'BRICS ganhou
musculatura': confira as conquistas do grupo em 2024
2024 foi bastante
movimentado para o BRICS. Não só o grupo de países realizou sua primeira cúpula
após a entrada de novos membros e criou a categoria de país parceiro, mas
também encaminhou pautas importantes, como a desdolarização das suas
transações, e fez avanços diplomáticos significativos.
O ponto alto do ano
certamente foi a 16ª Cúpula do BRICS, realizada em Kazan, Rússia. O evento
reuniu em solo russo os chefes de Estado de China, Índia, África do Sul,
Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos, representantes do grupo do BRICS
expandido.
O presidente do
Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, infelizmente não pôde participar,
devido a uma hemorragia cerebral sofrida dois dias antes.
A entrada desses
países foi anunciada na 15ª cúpula, de Joanesburgo, África do Sul, e esta foi a
primeira vez que esses países participaram do evento do BRICS.
Dawisson Belém
Lopes, professor de política internacional e comparada da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), explicou aos apresentadores que a entrada desses novos
membros, elevando os integrantes do grupo para nove, traz desafios mas também
força ao BRICS.
"A coordenação
fica mais complicada", diz. "Não é tão simples encontrar uma linha de
ação para um grupo com países tão diferentes entre si."
"Mas há
denominadores comuns, há elementos que conectam esses nove países, como um
histórico de lutas contra os colonizadores, problemas domésticos que dizem respeito
à superação da condição de subdesenvolvimento, de fome, de pobreza."
"Esse é,
talvez, o grande mote, o grande elemento que vai colocar esses países BRICS na
mesma sintonia. Eles têm uma visão, defendem essa visão, que é diferente da
visão hegemônica."
<><> Países
parceiros do BRICS
Outros 29 países,
como Turquia, Arábia Saudita, Malásia, Tailândia, Bolívia e
Sérvia também se fizeram presentes na cúpula através de seus chefes de
Estado ou ministros das Relações Exteriores. Além disso, participou do encontro
o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
A presença dessas
nações inaugurou um novo momento para o grupo, afirma Augusto Rinaldi,
professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP).
A 13 países foi
oferecida a entrada na nova categoria de países parceiros do BRICS. "É o
primeiro passo para uma futura adesão formal."
O grupo,
que com nove membros já conta com 40% da demografia e 30% da economia
mundial, ficará ainda mais ampliado.
Segundo Rinaldi,
será interessante ver qual dinâmica esses países parceiros desempenharão nas
centenas de reuniões que ocorrem durante o ano de autoridades e especialistas
dos países. "De imediato não dá para avaliar muito claramente os efeitos
dessas duas rodadas de expansão, mas dá para esperar que mais para frente isso
afete a dinâmica dentro do próprio BRICS", disse.
"Isso
demonstra também a relevância que ele vem ganhando nos últimos anos. Eu
acho que o BRICS está cada vez mais se tornando um arranjo representativo
daquilo que a gente convencionou chamar de Sul Global."
<><>
Brasil sedia Cúpula do BRICS em 2025
Esses países em
processo de adesão devem participar oficialmente como parceiros do BRICS na
Cúpula do BRICS de 2025, que será sediada no Brasil. Será a primeira
oportunidade de ver a contribuição desses Estados e ver o andamento dos novos
membros, ressaltam os especialistas.
Será também a
oportunidade de firmar o BRICS como um grupo inovador, diferentemente do G77 e
do Movimento
dos Países Não Alinhados ao conseguir manter seu foco enquanto agrega
novos e seletos membros.
"Com a exceção
da China e da Rússia, os demais membros são países que ainda não podem
reivindicar para si o estado de grande potência", diz Belém. "São
potências médias que tendem a ter problemas com o desenvolvimento
socioeconômico […]. E invariavelmente ao longo dos anos, esses países bateram
em um certo teto."
"É como se
houvesse uma armadilha organizada pelos países estabelecidos que impedia a
ascensão dessas potências emergentes. Então o que o BRICS faz é se desviar
desses obstáculos."
<><> Desdolarização
da economia
Nesse sentido, os
especialistas destacam que o BRICS não é um projeto anti-hegemônico que busca
derrubar a ordem internacional formada após a Segunda Guerra Mundial,
representada pelas Nações Unidas e seu Conselho de Segurança, pelo Banco
Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e, tão presente no nosso
continente, pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
O que há é o
interesse do BRICS em pautar as Nações Unidas, em pôr seus interesses na mesa
para discussão, ressaltam Belém e Rinaldi.
No entanto "é
evidente que há temas que vão gerar tensões", aponta Belém, e um deles é a
ameaça de desdolarização do comércio global.
O próprio
presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou os países do BRICS
com tarifas alfandegárias caso tentem pôr para frente a substituição do dólar
como moeda hegemônica. Para Rinaldi não há tanto interesse assim em
desdolarizar o planeta, mas sim em criar um sistema de pagamentos em moedas
locais entre os países-membros.
É "um dos
grandes objetivos do BRICS", define o professor, "construir
um meio de pagamento próprio, um 'BRICS Pay'".
<><> Avanços
diplomáticos do BRICS
Em 2024, a Índia e
a China alcançaram um grande desenvolvimento diplomático, com a redução de
tensões na fronteira dos países em Ladakh.
Tomada às margens
da cúpula de Kazan, a decisão de desmilitarizar o ponto fronteiriço é um avanço
importante não só para os países, que somam uma população de 3 bilhões de
habitantes, mas para o BRICS.
"É uma
conquista coletiva do grupo de países do Sul Global."
O especialista
destaca que essa foi apenas uma das conquistas diplomáticas do BRICS, que levou
para a agenda de Kazan pontos de tensão de todas
as regiões do mundo,
desde as preocupações com a Faixa de Gaza, o Líbano e a Síria até a situação no
Sudão, no Chifre da África, no Sahel e no Haiti.
"O grupo BRICS
está se tornando um espaço institucional importante para a gestão dos conflitos
internacionais", afirmou Belém.
<><> Aproximação
educacional intra-BRICS
Por fim, mas não
menos importante, o BRICS deu um passo importante para aumentar a aproximação
cultural entre seus cidadãos. O grupo está criando eixos de cooperação
universitária entre os países, de modo a não só aproximar e compartilhar
pesquisas, mas aprofundar os laços culturais através de intercâmbios.
Por enquanto os
países estão pensando objetivos e indicadores que metrifiquem
adequadamente a diversidade interna, e não "apenas emulem o que vem dos
rankings britânicos e americanos", destaca Belém.
Um primeiro exemplo
disso é a veiculação de uma revista científica de medicina. A área, que é bem
desenvolvida nos países do BRICS, é uma "mobilização efetiva dos países no
sentido de botar de pé as iniciativas conjuntas".
¨ Brasil quer expansão ordenada e institucionalização do
BRICS, diz analista
Presidência
brasileira do BRICS é inaugurada com entrada da Indonésia como membro pleno do
grupo. Para analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, Itamaraty terá agenda cheia
para decantar as recentes ondas de expansão e definir regras internas do BRICS
para 2025.
Nesta quinta-feira
(9), o Ministério das Relações Exteriores da Rússia comemorou a entrada da
Indonésia no BRICS na categoria de membro pleno. De acordo com a chancelaria,
durante a presidência russa do BRICS, a Indonésia apresentou seu pedido formal
de associação, atendendo aos critérios e padrões do bloco.
"A Indonésia
compartilha os valores do BRICS, favorece a promoção da cooperação multilateral
com base nos princípios de respeito mútuo, abertura, pragmatismo, solidariedade
e consenso", declarou a diplomacia
russa. "A adesão da Indonésia ao BRICS contribuirá para fortalecer ainda
mais a autoridade da associação, a unidade consistente do Sul e do Leste Global
para formar uma ordem mundial multipolar mais justa e equilibrada."
Anteriormente,
o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, na qualidade de presidente
do BRICS para 2025, já havia anunciado a adesão da Indonésia ao grupo como
membro pleno.
"O governo
brasileiro saúda o governo indonésio por seu ingresso no BRICS. [...] A
Indonésia partilha com os demais membros do grupo o apoio à reforma das
instituições de governança global e contribui positivamente para o aprofundamento
da cooperação do Sul Global, temas prioritários para a presidência brasileira
do BRICS", versou o Itamaraty.
Ao contrário dos
demais países que aderiram ao BRICS neste ano como membros associados, a
Indonésia foi aceita no grupo como membro pleno. Portanto, Jacarta terá
direito a voto e atuará em pé de igualdade com demais membros do bloco –
Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Emirados Árabes
Unidos e Irã.
"A Indonésia
teve sua candidatura de ingresso aprovada em 2023, durante a Cúpula de
Joanesburgo, mas recusou a entrada por motivos domésticos", disse à
Sputnik Brasil o professor de Relações Internacionais da PUC-SP Augusto
Rinaldi. "Após mudança no governo do país em 2024, o novo presidente
decidiu prosseguir com a adesão. Por isso, apesar da adesão tardia, a Indonésia
foi aceita como membro pleno."
O ex-presidente da
Indonésia, Joko Widodo, absteve-se de ingressar no BRICS em 2023, citando a
necessidade de mais tempo para avaliar a decisão. Já o presidente eleito
em 2024, Prabowo Subianto, adotou postura mais incisiva e aderiu seu país ao
bloco.
De acordo com
a professora da PUC-Rio e pesquisadora do BRICS Policy Center Maria Elena
Rodriguez, Subianto adota uma política externa com caráter universalista, com o
intuito de expandir as alianças internacionais de Jacarta.
"Subianto
enfatiza uma política externa ativa e livre para o seu país, trazendo elementos
como a erradicação da pobreza para o debate", disse Rodriguez à Sputnik
Brasil. "Ele diz claramente que a entrada dos BRICS não significa a adesão
da Indonésia a determinado campo, mas sim sua participação ativa em todos os
foros internacionais, apoiando o multilateralismo."
De fato,
o presidente Subiano aposta no multilateralismo para exercer sua política
externa multivetorial. Além do BRICS, a Indonésia se candidatou para participar
do bloco econômico Parceria Transatlântica, liderado pelo Japão, e almeja
entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Reiteramos que o BRICS é uma plataforma
importante para a Indonésia fortalecer a cooperação Sul-Sul e garantir que as
vozes e aspirações dos países do Sul Global sejam bem representadas nos
processos globais de tomada de decisão”, disse o porta-voz do Ministério
das Relações Exteriores da Indonésia, Rolliansyah Soemirat.
A chancelaria
indonésia também reiterou seu compromisso com agendas do BRICS relativas à
resiliência econômica, colaboração tecnológica e saúde pública, informou a publicação
chinesa Global Times.
·
Importância
da Indonésia
A entrada
da Indonésia no BRICS foi bem avaliada pelos analistas ouvidos pela Sputnik
Brasil.
O professor Rinaldi notou que a Indonésia é a maior economia do Sudeste
Asiático e “alvo preferencial de investimentos por parte dos EUA, Japão e União
Europeia”. Com população numerosa e jovem, a Indonésia ostenta crescimento de
cerca de 5% ao ano na última década.
"A entrada da
Indonésia nos BRICS me parece ser relevante tanto para Jacarta – já que a
coloca ao lado de atores centrais das relações internacionais atuais, como
China, Rússia e Índia – quanto para o arranjo, pois expande seu alcance
geográfico, traz mais um país com economia relevante e disposto a engrossar os
desejos de reforma e atualização da ordem internacional atual", declarou
Rinaldi.
O bom
relacionamento da Indonésia tanto com potências ocidentais quanto com Rússia e
China faz afastar a percepção do grupo como um divisor do sistema
internacional em blocos, acredita a pesquisadora do BRICS Policy Center
Rodriguez.
"Além disso, a
Indonésia tem um papel simbólico, por ter sido uma
das líderes históricas do movimento anticolonial, patrocinando a
realização da Conferência de Bandung em 1955", lembrou Rodriguez.
"Esse elemento é muito relevante para os BRICS, um agrupamento que defende
maior participação do Sul Global na governança global."
·
Expansão
do BRICS
Além da entrada da
Indonésia como membro pleno, o BRICS
também recebe em suas fileiras mais oito países associados em 2025. Caberá à
presidência brasileira integrar Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Tailândia, Cuba,
Uganda, Malásia e Uzbequistão às atividades do grupo e incluí-los em seus
projetos internacionais.
"Penso que os
BRICS precisam, antes de mais nada, decantar as duas rodadas de expansão do
arranjo", acredita Rinaldi. "Será necessário debater a agenda do
bloco (isto é, os temas que os BRICS abordarão nos seus encontros), suas
propostas (em termos de ações concretas) e tonalidade (se adotarão uma postura
mais antiocidental ou reformista da ordem internacional)."
O ano de 2025
também será fundamental para identificar os parâmetros de participação dos
países associados, definindo se poderão participar de todos os grupos de
trabalho e se terão direito a voto, notou Rinaldi.
"Esse é um
momento de muito trabalho interno para os BRICS. O Brasil não é contra a
expansão do bloco, mas gostaria que o processo fosse mais consistente,
previsível e transparente. Por isso o Brasil incluiu dentre os pontos de
destaque da sua agenda para esse ano nos BRICS a questão da institucionalização
do bloco", explicou Rodriguez.
Segundo ela,
o processo de institucionalização terá como meta adotar mecanismos de
monitoramento da implementação das metas dos BRICS, além de colocar em debate
questões fundamentais sobre a identidade e rumo do bloco.
Apesar da agenda
robusta prevista para 2025, o Brasil
terá que dividir os seus esforços no BRICS com a realização de outros eventos
internacionais,
como a COP-30, a ser realizada em Belém do Pará no segundo semestre de 2025.
Por isso, o Itamaraty apontou que concentrará as atividades do BRICS nos primeiros
meses do ano.
"O Brasil está
cheio de compromissos internacionais e talvez os BRICS fiquem em uma agenda
intermediária", concedeu Rodriguez. "Mesmo assim, acho que os
BRICS são muito importantes, por ter uma agenda com a qual o Brasil se
identifica e que é muito cara ao presidente Lula."
Nesse
contexto, a estratégia de Brasília será de incluir temas da COP-30, como
sustentabilidade e mudanças climáticas, na agenda do BRICS. Para Rinaldi, é
possível "trabalhar com as duas iniciativas em paralelo", já que
"muitos líderes que estarão no Brasil no primeiro semestre para o encontro
dos BRICS também participarão da COP-30 em Belém do Pará".
"Acredito que
a diplomacia brasileira vá dar à presidência rotativa do BRICS a mesma atenção
que deu ao G20. O arranjo tem se consolidado como uma força geopolítica
importante nas relações internacionais atuais e atuação é cada vez mais
incontornável", concluiu Rinaldi.
A presidência
brasileira do BRICS teve início em janeiro e deve se estender oficialmente até
o fim de 2025. Com o lema "Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para
uma Governança mais Inclusiva e Sustentável", os temas centrais da
liderança brasileira do grupo serão governança digital, inteligência
artificial, reforma tributária internacional, entre outros. A Cúpula de Chefes
de Estado do BRICS está prevista para ocorrer no mês de junho, na cidade do Rio
de Janeiro.
¨ Indonésia deu passo audacioso ao aderir ao BRICS, diz
especialista
A entrada da
Indonésia no BRICS como membro pleno é um passo audacioso, pois pode causar
tensões nas relações do país com o Ocidente, afirma a professora Sellita, da
Faculdade de Relações Internacionais da Universidade Jayabaya.
O governo do
Brasil, que assumiu a presidência
do BRICS a
partir de 1º de janeiro, disse na segunda-feira (6) que a Indonésia está se
juntando ao bloco como membro pleno.
"Como membro
permanente, a Indonésia define diretamente a agenda e as políticas do BRICS e
tem um poder de decisão significativo. Posteriormente, a participação
permanente da Indonésia no BRICS vai causar alguma tensão em suas relações
com o Ocidente", disse a professora à Sputnik.
Ela também
acrescentou que a Indonésia demonstrou audácia ao avançar em direção
a uma governança global mais aberta e ativa.
No entanto, segundo
ela, isso não significa que a Indonésia esteja rejeitando o Ocidente.
"Ao contrário,
isso pode refletir os esforços estratégicos da Indonésia para diversificar suas
parcerias, fortalecer sua posição econômica e aumentar sua influência
global no
mundo rumo à multipolaridade", explicou ela.
O BRICS é uma associação
interestatal criada
em 2006 pelo Brasil, Rússia, Índia e China, formando o nome da organização
a partir das primeiras letras dos países, com a adesão da África do
Sul em 2010.
O ano de 2024
começou com a entrada de novos membros na associação: Egito, Etiópia,
Irã, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.
Em 2025, a
presidência do BRICS passou da Rússia para o Brasil.
No primeiro dia
deste ano, mais
nove países se
tornaram oficialmente parceiros do BRICS: Belarus, Bolívia, Indonésia,
Cazaquistão, Tailândia, Cuba, Uganda, Malásia e Uzbequistão.
Fonte: Sputnik
Brasil
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