Tereza
Cruvinel: 8 de Janeiro - Não esqueceremos jamais
Há dois anos vivíamos o dia
mais sombrio da era democrática pós-ditadura. O 8 de janeiro não foi apenas uma
ação violenta e sem objetivo claro, perpetrada espontaneamente pela multidão
convidada pelas redes sociais para a “festa da Selma”. Isso é o que dizem hoje
os bolsonaristas, num esforço para minimizar a gravidade dos fatos que levarão
muitos deles à prisão, inclusive Bolsonaro. O que houve foi uma tentativa
de “abolição violenta do Estado de Direito” para reverter o resultado de uma
eleição limpa e livre. Uma tentativa de golpe que nunca esqueceremos.
Esquecendo, estaríamos
admitindo a repetição de insurreições golpistas no futuro. Nesta quarta-feira
vamos recordar o 8 de janeiro com mais veemência do que no primeiro
aniversário, quando houve apenas um ato no Congresso que, embora muito
representativo, foi uma manifestação das instituições. A sociedade, perplexa,
não foi às ruas repudiar a intentona logo depois do ocorrido, nem fez isso na passagem
do primeiro aniversário.
Hoje, além de uma solenidade
no Planalto, para a qual o presidente Lula convidou representantes do STF e do
Congresso, teremos a sociedade civil abraçando a Praça dos Três Poderes, e um
ato público em Araraquara, onde o presidente Lula estava naquele dia, a
trabalho, enquanto a turba vandalizava o palácio presidencial, a sede do
Legislativo e do Judiciário. As 21 obras de arte do Palácio que foram
destruídas, inclusive o precioso relógio suíço, foram todas restauradas e serão
recolocadas nos salões do Planalto.
Passados dois anos, uma
pesquisa Quaest nos diz que 86% dos brasileiros condenam o acontecido. Devemos
celebrar isso, mas trabalhando para que este repúdio seja mais concreto e se
torne unanimidade, bandeira de todos e não só da esquerda. Quando isso
acontecer, não haverá espaço para candidatos e partidos que representem ameaça
à democracia. Hoje, apesar dos 86%, este espaço ainda existe e ainda é largo.
Não vamos esquecer que eles
planejaram nos impor uma nova ditadura civil-militar, e para isso planejaram
suspender nossos direitos e garantias constitucionais com um estado de defesa,
matar o presidente e o vice eleitos com tiro ou veneno, sequestrar e matar o
ministro Alexandre de Morais, do STF, talvez enforcado, pelas razões que
conhecemos.
Não esquecer, neste caso,
não é apenas recordar sempre, com palavras e atos. É identificar os que
conceberam e planejaram o golpe, os que o financiaram e os que participaram
como seu ativismo. Os integrantes da massa que foram presos naquele dia e
levados para a Papuda já foram quase todos julgados e condenados. Agora
esperamos pela denúncia dos “cabeças” pelo procurador-geral Paulo Gonet, e
entre eles precisam estar Bolsonaro, os civis de seu grupo e os militares
golpistas.
O golpe que eles planejaram
não era para ser daquele jeito, mas isso não muda a essência das coisas: houve
uma tentativa de golpe. Ao longo de dezembro de 2022 eles foram esquentando o
ambiente com arruaças em Brasília no dia da diplomação de Lula e até com a explosão
de uma bomba, o que foi impedido a tempo pela polícia. Em algum momento haveria
a “hora de agir”, como disse aquele ansioso general Mario Fernandes. Em defesa
da ordem e da segurança ameaçadas, Bolsonaro decretaria a GLO, os militares
poriam tanques e tropas na rua, e o grupo da operação Punhal Verde e Amarelo
sairia matando as autoridades indesejáveis, como Lula, Alckmin e Alexandre de
Morais. O ministro Gilmar Mendes esteve na lista e dela foi tirado por
Bolsonaro, o que não diz nada contra o ministro mas prova o envolvimento do
ex-presidente na trama.
Este plano inicial
fracassou, por conta da covardia de Bolsonaro, que preferiu fugir no avião da
FAB para os Estados Unidos, dois dias antes do fim de seu mandato e da posse de
Lula. O vandalismo de 8 de janeiro foi a tentativa de forçar o golpe mesmo sem
a presença de Bolsonaro e sem a adesão dos comandantes militares. Com a tomada
terrorista da Esplanada e dos três poderes, que contou com a ação dos kids
pretos e de outros militares, estaria criada a situação para a intervenção
militar. Um golpe falhou e o outro também, mas isso não muda a essência das
coisas.
Como todo mundo sabe, em
atitude impulsiva eu fui para Esplanada durante o ataque, filmei e fotografei
muita coisa, tentei ouvir muitas pessoas, e acho que algumas eram mesmo só
massa de manobra. Depois comecei a ser perseguida, porque já circulava nos
grupos de mensagens deles uma foto minha, avisando que eu os estava
fotografando para entregá-los à polícia. Numa abordagem tomaram-me um celular
com muitas imagens. Em outra, apagaram tudo o que estava gravado em um segundo
aparelho. Numa terceira, fui cercada, levei muitos empurrões e caneladas e
ameaçaram me levar para algum lugar atrás do Ministério da Defesa. Temi. Fui
salva por uma bolsonarista que me conhecia de longa data no Congresso e
negociou com eles minha liberação.
Não vamos esquecer o golpe
derrotado, mas devemos nos lembrar também de que a extrema direita continua
ativa aqui por aqui, e está em ascensão no mundo. Nos próximos dois anos eles
estarão se preparando para tentar a retomada da Presidência e para eleger a
maioria dos deputados e, principalmente, dos senadores. Para o lugar do
inelegível Bolsonaro estão testando alguns nomes: Tarcísio, Caiado, Pablo
Marçal e agora Gusttavo Lima.
O Governo Lula, emparedado
por setores da mídia, do mercado e da direita parlamentar moderada mas
oportunista, não tem conseguido mostrar à maioria social, aos pobres e aos
remediados, tudo o que tem feito na economia e no social para tornar o país melhor:
crescimento econômico, mais empregos, aumento de renda, redução da pobreza e
ampliação da classe média. Mais próximos dos pobres e remediados estão a
extrema direita e os evangélicos neopentecostais, gerando esta figura tão bem
descrita em livro por Jessé Sousa, o pobre de direita.
Coincidência, neste exato
momento Lula muda o comando da comunicação do governo, buscando a reconexão com
os mais pobres que sempre garantiram suas eleições, contra candidatos apoiados
pela elite econômica. Os próximos dois anos serão ainda mais difíceis.
¨ Ataques de
8 de janeiro jamais podem ser classificados como liberdade de expressão, diz
ministro do GSI
O ministro do Gabinete de
Segurança Institucional, general Marcos Antônio Amaro, afirmou, em entrevista à CNN Brasil, que os atos golpistas de 8
de janeiro jamais poderão ser classificados como liberdades de expressão. O
argumento é utilizado por alvos de investigações como uma tentativa de se
livrar de condenações e reduzir penas. Os atos não podem, de forma alguma, ser
classificados como “liberdade de expressão”, disse o ministro.
Para Amaro, o que aconteceu
em 8 de janeiro não foi uma ação promovida pelas Forças Armadas, que, segundo
ele, não compactuaram com o golpe. Ele também reforçou que as redes sociais
desempenharam um papel crucial na escalada dos eventos. “O mau uso e
desinformação em mídias sociais contribuem para a má compreensão da realidade
nacional e amplificam a polarização da sociedade”, afirmou o ministro.
Sobre o futuro e a memória
dos eventos, o general acredita que o Brasil sempre lembrará do 8 de janeiro,
mas ele alertou para a possibilidade de tentativas de reinterpretação
histórica. “A realidade é uma só. As visões da realidade diferem de pessoas, de
grupos, de polos. É preciso, sempre, buscar a verdade”, afirmou, defendendo que
o país não deve cair na tentação de revisitar os eventos com uma visão
distorcida. Para ele, a lembrança correta deve ser a de que os atos de 8 de
janeiro não foram, de maneira alguma, atitudes democráticas.
Sobre a perspectiva dos
próximos eventos e como o país deve reagir, Amaro manteve uma posição firme.
“Minha expectativa é positiva. É preciso condenar o 8 de janeiro, qualquer que
tenha sido a sua motivação. É importante que se enxergue que aqueles atos não
constituíram atitudes democráticas e não serão jamais aceitáveis coisas
semelhantes”, disse.
¨ Fachin defende
memória sobre o 8 de janeiro e a ação firme da Justiça
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo,
o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), refletiu sobre os
dois anos dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando o STF foi invadido
e vandalizado. Fachin destacou que a memória desses eventos deve permanecer
viva para impedir que a "infâmia" se repita, como definiu à época a
ministra Rosa Weber, então presidente do tribunal.
“O que ocorreu
deve ser, simplesmente, inconcebível”, afirmou Fachin. O ministro apontou que a
Constituição e a segurança jurídica são os pilares para consolidar o respeito
às instituições e que a defesa do Estado Democrático de Direito exige, mesmo
que temporariamente, ações firmes para preservar a democracia.
<><> A centralidade da
autonomia judicial
Fachin frisou
que a independência da magistratura é essencial para o funcionamento do Estado
de Direito. "Nenhuma regra na ordem jurídica democrática em vigor autoriza
ou permite o uso da força para a conquista do poder", escreveu. Ele também
alertou para os ataques ao Judiciário e o risco que isso representa à
República, destacando recente posicionamento do presidente da Suprema Corte
norte-americana, John G. Roberts Jr., que afirmou: “A violência, a intimidação
e o desafio dirigidos aos juízes por causa do seu trabalho minam a nossa
República e são totalmente inaceitáveis”.
<><> Democracia como
antídoto contra a violência
O artigo
defendeu que apenas no ambiente democrático é possível alcançar uma paz
verdadeira, uma vez que regimes autoritários oferecem apenas uma
"simulação" de estabilidade. Fachin lembrou que a Constituição de
1988 fundamentou o Brasil em valores como a livre manifestação do pensamento, o
pluralismo político e a soberania popular expressa pelo voto direto e secreto.
O ministro
reconheceu que o país ainda carrega os "sonhos" e as
"cinzas" da redemocratização, com objetivos fundamentais da República
ainda longe de serem alcançados, como a erradicação da pobreza, a construção de
uma sociedade justa e a promoção do bem-estar de todos sem preconceitos. Apesar
disso, ele rejeitou qualquer justificativa para o uso da violência contra as
instituições.
“Dar
concretude aos desígnios de 1988 também supõe segurança e redução da abissal
desigualdade social que macula nossa sociedade”, escreveu Fachin, lembrando que
a Constituição oferece múltiplas soluções pacíficas para lidar com dissensos.
<><> O chamado à memória
e à justiça
O texto
encerra com uma reflexão sobre a importância de manter viva a memória dos
ataques de 8 de janeiro, não apenas como registro histórico, mas como um
alerta. "8 de Janeiro nunca mais", sublinhou Fachin, associando o
episódio ao conceito literário de "hápax", algo único que não deve se
repetir.
O artigo de
Fachin é uma defesa contundente das instituições democráticas, reforçando a
necessidade de equilíbrio, sobriedade e compromisso com a justiça, sempre
dentro das garantias constitucionais. O ministro conclama a sociedade a
respeitar a soberania popular e a trabalhar por um futuro mais justo e
habitável.
¨ 8/1:
Centrais sindicais reforçam defesa da democracia e instituições
As principais centrais
sindicais do país emitiram uma nota conjunta em defesa da democracia e
das instituições em alusão aos ataques golpistas do dia 8 de janeiro.
"Vivemos, desde 1985, o maior período de democracia, com as instituições
funcionando e os movimentos sindical e popular podendo atuar com
liberdade. Entretanto, insistentes reflexos de um passado recente, o
bolsonarismo saudoso da ditadura militar, nos alertam para o fato de que a
democracia é um sistema em permanente construção, que deve ser cultivado
e aprimorado sempre”, diz um trecho da nota.
A nota destaca que “os
ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, partiram de grupos que
não aceitaram a eleição de um governo pela maioria dos brasileiros através do
voto, esse direito tão duramente conquistado. Eles almejavam impor, de forma autoritária
e violenta, uma ordem paralela. Como descobrimos recentemente, estavam
articulados com uma grande conspiração cujo objetivo era repetir o abominável
golpe de 1º de abril de 1964”.
Ainda conforme os
movimentos, “é preciso fortalecer os partidos políticos, o movimento social, as
organizações de trabalhadores e as instituições que organizam nosso país. Mesmo
com todos os desafios que ela apresenta, só em uma democracia podemos lutar e
conquistar juntos a valorização do trabalho e o avanço social e humano”.
>>>> Leia a
íntegra da nota.
“Há quarenta anos, a eleição
de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, em janeiro de 1985, inaugurava
um novo período para o Brasil e seu povo trabalhador: a redemocratização.
Embora eleito por via indireta, Tancredo foi o primeiro presidente civil
após o golpe de 1964. Sua eleição marcou o fim da ditadura militar brasileira.
Hoje, 8 de janeiro de 2025,
resgatar esta memória reforça nossa consciência sobre o valor de vivermos
em um país onde a população é livre para se organizar, para se expressar,
para reivindicar mais direitos e melhores condições de vida.
Vivemos, desde 1985, o maior
período de democracia, com as instituições funcionando e os movimentos sindical
e popular podendo atuar com liberdade.
Entretanto, insistentes
reflexos de um passado recente, o bolsonarismo saudoso da ditadura
militar, nos alertam para o fato de que a
democracia é um sistema em permanente construção, que deve ser cultivado
e aprimorado sempre.
Os ataques golpistas de 8 de
janeiro de 2023, em Brasília, partiram de grupos que não aceitaram a
eleição de um governo pela maioria dos brasileiros através do voto, esse
direito tão duramente conquistado. Eles almejavam impor, de forma autoritária
e violenta, uma ordem paralela. Como descobrimos recentemente, estavam
articulados com uma grande conspiração cujo objetivo era repetir o
abominável golpe de 1º de abril de 1964.
As instituições democráticas
falaram mais alto e, naquele momento, agiram para debelar a usurpação de poder
que assombrava a capital federal.
Todos nós devemos nos
envolver nesta causa que é a defesa da democracia, sem relativizá-la em falsas
interpretações. É preciso fortalecer os partidos políticos, o movimento social,
as organizações de trabalhadores e as instituições que organizam nosso país.
Mesmo com todos os desafios que ela apresenta, só em uma democracia podemos
lutar e conquistar juntos a valorização do trabalho e o avanço social e humano.
Sem anistia aos golpistas!
Não passarão!
Viva os trabalhadores e as
trabalhadoras! Viva a democracia!
São Paulo, 8 de janeiro de
2025
<><> Assinam:
Sérgio Nobre, presidente da
CUT (Central Única dos Trabalhadores)
Miguel Torres, presidente da
Força Sindical
Ricardo Patah, presidente da
UGT (União Geral dos Trabalhadores)
Adilson Araújo, presidente
da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil)
Moacyr Tesch Auersvald,
presidente da NCST (Nova Central Sindical de
Trabalhadores)
Antonio Neto, presidente da
CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros)
Nilza Pereira, secretária-geral
da Intersindical
José Gozze, presidente da
Pública”
Fonte: Brasil 247
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