sábado, 11 de janeiro de 2025

'BRICS ganhou musculatura': confira as conquistas do grupo em 2024

2024 foi bastante movimentado para o BRICS. Não só o grupo de países realizou sua primeira cúpula após a entrada de novos membros e criou a categoria de país parceiro, mas também encaminhou pautas importantes, como a desdolarização das suas transações, e fez avanços diplomáticos significativos.

O ponto alto do ano certamente foi a 16ª Cúpula do BRICS, realizada em Kazan, Rússia. O evento reuniu em solo russo os chefes de Estado de China, Índia, África do Sul, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos, representantes do grupo do BRICS expandido.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, infelizmente não pôde participar, devido a uma hemorragia cerebral sofrida dois dias antes.

A entrada desses países foi anunciada na 15ª cúpula, de Joanesburgo, África do Sul, e esta foi a primeira vez que esses países participaram do evento do BRICS.

Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional e comparada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explicou aos apresentadores que a entrada desses novos membros, elevando os integrantes do grupo para nove, traz desafios mas também força ao BRICS.

"A coordenação fica mais complicada", diz. "Não é tão simples encontrar uma linha de ação para um grupo com países tão diferentes entre si."

"Mas há denominadores comuns, há elementos que conectam esses nove países, como um histórico de lutas contra os colonizadores, problemas domésticos que dizem respeito à superação da condição de subdesenvolvimento, de fome, de pobreza."

"Esse é, talvez, o grande mote, o grande elemento que vai colocar esses países BRICS na mesma sintonia. Eles têm uma visão, defendem essa visão, que é diferente da visão hegemônica."

<><> Países parceiros do BRICS

Outros 29 países, como Turquia, Arábia Saudita, Malásia, Tailândia, Bolívia e Sérvia também se fizeram presentes na cúpula através de seus chefes de Estado ou ministros das Relações Exteriores. Além disso, participou do encontro o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

A presença dessas nações inaugurou um novo momento para o grupo, afirma Augusto Rinaldi, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A 13 países foi oferecida a entrada na nova categoria de países parceiros do BRICS. "É o primeiro passo para uma futura adesão formal."

O grupo, que com nove membros já conta com 40% da demografia e 30% da economia mundial, ficará ainda mais ampliado.

Segundo Rinaldi, será interessante ver qual dinâmica esses países parceiros desempenharão nas centenas de reuniões que ocorrem durante o ano de autoridades e especialistas dos países. "De imediato não dá para avaliar muito claramente os efeitos dessas duas rodadas de expansão, mas dá para esperar que mais para frente isso afete a dinâmica dentro do próprio BRICS", disse.

"Isso demonstra também a relevância que ele vem ganhando nos últimos anos. Eu acho que o BRICS está cada vez mais se tornando um arranjo representativo daquilo que a gente convencionou chamar de Sul Global."

<><> Brasil sedia Cúpula do BRICS em 2025

Esses países em processo de adesão devem participar oficialmente como parceiros do BRICS na Cúpula do BRICS de 2025, que será sediada no Brasil. Será a primeira oportunidade de ver a contribuição desses Estados e ver o andamento dos novos membros, ressaltam os especialistas.

Será também a oportunidade de firmar o BRICS como um grupo inovador, diferentemente do G77 e do Movimento dos Países Não Alinhados ao conseguir manter seu foco enquanto agrega novos e seletos membros.

"Com a exceção da China e da Rússia, os demais membros são países que ainda não podem reivindicar para si o estado de grande potência", diz Belém. "São potências médias que tendem a ter problemas com o desenvolvimento socioeconômico […]. E invariavelmente ao longo dos anos, esses países bateram em um certo teto."

"É como se houvesse uma armadilha organizada pelos países estabelecidos que impedia a ascensão dessas potências emergentes. Então o que o BRICS faz é se desviar desses obstáculos."

<><> Desdolarização da economia

Nesse sentido, os especialistas destacam que o BRICS não é um projeto anti-hegemônico que busca derrubar a ordem internacional formada após a Segunda Guerra Mundial, representada pelas Nações Unidas e seu Conselho de Segurança, pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e, tão presente no nosso continente, pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

O que há é o interesse do BRICS em pautar as Nações Unidas, em pôr seus interesses na mesa para discussão, ressaltam Belém e Rinaldi.

No entanto "é evidente que há temas que vão gerar tensões", aponta Belém, e um deles é a ameaça de desdolarização do comércio global.

O próprio presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou os países do BRICS com tarifas alfandegárias caso tentem pôr para frente a substituição do dólar como moeda hegemônica. Para Rinaldi não há tanto interesse assim em desdolarizar o planeta, mas sim em criar um sistema de pagamentos em moedas locais entre os países-membros.

É "um dos grandes objetivos do BRICS", define o professor, "construir um meio de pagamento próprio, um 'BRICS Pay'".

<><> Avanços diplomáticos do BRICS

Em 2024, a Índia e a China alcançaram um grande desenvolvimento diplomático, com a redução de tensões na fronteira dos países em Ladakh.

Tomada às margens da cúpula de Kazan, a decisão de desmilitarizar o ponto fronteiriço é um avanço importante não só para os países, que somam uma população de 3 bilhões de habitantes, mas para o BRICS.

"É uma conquista coletiva do grupo de países do Sul Global."

O especialista destaca que essa foi apenas uma das conquistas diplomáticas do BRICS, que levou para a agenda de Kazan pontos de tensão de todas as regiões do mundo, desde as preocupações com a Faixa de Gaza, o Líbano e a Síria até a situação no Sudão, no Chifre da África, no Sahel e no Haiti.

"O grupo BRICS está se tornando um espaço institucional importante para a gestão dos conflitos internacionais", afirmou Belém.

<><> Aproximação educacional intra-BRICS

Por fim, mas não menos importante, o BRICS deu um passo importante para aumentar a aproximação cultural entre seus cidadãos. O grupo está criando eixos de cooperação universitária entre os países, de modo a não só aproximar e compartilhar pesquisas, mas aprofundar os laços culturais através de intercâmbios.

Por enquanto os países estão pensando objetivos e indicadores que metrifiquem adequadamente a diversidade interna, e não "apenas emulem o que vem dos rankings britânicos e americanos", destaca Belém.

Um primeiro exemplo disso é a veiculação de uma revista científica de medicina. A área, que é bem desenvolvida nos países do BRICS, é uma "mobilização efetiva dos países no sentido de botar de pé as iniciativas conjuntas".

¨      Brasil quer expansão ordenada e institucionalização do BRICS, diz analista

Presidência brasileira do BRICS é inaugurada com entrada da Indonésia como membro pleno do grupo. Para analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, Itamaraty terá agenda cheia para decantar as recentes ondas de expansão e definir regras internas do BRICS para 2025.

Nesta quinta-feira (9), o Ministério das Relações Exteriores da Rússia comemorou a entrada da Indonésia no BRICS na categoria de membro pleno. De acordo com a chancelaria, durante a presidência russa do BRICS, a Indonésia apresentou seu pedido formal de associação, atendendo aos critérios e padrões do bloco.

"A Indonésia compartilha os valores do BRICS, favorece a promoção da cooperação multilateral com base nos princípios de respeito mútuo, abertura, pragmatismo, solidariedade e consenso", declarou a diplomacia russa. "A adesão da Indonésia ao BRICS contribuirá para fortalecer ainda mais a autoridade da associação, a unidade consistente do Sul e do Leste Global para formar uma ordem mundial multipolar mais justa e equilibrada."

Anteriormente, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, na qualidade de presidente do BRICS para 2025, já havia anunciado a adesão da Indonésia ao grupo como membro pleno.

"O governo brasileiro saúda o governo indonésio por seu ingresso no BRICS. [...] A Indonésia partilha com os demais membros do grupo o apoio à reforma das instituições de governança global e contribui positivamente para o aprofundamento da cooperação do Sul Global, temas prioritários para a presidência brasileira do BRICS", versou o Itamaraty.

Ao contrário dos demais países que aderiram ao BRICS neste ano como membros associados, a Indonésia foi aceita no grupo como membro pleno. Portanto, Jacarta terá direito a voto e atuará em pé de igualdade com demais membros do bloco – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã.

"A Indonésia teve sua candidatura de ingresso aprovada em 2023, durante a Cúpula de Joanesburgo, mas recusou a entrada por motivos domésticos", disse à Sputnik Brasil o professor de Relações Internacionais da PUC-SP Augusto Rinaldi. "Após mudança no governo do país em 2024, o novo presidente decidiu prosseguir com a adesão. Por isso, apesar da adesão tardia, a Indonésia foi aceita como membro pleno."

O ex-presidente da Indonésia, Joko Widodo, absteve-se de ingressar no BRICS em 2023, citando a necessidade de mais tempo para avaliar a decisão. Já o presidente eleito em 2024, Prabowo Subianto, adotou postura mais incisiva e aderiu seu país ao bloco.

De acordo com a professora da PUC-Rio e pesquisadora do BRICS Policy Center Maria Elena Rodriguez, Subianto adota uma política externa com caráter universalista, com o intuito de expandir as alianças internacionais de Jacarta.

"Subianto enfatiza uma política externa ativa e livre para o seu país, trazendo elementos como a erradicação da pobreza para o debate", disse Rodriguez à Sputnik Brasil. "Ele diz claramente que a entrada dos BRICS não significa a adesão da Indonésia a determinado campo, mas sim sua participação ativa em todos os foros internacionais, apoiando o multilateralismo."

De fato, o presidente Subiano aposta no multilateralismo para exercer sua política externa multivetorial. Além do BRICS, a Indonésia se candidatou para participar do bloco econômico Parceria Transatlântica, liderado pelo Japão, e almeja entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

 “Reiteramos que o BRICS é uma plataforma importante para a Indonésia fortalecer a cooperação Sul-Sul e garantir que as vozes e aspirações dos países do Sul Global sejam bem representadas nos processos globais de tomada de decisão”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Indonésia, Rolliansyah Soemirat.

A chancelaria indonésia também reiterou seu compromisso com agendas do BRICS relativas à resiliência econômica, colaboração tecnológica e saúde pública, informou a publicação chinesa Global Times.

·        Importância da Indonésia

entrada da Indonésia no BRICS foi bem avaliada pelos analistas ouvidos pela Sputnik Brasil. O professor Rinaldi notou que a Indonésia é a maior economia do Sudeste Asiático e “alvo preferencial de investimentos por parte dos EUA, Japão e União Europeia”. Com população numerosa e jovem, a Indonésia ostenta crescimento de cerca de 5% ao ano na última década.

"A entrada da Indonésia nos BRICS me parece ser relevante tanto para Jacarta – já que a coloca ao lado de atores centrais das relações internacionais atuais, como China, Rússia e Índia – quanto para o arranjo, pois expande seu alcance geográfico, traz mais um país com economia relevante e disposto a engrossar os desejos de reforma e atualização da ordem internacional atual", declarou Rinaldi.

O bom relacionamento da Indonésia tanto com potências ocidentais quanto com Rússia e China faz afastar a percepção do grupo como um divisor do sistema internacional em blocos, acredita a pesquisadora do BRICS Policy Center Rodriguez.

"Além disso, a Indonésia tem um papel simbólico, por ter sido uma das líderes históricas do movimento anticolonial, patrocinando a realização da Conferência de Bandung em 1955", lembrou Rodriguez. "Esse elemento é muito relevante para os BRICS, um agrupamento que defende maior participação do Sul Global na governança global."

·        Expansão do BRICS

Além da entrada da Indonésia como membro pleno, o BRICS também recebe em suas fileiras mais oito países associados em 2025. Caberá à presidência brasileira integrar Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia e Uzbequistão às atividades do grupo e incluí-los em seus projetos internacionais.

"Penso que os BRICS precisam, antes de mais nada, decantar as duas rodadas de expansão do arranjo", acredita Rinaldi. "Será necessário debater a agenda do bloco (isto é, os temas que os BRICS abordarão nos seus encontros), suas propostas (em termos de ações concretas) e tonalidade (se adotarão uma postura mais antiocidental ou reformista da ordem internacional)."

O ano de 2025 também será fundamental para identificar os parâmetros de participação dos países associados, definindo se poderão participar de todos os grupos de trabalho e se terão direito a voto, notou Rinaldi.

"Esse é um momento de muito trabalho interno para os BRICS. O Brasil não é contra a expansão do bloco, mas gostaria que o processo fosse mais consistente, previsível e transparente. Por isso o Brasil incluiu dentre os pontos de destaque da sua agenda para esse ano nos BRICS a questão da institucionalização do bloco", explicou Rodriguez.

Segundo ela, o processo de institucionalização terá como meta adotar mecanismos de monitoramento da implementação das metas dos BRICS, além de colocar em debate questões fundamentais sobre a identidade e rumo do bloco.

Apesar da agenda robusta prevista para 2025, o Brasil terá que dividir os seus esforços no BRICS com a realização de outros eventos internacionais, como a COP-30, a ser realizada em Belém do Pará no segundo semestre de 2025. Por isso, o Itamaraty apontou que concentrará as atividades do BRICS nos primeiros meses do ano.

"O Brasil está cheio de compromissos internacionais e talvez os BRICS fiquem em uma agenda intermediária", concedeu Rodriguez. "Mesmo assim, acho que os BRICS são muito importantes, por ter uma agenda com a qual o Brasil se identifica e que é muito cara ao presidente Lula."

Nesse contexto, a estratégia de Brasília será de incluir temas da COP-30, como sustentabilidade e mudanças climáticas, na agenda do BRICS. Para Rinaldi, é possível "trabalhar com as duas iniciativas em paralelo", já que "muitos líderes que estarão no Brasil no primeiro semestre para o encontro dos BRICS também participarão da COP-30 em Belém do Pará".

"Acredito que a diplomacia brasileira vá dar à presidência rotativa do BRICS a mesma atenção que deu ao G20. O arranjo tem se consolidado como uma força geopolítica importante nas relações internacionais atuais e atuação é cada vez mais incontornável", concluiu Rinaldi.

A presidência brasileira do BRICS teve início em janeiro e deve se estender oficialmente até o fim de 2025. Com o lema "Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável", os temas centrais da liderança brasileira do grupo serão governança digital, inteligência artificial, reforma tributária internacional, entre outros. A Cúpula de Chefes de Estado do BRICS está prevista para ocorrer no mês de junho, na cidade do Rio de Janeiro.

¨      Indonésia deu passo audacioso ao aderir ao BRICS, diz especialista

A entrada da Indonésia no BRICS como membro pleno é um passo audacioso, pois pode causar tensões nas relações do país com o Ocidente, afirma a professora Sellita, da Faculdade de Relações Internacionais da Universidade Jayabaya.

O governo do Brasil, que assumiu a presidência do BRICS a partir de 1º de janeiro, disse na segunda-feira (6) que a Indonésia está se juntando ao bloco como membro pleno.

"Como membro permanente, a Indonésia define diretamente a agenda e as políticas do BRICS e tem um poder de decisão significativo. Posteriormente, a participação permanente da Indonésia no BRICS vai causar alguma tensão em suas relações com o Ocidente", disse a professora à Sputnik.

Ela também acrescentou que a Indonésia demonstrou audácia ao avançar em direção a uma governança global mais aberta e ativa.

No entanto, segundo ela, isso não significa que a Indonésia esteja rejeitando o Ocidente.

"Ao contrário, isso pode refletir os esforços estratégicos da Indonésia para diversificar suas parcerias, fortalecer sua posição econômica e aumentar sua influência global no mundo rumo à multipolaridade", explicou ela.

O BRICS é uma associação interestatal criada em 2006 pelo Brasil, Rússia, Índia e China, formando o nome da organização a partir das primeiras letras dos países, com a adesão da África do Sul em 2010.

O ano de 2024 começou com a entrada de novos membros na associação: Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.

Em 2025, a presidência do BRICS passou da Rússia para o Brasil.

No primeiro dia deste ano, mais nove países se tornaram oficialmente parceiros do BRICS: Belarus, Bolívia, Indonésia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia e Uzbequistão.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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