sábado, 11 de janeiro de 2025

UE tem "motor falho" às vésperas da posse de Trump

Muito antes de tomar posse, em 20 de janeiro de 2025, Donald Trump já lançava ameaças aos europeus ao dizer que irá aumentar as tarifas sobre seus produtos, reduzir o apoio à Ucrânia e rediscutir o financiamento da Otan.

Para fazer frente às turbulências que se aproximam, seria importante que os 27 países da União Europeia (UE) demonstrassem unidade e falassem a uma só voz. Mas, no momento em que Trump se tornar presidente, a Alemanha e a França não terão governos estáveis.

Os dois países são frequentemente chamados de os "motores da UE", por possuírem as maiores populações e as maiores economias do bloco.

·        Governos sem maioria em Berlim e Paris

Na Alemanha, o governo do chanceler federal Olaf Scholz é composto por social-democratas e verdes, após o colapso da coalizão governista que resultou na perda da maioria no Parlamento. Somente as eleições antecipadas, marcadas para 23 de fevereiro de 2025, poderiam garantir novamente condições estáveis de governabilidade.

De acordo com as pesquisas de opinião, nenhum partido alcançará a maioria absoluta, o que implica na abertura de negociações para a formação de uma futura coalizão. Ou seja, serão necessários provavelmente ao menos dois meses após a posse de Trump até que a Alemanha tenha um governo capaz de agir.

Na França, a instabilidade poderá se prolongar ainda mais. Segundo os prazos estabelecidos pela Constituição francesa, novas eleições não serão permitidas antes de julho de 2025. Até lá, o país terá de lidar com a maioria pouco clara que resultou das últimas eleições, em julho de 2024.

Há três grandes blocos na Assembleia Nacional francesa, nenhum dos quais tem uma maioria capaz de governar: o populista de direita Reunião Nacional (RN), a aliança de esquerda Nova Frente Popular (NFP) e, no centro, a coligação Juntos liderada pelo presidente Emmanuel Macron e seus aliados.

"A situação é altamente instável. Não há maioria no Parlamento. Os três blocos não querem trabalhar juntos", explicou Claire Demesmay à DW. A cientista política é professora do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Science Po) e pesquisadora do Centro Marc Bloch, uma instituição franco-alemã de ciências sociais sediada em Berlim.

Demesmay avalia que, na Alemanha, os partidos devem tentar formar uma coligação, enquanto na França "não existe uma cultura de compromisso. A cultura política francesa é muito conflituosa. Isso torna muito difícil encontrar uma maioria para formar um governo."

<><> Orçamento no centro da disputa

Recentemente, o ex-primeiro-ministro conservador da França Michel Barnier fracassou em sua tentativa de aprovar um projeto para o Orçamento do país no Parlamento. Seu governo entrou em colapso em 4 de dezembro, quando os deputados aprovaram uma moção de desconfiança contra ele. Em 13 de dezembro, o presidente Macron nomeou o centrista François Bayrou como primeiro-ministro e o encarregou de formar um novo governo.

Também na Alemanha. o governo entrou em colapso devido a uma disputa sobre o Orçamento federal. Ambos os países, França e Alemanha, entraram em 2025 sem ainda terem aprovado um Orçamento.

"O que agrava ainda mais a situação é que, no que diz respeito às finanças públicas, as duas maiores economias da UE tomam rumos completamente opostos”, afirma Carsten Brzeski, economista-chefe do banco ING, em entrevista à DW.

A França tem enormes dívidas e teria de poupar dinheiro, enquanto a Alemanha teria de gastar mais dinheiro e investir em sua infraestrutura desgastada. "A França teria de se tornar um pouco mais alemã e a Alemanha, um pouco mais francesa", observou Brzeski.

<><> Dívida e freio da dívida

Depois da Grécia e da Itália, a França tem agora a terceira mais alta dívida nacional da zona do euro, enquanto a Alemanha excede por pouco o limite máximo estabelecido pela UE.

Quando se trata do orçamento doméstico, as diferenças não poderiam ser maiores. Na Alemanha, o déficit está abaixo do limite da UE de 3% doPIB.

Isso também se deve ao chamado "freio da dívida"; uma regra da Lei Fundamental alemã que estabelece limites rígidos ao montante de novos empréstimos que o governo alemão pode fazer por ano. Os contrários a essa regra dizem que os limites são apertados demais e pedem que eles sejam flexibilizados. Isso, no entanto, exigirá uma maioria de dois terços da nova legislatura no Bundestag (Parlamento alemão).

Na França, Bayrou enfrenta os mesmos problemas que seu antecessor. Ele almeja poupar cerca de 60 bilhões de euros (R$ 379 bilhões) com uma combinação de cortes nas despesas e aumentos de impostos, pois o rombo no Orçamento francês é enorme.

Segundo as previsões, o déficit chegou a 6% do PIB no final de 2024, ou seja, o dobro do que as regras permitem aos países da zona do euro. A França já é alvo, portanto, de um procedimento por déficit excessivo e deve informar regularmente a Comissão Europeia sobre a forma como pretende cobrir o rombo em seu orçamento.

O dilema de Bayrou é que, para cumprir as regras da UE, ele terá de poupar dinheiro. Mas para conseguir aprovar um Orçamento de austeridade no Parlamento, ele precisará de um governo com uma maioria sólida, o que não será possível pelo menos até a metade de 2025. "Isto é a quadratura do círculo", diz Claire Demesmay.

A reação dos mercados financeiros foi clara. O chamado prêmio de risco que a França tem de pagar pela sua dívida nacional subiu para o nível mais alto desde a crise da dívida do euro, que levou a união monetária europeia à beira do colapso em 2010.

O prêmio de risco expressa a forma como os credores avaliam a capacidade de um país de pagar suas dívidas no tempo devido. Mais recentemente, a França se viu em situação ainda pior do que a Grécia, que até há alguns anos era o maior problema financeiro da UE.

<><> Rebaixamento nas agências de classificação

O golpe seguinte veio em meados de dezembro, quando a agência de classificação de risco Moody's rebaixou sua avaliação para a solvibilidade da França, o que tornou mais caro assumir novas dívidas. De acordo com a Moody's, a "fragmentação política" da França enfraquece sua posição fiscal e a impede de adotar medidas abrangentes para reduzir o déficit.

A economia francesa também já não funciona tão bem. O Banco Central prevê um crescimento de 1,1% em 2024. Para 2025, no entanto, a instituição reduziu sua previsão para 0,9%, citando o "aumento das incertezas” dentro e fora de França.

Na Alemanha, muitos ficariam felizes com essa performance. O Bundesbank (Banco Central alemão) projeta uma diminuição de 0,2% do PIB em 2024. Se isso se confirmar, será o segundo ano consecutivo de recessão.

As coisas só ficarão um pouco melhores em 2025, quando o Bundesbank prevê um pequeno aumento de 0,2%. Em outras palavras: a economia alemã está estagnada. O maior fator de incertezas é "possivelmente o aumento do protecionismo global", afirmam os economistas do Bundesbank.

<><> Mercosul, o "pomo da discórdia"

Do ponto de vista alemão, um novo acordo de livre comércio poderia proporcionar alguma margem de manobra – por exemplo, entre a UE e os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai), um pacto que criaria a maior zona de comércio livre do mundo, com cerca de 700 milhões de pessoas.

A Comissão Europeia encerrou a fase de negociação em dezembro, mas ainda não está claro se e como o acordo será ratificado pelos Estados-membros da UE. A única coisa certa é que a Alemanha e a França mantêm posições divergentes nesse tema. A França já deixou claro que é contra um acordo abrangente de livre comércio.

"A questão comercial é um clássico pomo da discórdia entre a Alemanha e a França", diz a cientista política Demesmay. "Na França, as pessoas são muito mais críticas em relação aos grandes acordos comerciais do que na Alemanha. Há um sentimento de que o futuro do país já não está nas suas próprias mãos, e isso é politicamente perigoso."

<><> Como lidar com Trump?

A falta de unidade poderá se tornar um problema quando Donald Trump voltar à Presidência dos EUA. Já durante o seu primeiro mandato (2017-2020), os europeus muitas vezes pareciam não saber lidar lidar com as constantes novas declarações e postagens do americano.

Brzeski acredita que os europeus estão mais bem preparados hoje em dia do que há oito anos. Contudo, seria aconselhável que eles não apenas reagissem ao que Trump fizer. "Em vez disso, deveriam se concentrar em suas economias internas, investir em suas infraestruturas e avançar nas reformas estruturais."

Para Brzeski, uma coordenação estreita é essencial: "sabemos desde o passado que se as duas maiores economias não trabalharem em conjunto e promoverem o projeto europeu, o progresso na Europa será muito lento".

¨      UE teme que Trump possa cancelar sanções contra Rússia introduzidas por Biden, diz mídia

As autoridades da União Europeia (UE) temem que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, possa revogar as sanções impostas à Rússia por seu antecessor Joe Biden, informou o jornal Financial Times, citando fontes informadas.

De acordo com o jornal, em meio à crescente preocupação na UE, foi criado um grupo de especialistas para estudar a série de decretos de Biden, especialmente aqueles relacionados a restrições contra a Rússia.

As fontes disseram que Bruxelas planejava usar essas sanções como uma possível alavanca em negociações de cessar-fogo na Ucrânia.

"Altos funcionários da Comissão Europeia ordenaram uma análise dos decretos de Biden, desde sanções contra a Rússia até comércio e segurança cibernética, para ver exatamente como seu cancelamento poderia afetar a política da UE", disseram as fontes à imprensa.

O Financial Times também ressalta que a UE não descarta que Trump possa cancelar algumas medidas importantes apenas porque Biden as introduziu.

O Ocidente intensificou a pressão das sanções contra a Rússia por causa da Ucrânia, o que levou a um aumento nos preços da eletricidade, dos combustíveis e dos alimentos na Europa e nos EUA.

Desde o início da operação russa na Ucrânia em fevereiro de 2022, a UE já liderou 14 pacotes de sanções contra a Rússia.

¨      Pressão de Trump por mais gastos com defesa preocupa aliados

A exigência do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, junto a seus aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para que gastem 5% de seus Produtos Internos Brutos (PIBs) anuais em defesa abalou as capitais europeias, quinze dias antes de o republicano retornar à Casa Branca.

"Acho que a Otan deveria receber 5%", disse Trump em coletiva de imprensa nesta terça-feira (07/01). "Todos eles conseguem pagar."

Trata-se de um aumento colossal em relação ao compromisso assumido pelos Estados-membros da aliança de dedicarem 2% de seus PIBs, com o qual todos concordaram, mas que se mostrou bastante difícil para várias nações europeias. A nova meta proposta por Trump também é mais complicada de se atingir do que os 4% que ele defendeu em seu último mandato como presidente.

Na cúpula da Otan em Washington, no ano passado, a aliança militar revelou que pelo menos dois terços de seus membros gastaram 2% ou mais em defesa naquele ano, sendo que somente a Polônia ultrapassou a marca de 4%.

Houve, porém, um reconhecimento tácito de que os membros europeus da Otan terão que abrir ainda mais suas carteiras para reavivar um moroso complexo industrial de defesa de modo a combater uma potencial ameaça russa. Ainda assim, vários analistas ouvidos pela DW disseram que aumentar os gastos com defesa para 5% parece algo impossível no cenário econômico atual, mesmo para nações relativamente mais ricas.

<><> Estratégia de negociação?

Uma leitura otimista da exigência de Trump é a de que isso seria uma tática de negociação, e que a Otan, sendo uma aliança entre iguais, chegaria a um acordo amigável, afirma Rafael Loss, um pesquisador de política do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), entidade que avalia questões de segurança e defesa na região Euro-Atlântica.

"Acho que aumentar os gastos com defesa para 3,5% pode ser visto como mais realista pelos europeus", disse Loss à DW. "Mas o cenário pessimista é que Trump fala sério sobre retirar os Estados Unidos da Otan e encorajar [o presidente russo, Vladimir] Putin a fazer o que quiser."

Ian Lesser, chefe do escritório do German Marshall Fund em Bruxelas, também avalia que a recente demanda de Trump parece "essencialmente uma jogada inicial", e que ele pode se contentar com menos. "Mas, mesmo 3% ou 3,5% seria um exagero para muitos Estados-membros", observou.

<><> Gastos da Rússia chegam a 7% ou 8%

Em dezembro, o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, lembrou que em 2024 o investimento de defesa da Rússia foi de 7% a 8% do PIB do país. Ele alertou que a Europa precisa adotar uma "mentalidade de guerra" e "turbinar" sua produção de defesa.

Rutte fez um apelo para que os países renunciem de parte de seus orçamentos voltadas para o bem-estar social e gastem mais em defesa.

"Em média, os países europeus gastam facilmente até um quarto de sua renda nacional em pensões, saúde e sistemas de previdência social", disse Rutte. "Precisamos de uma pequena fração desse dinheiro para tornar nossas defesas muito mais fortes e preservar nosso modo de vida."

<><> Em que pé estão os líderes europeus da Otan?

Segundo números da própria aliança, nenhum membro da Otan gasta atualmente 5% do PIB em defesa. A Polônia é o país que mais gastou em 2024, com 4,12% do PIB, seguida da Estônia (3,43%) e Estados Unidos (3,38%). A Itália gastou 1,49% do PIB, o que provavelmente foi tema de discussão quando a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, se encontrou com Trump em seu resort em Mar-a-Lago.

Apesar da afinidade ideológica entre Trump e Meloni, a Itália também deve aumentar seus gastos, avalia Leo Goretti, chefe do programa de política externa italiana no Instituto Affari Internazionali, um think tank italiano.

"Na melhor das hipóteses, Meloni pode extrair algumas concessões, como um cronograma atrasado para a Itália aumentar seus gastos com defesa", disse Goretti à DW, acrescentando que a exigência de Trump colocou Meloni em uma posição difícil em termos de política interna.

"A Itália quer gastar mais em defesa, mas o problema é que há um espaço fiscal muito limitado", disse o analista. "O custo do bem-estar social, especialmente com os sistemas de saúde e previdência, não oferece muita margem de manobra."

O Reino Unido, um dos membros mais fortes da aliança em termos militares, enfrenta o mesmo dilema. Embora o país tenha gasto 2,33% em defesa este ano e tenha ficado consistentemente acima da marca de 2%, ainda não atingiu sua meta autoestabelecida de 2,5%.

Aumentá-la para 5% parece ser uma tarefa particularmente difícil, pois o governo britânico prometeu melhorias sociais custosas, incluindo a redução no tempo de espera para consultas médicas e novas unidades habitacionais.

A França e a Alemanha enfrentam uma reviravolta política em torno de suas políticas econômicas, enquanto grupos de extrema direita simpáticos à Rússia estão em ascensão. A França gastou 2,06% em defesa em 2024, embora a atual turbulência política tenha prejudicado as estratégias de defesa do país.

<><> Alemanha: necessidades devem determinar os gastos

A Alemanha, que enfrentará eleições antecipadas no mês que vem, gastou 2,12% em defesa, em parte, devido à sua política econômica e orçamentária. Qualquer proposta de aumento será certamente controversa.

Em seu primeiro mandato, Trump pediu especificamente à Alemanha que aumentasse os gastos com defesa. O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, disse que a aliança tinha um "procedimento regulamentado" para determinar as capacidades militares das quais necessita. "É importante estarmos juntos e agirmos em unidade nessas questões", destacou.

Friedrich Merz, o principal concorrente de Scholz e favorito a vencer as próximas eleições alemãs, considerou ultrapassadas as metas de gastos com base em porcentagens do PIB.

"Os 2%, 3% ou 5% são basicamente irrelevantes. O que é crucial é que façamos o que for necessário para nos defender", disse o líder do partido conservador União Democrata Cristã (CDU), nesta quarta-feira.

Vários analistas disseram acreditar em negociações longas e difíceis entre o novo governo dos EUA e seus aliados europeus, mas acrescentaram que pode haver acordo onde mais dinheiro é gasto.

Se Trump pressionar os europeus pra aumentarem seus gastos em até 5%, eles poderão decidir gastar a maior parte do dinheiro na reforma da indústria de defesa europeia ao invés de comprar dos americanos. Nesse caso, outro tipo de acordo pode ser possível: gastar menos de 5% do PIB, mas comprar mais dos fabricantes de equipamentos militares dos EUA.

 

Fonte: DW Brasil

 

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