quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Tereza Cruvinel:  8 de Janeiro - Não esqueceremos jamais

Há dois anos vivíamos o dia mais sombrio da era democrática pós-ditadura. O 8 de janeiro não foi apenas uma ação violenta e sem objetivo claro, perpetrada espontaneamente pela multidão convidada pelas redes sociais para a “festa da Selma”. Isso é o que dizem hoje os bolsonaristas, num esforço para minimizar a gravidade dos fatos que levarão muitos deles à prisão, inclusive Bolsonaro.  O que houve foi uma tentativa de “abolição violenta do Estado de Direito” para reverter o resultado de uma eleição limpa e livre.  Uma tentativa de golpe que nunca esqueceremos.

Esquecendo, estaríamos admitindo a repetição de insurreições golpistas no futuro. Nesta quarta-feira vamos recordar o 8 de janeiro com mais veemência do que no primeiro aniversário, quando houve apenas um ato no Congresso que, embora muito representativo, foi uma manifestação das instituições. A sociedade, perplexa, não foi às ruas repudiar a intentona logo depois do ocorrido, nem fez isso na passagem do primeiro aniversário.

Hoje, além de uma solenidade no Planalto, para a qual o presidente Lula convidou representantes do STF e do Congresso, teremos a sociedade civil abraçando a Praça dos Três Poderes, e um ato público em Araraquara, onde o presidente Lula estava naquele dia, a trabalho, enquanto a turba vandalizava o palácio presidencial, a sede do Legislativo e do Judiciário.  As 21 obras de arte do Palácio que foram destruídas, inclusive o precioso relógio suíço, foram todas restauradas e serão recolocadas nos salões do Planalto.

Passados dois anos, uma pesquisa Quaest nos diz que 86% dos brasileiros condenam o acontecido. Devemos celebrar isso, mas trabalhando para que este repúdio seja mais concreto e se torne unanimidade, bandeira de todos e não só da esquerda. Quando isso acontecer, não haverá espaço para candidatos e partidos que representem ameaça à democracia. Hoje, apesar dos 86%, este espaço ainda existe e ainda é largo.

Não vamos esquecer que eles planejaram nos impor uma nova ditadura civil-militar, e para isso planejaram suspender nossos direitos e garantias constitucionais com um estado de defesa, matar o presidente e o vice eleitos com tiro ou veneno, sequestrar e matar o ministro Alexandre de Morais, do STF,  talvez enforcado, pelas razões que conhecemos.

Não esquecer, neste caso, não é apenas recordar sempre, com palavras e atos.  É identificar os que conceberam e planejaram o golpe, os que o financiaram e os que participaram como seu ativismo. Os integrantes da massa que foram presos naquele dia e levados para a Papuda já foram quase todos julgados e condenados. Agora esperamos pela denúncia dos “cabeças” pelo procurador-geral Paulo Gonet, e entre eles precisam estar Bolsonaro, os  civis de seu grupo e os militares golpistas.

O golpe que eles planejaram não era para ser daquele jeito, mas isso não muda a essência das coisas: houve uma tentativa de golpe. Ao longo de dezembro de 2022 eles foram esquentando o ambiente com arruaças em Brasília no dia da diplomação de Lula e até com a explosão de uma bomba, o que foi impedido a tempo pela polícia. Em algum momento haveria a “hora de agir”, como disse aquele ansioso general Mario Fernandes. Em defesa da ordem e da segurança ameaçadas, Bolsonaro decretaria a GLO, os militares poriam tanques e tropas na rua, e o grupo da operação Punhal Verde e Amarelo sairia matando as autoridades indesejáveis, como Lula, Alckmin e Alexandre de Morais. O ministro Gilmar Mendes esteve na lista e dela foi tirado por Bolsonaro, o que não diz nada contra o ministro mas prova o envolvimento do ex-presidente na trama.

Este plano inicial fracassou, por conta da covardia de Bolsonaro, que preferiu fugir no avião da FAB para os Estados Unidos, dois dias antes do fim de seu mandato e da posse de Lula. O vandalismo de 8 de janeiro foi a tentativa de forçar o golpe mesmo sem a presença de Bolsonaro e sem a adesão dos comandantes militares. Com a tomada terrorista da Esplanada e dos três poderes, que contou com a ação dos kids pretos e de outros militares, estaria criada a situação para a intervenção militar. Um golpe falhou e o outro também, mas isso não muda a essência das coisas.

Como todo mundo sabe, em atitude impulsiva eu fui para Esplanada durante o ataque, filmei e fotografei muita coisa, tentei ouvir muitas pessoas, e acho que algumas eram mesmo só massa de manobra. Depois comecei a ser perseguida, porque já circulava nos grupos de mensagens deles uma foto minha, avisando que eu os estava fotografando para entregá-los à polícia. Numa abordagem tomaram-me um celular com muitas imagens. Em outra, apagaram tudo o que estava gravado em um segundo aparelho. Numa terceira, fui cercada, levei muitos empurrões e caneladas e ameaçaram me levar para algum lugar atrás do Ministério da Defesa. Temi. Fui salva por uma bolsonarista que me conhecia de longa data no Congresso e negociou com eles minha liberação.

Não vamos esquecer o golpe derrotado, mas devemos nos lembrar também de que a extrema direita continua ativa aqui por aqui, e está em ascensão no mundo. Nos próximos dois anos eles estarão se preparando para tentar a retomada da Presidência e para eleger a maioria dos deputados e, principalmente, dos senadores. Para o lugar do inelegível Bolsonaro estão testando alguns nomes: Tarcísio, Caiado, Pablo Marçal e agora Gusttavo Lima.

O Governo Lula, emparedado por setores da mídia, do mercado e da direita parlamentar moderada mas oportunista, não tem conseguido mostrar à maioria social, aos pobres e aos remediados, tudo o que tem feito na economia e no social para tornar o país melhor: crescimento econômico, mais empregos, aumento de renda, redução da pobreza e ampliação da classe média. Mais próximos dos pobres e remediados estão a extrema direita e os evangélicos neopentecostais, gerando esta figura tão bem descrita em livro por Jessé Sousa, o pobre de direita.

Coincidência, neste exato momento Lula muda o comando da comunicação do governo, buscando a reconexão com os mais pobres que sempre garantiram suas eleições, contra candidatos apoiados pela elite econômica. Os próximos dois anos serão ainda mais difíceis.  

¨      Ataques de 8 de janeiro jamais podem ser classificados como liberdade de expressão, diz ministro do GSI

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Marcos Antônio Amaro, afirmou, em entrevista à CNN Brasil, que os atos golpistas de 8 de janeiro jamais poderão ser classificados como liberdades de expressão. O argumento é utilizado por alvos de investigações como uma tentativa de se livrar de condenações e reduzir penas. Os atos não podem, de forma alguma, ser classificados como “liberdade de expressão”, disse o ministro.

Para Amaro, o que aconteceu em 8 de janeiro não foi uma ação promovida pelas Forças Armadas, que, segundo ele, não compactuaram com o golpe. Ele também reforçou que as redes sociais desempenharam um papel crucial na escalada dos eventos. “O mau uso e desinformação em mídias sociais contribuem para a má compreensão da realidade nacional e amplificam a polarização da sociedade”, afirmou o ministro.

Sobre o futuro e a memória dos eventos, o general acredita que o Brasil sempre lembrará do 8 de janeiro, mas ele alertou para a possibilidade de tentativas de reinterpretação histórica. “A realidade é uma só. As visões da realidade diferem de pessoas, de grupos, de polos. É preciso, sempre, buscar a verdade”, afirmou, defendendo que o país não deve cair na tentação de revisitar os eventos com uma visão distorcida. Para ele, a lembrança correta deve ser a de que os atos de 8 de janeiro não foram, de maneira alguma, atitudes democráticas.

Sobre a perspectiva dos próximos eventos e como o país deve reagir, Amaro manteve uma posição firme. “Minha expectativa é positiva. É preciso condenar o 8 de janeiro, qualquer que tenha sido a sua motivação. É importante que se enxergue que aqueles atos não constituíram atitudes democráticas e não serão jamais aceitáveis coisas semelhantes”, disse.

¨      Fachin defende memória sobre o 8 de janeiro e a ação firme da Justiça

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), refletiu sobre os dois anos dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando o STF foi invadido e vandalizado. Fachin destacou que a memória desses eventos deve permanecer viva para impedir que a "infâmia" se repita, como definiu à época a ministra Rosa Weber, então presidente do tribunal.

“O que ocorreu deve ser, simplesmente, inconcebível”, afirmou Fachin. O ministro apontou que a Constituição e a segurança jurídica são os pilares para consolidar o respeito às instituições e que a defesa do Estado Democrático de Direito exige, mesmo que temporariamente, ações firmes para preservar a democracia.

<><> A centralidade da autonomia judicial

Fachin frisou que a independência da magistratura é essencial para o funcionamento do Estado de Direito. "Nenhuma regra na ordem jurídica democrática em vigor autoriza ou permite o uso da força para a conquista do poder", escreveu. Ele também alertou para os ataques ao Judiciário e o risco que isso representa à República, destacando recente posicionamento do presidente da Suprema Corte norte-americana, John G. Roberts Jr., que afirmou: “A violência, a intimidação e o desafio dirigidos aos juízes por causa do seu trabalho minam a nossa República e são totalmente inaceitáveis”.

<><> Democracia como antídoto contra a violência

O artigo defendeu que apenas no ambiente democrático é possível alcançar uma paz verdadeira, uma vez que regimes autoritários oferecem apenas uma "simulação" de estabilidade. Fachin lembrou que a Constituição de 1988 fundamentou o Brasil em valores como a livre manifestação do pensamento, o pluralismo político e a soberania popular expressa pelo voto direto e secreto.

O ministro reconheceu que o país ainda carrega os "sonhos" e as "cinzas" da redemocratização, com objetivos fundamentais da República ainda longe de serem alcançados, como a erradicação da pobreza, a construção de uma sociedade justa e a promoção do bem-estar de todos sem preconceitos. Apesar disso, ele rejeitou qualquer justificativa para o uso da violência contra as instituições.

“Dar concretude aos desígnios de 1988 também supõe segurança e redução da abissal desigualdade social que macula nossa sociedade”, escreveu Fachin, lembrando que a Constituição oferece múltiplas soluções pacíficas para lidar com dissensos.

<><> O chamado à memória e à justiça

O texto encerra com uma reflexão sobre a importância de manter viva a memória dos ataques de 8 de janeiro, não apenas como registro histórico, mas como um alerta. "8 de Janeiro nunca mais", sublinhou Fachin, associando o episódio ao conceito literário de "hápax", algo único que não deve se repetir.

O artigo de Fachin é uma defesa contundente das instituições democráticas, reforçando a necessidade de equilíbrio, sobriedade e compromisso com a justiça, sempre dentro das garantias constitucionais. O ministro conclama a sociedade a respeitar a soberania popular e a trabalhar por um futuro mais justo e habitável.

¨      8/1: Centrais sindicais reforçam defesa da democracia e instituições

As principais centrais sindicais do país emitiram uma nota conjunta em defesa da  democracia e das instituições em alusão aos ataques golpistas do dia 8 de janeiro. "Vivemos, desde 1985, o maior período de democracia, com as instituições  funcionando e os movimentos sindical e popular podendo atuar com liberdade. Entretanto, insistentes reflexos de um passado recente, o bolsonarismo saudoso da ditadura militar, nos alertam para o fato de que a democracia é um sistema em  permanente construção, que deve ser cultivado e aprimorado sempre”, diz um trecho da nota. 

A nota destaca que “os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, partiram de grupos que não aceitaram a eleição de um governo pela maioria dos brasileiros através do voto, esse direito tão duramente conquistado. Eles almejavam impor, de forma autoritária e violenta, uma ordem paralela. Como descobrimos recentemente, estavam articulados com uma grande conspiração cujo objetivo era repetir o abominável golpe de 1º de abril de 1964”.

Ainda conforme os movimentos, “é preciso fortalecer os partidos políticos, o movimento social, as organizações de trabalhadores e as instituições que organizam nosso país. Mesmo com todos os desafios que ela apresenta, só em uma democracia podemos lutar e conquistar juntos a valorização do trabalho e o avanço social e  humano”.

>>>> Leia a íntegra da nota. 

“Há quarenta anos, a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em janeiro de  1985, inaugurava um novo período para o Brasil e seu povo trabalhador: a  redemocratização. Embora eleito por via indireta, Tancredo foi o primeiro presidente  civil após o golpe de 1964. Sua eleição marcou o fim da ditadura militar brasileira.

Hoje, 8 de janeiro de 2025, resgatar esta memória reforça nossa consciência sobre o  valor de vivermos em um país onde a população é livre para se organizar, para se  expressar, para reivindicar mais direitos e melhores condições de vida.

Vivemos, desde 1985, o maior período de democracia, com as instituições funcionando e os movimentos sindical e popular podendo atuar com liberdade.

Entretanto, insistentes reflexos de um passado recente, o bolsonarismo saudoso da  ditadura militar, nos alertam para o fato de que a
democracia é um sistema em  permanente construção, que deve ser cultivado e aprimorado sempre.

Os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, partiram de grupos que  não aceitaram a eleição de um governo pela maioria dos brasileiros através do voto,  esse direito tão duramente conquistado. Eles almejavam impor, de forma autoritária  e violenta, uma ordem paralela. Como descobrimos recentemente, estavam  articulados com uma grande conspiração cujo objetivo era repetir o abominável  golpe de 1º de abril de 1964.

As instituições democráticas falaram mais alto e, naquele momento, agiram para debelar a usurpação de poder que assombrava a capital federal.

Todos nós devemos nos envolver nesta causa que é a defesa da democracia, sem relativizá-la em falsas interpretações. É preciso fortalecer os partidos políticos, o movimento social, as organizações de trabalhadores e as instituições que organizam nosso país. Mesmo com todos os desafios que ela apresenta, só em uma democracia podemos lutar e conquistar juntos a valorização do trabalho e o avanço social e humano.

Sem anistia aos golpistas! Não passarão!

Viva os trabalhadores e as trabalhadoras! Viva a democracia!

São Paulo, 8 de janeiro de 2025

<><> Assinam:

Sérgio Nobre, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores)

Miguel Torres, presidente da Força Sindical

Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores)

Adilson Araújo, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do 

Brasil)

Moacyr Tesch Auersvald, presidente da NCST (Nova Central Sindical de 

Trabalhadores)

Antonio Neto, presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros)

Nilza Pereira, secretária-geral da Intersindical

José Gozze, presidente da Pública”

 

Fonte: Brasil 247

 

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