quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

3 questões-chave para os rumos da economia da América Latina em 2025

Decisões tomadas em Washington ou Pequim têm repercussões a milhares de quilômetros de distância.

É assim na América Latina, cujos maiores parceiros comerciais são os Estados Unidos e a China.

Em 2025, a maior incerteza econômica para a América Latina promete vir dos EUA, com a volta de Donald Trump à Casa Branca em 20 de janeiro.

Ele vai começar uma nova guerra comercial com a China? Vai deportar milhões de imigrantes latino-americanos em situação migratória irregular? Ele vai impor tarifas sobre produtos do México?

Estas foram algumas das promessas do republicano, mas não está claro se ele irá realmente implementá-las, nem qual seria o seu alcance.

Outro grande fator de incerteza é o que acontecerá com a desaceleração da economia chinesa, uma das maiores compradoras de matérias-primas do mundo — e da América Latina.

No plano interno de cada país da região, também existem grandes incógnitas, como os resultados da política econômica de Javier Milei na Argentina, o rumo que o governo de Claudia Sheinbaum tomará no México em seu primeiro ano e as consequências de atritos entre a condução da economia pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva e agentes do mercado no Brasil.

Embora as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontem para um crescimento moderado de 2,5% para a América Latina em 2025, os dados indicam que a inflação está caindo gradualmente na região, desde as impressionantes cifras resultantes da pandemia de covid-19.

No que diz respeito às eleições presidenciais, as grandes economias da região não vão às urnas em 2025, mas Equador, Bolívia, Chile e Honduras irão — em eleições que vale a pena prestar atenção devido ao seu potencial efeito nas perspectivas econômicas.

<><> A seguir, confira 3 questões cruciais que prometem marcar o cenário econômico latino-americano em 2025.

·        1. As decisões de Donald Trump

Uma potencial batalha tarifária promovida pelo presidente eleito dos Estados Unidos é um dos grandes temas que estarão na agenda de 2025.

Trump prometeu no final de novembro que, por meio de uma ordem executiva no primeiro dia de mandato, imporia tarifas sobre produtos provenientes do Canadá, do México e da China.

A tarifa seria de 10% para produtos chineses e gigantescos 25% para produtos mexicanos e canadenses, segundo suas declarações.

"Esta tarifa permanecerá em vigor até que as drogas, especialmente o fentanil, e todos os imigrantes ilegais ponham fim a esta invasão do nosso país!", escreveu Trump na rede Truth Social há algumas semanas.

Alguns economistas, como Gerardo Esquivel, acadêmico da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), acreditam que é muito difícil que este anúncio se concretize.

"É um apelo para iniciar uma negociação com vantagem", disse ele à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).

Se fossem aplicadas tarifas, diz ele, haveria efeitos muito negativos para todas as economias envolvidas.

Joan Domene, economista-chefe para a América Latina da consultoria Oxford Economics, também não vê no futuro uma possível aplicação generalizada de tarifas a todos os produtos mexicanos.

Se algo se concretizar, seriam "tarifas em setores estratégicos muito específicos", diz.

Poderiam incidir, por exemplo, sobre o aço, o alumínio e alguns produtos agrícolas.

A explicação é de que, desde que não incidam sobre todos os produtos, é pouco provável que tenham um efeito negativo na economia como um todo.

O que Trump pode conseguir, aponta Domene, é aumentar a pressão sobre o governo mexicano e "obter concessões" em questões como a renegociação do acordo comercial Estados Unidos – México – Canadá (USMCA, na sigla em inglês) e as políticas de imigração.

Do ponto de vista dos investimentos, até que as nuvens sobre a questão tarifária sejam dissipadas, é possível que alguns projetos sejam afetados.

Felipe Hernández, economista para a América Latina da Bloomberg Economics, cita que, por exemplo, algumas empresas norte-americanas com planos de investir no México estão adiando esses projetos.

"A incerteza atrapalha as decisões de investimento", disse Hernández.

·        2. A incógnita China

A China, principal parceiro comercial de vários países sul-americanos, viu seu crescimento historicamente rápido desacelerar.

Os consumidores chineses estão comprando menos, as grandes empresas reduziram salários e contratações, o mercado imobiliário continua numa crise profunda e milhões de pessoas com diploma universitário enfrentam grandes dificuldades para conseguir trabalho.

Como isso afeta a América Latina? Basicamente, a região foi e continua a ser um grande exportador de matérias-primas para a China.

Quando a China teve um boom imobiliário e o país crescia a todo vapor, a sua economia estava sedenta por soja, aço, cobre e muitas outras matérias-primas latino-americanas.

Recentemente, essa procura diminuiu e os seus efeitos têm sido sentidos na região.

No entanto, alguns especialistas acreditam que o governo de Xi Jinping tomará medidas para melhorar a economia em 2025.

"Nossa equipe econômica espera que Pequim faça um esforço bastante grande para tentar sustentar o crescimento através de estímulos fiscais e monetários", disse Felipe Hernández.

É possível que o governo chinês dê subsídios às indústrias e ao setor da construção, exemplificou Domene.

Fazer isso, acrescentou, "poderia aumentar artificialmente essa demanda, mesmo no caso de uma guerra comercial com os Estados Unidos".

Mas se Washington e Pequim entrarem numa batalha comercial, poderá ocorrer uma espécie de efeito cascata para a América Latina, alertam alguns analistas, devido à forte ligação comercial entre a região e ambos países.

·        3. Os desafios internos das maiores economias da região

A América Latina começa 2025 com o desafio de aumentar o seu crescimento econômico.

Numa região com elevados níveis de pobreza e desigualdade, e onde metade da população trabalha no mercado informal, o crescimento econômico — inclusivo e sustentável — é considerado um elemento-chave,

Muitos especialistas, porém, avaliam que um crescimento próximo de 2,4% ou 2,5% este ano, como previsto, não será suficiente para as necessidades da região.

"A baixa taxa de criação de empregos, a elevada informalidade e as significativas disparidades de gênero nos mercados de trabalho da região persistirão", afirmou a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em um relatório publicado em dezembro.

Do lado da política monetária, muitos bancos centrais latino-americanos têm reduzido gradualmente as taxas de juros, para que o custo dos empréstimos não sejam tão elevados.

No Brasil, porém, o caminho tem sido o oposto: desde setembro de 2024, a taxa básica Selic está aumentando e há expectativa de mais altas nos primeiros meses de 2025.

De acordo com o boletim Focus, do Banco Central, publicado em 27 de dezembro de 2024, analistas projetam que a Selic encerre 2025 em 14,75% ao ano — ante 11,75% ao fim de 2024

Outra grande questão, além do emprego, é a inflação, uma das maiores preocupações da população.

Sobre este assunto, os especialistas acreditam que a inflação continuará a diminuir na América Latina.

No Brasil, a projeção dos analistas levantada pelo último boletim Focus divulgado em dezembro é de uma alta na inflação de 4,96% no próximo ano.

Os bancos centrais têm lutado para controlar o surto inflacionário que varreu o mundo após a pandemia. No início, muitos aumentaram as taxas a todo vapor e depois entraram em um ciclo restritivo.

Apesar disso, as taxas ainda estão acima de um nível considerado "desejável" em muitas economias latino-americanas.

"A inflação está voltando a níveis controlados, embora todos digam que as coisas ainda estão muito caras. O que acontece é que a velocidade com que [os itens] aumentaram nos últimos anos diminuiu significativamente", disse Domene.

Depois de atingir um máximo de 8,2% na região em 2022, a inflação aproxima-se agora de um índice de 3,4% em 2024, segundo a Cepal, que destaca uma tendência de queda.

No entanto, o risco inflacionário poderia vir principalmente da taxa de câmbio, destacou Hernández, uma vez que as moedas regionais poderiam desvalorizar-se face ao dólar em 2025, o que tornaria os produtos importados mais caros.

Um dos grandes problemas que as economias latino-americanas devem enfrentar em 2025, segundo especialistas, é a falta de arrecadação para os cofres públicos, especialmente em países como Colômbia e México.

Para resolver este problema, tanto Sheinbaum no México como Lula no Brasil têm ajustes fiscais nos seus planos para tentar evitar uma maior deterioração das contas públicas.

Com pouco dinheiro nos cofres públicos e um elevado nível de dívida, será provavelmente difícil para os governos resistirem às pressões políticas para aumentarem os gastos e responderem às demandas sociais de milhões de pessoas sucumbindo à pobreza.

Apesar de tudo, e embora as consequências negativas da pandemia ainda estejam presentes, 2025 não parece tão complicado na economia latino-americana como os anos anteriores, segundo os analistas.

¨      América Latina é palco da disputa de Trump contra a China

O primeiro governo de Donald Trump (2017–2021) mostrou que ele tinha dois importantes inimigos públicos: a China e as migrações irregulares de latino-americanos para os Estados Unidos. No Project 2025, documento com propostas de governo produzido pela Heritage Foundation, que tende a servir de base do segundo mandato do republicano, esses dois inimigos são reforçados. Porém, dessa vez, a América Latina figura como um espaço de disputa por influência entre os Estados Unidos e a China.

O Project 2025 alega que a China está conquistando a América Latina por meio de empréstimos e investimentos que, desde 2005, já teriam ultrapassado US$ 240 bilhões, seja via entidades estatais ou não. Para os conservadores, a entrada de países latino-americanos na Nova Rota da Seda é um risco à segurança nacional estadunidense, pois a China poderia extrair e comprar mais barato recursos naturais, conseguir apoio político e diplomático para isolar Taiwan e obter acesso a portos e bases para fins militares. Em novembro de 2024, o presidente chinês, Xi Jinping, esteve no Peru para inaugurar o Porto de Chancay, construído com financiamento da estatal chinesa Cosco Shipping Company, totalizando US$3,4 bilhões. O objetivo: reduzir de 40 para 28 dias o transporte de mercadorias entre o Peru e a Ásia.

O Project 2025 faz críticas ao governo democrata de Joe Biden (2021–2025), afirmando que suas “políticas climáticas progressistas” destruíram a rentável indústria petrolífera da América Latina, reduzindo as receitas de exportação e promovendo instabilidade econômica e política. Segundo eles, com a região em crise, a China se aproveitaria para expandir seus negócios e afastar as nações latino-americanas dos Estados Unidos. Além do negacionismo climático, esse argumento conservador é falso.

Conforme relatório de 2023 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a queda na produção de petróleo se deu por lacunas de investimento; aumento na competição internacional; variação da demanda internacional; e queda do superávit do setor na região.

Ademais, a queda do preço do petróleo globalmente fez a região investir mais em energia renovável para reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis.

Tentando reverter a perda de influência estadunidense na América Latina, a iniciativa conservadora defende que o segundo governo de Trump utilize a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). A USAID deve priorizar investimentos em projetos pró-democracia e livre-mercado; tecnologia 5G; desenvolvimento tecnológico; e prevenção da pesca ilegal chinesa.

Ademais, argumenta-se pelo aumento do financiamento a atores locais, especialmente entidades religiosas, voltadas para funcionarem como uma barreira à “promoção do aborto, radicalismo de gênero, extremismo climático e outras ideias woke”. A pauta reprodutiva, conforme o Project 2025, é fundamental para a região, pois as ONGs que receberem ajuda financeira da USAID devem priorizar as agendas antiaborto, anti-LGBT e econômicas pró-EUA.

Por considerar a América Latina uma região crucial para a segurança dos EUA, por sua proximidade geográfica e riquezas naturais, o Project 2025 sugere que Trump, via USAID, também invista em projetos de reformas do Judiciário para ser mais “funcional” (não há especificação do que isso significa); promoção de reformas trabalhistas e previdenciárias; e redução de impostos e de regulamentação do comércio para ampliar trocas com os EUA, pois, assim, a região poderia encontrar “estabilidade econômica e política”. Adicionalmente, o projeto indica que “ideias socialistas” devem ser desafiadas por capturarem governos e juventudes.

Um dos caminhos para isso está no financiamento de universidades e think tanks pró-livre mercado e que “defendem ideias democráticas” e transferência de seu portfólio financeiro e tecnológico para organizações latino-americanas até 2030. Sim, o documento afirma categoricamente que os EUA devem investir em atores locais para desestabilizar governos de esquerda. Não, não estamos na Guerra Fria e no período de financiamento de ditaduras militares, mas sim, em 2025, com as mesmas ideias de intervenção em busca do fantasma do comunismo —e isso é dito abertamente.

<><> A falácia migratória

Quanto às migrações, o Project 2025 enfatiza que as fronteiras devem ser “seguras”, e os fluxos, “controlados”, pois a entrada “ilimitada de mão de obra barata” reduziria os salários dos trabalhadores estadunidenses. Segundo dados do Banco Mundial, durante a gestão Trump (2017–2021), o PIB  per capita dos Estados Unidos teve média de US$ 63.384, enquanto no governo Biden (com dados até 2023), o valor foi de US$ 77.374.

Dados de desemprego da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também desmentem os conservadores, pois Biden assumiu em janeiro de 2021 com o desemprego em queda, em 6,1%. Seu mandato conseguiu permanecer abaixo de 4% em boa parte do quadriênio e obteve 3,4% em abril de 2023, o menor valor da série histórica da OCDE desde janeiro de 2005. Ou seja, migração não promove perda de renda e desemprego nos EUA.

Ainda assim, o Project 2025 insiste na teoria conspiratória com base no supremacismo branco de que as migrações destroem a economia e a sociedade estadunidenses. Eles acusam Wall Street, empresários de tecnologia do Vale do Silício e grandes varejistas de serem pró-migração para reduzir salários e lucrarem mais com “trabalhadores baratos latino-americanos”.

Outrossim, defendem que os EUA transfiram suas cadeias globais de produção da Ásia para a América Latina e para o país em si, recorrendo a um novo ciclo de industrialização para garantir empregos e renda, além de infringir perdas econômicas à Ásia. Os negócios ampliados na América Latina reduziriam a pobreza, o que, segundo eles, tornaria a migração para os EUA menos atrativa.

A China não é a única inimiga na América Latina, pois países da região são citados como ameaça à segurança regional, devido ao narcotráfico, e vulneráveis a potências hostis, como a China, Irã e Rússia, sendo eles: Colômbia, Equador, Guiana e Venezuela. O México surge como um país que perdeu sua soberania para o narcotráfico e que precisa ser protegido. Segundo o Project 2025, Trump deve retomar a implementação do programa “Remain in Mexico” (“Permaneça no México”), que determina que o país será responsável por acolher migrantes para os EUA; lutar contra narcotraficantes de fentanil que seriam aliados da China (que forneceria matéria-prima e equipamentos), influenciando na letal epidemia de drogas contra americanos.

Ademais, a defesa da construção do muro na fronteira EUA-México é renovada, mas com a inserção de militares da ativa e guardas nacionais (convocadas por governadores republicanos) para prender migrantes na fronteira, supostamente contrabandistas de fentanil. Nesse contexto, o Departamento de Segurança Interna tem seu papel reforçado.

O Project 2025 não aborda a luta contra a demanda por drogas, mas menciona a intervenção no México e no suposto financiamento chinês ao fentanil como maneira de suprimir a oferta. Em diversas passagens, a China aparece como a inimiga desestabilizadora da América Latina, seja com dinheiro, seja com homens armados na fronteira. O que vemos como discurso norteador para o mandato Trump 2.0 é, portanto, a utilização de um rival geopolítico como argumento para intervenções ilegais na região.

 

Fonte: BBC News Mundo/The Conversation Brasil

 

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