Camila Vedovello:
Racismo, vingança e corrupção formam a tríade geradora de mortes cometidas pela
polícia
O rompimento
da violência que assola a
sociedade, como os recentes casos de mortes de crianças,
jovens, agressão à mulher em metrô e arremesso de um homem de uma ponte por
agentes de segurança, passa por uma mudança no paradigma de segurança pública,
ligada à lógica da guerra. Para Camila Vedovello, o atual modelo é galgado
no racismo, vingança institucional e corrupção policial, do qual o governo
de São Paulo é o principal expoente, com um secretário de Segurança que é
investigado por 16 mortes enquanto policial. “Hoje, a política
de segurança pública paulista oficializa a violência e a
letalidade, sem que seja necessário um agrupamento de policiais”.
A socióloga e
professora evidencia que neste tipo de política o tiro sai pela culatra.
“As ações policiais violentas e a letalidade
policial não
garantem em nada uma maior segurança da população. Ao contrário, quanto mais
violenta for a polícia, mais insegura fica a sociedade”. Ela ressalta que uma
polícia violenta tem seu alvo na própria população, mais intensamente a alguns
grupos sociais. As ditas “guerras”, como guerra às
drogas,
geram ações policiais como operações que adentram os territórios periféricos,
causando medo, ferimentos e mortes dos moradores dessas localidades”. A morte do menino
Ryan,
de 4 anos, assassinado no início de novembro, é um exemplo.
Camila
Vedovello chama a atenção para outro ponto, nesta entrevista por e-mail
ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. “É urgente e necessário
ter uma regulamentação firme sobre campanhas eleitorais e candidaturas de
agentes ligados às instituições policiais”. Aponta ser muito preocupante o
aumento de candidatos e de parlamentares oriundos de ambiente policial. “Esses
candidatos normalmente trazem a farda como mote político e utilizam a ideia da
polícia e da militarização, do combate e da
guerra como forma política”.
Os meios de
comunicação são
outro vetor neste cenário de violência policial, segundo a doutora em
sociologia. “De modo geral, é perceptível que os jornais em seus editoriais,
por exemplo, não costumam questionar as violências policiais”, pontua. Diz
que são poucos e sempre os mesmos jornalistas que fazem a cobertura policial e,
muitas vezes, banalizam a violência e a truculência do meio policial. “Mortes
decorrentes de intervenção policial ocorrem todos os dias nas periferias
brasileiras,
vitimando o mesmo perfil: homens jovens e negros, considerados “suspeitos”.
Essas violências
pulverizadas não
se transformam em pautas nem são questionadas”. Com isso, há um apoio dos meios
de comunicação a essa perspectiva de segurança pública pautada pela guerra.
A especialista em
segurança pública também salienta que as prisões estão saturadas e acabam
servindo de recrutamento para o crime organizado. “A prisão produz mais crime e
violência no Brasil e não garante segurança. Precisamos pensar
alternativas à prisão, assim como já se pensa há bastante tempo possibilidades
aos manicômios”, argumenta.
<><> Confira
a entrevista.
·
Como
avalia os casos de violência policial em São Paulo no atual governo Tarcísio? O
que eles indicam?
Camila Vedovello – Antes
de falar do governo Tarcísio e da atual
crise de segurança pública que enfrentamos, cabe trazer um pouco da
historicidade da violência policial paulista. A violência policial não se
inaugura no governo Tarcísio, temos diversos estudos e casos de violência
policial há muito tempo em São Paulo.
Teresa Caldeira, em
seu livro Cidade de Muros, traz dados sobre mortes e ferimentos em ações
da polícia militar entre os anos de 1981 e 1997. A pesquisadora faz
um levantamento sobre civis mortos durante ações policiais nesse período. Em
1991, tivemos 1140 e, em 1992, 1470 pessoas assassinadas durante ações da Polícia
Militar no estado de São Paulo. Em 1992, mais precisamente em 2 de
outubro, ocorreu o massacre
do Carandiru,
vitimando no mínimo 111 pessoas que estavam encarceradas e sob a custódia do
Estado.
O
coronel Ubiratan, que estava à frente da operação, candidatou-se ao cargo
de deputado estadual em 2002, utilizando 11190, embora negasse que o número 111
seria uma referência as pessoas executadas no massacre do Carandiru. Esse
número trazia para a população um recado. O recado de que a política do
coronel Ubiratan estava relacionada à produção de mortes. Em 1997,
tivemos o caso da Favela Naval, em que uma filmagem em fita VHS revelou a
violência policial que estava sendo direcionada aos moradores dessa localidade.
Em 2006, não
podemos esquecer, foi o ano em que ocorreram os crimes de maio, vitimando mais
de 500 pessoas em todo o estado de São Paulo. O Relatório dos Crimes
de Maio apontou que as execuções realizadas durante o período próximo
ao Dia das Mães, daquele ano, estavam relacionadas a ataques da polícia
contra o PCC e a operações de vingança de agentes de segurança
pública, um contra-ataques do primeiro comando a policiais e bases da polícia.
De modo a estabelecer uma vingança contra esses ataques, agentes de segurança
pública executaram centenas de pessoas em todo o Estado. Eu trago esse
histórico para lembrar que a violência policial paulista tem raízes.
·
Essa
violência é ampliada e intensificada conforme o governo?
Camila
Vedovello – É importante notar que nos últimos anos a letalidade
policial estava em decréscimo, e o número de homicídios geral em São Paulo
atingiu, nos últimos tempos, números muito baixos em relação ao país.
Quando Tarcísio entrou em campanha, ele estabeleceu uma
discursividade relacionada à guerra. Já em um ato de campanha em Paraisópolis
em um confronto, um jovem de 27 anos foi assassinado e viralizou um vídeo do
então candidato ao governo do estado Tarcísio se refugiando de um
suposto confronto em um espaço fechado, performando uma discursividade da
guerra.
Ao
indicar Derrite para a Secretaria de Segurança Pública, o
governador passa uma mensagem ao corpo policial do Estado. Derrite é um
ex-policial expulso da Rota por ser considerado muito violento e foi
investigado por 16 mortes durante sua atuação enquanto o policial.
O discurso contra
câmeras corporais, levantado por Tarcísio, a troca de comando de Batalhões
de Polícia, a escolha de Derrite como secretário de Segurança
Pública, as falas públicas do governador durante as
operações Escudo e Verão deram o tom de uma política de
segurança pública pautada pela violência. Isso extrapola o monopólio estatal
legítimo da violência e insere toda uma corporação na possibilidade de atuar
através da violência policial e da letalidade policial.
Os últimos casos de
violência policial e letalidade policial que estão aparecendo através de
produções imagéticas pela população civil apontam para o fato de que o discurso
da guerra e da violência exacerbada ganhou tanta aderência entre agentes de
segurança pública que o governador perdeu o controle sobre o corpo policial.
·
Nos
últimos pleitos, tem crescido o número de candidatos oriundos do ambiente
policial. A que atribui esse fenômeno e o que ele indica a curto e longo prazo
tanto para a política quanto para a elaboração e gestão de políticas de
segurança pública no país?
Camila
Vedovello – É muito preocupante o aumento de candidatos e de
parlamentares oriundos de ambiente policial. Esses candidatos normalmente
trazem a farda como mote político e utilizam a ideia da polícia e da
militarização, do combate e da guerra como forma política. Esses discursos
encontram aderência social em uma lógica perversa do jargão “bandido bom é
bandido morto”,
em que a figura do bandido é frequentemente atrelada às populações negras e
periféricas.
Essas figuras que
se alçam na política a partir do discurso policial, trazem para políticas
públicas pautas ligadas ao punitivismo, ao encarceramento
em massa e
à liberação
de armamentos.
É urgente e necessário ter uma regulamentação firme sobre campanhas eleitorais
e candidaturas de agentes ligados às instituições policiais. A farda não deve
ter atrelamento a partidos políticos, visto que as polícias são instituições de
Estado.
·
Você
afirma que as chacinas passaram a ser praticadas por encapuzados e depois por
desencapuzados em São Paulo. Como e por que aconteceu isso?
Camila Vedovello
– Durante meu doutorado em Sociologia na Unicamp, pesquisei
as chacinas que ocorreram na cidade de São Paulo e nas cidades da
Região Metropolitana entre as décadas de 1980 e 2020. A pesquisa foi realizada
por meio de buscas em jornais, visto que chacina não possui tipificação penal e
há, assim, muita dificuldade em encontrar dados sobre essa forma de execução.
Em cerca de 24% das
notícias de chacinas entre 2009 e 2020, havia indícios de participação de
agentes de segurança pública nesses eventos. Os dados levantados me permitiram
elaborar um modus operandi das chacinas. Havia uma performatividade
em um jogo de “aparece e esconde”, em que os executores, quando ligados às
polícias, usavam balaclavas, ao mesmo tempo que deixavam o coturno aparecer ou
gritavam “é a polícia!”.
Já em 2019,
no Massacre de Paraisópolis, temos uma chacina em que os agentes de
segurança adentram um território para sufocar um baile funk durante uma Operação Policial.
Entre 2023 e 2024,
as operações Escudo e Verão foram iniciadas após a morte de
agentes de segurança pública. As ações tiveram uma alta letalidade policial,
com indícios de execuções. Essas operações são chacinas policiais legitimadas pelo
Estado, em que os executores não precisam estar fora do horário de trabalho e
encapuzados, como na performatividade anterior. Pois, agora, há por parte do
Estado a legalização das vinganças estatais.
·
Os
grupos de extermínios foram “oficializados” dentro das polícias?
Camila
Vedovello – É difícil chamar o que ocorre hoje como “grupos de
extermínios oficializados”. Acredito que o que acontece hoje é muito mais do
que grupos de extermínio, agrupamentos que se juntam para cometer execuções.
Agora a violência policial e a ação policial pela execução se pulverizaram em
ações cotidianas do policiamento ostensivo. Nesse sentido, o que ocorre
hoje é maior do que grupos de extermínio que já vimos anteriormente, como o
“Esquadrão da Morte”, que atuou durante a ditadura militar, ou os “Highlander”
e o “Eu Sou a Morte” que atuaram mais contemporaneamente.
O Esquadrão da Morte estava ligado
à Polícia Civil e às ações repressivas durante a ditadura. Em suas
ações, o Esquadrão da Morte estabeleceu a métrica de dez civis
executados para cada agente de segurança que fosse atingido ou assassinado.
Mais contemporaneamente, os grupos de extermínio estavam relacionados à
determinados batalhões. Os policiais desses batalhões se organizavam para
realizar execuções. Hoje, a política de segurança pública paulista oficializa a
violência e a letalidade, sem que seja necessário um agrupamento de policiais.
Um policial que acredita que sua ação pode ser violenta se sente, mesmo
sozinho, liberado para agir de forma cruel.
·
A
onda de violência e crueldade policial em diferentes estados tem causas e
fatores semelhantes?
Camila
Vedovello – Existem alguns elementos que compõe a violência policial
brasileira, a primeira delas que podemos citar é o racismo institucionalizado
nas corporações. Trago isso a partir de dados do Anuário 2024,
do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que indicou que, em 2023,
87,2% das vítimas de letalidade policial no Brasil eram negras. Um exemplo de
como a população negra é vista prioritariamente como suspeita e, portanto, mais
vulnerável à violência policial, foi a Ordem de
Serviço da PM de Campinas, que circulou em dezembro de 2012. Ela dizia
textualmente que as abordagens policiais deveriam ter como foco “indivíduos de
cor parda e negra com idade aparentemente de 18 a 25 anos”.
Além do racismo,
cito as vinganças institucionais. Um dos geradores da letalidade policial é a
vingança contra a população civil que reside ou circula em território onde
agentes de segurança foram feridos ou assassinados, esse dado é perceptível em
todo território brasileiro. E, por fim, trago as formas de corrupção policial,
como extorsões, achaques e vendas de proteção a grupos criminais.
Portanto, embora
podemos colocar que existem inúmeras variáveis que podem ser elementos para a
letalidade policial, e que as conflitualidades de cada território são
importantes para compreender como a letalidade policial se desenha em cada
estado e cidade do país, é importante termos que os três elementos: racismo,
vingança institucional e corrupção policial formam uma tríade geradora de
mortes cometidas por agentes de segurança pública em serviço.
·
Práticas
violentas e agressivas de ações policiais trazem maior insegurança do que
segurança à sociedade?
Camila
Vedovello – É interessante notar que ações policiais com emprego de
violência possuem um determinado apoio popular, alicerçado em um populismo
penal. A máxima “bandido bom é bandido morto” é aceita por parcela da
população. A exemplo disso, trago um estudo realizado pelo Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania – Cesec , em 2017, que
entrevistou uma amostra da população carioca para compreender a aderência
social ao “bandido bom é bandido morto”. 37% dos entrevistados concordavam com
essa máxima, e 55% acreditavam ser provável ou muito provável serem vítimas de
violência policial.
As ações policiais
violentas e a letalidade policial não garantem em nada uma maior segurança da
população. Ao contrário, quanto mais violenta for a polícia, mais insegura fica
a sociedade. Uma polícia violenta, costuma
estabelecer a população civil como inimiga interna e pauta as suas ações
através de motes como combate e guerra, que incidem sobre a própria população.
As ditas “guerras”,
como guerra às drogas, geram ações policiais como operações que adentram os
territórios periféricos e racializados de forma ostensiva, causando medo,
ferimentos e mortes dos moradores dessas localidades. As mortes de crianças,
como do menino Ryan, de 4 anos, assassinado no início de novembro,
na Baixada Santista, são exemplos dessas ações.
·
Estados
como a Bahia, governado por forças progressistas nos últimos anos, estão entre
os índices de maior letalidade policial. O que essa realidade indica sobre o
modo como governos de esquerda têm enfrentado a violência e elaborado políticas
de segurança pública?
Camila
Vedovello – Em 2015, ocorreu em Salvador a Chacina do Cabula, em que a PM
executou doze pessoas em um bairro periférico da capital baiana. Naquele
momento, o Estado da Bahia era governado por Rui Costa, que hoje
é ministro da Casa Civil e defendeu à época a atuação dos policiais,
colocando que não haveria ilegalidade na ação que resultou em chacina. O
então governador Rui Costa chegou a fazer a seguinte declaração sobre
a atividade policial: "É como um artilheiro em frente ao gol que tenta decidir,
em alguns segundos, como é que ele vai botar a bola dentro do gol, pra fazer o
gol".
A realidade da alta
letalidade de estados como a Bahia, governado há décadas pela gestão
do PT, nos mostra que os governos brasileiros de esquerda ou progressistas
pautam as políticas de segurança pública em moldes muito parecidos dos governos
de centro e de direita. Não há enfrentamentos diretos à violência policial e à
letalidade policial, assim como as políticas de encarceramento estão conectadas
como encarceramento em massa. É necessário que se rompa com esses modelos e se
pense segurança pública de forma mais ampla do que a ostensividade policial.
·
Há
estados hoje que podem ser considerados exemplos positivos na gestão da
segurança?
Camila
Vedovello – O Brasil, no geral, é um país violento e que possui
uma polícia violenta e letal. Um grande problema que temos em relação à
segurança pública é o baixo índice de esclarecimento dos homicídios.
Um programa de
segurança pública que ganhou a mídia a partir de impactos positivos, foi
o Pacto pela Vida, criado em 2007, em Pernambuco, que tem o objetivo
de reduzir os crimes violentos letais intencionais em 12% ao ano. Embora o
programa tenha logrado êxito nos números de mortes no geral, o
pesquisador Vitor Santos Oliveira atenta para o fato de as Mortes Decorrentes
de Intervenção Policial (MDIP) continuaram aumentando em Pernambuco,
atingindo prioritariamente a população jovem e negra. Ou seja, mesmo em casos
positivos, como o de Pernambuco que reduziu os assassinatos no geral, não
conseguiu tocar de fato na violência policial, que é um tema essencial para
pensar segurança pública.
·
Sua
pesquisa também pontua a relação entre imprensa e polícia. Como isso acontece?
De que modo a imprensa corrobora ou questiona as políticas de segurança pública
e ações violentas por parte da polícia?
Camila
Vedovello – Em minha pesquisa de doutorado, busquei parte dos dados
sobre chacinas em notícias de jornais, além de levantar reportagens sobre a
chacina da torcida organizada Pavilhão Nove, para compreender como essa
violência estava sendo pautada e quais os discursos estatais eram propagados.
De modo geral, é
perceptível que os jornais em seus editoriais, por exemplo, não costumam
questionar as violências policiais. Os questionamentos e pautas sobre
essas violências e letalidade policial são realizadas cotidianamente por um
grupo específico de jornalistas que estão há décadas cobrindo políticas de
segurança pública que se pautam pela violência policial e pela guerra. São
esses poucos e mesmos jornalistas, conhecidos dos pesquisadores da violência e
segurança pública que bancam essa pauta. Os jornais acabam dando um maior destaque
à essas pautas, quando elas extrapolam a cotidianidade.
Mortes decorrentes
de intervenção policial ocorrem todos os dias nas periferias brasileiras,
vitimando o mesmo perfil: homens jovens e negros, considerados “suspeitos”. E
essas mortes são justificadas pela perspectiva de uma guerra
contra às drogas e
o crime, mas que na realidade é uma violência muito direcionada a grupos
sociais racializados. Essas violências pulverizadas não se transformam em
pautas ou são questionadas. Só quando extrapolam o perfil “matável”, aí temos a
pauta e o engajamento dos jornais.
Quando um homem é
jogado de uma ponte por um policial, quando uma dona de casa leva um soco no
rosto dado por um PM, ou quando um
rapaz em surto psiquiátrico é executado com nove tiros no centro da cidade
de São Carlos, como ocorreu há pouco, o questionamento é realizado porque
se quebra a perspectiva de que a ação policial resultou em morte devido a um
confronto próprio da guerra urbana contra às drogas e ao crime. Há um apoio dos
meios de comunicação a essa perspectiva de segurança pública pautada pela
guerra.
·
Segurança
pública deve ser bem mais ampla do que operações policiais. Como avalia a
política e a atuação do governo federal na área?
Camila
Vedovello – Infelizmente, a política de segurança pública do governo
federal caminha no sentido da ampliação da ostensividade das polícias, como a
proposta da PEC da Segurança que visa transformar
a Polícia Rodoviária Federal – PRF em Polícia
Ostensiva Federal, ampliando seus poderes em relação, não só à fiscalização das
rodovias, mas de prestação de auxílio emergencial e temporário para as forças
de segurança estaduais ou distritais.
No caso
da PRF, não podemos nos esquecer de dois eventos recentes em que agentes
dessa instituição estavam envolvidos. O primeiro deles, a tortura e assassinato
de Genivaldo de Jesus
Santos,
por asfixia, em uma rodovia de Umbaúba, no Sergipe, e o segundo
evento foi a participação ativa da PRF na tentativa de golpe de
estado. Ampliar os poderes ostensivos da PRF pode ampliar a
letalidade policial nacional.
A política de
segurança pública federal deveria pautar de forma rígida o esclarecimento dos
homicídios e de desaparecimentos forçados. É urgente ampliar os índices de
elucidação dos homicídios brasileiros, assim como ter um esforço nacional em
relação aos desaparecimentos.
·
A
forma de segurança e justiça galgada no tripé culpa, lei e prisão não está, de
certa forma, esgotada, uma vez que há prisões superlotadas e pouco resultado de
reinserção social? Como avalia este sistema? Há modelos alternativos?
Camila
Vedovello – O encarceramento em massa, que é o modelo de punição
brasileiro, é um fracasso e se mostra extremamente cruel. Nossas prisões estão
superlotadas de homens jovens e negros, com baixa escolaridade. Essa
seletividade penal racista que temos hoje é basilar da política de genocídio da
população negra brasileira. É necessário pautar o desencarceramento e pensar
políticas alternativas à prisão. A pesquisadora Juliana Tonche tem
discutido há bastante tempo a questão da justiça restaurativa.
Precisamos pensar
alternativas à prisão, assim como já se pensa há bastante tempo possibilidades
aos manicômios. O desencarceramento é necessário porque o encarceramento
brasileiro é cruel, é racista e não garante segurança. Ao contrário. É, muitas
vezes, dentro do sistema prisional que os jovens são arregimentados para grupos
criminais. Como diz o Gabriel Feltran, cada jovem que
está atuando no varejo do tráfico que é morto ou encarcerado, é logo
substituído nas ruas por outro e, dentro do sistema penitenciário, esse jovem
tem que se ligar a alguma facção. A prisão produz mais crime e violência no
Brasil e não garante segurança.
·
Como
romper com a lógica da violência, tanto no âmbito policial quanto social?
Camila
Vedovello – Como fui tratando ao longo dessa entrevista, o rompimento
com as lógicas de violência que assolam nossa sociedade, passa por
uma mudança no paradigma de que segurança pública está ligada à lógica da guerra.
É necessário
compreender e tratar sobre como essa guerra está intimamente associada a uma
perspectiva racista, em que os inimigos dessa guerra, são vistos como
matáveis e, que, portanto, podem ser abatidos. Esses inimigos são a população
negra e periférica. Efetivamente, a violência policial, a violência social
e o proibicionismo são construções do racismo brasileiro, que é
extremamente refinado. Se há um combate justo e necessário que temos que
enfrentar para efetivarmos a nossa segurança pública, esse combate é
ao racismo.
Fonte: IHU
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