sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Anúncio da Meta bajula Trump, mas é tiro no pé no Brasil, diz Francisco bito cruz, do internetLab

O anúncio feito por Mark Zuckerberg de que a Meta vai “retornar às suas raízes no que diz respeito à liberdade de expressão” significa, na prática, que a empresa que controla Facebook, Instagram e Threads vai afrouxar regras da moderação de conteúdo, acabar com as parcerias com agências de checagem de fatos e voltar a recomendar conteúdo político nos feeds de usuários — e se esquivar ainda mais de moderá-lo. 

O comunicado público – feito em 7 de janeiro, um dia após o aniversário de quatro anos da invasão ao Congresso dos Estados Unidos – ocorre na esteira de uma série de movimentações na Meta. Na semana passada, o presidente de Assuntos Globais da empresa, Nick Clegg, foi substituído por Joel Kaplan, um republicano declarado e ex-chefe de gabinete da Casa Branca durante o mandato de Bush filho, de 2006 a 2009.

A Meta, assim como outras gigantes do Vale do Silício, doou US$ 1 milhão para o fundo inaugural do presidente eleito dos EUA, Donald Trump. A aproximação ocorre no momento em que agências do governo, como a Federal Trade Commission, [a FTC, responsável pela proteção dos consumidores], demonstram maior ímpeto de responsabilizar e regular plataformas. Em 2024, a FTC venceu um caso antitruste contra o Google, alegando que a empresa violava leis de competição ao manter um monopólio no setor de operadores de busca.

Para Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do InternetLab, centro de pesquisa sobre direito e tecnologia, as mudanças anunciadas pela Meta – que devem ter um impacto transversal –não têm apenas fundamentos econômicos ou pragmáticos, como também sugerem um alinhamento ideológico de lideranças do Vale do Silício a Trump e aliados, como fez Elon Musk, dono do X. 

Ao Intercept Brasil, Brito Cruz explicou que, embora tenham surgido em resposta ao contexto norte-americano, as medidas impactam usuários ao redor do mundo. No que diz respeito ao cenário regulatório brasileiro, o advogado avalia que as medidas anunciadas não devem resultar em “boa vontade” por parte dos reguladores. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, está julgando a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que pode alterar o regime de responsabilidade das redes sociais no Brasil. 

<><> Confira a entrevista na íntegra:

·        De que maneira esse anúncio da Meta afeta o Brasil?

Francisco Brito Cruz – Isso afeta todos os usuários da Meta, afeta todo mundo. Não me parece um anúncio direcionado, do ponto de vista de efeitos, para os Estados Unidos. Ele [Zuckerberg] não falou “in the US context” [no contexto dos EUA, em tradução livre]. Apesar de estar respondendo ao contexto americano, é um anúncio para a empresa. Então, tudo que ele anunciou vai impactar o usuário brasileiro. Mas, do ponto de vista do produto, são três eixos importantes de anúncio. O primeiro diz respeito ao fact-checking e à rotulagem de conteúdo falso, com as notas da comunidade. Há o eixo de filtros e detecção ativa, que são ferramentas automatizadas de detecção de conteúdo potencialmente violador das regras do Facebook e com simplificação das regras. E há um terceiro, que é o lugar da política nos sistemas de recomendação, e o lugar da política na empresa. Ou seja, quanto de conteúdo político que a empresa quer ter recomendado. Porque os outros pontos, como ‘a gente vai se alinhar à defesa da liberdade de expressão’, isso é uma postura política da empresa, é uma mudança de postura.  É um impacto bem transversal, em vários pontos dos produtos, que modifica desde as relações deles com o jornalismo até a relação com moderação de conteúdo. E, quando você mexe em sistemas automatizados de moderação de conteúdo, você não modifica o incremental. Você modifica a estrutura porque a grande maioria do conteúdo moderado é moderado porque tem robô buscando, porque tem robô detectando. A quantidade é qualidade nesse caso. Então, não dá para dizer que é perfumaria se vai mexer nisso.

·        Ou seja, vai mudar radicalmente a experiência do usuário na plataforma?

É claro que depende, ele [Zuckerberg] não deu tantos detalhes assim. Por exemplo, ele falou ‘tem coisa que a gente não vai mais usar robô para detectar, vai vir só por denúncia’. Mas ele não faz a diferenciação, ele não fala o que eles vão deixar de usar robô para detectar. Então, o quanto vai mudar e o que vai mudar ainda é uma incógnita. É um anúncio do qual a gente não sabe a implementação, mesmo que sejam anúncios impactantes.

·        Você falou no começo que é uma mudança que reage ao contexto dos Estados Unidos, mas afeta o mundo inteiro. O que eu queria entender é: eles doaram US$ 1 milhão para o comitê inaugural do Trump e agora mudaram várias de suas políticas para se alinhar ao que querem os republicanos. Mas o que a Meta tem a ganhar em uma administração Trump?

Eu vejo que o ponto é: o que ela tem a ganhar agradando os democratas? Agradando a imprensa? E qual é a conta que eles faziam com isso? Quanto, de fato, eles estavam agradando a imprensa e os democratas? Qual era o custo disso? Porque, no limite, é mais uma renúncia a esse lado do que qualquer coisa. Eles vão parar de performar a tentativa [de agradar imprensa e democratas], é um pouco isso. O peso do pragmatismo é alto e quem paga o pato são os usuários, em especial de geografias e grupos marginalizados. 

·        Mas não tem uma questão também ligada ao cenário regulatório, pensando no caso da FTC contra o Google. Isso não poderia vir a afetar a Meta em algum momento?

Você diz no sentido de, se eles aderirem mais ao governo Trump, eles seguram a FTC? 

·        Isso.

Aderir mais ao governo Trump tem seus benefícios. Esse é um deles, mas não só esse, tem outros. Como garantir uma boa vontade de todas as agências, não só da FTC. Garantir a boa vontade do governo Trump está claramente na conta, mas não é só por isso, embora essa seja uma coisa importante. Se aproximar do governo para criar mais espaços de interação, mais superfícies de contato amigáveis. 

·        E que outros incentivos você põe na conta?

Acho que esse lado pragmático é super importante e ele pega para alguns executivos, algumas pessoas. Mas acho que tem um lado de uma aproximação que tem a ver com, vamos dizer assim, os republicanos tentaram se aproximar dessas lideranças do Vale do Silício. Então, tem uma fadiga de pedir desculpa pros democratas. O Mark Zuckerberg falou “tô cansado de pedir desculpas, nunca é suficiente”. [O executivo da Meta já pediu desculpas publicamente a pais de crianças e adolescentes que se suicidaram ou se feriram por impacto das redes sociais durante uma audiência no Senado dos EUA]. Tem o Elon Musk enquanto uma liderança, que se radicalizou, e é uma liderança respeitada entre essas pessoas, e que está reclamando que está demais, um pouco simbolizando isso. E eu diria que algumas dessas pessoas também estão aderindo mais ao programa mais ideológico mesmo. Você pega o vice-presidente do Trump [JD Vance], que é uma pessoa que circula super bem nos fundos de venture capital. Então, existe esse lado que talvez não estivesse tão presente no primeiro governo Trump, do ponto de vista orgânico. A mudança do Trump sobre bitcoins eu vejo um pouco como um termômetro da coisa. O Trump está acenando para essa galera também, está mudando o programa de como ele vê tecnologia. Em vez de ser uma coisa meio faroeste, talvez seja até uma coisa mais pensada para isso, de buscar mais cativar esse público.Então, é econômico, pragmático? Sim, mas talvez não seja só isso. Talvez seja um estreitamento mais ideológico mesmo.

·        Tem um momento em que o Zuckerberg fala que eles vão ‘trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos estrangeiros que vão atrás de empresas dos EUA para censurar mais’. Me parece que esse é um recado que tem um destinatário em Brasília e que mostra esse alinhamento ideológico.

Claramente tem. Mostra, mas é difícil separar o que é exatamente econômico e o que é exatamente ideológico. Porque, às vezes, o discurso tem uma motivação econômica mesmo sendo ideológico ou vice-versa.  E ele se coloca mais a serviço dessa vertente, vamos dizer, de política externa ou política mesmo que o Trump e seus aliados têm. É uma adesão ao Musk e ao discurso que ele faz. 

·        E o que seria, no caso da Meta, essa cooperação, esse trabalhar junto com o presidente Trump, nas palavras de Zuckerberg?

Pode significar um alinhamento maior, por exemplo, nos esforços de discussão de fóruns internacionais, de acordos bilaterais. Tem toda uma discussão, por exemplo, de como a ONU aborda determinado assunto, como a Unesco ou a OCDE estão abordando esse assunto. E os Estados Unidos têm peso, isso impacta a atividade da Meta também. Quais são as pautas que estão colocadas?  Então, toda a ideia do G20, por exemplo, de que o Brasil colocou ‘integridade da informação’ como tema e levou isso adiante. Como isso funcionaria diante de uma postura dessa no governo dos Estados Unidos? Será que os EUA apresentariam mais resistência? Será que o Brasil conseguiria fazer esse movimento? Será que, no futuro, esse movimento tem tração com os EUA se posicionando dessa forma? O externo impacta no interno e vice-versa. O Brasil ter conseguido isso [se posicionar] fez avançar uma série de discussões no próprio Brasil e em outros países. Então, atuar junto, vamos dizer assim, é um alinhamento mesmo. Talvez isso tenha especial peso em relação às legislações europeias e à agenda europeia de regulação, por exemplo. Porque a agenda europeia está atualizada, o DSA [Digital Services Act, a lei europeia que regula plataformas digitais] já passou, mas tem outras coisas vindo por aí, como regulação de influenciadores e de consumo, são coisas que estão na mira da União Europeia nos próximos tempos. Será que vai haver uma conversa, um peso dos EUA? Tem que ver um pouco caso a caso.

·        E no cenário regulatório brasileiro, essa decisão da Meta influencia de alguma maneira? 

Muda. Mas eu acho que isso está precificado na decisão deles economicamente. Não vai ser bom para eles aqui. Isso não está comprando boa vontade aqui, está comprando má vontade para eles. Eu acho que, na conta que eles estão fazendo, a coisa vai se pagar, pois as perdas serão compensadas com essa boa vontade nos EUA, infelizmente. Eles estão contando que, mesmo com o mais grave que o Brasil (especialmente no âmbito do Supremo) fizer, vai se pagar, seja pelo desinvestimento em algumas áreas, seja pelos ganhos que a simpatia trará.  Porque, também, a receita oriunda dos países latino-americanos (e africanos) é meio irrisória. Se olharmos para os relatórios para investidores que a empresa solta nos últimos anos, o “resto do mundo” [África e América Latina] tem de 20% a 30% dos usuários ativos por dia, mas com uma participação que não chega a 15% da receita total. Agora, nós, sociedade, não podemos nos contentar com essa racionalidade puramente econômica. Cada usuário é um cidadão, e isso só chama mais atenção para a necessidade de regulação.

·        E no Congresso? Me parece que a conta seria diferente porque eles podem comprar a maior boa vontade de toda uma ala bolsonarista e de extrema-direita. 

Mas o Congresso não é só movido a isso. O que o Mark Zuckerberg fala ou deixa de falar não é o único elemento na cabeça do Congresso brasileiro. A gente precisa ver o que o Hugo Motta [cotado para ser o próximo presidente da Câmara dos Deputados] pensa, precisa ver como é que a Globo vai se movimentar no Congresso em relação a isso. Porque a Globo pode usar isso como ‘mais uma vez eles vão contra o jornalismo profissional’, por exemplo. Do núcleo da oposição, não é tão dado que os bolsonaristas são tão pró-big tech assim, pensando que tem muito deputado da oposição bolsonarista que não compra a cartilha inteira pró-big tech. É um vetor a mais de força nesta arena, mas não muda muito a pressão que a empresa já fazia na prática contra a regulação. Isso já é dado também.

·        O anúncio da Meta tem um impacto tremendo no jornalismo não só no Brasil, mas mundo afora. O Brasil já tem discutido tentativas de sair desse modelo de financiamento [por big techs], mas como você enxerga esse movimento?

Isso mostra que depender das plataformas e da boa vontade delas não salvará o jornalismo. Tem que ter política pública. Vai ser difícil pensar em qual vai ser a política pública, ela também não vai poder criar uma nova dependência do jornalismo em relação ao Estado. Não é esse o caminho. Mas existe uma discussão a ser feita sobre como o Estado tem que criar política para gerar condições de sustentabilidade para esse setor. Seja para o setor inovar e buscar novas receitas, seja para competir não só com as big techs, mas com outros atores por receitas diversas, seja para participar dessa geração de riqueza em outro lugar. Mas não vai ter jeito, não vai dar para ficar contando com esses programas mais. É um vetor a mais de força nesta arena, mas não muda muito a pressão que a empresa já fazia na prática contra a regulação. Isso já é dado também.

·        Sabe-se que a checagem de fatos não é necessariamente a ferramenta mais eficiente, mas também que a sua ausência vai impactar alguns contextos mais do que outros. Qual sua análise sobre esse ponto? 

Mesmo que esses contratos com checadores não resolvessem o problema como um tudo, existe uma discussão sobre quais são os incentivos colocados para um tipo de atividade que, mesmo que não gere uma imediata mudança de comportamento político, é uma atividade importante e ponto. Então, por que tem que ter checagem? Por que as pessoas vão mudar de opinião ou por que isso é importante para as pessoas que querem acessar a checagem, sejam elas de qual opinião elas forem? Acho que a discussão meio consequencialista tira o valor da coisa. A gente quer ter um serviço que a gente vai botar lá o que o político falou e o jornalismo vai nos dizer se ele falou uma verdade ou mentira. Se a gente não tiver uma conversa sobre o porquê isso é importante ou não, e quanto isso é uma técnica que existe método para fazer, aí joga tudo fora só porque não muda a opinião das pessoas?

·        A linguagem, falar em viés e censura, é muito ideológica. Censura onde?.

E a linguagem, falar em viés e censura, é muito ideológica. Censura onde? No máximo, existe uma certa pressão de governos, especialmente do governo norte-americano, em relação ao conteúdo que tinha a ver com covid-19. Mas você não espera isso de um governo preocupado com a saúde pública, tendo as evidências colocadas ali? É uma pressão que não é necessariamente revertida em alguma sanção.  Mas tirando esse fato, é sobre o quê? É a sociedade se manifestando que gostaria que o Facebook fosse mais severo na moderação de conteúdo X ou Y? Não acho que isso é censura, é uma sociedade querendo que o ambiente online oferecido por aquela plataforma seja mais de um jeito ou de outro. Mas dizer que é censura… eu vejo como uma adesão ao vocabulário que não teria necessidade. O único jeito de interpretar é que é político-ideológico mesmo, está falando para esse público, é um sinal para esse público. 

 

¨      "Extremamente grave", diz Lula sobre mudança na política de checagem de fatos da Meta

Em meio a mudanças anunciadas pela Meta, empresa controladora do Facebook e Instagram, o presidente Lula (PT) expressou preocupação com o impacto do fim da política de moderação de conteúdo da gigante tecnológica. Em declaração a jornalistas nesta quinta-feira (9), Lula classificou a situação como “extremamente grave” e defendeu que cada país deve preservar sua soberania para definir os limites de atuação das redes sociais.

“Eu vou fazer uma reunião hoje para discutir a questão da Meta. Acho que é extremamente grave as pessoas quererem que a comunicação digital não tenha a mesma responsabilidade do cara que comete um crime na imprensa escrita. É como se um cidadão pudesse ser punido porque ele faz uma coisa na vida real e pudesse não ser punido por fazer a mesma coisa na rede digital. O que nós queremos, na verdade, é que cada país tenha a sua soberania resguardada. Não pode um cidadão, dois cidadãos, três cidadãos acharem que podem ferir a soberania de uma nação”, afirmou Lula.

A declaração do presidente ocorre após o anúncio da Meta sobre uma mudança radical em sua política de checagem de fatos. A empresa decidiu abandonar as parcerias com verificadores de fatos terceirizados, substituindo-as por um sistema de “notas da comunidade”, semelhante ao modelo adotado pelo X (antigo Twitter), de Elon Musk.

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, justificou a alteração como um movimento em direção à descentralização do controle sobre o conteúdo. Segundo Joel Kaplan, Chefe de Assuntos Globais da empresa, as parcerias anteriores com verificadores de fatos tinham boas intenções, mas acabaram “prejudicadas por preconceitos políticos” na escolha e no tratamento dos temas verificados.

“Agora temos uma nova administração e um novo presidente [Donald Trump] que são grandes defensores da liberdade de expressão, e isso faz a diferença”, afirmou Kaplan, sugerindo que a mudança reflete uma aproximação com valores defendidos pela nova administração norte-americana.

Críticos apontam para o risco de desinformação em massa e polarização política, enquanto aliados da direita celebram o fim do que consideravam uma abordagem tendenciosa.

 

Fonte: Por Laís Martins, em The Intercept/Brasil 247

 

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