Anúncio da Meta bajula Trump, mas é tiro no pé
no Brasil, diz Francisco bito cruz, do internetLab
O anúncio feito por Mark Zuckerberg de que a Meta
vai “retornar às suas raízes no que diz respeito à liberdade de expressão”
significa, na prática, que a empresa que controla Facebook, Instagram e Threads
vai afrouxar regras da moderação de conteúdo, acabar com as parcerias com
agências de checagem de fatos e voltar a recomendar conteúdo político nos feeds
de usuários — e se esquivar ainda mais de moderá-lo.
O comunicado público – feito em 7 de janeiro, um dia
após o aniversário de quatro anos da invasão ao Congresso dos Estados Unidos –
ocorre na esteira de uma série de movimentações na Meta. Na semana passada, o
presidente de Assuntos Globais da empresa, Nick Clegg, foi substituído por Joel
Kaplan, um republicano declarado e
ex-chefe de gabinete da Casa Branca durante o mandato de Bush filho, de
2006 a 2009.
A Meta, assim como outras gigantes do Vale do
Silício, doou US$ 1 milhão para
o fundo inaugural do
presidente eleito dos EUA, Donald Trump. A aproximação ocorre no momento em que
agências do governo, como a Federal Trade Commission, [a FTC, responsável pela
proteção dos consumidores], demonstram maior ímpeto de responsabilizar e
regular plataformas. Em 2024, a FTC venceu um caso antitruste contra o Google,
alegando que a empresa violava leis de competição ao manter um monopólio no
setor de operadores de busca.
Para Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do
InternetLab, centro de pesquisa sobre direito e tecnologia, as mudanças
anunciadas pela Meta – que devem ter um impacto transversal –não têm apenas
fundamentos econômicos ou pragmáticos, como também sugerem um alinhamento
ideológico de lideranças do Vale do Silício a Trump e aliados, como fez Elon
Musk, dono do X.
Ao Intercept Brasil, Brito Cruz
explicou que, embora tenham surgido em resposta ao contexto norte-americano, as
medidas impactam usuários ao redor do mundo. No que diz respeito ao cenário
regulatório brasileiro, o advogado avalia que as medidas anunciadas não devem
resultar em “boa vontade” por parte dos reguladores. O Supremo Tribunal
Federal, por exemplo, está julgando a constitucionalidade do artigo 19 do Marco
Civil da Internet, que pode alterar o regime de responsabilidade das redes
sociais no Brasil.
<><> Confira a entrevista na íntegra:
·
De que maneira esse anúncio da Meta afeta o
Brasil?
Francisco Brito Cruz – Isso afeta todos os
usuários da Meta, afeta todo mundo. Não me parece um anúncio direcionado, do
ponto de vista de efeitos, para os Estados Unidos. Ele [Zuckerberg] não falou
“in the US context” [no contexto dos EUA, em tradução livre]. Apesar de estar
respondendo ao contexto americano, é um anúncio para a empresa. Então, tudo que
ele anunciou vai impactar o usuário brasileiro. Mas, do ponto de vista do
produto, são três eixos importantes de anúncio. O primeiro diz respeito ao
fact-checking e à rotulagem de conteúdo falso, com as notas da comunidade. Há o
eixo de filtros e detecção ativa, que são ferramentas automatizadas de detecção
de conteúdo potencialmente violador das regras do Facebook e com simplificação
das regras. E há um terceiro, que é o lugar da política nos sistemas de
recomendação, e o lugar da política na empresa. Ou seja, quanto de conteúdo
político que a empresa quer ter recomendado. Porque os outros pontos, como ‘a
gente vai se alinhar à defesa da liberdade de expressão’, isso é uma postura
política da empresa, é uma mudança de postura. É um impacto bem
transversal, em vários pontos dos produtos, que modifica desde as relações deles
com o jornalismo até a relação com moderação de conteúdo. E, quando você mexe
em sistemas automatizados de moderação de conteúdo, você não modifica o
incremental. Você modifica a estrutura porque a grande maioria do conteúdo
moderado é moderado porque tem robô buscando, porque tem robô detectando. A
quantidade é qualidade nesse caso. Então, não dá para dizer que é perfumaria se
vai mexer nisso.
·
Ou seja, vai mudar radicalmente a
experiência do usuário na plataforma?
É claro que depende, ele [Zuckerberg] não deu tantos
detalhes assim. Por exemplo, ele falou ‘tem coisa que a gente não vai mais usar
robô para detectar, vai vir só por denúncia’. Mas ele não faz a diferenciação,
ele não fala o que eles vão deixar de usar robô para detectar. Então, o quanto
vai mudar e o que vai mudar ainda é uma incógnita. É um anúncio do qual a gente
não sabe a implementação, mesmo que sejam anúncios impactantes.
·
Você falou no começo que é uma mudança que
reage ao contexto dos Estados Unidos, mas afeta o mundo inteiro. O que eu
queria entender é: eles doaram US$ 1 milhão para o comitê inaugural do Trump e
agora mudaram várias de suas políticas para se alinhar ao que querem os
republicanos. Mas o que a Meta tem a ganhar em uma administração Trump?
Eu vejo que o ponto é: o que ela tem a ganhar agradando
os democratas? Agradando a imprensa? E qual é a conta que eles faziam com isso?
Quanto, de fato, eles estavam agradando a imprensa e os democratas? Qual era o
custo disso? Porque, no limite, é mais uma renúncia a esse lado do que qualquer
coisa. Eles vão parar de performar a tentativa [de agradar imprensa e
democratas], é um pouco isso. O peso do pragmatismo é alto e quem paga o pato
são os usuários, em especial de geografias e grupos marginalizados.
·
Mas não tem uma questão também ligada ao
cenário regulatório, pensando no caso da FTC contra o Google. Isso não poderia
vir a afetar a Meta em algum momento?
Você diz no sentido de, se eles aderirem mais ao
governo Trump, eles seguram a FTC?
·
Isso.
Aderir mais ao governo Trump tem seus benefícios. Esse
é um deles, mas não só esse, tem outros. Como garantir uma boa vontade de todas
as agências, não só da FTC. Garantir a boa vontade do governo Trump está
claramente na conta, mas não é só por isso, embora essa seja uma coisa
importante. Se aproximar do governo para criar mais espaços de interação, mais
superfícies de contato amigáveis.
·
E que outros incentivos você põe na conta?
Acho que esse lado pragmático é super importante e ele
pega para alguns executivos, algumas pessoas. Mas acho que tem um lado de uma
aproximação que tem a ver com, vamos dizer assim, os republicanos tentaram se
aproximar dessas lideranças do Vale do Silício. Então, tem uma fadiga de pedir
desculpa pros democratas. O Mark Zuckerberg falou “tô cansado de pedir desculpas,
nunca é suficiente”. [O executivo da Meta já pediu desculpas publicamente a pais de
crianças e adolescentes que se suicidaram ou se feriram por impacto das redes
sociais durante uma audiência no Senado dos EUA]. Tem o Elon Musk enquanto uma
liderança, que se radicalizou, e é uma liderança respeitada entre essas
pessoas, e que está reclamando que está demais, um pouco simbolizando isso. E
eu diria que algumas dessas pessoas também estão aderindo mais ao programa mais
ideológico mesmo. Você pega o vice-presidente do Trump [JD Vance], que é uma
pessoa que circula super bem nos fundos de venture capital. Então, existe esse
lado que talvez não estivesse tão presente no primeiro governo Trump, do ponto
de vista orgânico. A mudança do Trump sobre bitcoins eu vejo um pouco como um
termômetro da coisa. O Trump está acenando para essa galera também, está
mudando o programa de como ele vê tecnologia. Em vez de ser uma coisa meio
faroeste, talvez seja até uma coisa mais pensada para isso, de buscar mais
cativar esse público.Então, é econômico, pragmático? Sim, mas talvez não seja
só isso. Talvez seja um estreitamento mais ideológico mesmo.
·
Tem um momento em que o Zuckerberg fala que
eles vão ‘trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos
estrangeiros que vão atrás de empresas dos EUA para censurar mais’. Me parece
que esse é um recado que tem um destinatário em Brasília e que mostra esse
alinhamento ideológico.
Claramente tem. Mostra, mas é difícil separar o que é
exatamente econômico e o que é exatamente ideológico. Porque, às vezes, o
discurso tem uma motivação econômica mesmo sendo ideológico ou
vice-versa. E ele se coloca mais a serviço dessa vertente, vamos dizer,
de política externa ou política mesmo que o Trump e seus aliados têm. É uma
adesão ao Musk e ao discurso que ele faz.
·
E o que seria, no caso da Meta, essa
cooperação, esse trabalhar junto com o presidente Trump, nas palavras de
Zuckerberg?
Pode significar um alinhamento maior, por exemplo, nos
esforços de discussão de fóruns internacionais, de acordos bilaterais. Tem toda
uma discussão, por exemplo, de como a ONU aborda determinado assunto, como a
Unesco ou a OCDE estão abordando esse assunto. E os Estados Unidos têm peso,
isso impacta a atividade da Meta também. Quais são as pautas que estão
colocadas? Então, toda a ideia do G20, por exemplo, de que o Brasil
colocou ‘integridade da informação’ como tema e levou isso adiante. Como isso
funcionaria diante de uma postura dessa no governo dos Estados Unidos? Será que
os EUA apresentariam mais resistência? Será que o Brasil conseguiria fazer esse
movimento? Será que, no futuro, esse movimento tem tração com os EUA se
posicionando dessa forma? O externo impacta no interno e vice-versa. O Brasil
ter conseguido isso [se posicionar] fez avançar uma série de discussões no
próprio Brasil e em outros países. Então, atuar junto, vamos dizer assim, é um
alinhamento mesmo. Talvez isso tenha especial peso em relação às legislações
europeias e à agenda europeia de regulação, por exemplo. Porque a agenda
europeia está atualizada, o DSA [Digital Services Act, a lei europeia que
regula plataformas digitais] já passou, mas tem outras coisas vindo por aí,
como regulação de influenciadores e de consumo, são coisas que estão na mira da
União Europeia nos próximos tempos. Será que vai haver uma conversa, um peso
dos EUA? Tem que ver um pouco caso a caso.
·
E no cenário regulatório brasileiro, essa
decisão da Meta influencia de alguma maneira?
Muda. Mas eu acho que isso está precificado na decisão
deles economicamente. Não vai ser bom para eles aqui. Isso não está comprando
boa vontade aqui, está comprando má vontade para eles. Eu acho que, na conta
que eles estão fazendo, a coisa vai se pagar, pois as perdas serão compensadas
com essa boa vontade nos EUA, infelizmente. Eles estão contando que, mesmo com
o mais grave que o Brasil (especialmente no âmbito do Supremo) fizer, vai se
pagar, seja pelo desinvestimento em algumas áreas, seja pelos ganhos que a
simpatia trará. Porque, também, a receita oriunda dos países
latino-americanos (e africanos) é meio irrisória. Se olharmos para os
relatórios para investidores que a empresa solta nos últimos anos, o “resto do
mundo” [África e América Latina] tem de 20% a 30% dos usuários ativos por dia,
mas com uma participação que não chega a 15% da receita total. Agora, nós,
sociedade, não podemos nos contentar com essa racionalidade puramente
econômica. Cada usuário é um cidadão, e isso só chama mais atenção para a
necessidade de regulação.
·
E no Congresso? Me parece que a conta seria
diferente porque eles podem comprar a maior boa vontade de toda uma ala
bolsonarista e de extrema-direita.
Mas o Congresso não é só movido a isso. O que o Mark
Zuckerberg fala ou deixa de falar não é o único elemento na cabeça do Congresso
brasileiro. A gente precisa ver o que o Hugo Motta [cotado para ser o próximo
presidente da Câmara dos Deputados] pensa, precisa ver como é que a Globo vai
se movimentar no Congresso em relação a isso. Porque a Globo pode usar isso
como ‘mais uma vez eles vão contra o jornalismo profissional’, por exemplo. Do
núcleo da oposição, não é tão dado que os bolsonaristas são tão pró-big tech
assim, pensando que tem muito deputado da oposição bolsonarista que não compra
a cartilha inteira pró-big tech. É um vetor a mais de força nesta arena, mas
não muda muito a pressão que a empresa já fazia na prática contra a regulação.
Isso já é dado também.
·
O anúncio da Meta tem um impacto tremendo
no jornalismo não só no Brasil, mas mundo afora. O Brasil já tem discutido
tentativas de sair desse modelo de financiamento [por big techs], mas como você
enxerga esse movimento?
Isso mostra que depender das plataformas e da boa
vontade delas não salvará o jornalismo. Tem que ter política pública. Vai ser
difícil pensar em qual vai ser a política pública, ela também não vai poder
criar uma nova dependência do jornalismo em relação ao Estado. Não é esse o
caminho. Mas existe uma discussão a ser feita sobre como o Estado tem que criar
política para gerar condições de sustentabilidade para esse setor. Seja para o
setor inovar e buscar novas receitas, seja para competir não só com as big
techs, mas com outros atores por receitas diversas, seja para participar dessa
geração de riqueza em outro lugar. Mas não vai ter jeito, não vai dar para
ficar contando com esses programas mais. É um vetor a mais de força nesta
arena, mas não muda muito a pressão que a empresa já fazia na prática contra a
regulação. Isso já é dado também.
·
Sabe-se que a checagem de fatos não é
necessariamente a ferramenta mais eficiente, mas também que a sua ausência vai
impactar alguns contextos mais do que outros. Qual sua análise sobre esse
ponto?
Mesmo que esses contratos com checadores não
resolvessem o problema como um tudo, existe uma discussão sobre quais são os
incentivos colocados para um tipo de atividade que, mesmo que não gere uma
imediata mudança de comportamento político, é uma atividade importante e ponto.
Então, por que tem que ter checagem? Por que as pessoas vão mudar de opinião ou
por que isso é importante para as pessoas que querem acessar a checagem, sejam
elas de qual opinião elas forem? Acho que a discussão meio consequencialista
tira o valor da coisa. A gente quer ter um serviço que a gente vai botar lá o
que o político falou e o jornalismo vai nos dizer se ele falou uma verdade ou
mentira. Se a gente não tiver uma conversa sobre o porquê isso é importante ou
não, e quanto isso é uma técnica que existe método para fazer, aí joga tudo
fora só porque não muda a opinião das pessoas?
·
A linguagem, falar em viés
e censura, é muito ideológica. Censura onde?.
E a linguagem, falar em viés e censura, é muito
ideológica. Censura onde? No máximo, existe uma certa pressão de governos,
especialmente do governo norte-americano, em relação ao conteúdo que tinha a
ver com covid-19. Mas você não espera isso de um governo preocupado com a saúde
pública, tendo as evidências colocadas ali? É uma pressão que não é
necessariamente revertida em alguma sanção. Mas tirando esse fato, é
sobre o quê? É a sociedade se manifestando que gostaria que o Facebook fosse
mais severo na moderação de conteúdo X ou Y? Não acho que isso é censura, é uma
sociedade querendo que o ambiente online oferecido por aquela plataforma seja
mais de um jeito ou de outro. Mas dizer que é censura… eu vejo como uma adesão
ao vocabulário que não teria necessidade. O único jeito de interpretar é que é
político-ideológico mesmo, está falando para esse público, é um sinal para esse
público.
¨ "Extremamente
grave", diz Lula sobre mudança na política de checagem de fatos da Meta
Em meio a mudanças
anunciadas pela Meta, empresa controladora do Facebook e Instagram, o
presidente Lula (PT) expressou preocupação com o impacto do fim da política de
moderação de conteúdo da gigante tecnológica. Em declaração a jornalistas nesta
quinta-feira (9), Lula classificou a situação como “extremamente grave” e
defendeu que cada país deve preservar sua soberania para definir os limites de
atuação das redes sociais.
“Eu vou fazer uma reunião
hoje para discutir a questão da Meta. Acho que é extremamente grave as pessoas
quererem que a comunicação digital não tenha a mesma responsabilidade do cara
que comete um crime na imprensa escrita. É como se um cidadão pudesse ser
punido porque ele faz uma coisa na vida real e pudesse não ser punido por fazer
a mesma coisa na rede digital. O que nós queremos, na verdade, é que cada país
tenha a sua soberania resguardada. Não pode um cidadão, dois cidadãos, três
cidadãos acharem que podem ferir a soberania de uma nação”, afirmou Lula.
A declaração do presidente
ocorre após o anúncio da Meta sobre uma mudança radical em sua política de
checagem de fatos. A empresa decidiu abandonar as parcerias com verificadores
de fatos terceirizados, substituindo-as por um sistema de “notas da
comunidade”, semelhante ao modelo adotado pelo X (antigo Twitter), de Elon
Musk.
Mark Zuckerberg, CEO da
Meta, justificou a alteração como um movimento em direção à descentralização do
controle sobre o conteúdo. Segundo Joel Kaplan, Chefe de Assuntos Globais da
empresa, as parcerias anteriores com verificadores de fatos tinham boas
intenções, mas acabaram “prejudicadas por preconceitos políticos” na escolha e
no tratamento dos temas verificados.
“Agora temos uma nova
administração e um novo presidente [Donald Trump] que são grandes defensores da
liberdade de expressão, e isso faz a diferença”, afirmou Kaplan, sugerindo que
a mudança reflete uma aproximação com valores defendidos pela nova
administração norte-americana.
Críticos apontam para o risco
de desinformação em massa e polarização política, enquanto aliados da direita
celebram o fim do que consideravam uma abordagem tendenciosa.
Fonte: Por Laís
Martins, em The Intercept/Brasil 247
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