UE tem
"motor falho" às vésperas da posse de Trump
Muito antes de tomar posse,
em 20 de janeiro de 2025, Donald
Trump já lançava ameaças aos europeus ao dizer que
irá aumentar as tarifas sobre seus
produtos, reduzir o apoio à Ucrânia e
rediscutir o financiamento da Otan.
Para fazer frente às
turbulências que se aproximam, seria importante que os 27 países da União Europeia (UE) demonstrassem
unidade e falassem a uma só voz. Mas, no momento em que Trump se tornar
presidente, a Alemanha e a França não terão governos estáveis.
Os dois países são frequentemente
chamados de os "motores da UE", por possuírem as maiores populações e
as maiores economias do bloco.
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Governos sem maioria em Berlim e Paris
Na Alemanha, o governo do
chanceler federal Olaf Scholz é composto por social-democratas e verdes, após o colapso da coalizão governista que resultou na perda da maioria no Parlamento. Somente as
eleições antecipadas, marcadas para 23 de fevereiro de 2025,
poderiam garantir novamente condições estáveis de governabilidade.
De acordo com as pesquisas
de opinião, nenhum partido alcançará a maioria absoluta, o que implica na
abertura de negociações para a formação de uma futura coalizão. Ou seja, serão
necessários provavelmente ao menos dois meses após a posse de Trump até que a
Alemanha tenha um governo capaz de agir.
Na França, a instabilidade
poderá se prolongar ainda mais. Segundo os prazos estabelecidos pela
Constituição francesa, novas eleições não serão permitidas antes de julho de
2025. Até lá, o país terá de lidar com a maioria pouco clara que resultou das
últimas eleições, em julho de 2024.
Há três grandes blocos na
Assembleia Nacional francesa, nenhum dos quais tem uma maioria capaz de
governar: o populista de direita Reunião Nacional (RN), a aliança de esquerda
Nova Frente Popular (NFP) e, no centro, a coligação Juntos liderada pelo
presidente Emmanuel Macron e seus
aliados.
"A situação é altamente
instável. Não há maioria no Parlamento. Os três blocos não querem trabalhar
juntos", explicou Claire Demesmay à DW. A cientista política é professora
do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Science Po) e pesquisadora do
Centro Marc Bloch, uma instituição franco-alemã de ciências sociais sediada em
Berlim.
Demesmay avalia que, na
Alemanha, os partidos devem tentar formar uma coligação, enquanto na França
"não existe uma cultura de compromisso. A cultura política francesa é
muito conflituosa. Isso torna muito difícil encontrar uma maioria para formar
um governo."
<><> Orçamento
no centro da disputa
Recentemente, o
ex-primeiro-ministro conservador da França Michel Barnier fracassou
em sua tentativa de aprovar um projeto para o Orçamento do país no Parlamento.
Seu governo entrou em colapso em 4 de dezembro, quando os deputados aprovaram
uma moção de desconfiança contra ele. Em 13 de dezembro, o presidente Macron
nomeou o centrista François Bayrou como
primeiro-ministro e o encarregou de formar um novo governo.
Também na Alemanha. o
governo entrou em colapso devido a uma disputa sobre o Orçamento federal. Ambos
os países, França e Alemanha, entraram em 2025 sem ainda terem aprovado um
Orçamento.
"O que agrava ainda
mais a situação é que, no que diz respeito às finanças públicas, as duas
maiores economias da UE tomam rumos completamente opostos”, afirma Carsten
Brzeski, economista-chefe do banco ING, em entrevista à DW.
A França tem enormes dívidas
e teria de poupar dinheiro, enquanto a Alemanha teria de gastar mais dinheiro e
investir em sua infraestrutura desgastada. "A França teria de se
tornar um pouco mais alemã e a Alemanha, um pouco mais francesa", observou
Brzeski.
<><> Dívida e
freio da dívida
Depois da Grécia e da
Itália, a França tem agora a terceira mais alta dívida nacional da zona do
euro, enquanto a Alemanha excede por pouco o limite máximo estabelecido pela
UE.
Quando se trata do orçamento
doméstico, as diferenças não poderiam ser maiores. Na Alemanha, o déficit está
abaixo do limite da UE de 3% doPIB.
Isso também se deve ao
chamado "freio da dívida"; uma regra da Lei Fundamental alemã que estabelece limites rígidos ao
montante de novos empréstimos que o governo alemão pode fazer por ano. Os
contrários a essa regra dizem que os limites são apertados demais e pedem que
eles sejam flexibilizados. Isso, no entanto, exigirá uma maioria de dois terços
da nova legislatura no Bundestag (Parlamento alemão).
Na França, Bayrou enfrenta
os mesmos problemas que seu antecessor. Ele almeja poupar cerca de 60
bilhões de euros (R$ 379 bilhões) com uma combinação de cortes nas despesas e
aumentos de impostos, pois o rombo no Orçamento francês é enorme.
Segundo as previsões,
o déficit chegou a 6% do PIB no final de 2024, ou seja, o dobro do
que as regras permitem aos países da zona do euro. A França já é alvo, portanto,
de um procedimento por déficit excessivo e deve informar regularmente a
Comissão Europeia sobre a forma como pretende cobrir o rombo em seu orçamento.
O dilema de Bayrou é que,
para cumprir as regras da UE, ele terá de poupar dinheiro. Mas para conseguir
aprovar um Orçamento de austeridade no Parlamento, ele precisará de um governo
com uma maioria sólida, o que não será possível pelo menos até a metade de
2025. "Isto é a quadratura do círculo", diz Claire Demesmay.
A reação dos mercados
financeiros foi clara. O chamado prêmio de risco que a França tem de pagar pela
sua dívida nacional subiu para o nível mais alto desde a crise da dívida do
euro, que levou a união monetária europeia à beira do colapso em 2010.
O prêmio de risco expressa a
forma como os credores avaliam a capacidade de um país de pagar suas dívidas no
tempo devido. Mais recentemente, a França se viu em situação ainda pior do que
a Grécia, que até há alguns anos era o maior problema financeiro da UE.
<><> Rebaixamento
nas agências de classificação
O golpe seguinte veio em
meados de dezembro, quando a agência de classificação de risco Moody's
rebaixou sua avaliação para a solvibilidade da França, o que tornou mais caro
assumir novas dívidas. De acordo com a Moody's, a "fragmentação política"
da França enfraquece sua posição fiscal e a impede de adotar medidas
abrangentes para reduzir o déficit.
A economia francesa também
já não funciona tão bem. O Banco Central prevê um crescimento de 1,1% em 2024.
Para 2025, no entanto, a instituição reduziu sua previsão para 0,9%, citando o
"aumento das incertezas” dentro e fora de França.
Na Alemanha, muitos ficariam
felizes com essa performance. O Bundesbank (Banco Central alemão) projeta uma
diminuição de 0,2% do PIB em 2024. Se isso se confirmar, será o
segundo ano consecutivo de recessão.
As coisas só ficarão um
pouco melhores em 2025, quando o Bundesbank prevê um pequeno aumento de 0,2%.
Em outras palavras: a economia alemã está estagnada. O maior fator de
incertezas é "possivelmente o aumento do protecionismo global",
afirmam os economistas do Bundesbank.
<><> Mercosul, o
"pomo da discórdia"
Do ponto de vista alemão, um
novo acordo de livre comércio poderia proporcionar alguma margem de manobra –
por exemplo, entre a UE e os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai), um pacto que criaria a
maior zona de comércio livre do mundo, com cerca de 700 milhões de pessoas.
A Comissão Europeia encerrou a fase de negociação em dezembro, mas ainda não está claro se e como o acordo será ratificado pelos
Estados-membros da UE. A única coisa certa é que a Alemanha e a França mantêm
posições divergentes nesse tema. A França já deixou claro que é contra um acordo abrangente de livre comércio.
"A questão comercial é
um clássico pomo da discórdia entre a Alemanha e a França", diz a
cientista política Demesmay. "Na França, as pessoas são muito mais
críticas em relação aos grandes acordos comerciais do que na Alemanha. Há um
sentimento de que o futuro do país já não está nas suas próprias mãos, e isso é
politicamente perigoso."
<><> Como lidar
com Trump?
A falta de unidade poderá se
tornar um problema quando Donald Trump voltar à Presidência dos EUA. Já durante
o seu primeiro mandato (2017-2020), os europeus muitas vezes pareciam não saber
lidar lidar com as constantes novas declarações e postagens do americano.
Brzeski acredita que os
europeus estão mais bem preparados hoje em dia do que há oito anos. Contudo,
seria aconselhável que eles não apenas reagissem ao que Trump fizer. "Em
vez disso, deveriam se concentrar em suas economias internas, investir em suas
infraestruturas e avançar nas reformas estruturais."
Para Brzeski, uma
coordenação estreita é essencial: "sabemos desde o passado que se as duas
maiores economias não trabalharem em conjunto e promoverem o projeto europeu, o
progresso na Europa será muito lento".
¨ UE teme que Trump possa cancelar sanções contra Rússia
introduzidas por Biden, diz mídia
As autoridades da
União Europeia (UE) temem que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, possa
revogar as sanções impostas à Rússia por seu antecessor Joe Biden, informou o
jornal Financial Times, citando fontes informadas.
De acordo com o jornal, em
meio à crescente preocupação na UE, foi criado um grupo de especialistas para
estudar a série de decretos de Biden, especialmente aqueles relacionados
a restrições contra a
Rússia.
As fontes disseram
que Bruxelas planejava usar essas sanções como uma
possível alavanca em negociações de cessar-fogo na Ucrânia.
"Altos
funcionários da Comissão Europeia ordenaram uma análise dos decretos de Biden,
desde sanções contra a Rússia até comércio e segurança cibernética, para ver
exatamente como seu cancelamento poderia afetar a política da UE",
disseram as fontes à imprensa.
O Financial Times
também ressalta que a UE não descarta que Trump possa cancelar algumas
medidas importantes apenas porque Biden as introduziu.
O Ocidente
intensificou a pressão das sanções contra a
Rússia por causa da Ucrânia, o que levou a um aumento nos preços da
eletricidade, dos combustíveis e dos alimentos na Europa e nos EUA.
Desde o início da
operação russa na Ucrânia em fevereiro de 2022, a UE já liderou 14 pacotes
de sanções contra a Rússia.
¨ Pressão de
Trump por mais gastos com defesa preocupa aliados
A exigência do presidente
eleito dos Estados Unidos, Donald
Trump, junto a seus aliados na Organização
do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para que
gastem 5% de seus Produtos Internos Brutos (PIBs) anuais em defesa abalou as
capitais europeias, quinze dias antes de o republicano retornar à Casa Branca.
"Acho que a Otan
deveria receber 5%", disse Trump em coletiva de imprensa nesta terça-feira
(07/01). "Todos eles conseguem pagar."
Trata-se de um aumento
colossal em relação ao compromisso assumido pelos Estados-membros da aliança de
dedicarem 2% de seus PIBs, com o qual todos concordaram, mas que se mostrou
bastante difícil para várias nações europeias. A nova meta proposta por Trump
também é mais complicada de se atingir do que os 4% que ele defendeu em seu
último mandato como presidente.
Na cúpula da Otan em Washington, no ano passado, a aliança militar revelou que pelo menos dois terços
de seus membros gastaram 2% ou mais em defesa naquele ano, sendo que somente a
Polônia ultrapassou a marca de 4%.
Houve, porém, um
reconhecimento tácito de que os membros europeus da Otan terão que abrir ainda
mais suas carteiras para reavivar um moroso complexo industrial de defesa de
modo a combater uma potencial ameaça russa. Ainda assim, vários analistas
ouvidos pela DW disseram que aumentar os gastos com defesa para 5% parece algo
impossível no cenário econômico atual, mesmo para nações relativamente mais
ricas.
<><> Estratégia
de negociação?
Uma leitura otimista da
exigência de Trump é a de que isso seria uma tática de negociação, e que a
Otan, sendo uma aliança entre iguais, chegaria a um acordo amigável, afirma
Rafael Loss, um pesquisador de política do Conselho Europeu de Relações
Exteriores (ECFR), entidade que avalia questões de segurança e defesa na região
Euro-Atlântica.
"Acho que aumentar os
gastos com defesa para 3,5% pode ser visto como mais realista pelos
europeus", disse Loss à DW. "Mas o cenário pessimista é que Trump
fala sério sobre retirar os Estados Unidos da Otan e encorajar [o presidente russo, Vladimir] Putin a fazer o que
quiser."
Ian Lesser, chefe do
escritório do German Marshall Fund em Bruxelas, também avalia que a recente
demanda de Trump parece "essencialmente uma jogada inicial", e que
ele pode se contentar com menos. "Mas, mesmo 3% ou 3,5% seria um exagero
para muitos Estados-membros", observou.
<><> Gastos da
Rússia chegam a 7% ou 8%
Em dezembro, o
secretário-geral da Otan, Mark Rutte, lembrou que em
2024 o investimento de defesa da Rússia foi de 7% a 8% do PIB do país. Ele
alertou que a Europa precisa adotar uma "mentalidade de guerra" e "turbinar" sua produção de defesa.
Rutte fez um apelo para que
os países renunciem de parte de seus orçamentos voltadas para o bem-estar
social e gastem mais em defesa.
"Em média, os países
europeus gastam facilmente até um quarto de sua renda nacional em pensões,
saúde e sistemas de previdência social", disse Rutte. "Precisamos de
uma pequena fração desse dinheiro para tornar nossas defesas muito mais fortes
e preservar nosso modo de vida."
<><> Em que pé
estão os líderes europeus da Otan?
Segundo números da própria
aliança, nenhum membro da Otan gasta atualmente 5% do PIB em defesa. A Polônia
é o país que mais gastou em 2024, com 4,12% do PIB, seguida da Estônia (3,43%)
e Estados Unidos (3,38%). A Itália gastou 1,49% do PIB, o que provavelmente foi
tema de discussão quando a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, se encontrou
com Trump em seu resort em Mar-a-Lago.
Apesar da afinidade
ideológica entre Trump e Meloni, a Itália também deve aumentar seus gastos,
avalia Leo Goretti, chefe do programa de política externa italiana no Instituto
Affari Internazionali, um think tank italiano.
"Na melhor das
hipóteses, Meloni pode extrair algumas concessões, como um cronograma atrasado
para a Itália aumentar seus gastos com defesa", disse Goretti à DW,
acrescentando que a exigência de Trump colocou Meloni em uma posição difícil em
termos de política interna.
"A Itália quer gastar
mais em defesa, mas o problema é que há um espaço fiscal muito limitado",
disse o analista. "O custo do bem-estar social, especialmente com os
sistemas de saúde e previdência, não oferece muita margem de manobra."
O Reino Unido, um dos
membros mais fortes da aliança em termos militares, enfrenta o mesmo dilema.
Embora o país tenha gasto 2,33% em defesa este ano e tenha ficado
consistentemente acima da marca de 2%, ainda não atingiu sua meta
autoestabelecida de 2,5%.
Aumentá-la para 5% parece
ser uma tarefa particularmente difícil, pois o governo britânico prometeu
melhorias sociais custosas, incluindo a redução no tempo de espera para
consultas médicas e novas unidades habitacionais.
A França e a Alemanha
enfrentam uma reviravolta política em torno de suas políticas econômicas,
enquanto grupos de extrema direita simpáticos à Rússia estão em ascensão. A
França gastou 2,06% em defesa em 2024, embora a atual turbulência política
tenha prejudicado as estratégias de defesa do país.
<><> Alemanha:
necessidades devem determinar os gastos
A Alemanha, que enfrentará
eleições antecipadas no mês que vem, gastou 2,12% em defesa, em parte, devido à
sua política econômica e orçamentária. Qualquer proposta de aumento será
certamente controversa.
Em seu primeiro mandato,
Trump pediu especificamente à Alemanha que aumentasse os gastos com defesa. O
chanceler federal alemão, Olaf Scholz, disse que a aliança tinha um "procedimento regulamentado"
para determinar as capacidades militares das quais necessita. "É
importante estarmos juntos e agirmos em unidade nessas questões",
destacou.
Friedrich Merz, o principal
concorrente de Scholz e favorito a vencer as próximas eleições alemãs, considerou
ultrapassadas as metas de gastos com base em porcentagens do PIB.
"Os 2%, 3% ou 5% são
basicamente irrelevantes. O que é crucial é que façamos o que for necessário
para nos defender", disse o líder do partido conservador União Democrata Cristã (CDU), nesta quarta-feira.
Vários analistas disseram
acreditar em negociações longas e difíceis entre o novo governo dos EUA e seus
aliados europeus, mas acrescentaram que pode haver acordo onde mais dinheiro é
gasto.
Se Trump pressionar os
europeus pra aumentarem seus gastos em até 5%, eles poderão decidir gastar a
maior parte do dinheiro na reforma da indústria de defesa europeia ao invés de
comprar dos americanos. Nesse caso, outro tipo de acordo pode ser possível:
gastar menos de 5% do PIB, mas comprar mais dos fabricantes de equipamentos
militares dos EUA.
Fonte: DW Brasil
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