na promulgação de uma nova Constituição em 1988.

No entanto, durante a ditadura militar brasileira, famílias de perseguidos ou presos viveram sob um manto constante de medo e incerteza. Muitas conviviam com o temor de que seus entes queridos fossem detidos ou desaparecessem a qualquer instante. Esse ambiente de repressão e violência traumatizou a psique da população.

Após o término da ditadura, muitas famílias continuaram a enfrentar traumas psicológicos e memórias dolorosas. O silêncio forçado e o esquecimento imposto pelo regime dificultaram a cura e a busca por justiça. Entretanto, iniciativas como a Comissão da Verdade (CNV) e as Clínicas do Testemunho eventualmente proporcionaram um espaço para a reparação psicológica e a reconstrução da memória.

As marcas psicológicas da ditadura ainda reverberam, mas há um esforço contínuo para enfrentar essas cicatrizes e promover a justiça e a verdade. Durante o regime militar brasileiro, empresários e banqueiros mantiveram, e em muitos casos, aumentaram seu poder e influência. Numerosas empresas e grandes corporações apoiaram ativamente o golpe de 1964 e colaboraram com o regime militar. A Comissão Nacional da Verdade documentou mais de 80 empresas que participaram de ações de repressão e violação dos direitos humanos.

Em relação aos interesses dos Estados Unidos, existem indícios de que o governo americano respaldou o golpe militar, visando evitar que o Brasil se tornasse uma “Cuba” no hemisfério ocidental. O embaixador norte-americano no Brasil à época, Lincoln Gordon, foi um dos principais defensores dessa posição. Ainda que não haja provas cabais de que os EUA tenham orquestrado o golpe, documentos recentemente revelados indicam que financiaram adversários de João Goulart e mantinham tropas em prontidão para intervir, caso fosse necessário. Ainda assim, as marcas da ditadura perduram no Brasil, manifestando-se de diversas formas no presente:

(i) Direitos trabalhistas e sociais: a ditadura implementou políticas que enfraqueceram os direitos dos trabalhadores e sociais, cujos impactos continuam a influenciar as condições laborais no Brasil.

(ii) Cultura de impunidade: A ausência de punição para os responsáveis por violações dos direitos humanos durante o regime militar fomentou uma cultura de impunidade que persiste em diversos setores da sociedade.

(iii) Desigualdade social: as políticas econômicas adotadas pelo regime militar favoreceram a elite e ampliaram a desigualdade social, um problema que permanece central no Brasil contemporâneo.

(iv) Memória e justiça: A luta pela memória e pela justiça persiste, com movimentos e comissões dedicados a reconhecer e reparar as violações dos direitos humanos perpetradas durante o regime militar.

(v) Política e democracia: A ditadura imprimiu marcas indeléveis na política brasileira, moldando a forma como governos e instituições operam até os dias atuais. Durante o regime militar brasileiro, diversas famílias tradicionais e empresários forneceram apoio financeiro ao regime.

Entre as famílias e empresas mais notórias que colaboraram com a ditadura, destaco algumas:

(a) Família Boilesen: Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragaz, foi um dos principais financiadores da Operação Bandeirantes (Oban), uma das entidades de repressão do regime;

(b) família Matarazzo: Os Matarazzos, uma das mais abastadas do Brasil, também era conhecida por seu apoio ao regime militar.

(c) família Villas-Bôas: Conhecida por sua influência no setor bancário e industrial, a família Villas-Bôas também apoiou o regime militar.

(d) família Moreira Salles: ligada aos maiores bancos brasileiros e ao trabalho escravo na exploração de nióbio, esta família também contribuiu com recursos financeiros para o golpe.

Hoje, o mundo inteiro está ciente de muito mais do que foi exposto nesta coluna. Contudo, não posso deixar de fazer uma veemente cobrança ao governo legitimamente eleito: que não se conceda perdão a ninguém, desde o cabo que vigia o quarteirão até o general de quatro estrelas.

¨      Em novo relatório, PF deve indiciar financiadores do golpe e "pessoal do agro"

Polícia Federal (PF) prepara um novo relatório sobre a tentativa de golpe de Estado no Brasil que servirá como um complemento ao documento apresentado em novembro que indiciou 40 pessoas pela trama golpista, entre elas o ex-presidente Jair Bolsonaro e o general Walter Braga Netto

Segundo o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, os depoimentos e materiais obtidos na operação Contragolpe, que levou o general Mário Fernandes à cadeia e desbaratou um plano no âmbito da tentativa de golpe que visava assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), estão em análise e servirão de base para o novo relatório, que deve indiciar nomes até então ocultos na trama golpista. 

Em entrevista ao jornal O Globo na última segunda-feira (6), Andrei Rodrigues indicou que, entre os indiciados no novo relatório a ser apresentado, deverão constar os financiadores da tentativa de golpe, entre eles o "pessoal do agronegócio" que, segundo depoimento do tenente-coronel Mauro Cid em delação premiada, teria dado o dinheiro entregue por Braga Netto a militares "kid preto" para executar o plano de assassinar autoridades. 

"Ainda permanecem questões que estão sendo apuradas, até em razão da Operação Contragolpe (realizada em novembro). A partir das apreensões realizadas nessa fase, de depoimentos coletados, dos que ainda serão tomados e de outros fatores que estão sendo apurados, vamos finalizar um relatório complementar que também vai servir de base para a Procuradoria-Geral da República fazer a análise", disse Rodrigues. 

"Há expectativa das pessoas de que houvesse um ou alguns grandes financiadores, mas a investigação é clara ao apontar que houve várias pessoas, algumas já presas e condenadas. Um cedeu um ônibus, outro cedeu água, outro cedeu comida... Existe essa pulverização. E agora há esse fato trazido pelo depoimento [de Mauro Cid]. Vai ser apurado exatamente de onde saiu esse valor. Mas são detalhes que não interferem no seio da investigação, que apontou cabalmente a tentativa de golpe", prosseguiu. 

O diretor-geral da PF apontou, ainda, que novas prisões podem ser realizadas até o fim de janeiro, quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve oferecer denúncia contra os indiciados na trama golpista e torná-los, oficialmente, réus. 

"Nós não vamos perseguir nem proteger ninguém. Se houver um fato novo que atenda aos requisitos jurídicos, técnicos e legais, é possível, sim, que outras prisões ocorram. Ninguém está imune à legislação. Todos temos o mesmo sentimento de que precisamos separar as instituições daquelas pessoas que se desviaram. Inclusive, um policial federal já foi preso. Não vamos passar a mão na cabeça de ninguém, seja militar, policial, profissional liberal...", disparou Rodrigues. 

<><> Denúncia da PGR 

O ano de 2025 começou e, com ele, aumentam as expectativas para uma denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado no Brasil entre o fim de 2022 e início de 2023.

Com isso, inicia-se a contagem regressiva para uma eventual prisão de Bolsonaro, que, após ser denunciado, será submetido a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, indicou que a denúncia deve ser apresentada ainda no início do ano. Ele abriu mão do recesso de janeiro, sinalizando urgência no caso. O ministro relator do inquérito no STF sobre a tentativa de golpe, Alexandre de Moraes, também optou por não tirar férias.

A expectativa é que Gonet analise o relatório da Polícia Federal (PF), que indiciou Bolsonaro e outras 39 pessoas, ao longo de janeiro. Assim, a denúncia contra o ex-presidente e outros envolvidos na tentativa de golpe deve ser apresentada, no máximo, em fevereiro. Isso indica que o julgamento de Bolsonaro no STF deve ocorrer ainda em 2025, abrindo caminho para uma possível prisão este ano.

<><> Os próximos passos

O procurador-geral da República Paulo Gonet analisará o relatório de indiciamento da PF e decidirá se as provas reunidas na investigação são suficientes para apresentar uma denúncia. A partir disso, o STF avalia se aceita ou não a denúncia.

Se aceita, Bolsonaro e outros indiciados passarão à condição de réus e enfrentarão um julgamento, onde os ministros analisarão provas e argumentos de defesa e acusação. O ex-presidente é acusado, além de integrar organização criminosa, de ter cometido abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa golpe de Estado, podendo pegar até 28 anos de prisão. 

Além disso, em casos excepcionais, pode haver prisão preventiva antes do julgamento, como ocorreu com o general Braga Netto. Ele foi preso preventivamente em 14 de dezembro sob a acusação de obstrução de justiça, após alegações de que tentou obter informações da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

¨      AGU contrata advogados no exterior para extraditar condenados pelo 8 de Janeiro

Advocacia-Geral da União (AGU) assinou, nesta quinta-feira (8), uma autorização para que o governo federal contrate advogados no exterior que possam iniciar o processo de extradição dos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

A ação ocorreu no mesmo dia em que, há dois anos, os prédios da Praça dos Três Poderes eram destruídos por centenas de golpistas. A assinatura da autorização cumpre a decisão proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 64 ações penais do inquérito que apura as ações criminosas.

Com a autorização, a AGU solicitará ao STF informações atualizadas dos pedidos de extradição e atuará junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para identificar os casos que recomendam a efetiva atuação judicial no exterior para garantir a efetivação das extradições.

A contratação de advogados no exterior para representar o Estado brasileiro é necessária devido aos requisitos de habilitação profissional exigidos por outros países. 

Atualmente, 122 golpistas condenados são considerados foragidos. Em relação à metade deles, medidas para extradição já foram tomadas. Todos estavam sendo monitorados por meio de tornozeleiras eletrônicas, que foram rompidas.

Após dois anos dos atos golpistas, o STF já condenou 371 pessoas. Outras 527 admitiram a prática de crimes menos graves e fizeram acordo com o Ministério Público Federal (MPF), totalizando 898 envolvidos responsabilizados até o momento. 

A maioria dos condenados (225) praticou crimes graves, com penas que variam de três anos a 17 anos e seis meses de prisão. Os crimes apontados foram: tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa e deterioração de patrimônio público.

Já outras 146 pessoas foram condenadas por incitação e associação criminosa, considerados crimes simples. Essas pessoas não foram presas, mas devem usar tornozeleira eletrônica por um ano, pagar multa, prestar 225 horas de serviços à comunidade e participar de um curso presencial sobre democracia. Também estão proibidas de usar redes sociais nesse período e de viajar, mesmo dentro do Brasil, sem autorização judicial.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Fórum

 

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