3 questões-chave
para os rumos da economia da América Latina em 2025
Decisões tomadas em
Washington ou Pequim têm repercussões a milhares de quilômetros de distância.
É assim na América
Latina, cujos maiores parceiros comerciais são os Estados Unidos e a China.
Em 2025, a maior
incerteza econômica para a América Latina promete vir dos EUA, com a volta
de Donald Trump à Casa Branca em 20
de janeiro.
Ele vai começar
uma nova guerra
comercial com
a China? Vai deportar milhões de imigrantes
latino-americanos em situação migratória irregular? Ele vai impor tarifas sobre
produtos do México?
Estas foram algumas
das promessas do
republicano, mas não está claro se ele irá realmente implementá-las, nem qual
seria o seu alcance.
Outro grande fator
de incerteza é o que acontecerá com a desaceleração da economia chinesa, uma das maiores
compradoras de matérias-primas do mundo — e da América Latina.
No plano interno de
cada país da região, também existem grandes incógnitas, como os resultados
da política econômica
de Javier Milei na Argentina, o rumo que o governo de Claudia Sheinbaum
tomará no México em
seu primeiro ano e as consequências de atritos entre a
condução da economia pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva e agentes do
mercado no Brasil.
Embora as projeções
do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontem para um crescimento moderado de
2,5% para a América Latina em 2025, os dados indicam que a inflação está caindo
gradualmente na região, desde as impressionantes cifras resultantes da pandemia de
covid-19.
No que diz respeito
às eleições presidenciais, as grandes economias da região não vão às urnas em
2025, mas Equador, Bolívia, Chile e Honduras irão — em eleições que vale a pena
prestar atenção devido ao seu potencial efeito nas perspectivas econômicas.
<><> A
seguir, confira 3 questões cruciais que prometem marcar o cenário econômico
latino-americano em 2025.
·
1.
As decisões de Donald Trump
Uma potencial
batalha tarifária promovida pelo presidente eleito dos Estados Unidos é um dos
grandes temas que estarão na agenda de 2025.
Trump prometeu no
final de novembro que, por meio de uma ordem executiva no primeiro dia de
mandato, imporia tarifas sobre produtos provenientes do Canadá, do México e da
China.
A tarifa seria de
10% para produtos chineses e gigantescos 25% para produtos mexicanos e
canadenses, segundo suas declarações.
"Esta tarifa
permanecerá em vigor até que as drogas, especialmente o fentanil, e todos os imigrantes ilegais
ponham fim a esta invasão do nosso país!", escreveu Trump na rede Truth
Social há algumas semanas.
Alguns economistas,
como Gerardo Esquivel, acadêmico da Universidade Nacional Autônoma do México
(UNAM), acreditam que é muito difícil que este anúncio se concretize.
"É um apelo
para iniciar uma negociação com vantagem", disse ele à BBC News Mundo
(serviço em espanhol da BBC).
Se fossem aplicadas
tarifas, diz ele, haveria efeitos muito negativos para todas as economias
envolvidas.
Joan Domene,
economista-chefe para a América Latina da consultoria Oxford Economics, também
não vê no futuro uma possível aplicação generalizada de tarifas a todos os
produtos mexicanos.
Se algo se
concretizar, seriam "tarifas em setores estratégicos muito
específicos", diz.
Poderiam incidir,
por exemplo, sobre o aço, o alumínio e alguns produtos agrícolas.
A explicação é de
que, desde que não incidam sobre todos os produtos, é pouco provável que tenham
um efeito negativo na economia como um todo.
O que Trump pode
conseguir, aponta Domene, é aumentar a pressão sobre o governo mexicano e
"obter concessões" em questões como a renegociação do acordo
comercial Estados Unidos – México – Canadá (USMCA, na sigla em inglês) e as
políticas de imigração.
Do ponto de vista
dos investimentos, até que as nuvens sobre a questão tarifária sejam
dissipadas, é possível que alguns projetos sejam afetados.
Felipe Hernández,
economista para a América Latina da Bloomberg Economics, cita que, por exemplo,
algumas empresas norte-americanas com planos de investir no México estão
adiando esses projetos.
"A incerteza
atrapalha as decisões de investimento", disse Hernández.
·
2.
A incógnita China
A China, principal
parceiro comercial de vários países
sul-americanos,
viu seu crescimento historicamente rápido desacelerar.
Os consumidores
chineses estão comprando menos, as grandes empresas reduziram salários e
contratações, o mercado imobiliário continua numa crise profunda e milhões de
pessoas com diploma universitário enfrentam grandes dificuldades para
conseguir trabalho.
Como isso afeta a
América Latina? Basicamente, a região foi e continua a ser um grande exportador
de matérias-primas para a China.
Quando a China teve
um boom imobiliário e o país crescia a todo vapor, a sua economia
estava sedenta por soja, aço, cobre e muitas outras matérias-primas
latino-americanas.
Recentemente, essa
procura diminuiu e os seus efeitos têm sido sentidos na região.
No entanto, alguns
especialistas acreditam que o governo de Xi Jinping tomará
medidas para melhorar a economia em 2025.
"Nossa equipe
econômica espera que Pequim faça um esforço bastante grande para tentar
sustentar o crescimento através de estímulos fiscais e monetários", disse
Felipe Hernández.
É possível que o
governo chinês dê subsídios às indústrias e ao setor da construção,
exemplificou Domene.
Fazer isso,
acrescentou, "poderia aumentar artificialmente essa demanda, mesmo no caso
de uma guerra comercial com os Estados Unidos".
Mas se Washington e
Pequim entrarem numa batalha comercial, poderá ocorrer uma espécie de efeito
cascata para a América Latina, alertam alguns analistas, devido à forte ligação
comercial entre a região e ambos países.
·
3.
Os desafios internos das maiores economias da região
A América Latina
começa 2025 com o desafio de aumentar o seu crescimento econômico.
Numa região com
elevados níveis de pobreza e desigualdade, e onde metade da
população trabalha no mercado informal, o crescimento econômico — inclusivo e
sustentável — é considerado um elemento-chave,
Muitos especialistas,
porém, avaliam que um crescimento próximo de 2,4% ou 2,5% este ano, como
previsto, não será suficiente para as necessidades da região.
"A baixa taxa
de criação de empregos, a elevada informalidade e as significativas
disparidades de gênero nos mercados de trabalho da região persistirão",
afirmou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em um
relatório publicado em dezembro.
Do lado da política
monetária, muitos bancos centrais latino-americanos têm reduzido gradualmente
as taxas de juros, para que o custo dos empréstimos não sejam tão elevados.
No Brasil, porém, o
caminho tem sido o oposto: desde setembro de
2024, a taxa básica Selic está aumentando e há expectativa de mais altas
nos primeiros meses de 2025.
De acordo com o
boletim Focus, do Banco Central, publicado em 27 de dezembro de 2024, analistas
projetam que a Selic encerre 2025 em 14,75% ao ano — ante 11,75% ao fim de 2024
Outra grande
questão, além do emprego, é a inflação, uma das maiores preocupações da
população.
Sobre este assunto,
os especialistas acreditam que a inflação continuará a
diminuir na América Latina.
No Brasil, a
projeção dos analistas levantada pelo último boletim Focus divulgado em
dezembro é de uma alta na inflação de 4,96% no próximo ano.
Os bancos centrais
têm lutado para controlar o surto inflacionário que varreu o mundo após a
pandemia. No início, muitos aumentaram as taxas a todo vapor e depois entraram
em um ciclo restritivo.
Apesar disso, as
taxas ainda estão acima de um nível considerado "desejável" em muitas
economias latino-americanas.
"A inflação
está voltando a níveis controlados, embora todos digam que as coisas ainda
estão muito caras. O que acontece é que a velocidade com que [os itens]
aumentaram nos últimos anos diminuiu significativamente", disse Domene.
Depois de atingir
um máximo de 8,2% na região em 2022, a inflação aproxima-se agora de um índice
de 3,4% em 2024, segundo a Cepal, que destaca uma tendência de queda.
No entanto, o risco
inflacionário poderia vir principalmente da taxa de câmbio, destacou Hernández,
uma vez que as moedas regionais poderiam desvalorizar-se face ao dólar em 2025, o
que tornaria os produtos importados mais caros.
Um dos grandes
problemas que as economias latino-americanas devem enfrentar em 2025, segundo
especialistas, é a falta de arrecadação para os cofres públicos, especialmente
em países como Colômbia e México.
Para resolver este
problema, tanto Sheinbaum no México como Lula no Brasil têm
ajustes fiscais nos
seus planos para tentar evitar uma maior deterioração das contas públicas.
Com pouco dinheiro
nos cofres públicos e um elevado nível de dívida, será provavelmente difícil
para os governos resistirem às pressões políticas para aumentarem os gastos e
responderem às demandas sociais de milhões de pessoas sucumbindo à pobreza.
Apesar de tudo, e
embora as consequências negativas da pandemia ainda estejam presentes, 2025 não
parece tão complicado na economia latino-americana como os anos anteriores,
segundo os analistas.
¨ América Latina é palco da disputa de Trump contra a
China
O primeiro governo
de Donald Trump (2017–2021) mostrou que ele tinha dois importantes inimigos
públicos: a China e as migrações irregulares de latino-americanos para os
Estados Unidos. No Project 2025, documento com
propostas de governo produzido pela Heritage Foundation, que tende a servir de
base do segundo mandato do republicano, esses dois inimigos são reforçados.
Porém, dessa vez, a América Latina figura como um espaço de disputa por
influência entre os Estados Unidos e a China.
O Project 2025
alega que a China está conquistando a América Latina por meio de empréstimos e
investimentos que, desde 2005, já teriam ultrapassado US$ 240 bilhões, seja via
entidades estatais ou não. Para os conservadores, a entrada de países
latino-americanos na Nova Rota da Seda é um risco à
segurança nacional estadunidense, pois a China poderia extrair e comprar mais
barato recursos naturais, conseguir apoio político e diplomático para isolar
Taiwan e obter acesso a portos e bases para fins militares. Em novembro de
2024, o presidente chinês, Xi Jinping, esteve no Peru para inaugurar o Porto de Chancay, construído com
financiamento da estatal chinesa Cosco Shipping Company, totalizando US$3,4
bilhões. O objetivo: reduzir de 40 para 28 dias o transporte de mercadorias
entre o Peru e a Ásia.
O Project 2025 faz
críticas ao governo democrata de Joe Biden (2021–2025), afirmando que suas “políticas climáticas progressistas”
destruíram a rentável indústria petrolífera da América Latina, reduzindo as
receitas de exportação e promovendo instabilidade econômica e política. Segundo
eles, com a região em crise, a China se aproveitaria para expandir seus
negócios e afastar as nações latino-americanas dos Estados Unidos. Além do
negacionismo climático, esse argumento conservador é falso.
Conforme relatório de 2023 da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a queda na produção de
petróleo se deu por lacunas de investimento; aumento na competição
internacional; variação da demanda internacional; e queda do superávit do setor
na região.
Ademais, a queda do
preço do petróleo globalmente fez a região investir mais em energia renovável
para reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis.
Tentando reverter a
perda de influência estadunidense na América Latina, a iniciativa conservadora
defende que o segundo governo de Trump utilize a Agência dos Estados Unidos
para o Desenvolvimento Internacional (USAID). A USAID deve priorizar investimentos em
projetos pró-democracia e livre-mercado; tecnologia 5G; desenvolvimento
tecnológico; e prevenção da pesca ilegal chinesa.
Ademais,
argumenta-se pelo aumento do financiamento a atores locais, especialmente
entidades religiosas, voltadas para funcionarem como uma barreira à “promoção
do aborto, radicalismo de gênero, extremismo climático e outras ideias woke”. A pauta
reprodutiva, conforme o Project 2025, é fundamental para a região, pois as ONGs
que receberem ajuda financeira da USAID devem priorizar as agendas antiaborto,
anti-LGBT e econômicas pró-EUA.
Por considerar a
América Latina uma região crucial para a segurança dos EUA, por sua proximidade
geográfica e riquezas naturais, o Project 2025 sugere que Trump, via USAID,
também invista em projetos de reformas do Judiciário para ser mais “funcional”
(não há especificação do que isso significa); promoção de reformas trabalhistas
e previdenciárias; e redução de impostos e de regulamentação do comércio para
ampliar trocas com os EUA, pois, assim, a região poderia encontrar
“estabilidade econômica e política”. Adicionalmente, o projeto indica que
“ideias socialistas” devem ser desafiadas por capturarem governos e juventudes.
Um dos caminhos
para isso está no financiamento de universidades e think tanks pró-livre
mercado e que “defendem ideias democráticas” e transferência de seu portfólio
financeiro e tecnológico para organizações latino-americanas até 2030. Sim, o
documento afirma categoricamente que os EUA devem investir em atores locais
para desestabilizar governos de esquerda. Não, não estamos na Guerra Fria e no
período de financiamento de ditaduras militares, mas sim, em 2025, com as
mesmas ideias de intervenção em busca do fantasma do comunismo —e isso é dito
abertamente.
<><> A
falácia migratória
Quanto às
migrações, o Project 2025 enfatiza que as fronteiras devem ser “seguras”, e os
fluxos, “controlados”, pois a entrada “ilimitada de mão de obra barata”
reduziria os salários dos trabalhadores estadunidenses. Segundo dados do Banco
Mundial, durante a gestão Trump (2017–2021), o PIB per capita dos Estados
Unidos teve média de US$ 63.384, enquanto no governo Biden (com dados até
2023), o valor foi de US$ 77.374.
Dados de desemprego da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também
desmentem os conservadores, pois Biden assumiu em janeiro de 2021 com o
desemprego em queda, em 6,1%. Seu mandato conseguiu permanecer abaixo de 4% em
boa parte do quadriênio e obteve 3,4% em abril de 2023, o menor valor da série
histórica da OCDE desde janeiro de 2005. Ou seja, migração não promove perda de
renda e desemprego nos EUA.
Ainda assim, o
Project 2025 insiste na teoria conspiratória com base no supremacismo branco de
que as migrações destroem a economia e a sociedade estadunidenses. Eles acusam
Wall Street, empresários de tecnologia do Vale do Silício e grandes varejistas
de serem pró-migração para reduzir salários e lucrarem mais com “trabalhadores
baratos latino-americanos”.
Outrossim, defendem
que os EUA transfiram suas cadeias globais de produção da Ásia para a América
Latina e para o país em si, recorrendo a um novo ciclo de industrialização para
garantir empregos e renda, além de infringir perdas econômicas à Ásia. Os
negócios ampliados na América Latina reduziriam a pobreza, o que, segundo eles,
tornaria a migração para os EUA menos atrativa.
A China não é a
única inimiga na América Latina, pois países da região são citados como ameaça
à segurança regional, devido ao narcotráfico, e vulneráveis a potências hostis,
como a China, Irã e Rússia, sendo eles: Colômbia, Equador, Guiana e Venezuela.
O México surge como um país que perdeu sua soberania para o narcotráfico e que
precisa ser protegido. Segundo o Project 2025, Trump deve retomar a
implementação do programa “Remain in Mexico” (“Permaneça no
México”), que determina que o país será responsável por acolher migrantes para
os EUA; lutar contra narcotraficantes de
fentanil que seriam aliados da China (que forneceria matéria-prima e
equipamentos), influenciando na letal epidemia de drogas contra americanos.
Ademais, a defesa
da construção do muro na fronteira
EUA-México é
renovada, mas com a inserção de militares da ativa e guardas nacionais
(convocadas por governadores republicanos) para prender migrantes na fronteira,
supostamente contrabandistas de fentanil. Nesse contexto, o Departamento de
Segurança Interna tem seu papel reforçado.
O Project 2025 não
aborda a luta contra a demanda por drogas, mas menciona a intervenção no México
e no suposto financiamento chinês ao fentanil como maneira de suprimir a
oferta. Em diversas passagens, a China aparece como a inimiga desestabilizadora
da América Latina, seja com dinheiro, seja com homens armados na fronteira. O
que vemos como discurso norteador para o mandato Trump 2.0 é, portanto, a
utilização de um rival geopolítico como argumento para intervenções ilegais na
região.
Fonte: BBC News
Mundo/The Conversation Brasil
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