sábado, 11 de janeiro de 2025

Drones respondem por 94% das contaminações por agrotóxicos no Maranhão

“TANTO O DRONE QUANTO O AVIÃO, toda a volta que faz, passa por cima do lote e da plantação, para você perder a produção e seus animais morrerem”, conta uma agricultora de Açailândia, polo de produção de soja no Maranhão. “Fazem isso para nos forçar a deixar a terra.” 

Comunidades rurais do Maranhão afirmam que drones estão sendo utilizados como instrumento de intimidação e de expulsão de agricultores familiares. As denúncias, porém, não são investigadas, segundo advogados que acompanham os casos.

Dados inéditos obtidos pela Repórter Brasil mostram que 228 comunidades em 35 municípios do estado denunciaram contaminação por pesticidas entre janeiro e outubro de 2024. Do total, 214 casos (94%) correspondem a ataques por drones. 

Os dados foram coletados pela Fetaema (Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão), pela Rama (Rede de Agroecologia do Maranhão) e pelo Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia da Universidade Federal do Maranhão. 

As queixas vão desde intoxicações humanas até prejuízos ambientais, como o envenenamento de rios e a morte de animais.

“Se você não estiver prestando atenção, às vezes você nem percebe, a não ser pelo cheiro, que é mais forte porque o drone voa mais baixo [do que os aviões agrícolas]”, afirma a trabalhadora rural de Açailândia, que pede para não ser identificada por temer represálias. 

A cerca de 600 km da capital São Luís, Açailândia tem se consolidado como grande produtor de soja. Em 2024, sediou a “Abertura Nacional do Plantio da Soja 2024/2025”, que ocorreu pela primeira vez no estado, reunindo produtores e autoridades, como o governador Carlos Brandão (PSB). “Queremos informar aos produtores rurais de outros estados que, no Maranhão, eles têm como plantar e colher com apoio do governo”, afirmou o mandatário no evento.

Para a trabalhadora, contudo, a expansão da soja não é sinônimo de progresso. A cada ano que passa, ela diz que mais lotes da reforma agrária são repassados para a monocultura. Quem fica é vigiado e ameaçado de morte e expulsão, principalmente com o uso dos drones, ela diz.

Em São Mateus (MA), município conhecido como a “capital do arroz”, relatos apontam que aviões e drones despejam agrotóxicos nas proximidades de moradias e pequenas plantações. “Eles usam essa estratégia justamente para expulsar as pessoas”, conta outra agricultora, que também não será identificada. “Lá onde eu moro era um lugar de muito peixe, mas com essa pulverização hoje não existe mais“, continua.

Com o crescimento das denúncias, movimentos populares e legisladores locais têm se mobilizado para criar mecanismos de proteção. Nove municípios maranhenses já aprovaram leis que proíbem a pulverização aérea. Além disso, a Rama e organizações ligadas à igreja católica iniciaram uma campanha em abril passado para a criação de um projeto de lei estadual de iniciativa popular contra a prática. 

A reação foi rápida. Um mês depois, um projeto de lei para permitir a pulverização aérea no estado foi protocolado na assembleia legislativa do Maranhão. “Não foi coincidência, foi reação às denúncias”, afirma Diogo Cabral, advogado da Fetaema.

Porém, mesmo que o projeto estadual seja aprovado, continuarão valendo as leis municipais, que são mais restritivas, afirma Cabral. Ele explica que essas normas locais seguem o entendimento do STF de que estados e municípios têm competência legislativa para estabelecer diretrizes de proteção à saúde e ao meio ambiente, como é o caso da aplicação de agrotóxicos.

Falta de fiscalização e punição

As denúncias, porém, não foram comprovadas pelas autoridades. As duas agricultoras ouvidas pela reportagem contam que vídeos e fotos não têm sido suficientes para apontar os responsáveis. “A gente vai buscar ajuda em todos os lugares, mas parece que as portas se fecham, porque ninguém dá importância”, diz uma delas.

Marcos Orellana, relator especial da ONU para tóxicos e direitos humanos, já manifestou preocupação com o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil. Em 2022, ele enviou uma carta ao governo brasileiro alertando sobre os impactos da pulverização aérea e criticou a ausência de respostas efetivas. Segundo ele, há um padrão de intimidação contra comunidades que denunciam essas práticas, o que amplia a vulnerabilidade dos grupos mais atingidos.

“Essas pulverizações não eram ocorrências isoladas, mas parte de um padrão de ataques repetidos e perseguições contra essas comunidades, que são submetidas a um medo constante e a sofrimento psicológico contínuo”, afirma Orellana.

Em maio do ano passado, a Repórter Brasil publicou uma denúncia de tentativa de intimidação a Diogo Cabral. O advogado da Fetaema havia recebido uma notificação extrajudicial do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola) para se retratar ou comprovar, em até 48h, que a pulverização aérea de agrotóxicos no Maranhão prejudica comunidades. A notificação ocorreu após entrevista de Cabral sobre a proibição da pulverização aérea no município de Caxias (MA). 

À Repórter Brasil, o Sindag afirmou na época que buscou esclarecimentos tanto com o advogado popular quanto com a rede de televisão que veiculou a reportagem a fim de buscar a “transparência sobre as informações divulgadas e a verdade sobre os fatos”.

Para Cabral, a falta de uma fiscalização efetiva cria um cenário de impunidade. “O agronegócio quer um Estado máximo para investir e garantir a produção, e um Estado mínimo para fiscalizar e punir quem comete crime ambiental.”

Angela Silva, presidenta da Fetaema, afirma que as análises de amostras para verificar a contaminação de agrotóxicos não acontecem de forma rápida no estado, o que interfere nas denúncias que a organização têm feito. 

“O sentimento das comunidades, assim como o nosso, é de tristeza, de impunidade, de não valorização. A gente denuncia, mas, às vezes, o caso não é levado a sério como deveria”, diz ela, ressaltando que as autoridades desconfiam se as denúncias são verdadeiras.

À Repórter Brasil, o pesquisador da Fiocruz no Ceará Fernando Carneiro afirmou que o aumento de casos no Maranhão mostra que “há pessoas não qualificadas operando os drones e causando contaminações”.

Estudos realizados em outros países mostram que há uma dificuldade em se obter precisão na aplicação. Pesquisa da Chinese Society of Agricultural Engineering revelou que até 55% do volume aplicado pelo drone se espalhou pelo entorno.

Procurado, o governo do Maranhão informou que “atua de forma ativa na mediação de conflitos agrários e na proteção das comunidades rurais” e que encaminha as denúncias sobre uso incorreto de agrotóxicos para órgãos de fiscalização, como a Aged (Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Maranhão), Sema (Secretaria de Estado do Meio Ambiente) e a Superintendência do Ministério da Agricultura no Maranhão.

A Sema declarou que lidera a “fiscalização compartilhada do uso de agrotóxicos, em todas as etapas, desde a aquisição até o descarte adequado das embalagens” e que “tem adotado medidas mais rigorosas e preventivas para assegurar a preservação dos recursos naturais e a qualidade de vida das comunidades”. Jà a Aged declarou que monitora o comércio, uso, armazenamento e transporte das substâncias, assim como realiza atividades de educação quanto ao uso seguro dos agrotóxicos. 

Para o Sindag , os conflitos agrários devem ser investigados e resolvidos pelas autoridades “na melhor forma da lei e do bem-estar das pessoas”. O grupo afirma que, por ser uma  “ferramenta” visível em campo, a aviação agrícola sofre com os estereótipos. 

“A exemplo do que ocorre no Maranhão, onde ela está no centro de uma campanha da Igreja para que seja proibida nos Municípios”, afirma a organização, em referência à campanha da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em torno de um projeto de lei estadual contra a pulverização.

O Sindag diz ainda ser necessária uma fiscalização ampla e constante para que “inocentes não paguem por culpados”. Leia as manifestações na íntegra.

“Eu estou ficando sem condições de contar essa história, porque dói muito, mas ficar calada é pior”, conta, emocionada, a agricultora de Açailândia.

A agricultora de São Mateus afirma ter medo de dar depoimentos sobre a atuação do agronegócio na sua região. Assim como ela, outros vivem com medo de falar e sofrerem mais represálias. “Enquanto eu puder e tiver condição de lutar junto com os demais, eu vou lutar para que chegue o fim da pulverização aérea”, finaliza.

 

¨      Condenado por morte de sindicalista é o maior destruidor de área indígena no PA

NA TERRA INDÍGENA AMANAYÉ, no sudeste do Pará, a promessa de demarcação continua no papel desde 1945. Enquanto a área não é oficialmente reconhecida, árvores são cortadas para abastecer as madeireiras de Décio José Barroso Nunes, o Delsão, fazendeiro com histórico de crimes ambientais e trabalhistas. 

Condenado em 2019 como mandante do assassinato de um sindicalista no sul do estado, Delsão é dono da fazenda Lacy. A propriedade concentra 71% da exploração madeireira registrada entre 2007 e 2023 no território Amanayé, de acordo com levantamento feito a partir de imagens de satélite pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a pedido da Repórter Brasil.

Dos 38 mil hectares desmatados em 26 anos dentro da área reivindicada pelos indígenas, 27 mil estão no interior da fazenda Lacy, segundo cruzamento de dados com base no Simex (Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira).

Outro estudo do Imazon, publicado em julho, mostra que nos últimos quatro anos a reserva Amanayé foi a mais afetada pela extração ilegal de madeira em todo o Pará. Foram desmatados quase 3 mil hectares (o equivalente a cerca de 3 mil campos de futebol), aponta a pesquisa.

“Delsão é um dos maiores exploradores de madeira na Amazônia”, afirma Ronaldo Anamaye, um dos coordenadores da Fepipa (Federação dos Povos Indígenas do Pará) e líder do povo Amanayé. Ele denuncia a falta de ação por parte das autoridades, que têm permitido o avanço das ameaças ao território, incluindo a derrubada de mata nativa, a grilagem de terras e a violência contra os indígenas.

O fazendeiro já foi autuado 15 vezes por desmatamento ilegal pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), entre 2001 e 2020 – as multas somam R$ 10,7 milhões. Em oito casos, as autuações também resultaram em embargos (interdição) de 1,7 milhão de hectares de suas propriedades. 

Delsão também já figurou na Lista Suja do trabalho escravo, cadastro oficial do governo federal que torna públicos os dados de empregadores responsabilizados por esse crime. Ele teve seu nome incluído na relação após dez trabalhadores serem resgatados de uma de suas fazendas, no Pará, em 2010. Os trabalhadores dormiam ao lado de agrotóxicos e estavam em situação de servidão por dívida, segundo os auditores-fiscais do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). 

Repórter Brasil solicitou um posicionamento para o escritório de advocacia que representou Delsão no julgamento do caso de homicídio. Contudo, o escritório informou que não atende mais o fazendeiro.

A reportagem também tentou contato com outra advogada, que defende o fazendeiro em processos trabalhistas, mas ela não retornou as mensagens, nem atendeu às ligações. A matéria será atualizada se um posicionamento for enviado.

<><> MPF pressiona por demarcação da TI Amanayé

Em agosto, após pressão dos indígenas, o MPF (Ministério Público Federal) ingressou com uma ação civil pública na Justiça para que a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas)  atualize os estudos necessários à demarcação da Terra Indígena Amanayé. 

Além da demarcação, o MPF pede também o bloqueio dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR) que se sobrepõem ao território. Os CARs são registros obrigatórios autodeclaratórios realizados por proprietários de fazendas. Em alguns casos, são usados de forma fraudulenta para legitimar a posse de terras públicas.

A ação civil pública aponta a existência de 37 CARs sobrepostos à reserva, indicando a apropriação ilegal de áreas dentro do território. Dentre eles, está o da fazenda Lacy, de Delsão.

“Alguns fazendeiros têm georreferenciado a área e têm se valido da terra para o cultivo de monoculturas”, afirma o procurador da República responsável pela ação, Sadi Machado. “Com isso, existe uma dispersão dos próprios indígenas, existe uma saída forçada, até por uma questão de autoproteção”, complementa.

Para Ronaldo Amanayé, a desintrusão (retirada dos invasores) e a demarcação do território são ações urgentes para proteger a vida das famílias que residem na reserva. “Depois também será preciso fazer a recuperação das áreas degradadas e desmatadas”, completa. “Espero que a gente consiga ter o nosso território livre dos fazendeiros, dos sojeiros e dos madeireiros, que estão destruindo e desmatando”, afirma.

Segundo a liderança, as invasões para exploração de madeira ocorrem há décadas. Atualmente, a chegada das plantações de soja e o uso de agrotóxicos também têm afetado os indígenas do território. 

A ação do MPF solicita ainda que a União e a Funai paguem uma indenização de R$ 3 milhões em danos morais pela demora da demarcação. Os recursos seriam destinados a políticas públicas para os indígenas Amanayé. 

A reportagem procurou a Funai, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto a manifestações.

<><> Processo de demarcação se arrasta há oito décadas

A espera pela demarcação da terra indígena já dura quase 80 anos. O Decreto de 1945, que delimitou o território Amanayé, ainda não foi efetivado. Por causa do imbróglio, fazendeiros realizaram por conta própria, em 2021, o georreferenciamento das áreas abertas dentro da reserva, na expectativa de se apropriarem do território. 

Enquanto isso, o povo Amanayé vê sua cultura e seu modo de vida tradicional ameaçados. O Censo 2022 apontava uma população de apenas 244 pessoas da etnia.

<><> Fazendeiro responde em liberdade por assassinato de sindicalista

Atualmente, Delsão recorre em liberdade da sentença de primeira instância que o condenou pela morte do sindicalista José Dutra da Costa, o Dezinho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, em novembro de 2000. 

Já a viúva do líder assassinado, Maria Joel Costa, conhecida como Joelma, vive sob escolta policial há 20 anos. “Não tenho mais liberdade de ir e vir”, conta. Após o assassinato do marido, ela assumiu a presidência do sindicato. 

Aos 52 anos, Joelma se tornou um símbolo de resistência na luta contra o avanço do agronegócio e contra a violência no campo. Na última eleição, foi a única vereadora do PT eleita em Rondon do Pará.

 

Fonte: Repórter Brasil

 

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