“É preciso ser
antirracista”: luta como princípio
Antirracista é
o indivíduo que se insere, deliberadamente, em um processo de ação e oposição
ativa ao racismo. O objetivo do
antirracismo é desafiar a ordem vigente. Ela que normatiza e perpetua práticas
racistas dentro de uma sociedade estruturalmente desigual. Para assim exigir,
de maneira ativa, a transformação de políticas, comportamentos e crenças que
fortalecem a discriminação.
A professora e
filósofa Angela Davis é reconhecida no mundo todo por integrar o movimento
Panteras Negras durante a década de 1970. Ela fala sobre, e é certeira ao
pontuar que “numa sociedade racista, não basta não ser racista: é preciso
ser antirracista“.
O antirracismo faz
parte na ação e na educação antirracista. Como aliado da luta, o indivíduo
toma para si a responsabilidade pela erradicação de preconceitos.
Principalmente aqueles respaldados pelo sistema hierárquico que segmenta nossa
sociedade em camadas.
Tais camadas podem
ser mais ou menos favorecidas, de acordo com fatores como cor e etnia. É dever
do antirracista, portanto, cobrar medidas para eliminar o racismo nos
níveis individual, institucional e estrutural.
·
Histórico
da luta antirracista
A
luta antirracista não é nova, mas tem ganhado força com movimentos de
direitos humanos e resistência negra. Um exemplo muito conhecido é o Black
Lives Matter nos Estados Unidos. Ele se destacou internacionalmente com a
organização de protestos que visam combater a violência policial contra a
população negra norte-americana e exigir respeito, do ponto de vista social,
pelas pessoas negras.
Aqui no Brasil, o
movimento foi batizado de Vidas Negras Importam e também coordenou
manifestações em espaços públicos.
Ao fundar a
primeira sociedade abolicionista da América, em 1775, Anthony Benezet
possivelmente inaugurou o movimento antirracista nos Estados Unidos.
O antirracismo tem suas bases na abolição e na luta pós-libertação por uma
mudança estrutural. Além disso, ele também se baseia nos movimentos pelos
direitos civis do século 20.
Já no Brasil, desde
a abolição da escravatura, muitos movimentos foram organizados. Em 1931, por
exemplo, foi fundada a primeira organização ativista pelos direitos civis dos
negros no país, a Frente Negra Brasileira.
Em 1937, no
entanto, foi dissolvida pela ditadura de Getúlio Vargas, depois de se tornar um
partido político no ano anterior. As perseguições do Estado à população negra
fizeram com que ações antirracistas tomassem força novamente apenas na década
de 1970, com a criação do Movimento Negro Unificado (MNU).
Historicamente, o
Brasil tem lançado mão de dispositivos legais que contribuem para a manutenção
do racismo na sociedade. Neusa Santos, psicanalista e autora do
livro Tornar-se negro (1983), diz que “a sociedade escravista, ao
transformar o africano em escravo, definiu o negro como raça, demarcou o seu
lugar, a maneira de tratar e ser tratado, os padrões de interação com o branco
e instituiu o paralelismo entre cor negra e posição social inferior”.
·
Por
que ser antirracista
O problema do racismo estrutural é que ele nos
rodeia a todo o tempo, desde sempre. Nascemos e crescemos em uma sociedade
fundada sobre o racismo, construída pela exploração sistêmica de negros e indígenas. Somos
condicionados por ela a reproduzir e manter o racismo como base de sustentação
da máquina social.
O racismo está
profundamente enraizado em nossa cultura e nossas comunidades: nas escolas, na
Justiça, nas universidades, no governo, nas ruas. É tão difundido que, muitas
vezes, nem nos damos conta de como as políticas e instituições favorecem
desproporcionalmente alguns em prejuízo de outros.
Por isso, “não ser
racista” não é o suficiente para eliminar a discriminação racial. Essa
perspectiva desconsidera que pessoas brancas frequentemente não percebem os
próprios preconceitos inconscientes. Logo, não entendem as questões
institucionais e estruturais que sustentam a supremacia branca e contribuem
para comportamentos, atitudes e políticas racistas.
A justificativa
“mas eu não sou racista!” também permite que as pessoas evitem participar da
luta antirracista. É uma maneira de dizer “isso não é problema meu”, ao
mesmo tempo que se isenta de reconhecer as vantagens colhidas de um sistema
nocivo a outras pessoas.
Além disso, uma pesquisa de 2019
conclui que pessoas que não se consideram racistas costumam ser muito mais
preconceituosas do que imaginam e tendem a manter preconceitos implícitos significativos
contra negros, indígenas e outras etnias.
·
Estudiosos
antirracistas
No livro How
to Be an Antiracist, Ibram X. Kendi, importante estudioso de raça e
discriminação racial, examina muitas das atitudes individuais mantidas por
brancos e não brancos que desempenham um papel na sustentação do racismo.
É impossível ser
“não racista” se você tiver atitudes negativas sobre grupos inteiros com base
em sua raça, etnia ou herança cultural. E acrescenta: “A única maneira de
acabar com o racismo é identificá-lo e descrevê-lo de forma consistente para,
então, desmantelá-lo”.
No contexto
brasileiro, Djamila Ribeiro, autora do livro Pequeno
manual antirracista (2019),
sintetiza com precisão: “É preciso identificar os mitos que fundam as
peculiaridades do sistema de opressão operado aqui, e certamente o da
democracia racial é o mais conhecido e nocivo deles. (…) Essa visão paralisa a
prática antirracista, pois romantiza as violências sofridas pela população
negra ao escamotear a hierarquia racial com uma falsa ideia de harmonia”.
·
O
que preciso fazer para apoiar a luta antirracista?
O antirracismo requer
reflexão sobre o assunto e ação. Ser antirracista é a escolha consciente
de tomar um lado, defender uma posição e se envolver em ações que apoiem a igualdade. Ficar
em cima do muro sobre relações raciais não é, definitivamente, uma alternativa
válida quando se pretende combater o racismo.
O primeiro passo é
reconhecer que a questão racial se cruza com muitos outros aspectos da
identidade de uma pessoa. Isso inclui orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade e
deficiência. Nem todas as pessoas são afetadas pela cor ou etnia da mesma
maneira.
Mulheres negras,
por exemplo, são atingidas tanto pela discriminação racial quanto pelo sexismo.
Indígenas e negros costumam ser discriminados de maneiras diferentes de outras
pessoas não brancas. Aqui entra também a questão do colorismo: quanto mais
retinta é a pessoa negra, mais discriminação ela tende a sofrer.
Ouvir essas
experiências e como as políticas afetam as pessoas de diversas formas são ferramentas
que encorajam as pessoas a serem antirracistas. Participe de eventos que
visam combater o racismo na sociedade brasileira. Conheça os movimentos negros
da sua região. Reflita sobre a verdadeira razão do Dia da Consciência Negra no
país.
O racismo no Brasil
pode e deve ser deixado para trás, como uma nódoa vergonhosa da nossa história.
No entanto, transformações profundas dependem de esforços conjuntos no combate
à discriminação racial. Confira cinco sugestões de
atitudes antirracistas para adotar no seu dia a dia.
<><> 1.
Leia autores negros
O primeiro passo
para ser antirracista é entender o racismo. E ninguém melhor para
falar sobre o assunto do que autores que o vivenciam no cotidiano. Alguns nomes
para começar são:
Abdias do
Nascimento
Carolina Maria de
Jesus
Audre Lorde, Angela
Davis
Bell Hooks
Chimamanda Adichie
Lélia Gonzalez
Conceição Evaristo
Sueli Carneiro e
Silvio de Almeida
É importante
ressaltar que as mulheres aqui citadas abordam a questão racial em interseção
com a condição de ser-mulher na sociedade. Por isso, constituem leitura
obrigatória para feministas.
<><> 2.
Discuta o racismo
Converse com amigos
e familiares sobre os efeitos do racismo. Identifique e acuse o racismo quando
o vir. Postar seu apoio nas redes sociais pode ser útil, mas conversas reais em
sua vida podem ser mais influentes e eficazes.
<><> 3.
Fale com as crianças
Educação
antirracista começa em casa. Puxe conversas sobre racismo com as crianças de
seu convívio, educando-os para o respeito e a igualdade racial.
O letramento
racial, por exemplo, é um conjunto de táticas e ensinamentos que visam
identificar e responder ao racismo e outras questões raciais presentes na
sociedade. Seu objetivo, além da educação básica dessas questões, é estabelecer
ideais antirracistas em locais onde atos discriminatórios são
banalizados.
Em teoria, como um
ensinamento, o letramento racial deveria ser incluído em currículos escolares
para incentivar crianças em seus anos formativos. Dessa forma, as questões
raciais seriam ensinadas cedo, o que ajudaria na formação de uma sociedade
ativamente antirracista e pronta para responder questões raciais.
No entanto, pela
falta desses estudos, o incentivo pessoal de crianças é necessário para criar
uma sociedade alerta às questões raciais e com uma
mentalidade antirracista.
<><> 4.
Cerque-se de pessoas não brancas
Ler livros e buscar
informações é ótimo, mas procure incluir pessoas negras, indígenas e de outras
etnias no seu círculo de amizades. Elas certamente têm muito a ensinar sobre a
vida, perspectivas e formas de ver o mundo que, talvez, você ainda não conheça.
<><> 5.
Reconheça privilégios
Se você é uma
pessoa branca, o simples fato de sair na rua sem se preocupar em sofrer
agressão policial é um privilégio.
Acesso a boas
escolas? Privilégio. Pode estudar exclusivamente na infância, sem ter de
contribuir no sustento de casa? Privilégio.
Infelizmente,
direitos básicos em sociedades desiguais devem ser reconhecidos como vantagens
sociais. Para que assim possamos identificar os pontos de destaque no combate a
injustiças.
No Brasil, 56% das
pessoas se autodeclaram negras. O que, então, explicaria a ausência dessas
pessoas em espaços de poder? Reconhecer-se privilegiado é, também, um meio de
tornar-se antirracista.
Fonte: eCycle
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