sábado, 11 de janeiro de 2025

Atílio Borón: As perplexidades do “milagre argentino”

O governo de Javier Milei completou um ano e o balanço não poderia ser mais desanimador. O “maior ajuste que a humanidade já teve”, como o presidente orgulhosamente o descreveu em seu discurso, reduziu o PIB em pelo menos 4%, despencou o consumo das classes populares, empobreceu grandes segmentos das classes médias, causou o desaparecimento de quase trezentos mil empregos e o fechamento de 16.500 pequenas e médias empresas e 10.000 pequenos estabelecimentos. As pessoas estão comendo muito menos carne, as crianças estão bebendo muito menos leite: um milhão delas vai para a cama sem jantar e, de acordo com a UNICEF, esse número sobe para quatro milhões e meio de pessoas se os adultos forem levados em conta. 

Com a renda cada vez mais reduzida, as famílias têm que gastar muito mais do que antes com água, gás, eletricidade, telefone e transporte. Aqueles que tiverem a infelicidade de adoecer terão muita dificuldade para serem tratados em hospitais públicos, onde os orçamentos foram ferozmente cortados e os funcionários lutam há anos por um aumento salarial muito necessário. Acrescente a isso o fato de que os honorários médicos pré-pagos foram para a estratosfera e, como resultado, já existem legiões de famílias de classe média que costumavam ter condições de pagar, mas não podem mais, e que agora recorrem infrutiferamente ao hospital público. Isso sem falar no preço dos medicamentos necessários para a população, especialmente para os idosos, que antes eram distribuídos gratuitamente pelo PAMI e agora foram reduzidos ao mínimo. 

A imagem de vovôs e vovós implorando nas farmácias para que lhes vendam medicamentos avulsos ou deem uma amostra médica porque não podem pagar pelo medicamento tornou-se um clássico no panorama social da Argentina libertária. As pessoas doentes que precisam de remédios oncológicos são recebidas com indiferença por um governo que transformou a crueldade em uma de suas características mais marcantes. E se falarmos de educação, o governo aprofundou até limites desconhecidos o esvaziamento da educação pública em todos os níveis, sendo o ataque às universidades nacionais um de seus objetivos mais ferozes. A situação é igualmente alarmante se falarmos de educação escolar e secundária, também afetadas por um esvaziamento que vem ocorrendo há muitos anos. Como é possível que no distrito mais rico da Argentina, a Cidade Autônoma de Buenos Aires, suas escolas públicas não tenham vagas suficientes para atender à população infantil?

Em uma situação como essa, em que o Estado negligencia as funções essenciais que garantem o bem-estar de sua população (algo que não acontece nos capitalismos metropolitanos), a indiferença oficial diante de tanto sofrimento é surpreendente. Mas basta lembrar que o emblema que sintetiza a ideologia desse governo é “onde há necessidade há mercado”, uma frase que a Casa Rosada contrasta com o suposto “excesso populista” de Evita, quando ela disse, com razão, que “onde há necessidade nasce um direito”, algo que constitui uma demanda democrática legítima. Esse emblema, que equipara a necessidade ao mercado, demonstra a ignorância que prevalece nas fileiras do partido governista, seu desconhecimento fenomenal da história do capitalismo “realmente existente”, que nada tem a ver com as imagens idílicas de empreendedores privados diligentes que respondem aos estímulos dos mercados, A ideia de que a necessidade gera um mercado não é apenas empiricamente errada, ela também sofre de uma imoralidade imperdoável.

A lista dos horrores desse primeiro ano de governo libertário seria interminável. Eu me abstenho de falar sobre política externa porque, nesse caso, o catálogo de aberrações e erros seria ainda maior. No aspecto social, esse experimento produziu pessoas ricas mais ricas, graças à determinação de Milei de “aumentar seus bolsos”; e muito mais pessoas pobres – pelo menos metade de nossa população, com uma metodologia que subestima as dimensões reais da pobreza – e também mais pobres do que antes. Não é o socialismo, mas o “anarcocapitalismo” governante que merece o adjetivo “empobrecedor”, que Milei atribui a todo governo progressista ou de esquerda. Ou há alguma dúvida de que a grande maioria dos argentinos foi empobrecida por esse governo? Além disso, como podemos descrever a destruição do sistema científico, o ataque às artes e à cinematografia, o desprezo por tudo o que se afasta da lógica que reduz as criações mais exaltadas da humanidade ao status de mercadoria, objetos que só têm valor na medida em que podem ser uma fonte de lucro? Esse é o verdadeiro significado da batalha cultural proposta pelos libertários. É surpreendente que esse verdadeiro desastre econômico, social, cultural e político, em apenas um ano, tenha sido descrito pelo presidente como “o milagre argentino”. Uma frase que, sem dúvida, entrará para a história, certamente não por boas razões.

Para concluir, permita-me dizer algumas palavras sobre os números que o presidente apresentou em seu discurso. Vamos nos concentrar apenas naqueles relacionados à inflação, nos quais o número tenebroso de 17.000% aparece pela enésima vez como um espectro terrível que se agita nas profundezas da caverna onde são guardadas as poções mágicas do “anarcocapitalismo”. É óbvio que Milei procura se fortalecer apelando para o “sucesso” de sua luta contra a inflação. O último número, de novembro, foi de 2,4%, e foi comemorado na Casa Rosada como uma conquista histórica. Mas uma olhada rápida na vizinhança fornece um necessário banho de sobriedade, pois mostraria que, por exemplo, em outubro esse valor foi de 0,33% no Uruguai, 0,56% no Brasil e 1% no Chile, enquanto na Colômbia o indicador foi negativo: -0,13%. A necessidade do governo de convencer a opinião pública de que controlou a inflação é compreensível, já que sua vitória nas eleições do ano passado se explica em grande parte pela inépcia do governo da Frente de Todos em conter esse flagelo. Mas apresentar como positiva uma taxa de inflação mensal que é cerca de oito vezes maior do que a do Uruguai e quase cinco vezes maior do que a do Brasil parece um pouco excessivo, para dizer o mínimo. Além disso, tanto Milei quanto seus inúmeros porta-vozes no ecossistema da mídia, bem como os políticos que apoiam seus projetos no Congresso e nas províncias, são muito cuidadosos ao dizer que o controle relativo da inflação é o resultado de uma terapia de choque que pune a economia como um todo. A queda nos níveis de consumo devido à deterioração dos salários nos setores formal e informal e nas pensões de aposentadoria teve o efeito de reduzir o consumo e, portanto, “achatar” os preços, criando a ilusão de que a inflação – que tem causas estruturais e não é uma questão de emissão monetária excessiva, como afirma o governo – foi derrotada. A inflação é uma expressão da luta distributiva e reflete o controle que os oligopólios formadores de preços exercem sobre o preço de bens e serviços. Não há dúvida de que houve uma mudança na tendência das taxas de inflação, mas ela não foi derrotada e não há razão para acreditar que, assim que a atual recessão terminar, a inflação não voltará com vigor renovado. Os fatores estruturais que a explicam não foram minimamente controlados por um governo que concebe sua missão como “destruir o Estado a partir de dentro” e que se esforça para eliminar todas as restrições que as autoridades devem impor para evitar o darwinismo social do mercado, que tem como uma de suas consequências justamente a inflação.

¨      Otimismo com a economia da Argentina pelos próximos meses contamina metade da população

Os argentinos estão se tornando mais otimistas em relação ao futuro da economia de seu país, uma mudança que pode encorajar o presidente Javier Milei, que tem uma mentalidade austera, antes das eleições de meio de mandato no final deste ano.

Quase metade dos argentinos – 49% – disse em dezembro que espera que a economia melhore nos próximos seis meses, um aumento de oito pontos percentuais em relação a outubro, de acordo com a LatAm Pulse, uma pesquisa realizada pela AtlasIntel para a Bloomberg News. A parcela que espera que a economia piore caiu para 39%, de 53% dois meses antes.

Embora apenas 19% atualmente classifiquem a economia como boa, essa é a primeira pesquisa da LatAm Pulse em que o número de argentinos que expressam uma perspectiva positiva sobre os próximos seis meses excedeu o número dos que esperam tempos piores.

Um sentimento crescente entre os consumidores de que os próximos meses não serão tão ruins quanto se pensava está entre os fatores que alimentam o otimismo. O número de argentinos que disseram que esperam fazer menos compras nos próximos seis meses caiu de 57% em outubro para 43% em dezembro.

Milei está entrando em 2025 com um impulso a seu favor, que a perspectiva mais positiva deve fortalecer, potencialmente reforçando sua força política antes das eleições legislativas no final deste ano.

A Argentina saiu de uma recessão brutal no terceiro trimestre de 2024, e a atividade econômica está se recuperando, enquanto a inflação continua a arrefecer. O banco central divulgou na semana passada um acordo de recompra de US$ 1 bilhão com cinco credores internacionais, incluindo alguns bancos de Wall Street, um voto de confiança dos mercados. Milei também está prevendo apoio adicional dos EUA quando o presidente eleito Donald Trump assumir o cargo no final de janeiro.

O índice de aprovação do presidente libertário permaneceu estável em 47% em dezembro, segundo a pesquisa.

A AtlasIntel entrevistou 1.842 pessoas na Argentina entre 27 e 31 de dezembro. A pesquisa tem um nível de confiança de 95% e uma margem de erro de mais ou menos dois pontos percentuais.

¨      Argentina deve ter inflação anualizada abaixo de 100% em janeiro

A inflação da Argentina deve chegar abaixo de 100% nos 12 meses encerrados em janeiro de 2025. A taxa anualizada deve atingir 85% no período, segundo estimativa da agência de classificação de risco Austin Rating.

A última vez em que a variação interanual da inflação argentina esteve em um patamar de 2 dígitos foi em janeiro de 2023 (98,8%), sob a presidência de Alberto Fernández (Partido Justicialista, esquerda). De lá para cá, o pico se deu em abril de 2024 (289,4%), já no governo de Javier Milei (La Libertad Avanza, direita).

RAZÕES PARA DESACELERAÇÃO

Milei vem promovendo corte de gastos em sua administração, como a retirada de subsídios. Durante a campanha, o presidente argentino havia feito a promessa de que reduziria drasticamente as despesas. O simbolismo se deu ao erguer por diversas vezes a motosserra.

O libertário reduziu o número de ministérios de 18 para 9 em seu 1º decreto como chefe de Estado. Interrompeu a maioria das obras públicas e diminuiu o repasse de recursos para províncias, educação e saúde. Também vetou o aumento para aposentados. As medidas têm levado o país a registrar superavit fiscal mês a mês.

Economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini reforça que os preços de bens e serviços na Argentina continuam a crescer, mas em um ritmo menor. Ele diz haver algumas razões para a desaceleração brusca:

# desvalorização do peso – “Os preços subiram muito no início do governo Milei por isso. Então, é natural que ao longo do tempo você tenha uma base de dados maior de comparação, mas o crescimento [dos preços] é menor”;

# atividade econômica fraca – “Em 2024, a Argentina deve ter uma queda do PIB [Produto Interno Bruto] de 3,5%. Em 2023, já havia tido uma queda de 1,6%. Com isso, a taxa de desemprego subiu bastante, saindo de 6,1% em 2023 para 8,2% em 2024. Então, esses fatores de desemprego em alta e PIB em queda também derrubam a expectativa de inflação. Você tem uma economia com uma situação de crescimento baixo, desemprego alto, aumento da pobreza e, obviamente, isso tem um impacto nos preços”..

POBREZA EM PATAMAR ELEVADO

Em 26 de setembro, o Indec (Instituto Nacional de Estatística e Censos) informou que 15,7 milhões de pessoas estavam em situação de pobreza no 1º semestre de 2024. Se estendido às áreas rurais, o número chega a 24,9 milhões de argentinos, resultando em 52,9% da população total do país nessa situação.

Esse número diz respeito à média mensal para os 6 primeiros meses do ano.

Na prática, o Indec indica que 3,4 milhões de argentinos passaram a figurar em situação de pobreza nos 6 meses iniciais da gestão de Javier Milei. Ao todo, 5,4 milhões de argentinos estão em pobreza extrema (18,1% da população).

Em 19 de dezembro, o Conselho Nacional de Coordenação de Políticas Sociais projetou a taxa de pobreza em 38,9% no 3º trimestre de 2024.

¨      Disputa de poder no círculo íntimo de Milei gera tensão em Buenos Aires e enfraquece governo

Desde o começo de sua presidência, até mesmo durante a campanha, Javier Milei é caracterizado como um político que tem um círculo íntimo minúsculo, quase impenetrável, no qual se apoia para tomar suas principais decisões de governo.

Fontes da Casa Rosada disseram ao jornal O Globo que esse círculo, atualmente, é constituído por apenas duas pessoas: a secretária-geral da Presidência, Karina Milei, irmã do presidente, e o estrategista Santiago Caputo, que não tem cargo, mas acumula cada vez mais poder no governo argentino.

De acordo com a mídia, nas últimas duas semanas, Karina e Caputo expuseram nas redes sociais sua guerra interna, gerando um clima de tensão pelas consequências negativas que a disputa poderia ter para a administração argentina.

"Os dois estão construindo uma estrutura de poder e o crescimento de Caputo incomoda Karina. A falta de experiência política deste governo fica evidente quando os dois principais assessores do presidente não conseguem esconder uma tensão interna, expondo, assim, uma fragilidade institucional", comentou o jornalista Julián Alvez, do jornal El Cronista, que cobre diariamente os movimentos na Casa Rosada.

Nos últimos meses, relata a mídia, Caputo desembarcou com seus colaboradores em organismos do Estado como a Agência Federal de Inteligência (AFI), a Receita Federal local (AFIP), e a companhia estatal de petróleo YPF, entre outras áreas do governo.

Sempre com o aval do presidente, o estrategista conseguiu a nomeação de funcionários amigos, e, assim, acesso aos recursos econômicos administrados por cada um dos organismos que passou a, indiretamente, controlar, diz a mídia.

Já o poder de Karina Milei é, assegura o jornalista e escritor Juan Luis González, biógrafo não autorizado do presidente, "impossível de ser desafiado". As jogadas de Caputo, acrescentou o escritor, "estão fadadas ao fracasso".

Um dos exemplos desse "poder" foi o fato de Milei viajar para cúpula do G7 na Itália apenas com a irmã.

"Até a chegada de Caputo, a irmã do presidente estava acostumada a ter empregados. Com Caputo selou uma sociedade por conveniência. Mas com os irmãos Milei é sempre assim, quando alguém cresce, passa a ser visto como ameaça e rapidamente é excluído", apontou González, citado pelo Globo.

O jornal ainda afirma que o novo conflito no governo argentino se soma a outro que existe desde o primeiro dia de gestão de Milei, entre o presidente e sua vice, Victoria Villarruel, vista com desconfiança pelo chefe de Estado e por Karina.

A relação entre ambos é bastante similar a que tiveram o ex-presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, com a diferença de que Villarruel tem menos poder que Kirchner, "e a única coisa que consegue com suas jogadas contra o presidente é incomodar um pouco", escreve a mídia.

"O conflito entre Karina e Caputo é preocupante, porque poderia abrir a porta para uma crise maior. Ele mostra um governo dividido, e profundamente improvisado. [...] a economia está mais estável, mas muitos problemas continuam sem serem resolvidos. Se Milei não conseguir melhorar de forma consistente a situação econômica, os problemas podem aumentar. Nesse caso, um governo dominado por tensões internas seria catastrófico", explicou Juan Negri, doutor e mestre em Ciência Política da Universidade Torcuato Di Tella, localizada em Buenos Aires.

Gónzalez acrescenta que "Karina e Javier são pessoas muito solitárias, e com grandes ambições. Para quem observou seus movimentos nos últimos anos, é impressionante ver como pessoas que eram muito próximas de ambos foram ejetadas das estruturas de poder por desconfiança. Ambos são paranoicos", frisou o biógrafo.

¨      Milei volta a atacar vice-presidente argentina e diz que ela não respeita a 'vontade dos cidadãos'

O presidente da Argentina, Javier Milei, voltou a criticar a vice-presidente Victoria Villarruel. Em entrevista à mídia local, o líder argentino afirmou que ela não está alinhada com as demandas apresentadas pelos cidadãos ao concederem a vitória à chapa nas eleições presidenciais de 2023.

"Ela não está em sintonia com o que os argentinos querem", disse Milei em entrevista à rádio El Observador.

O presidente, que no final de semana questionou Villarruel por afirmar que, como vice-presidente, recebia "dois tostões", declarou que a ex-companheira de chapa "tem cometido uma série de erros desnecessários".

"Ela teve muitas declarações e atitudes que não estão alinhadas com o que 57% dos argentinos votaram nas eleições de 2023", avaliou.

Embates desde o início da gestão

Desde o primeiro dia da gestão Milei, há um conflito entre ele e Villarruel, vista com desconfiança pelo chefe de Estado e sua irmã Karina Milei, que é secretária-geral da Presidência.

A relação entre ambos é bastante similar à que tiveram o ex-presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, com as diferenças de que Villarruel tem menos poder que Kirchner e de que "a única coisa que consegue com suas jogadas contra o presidente é incomodar um pouco", escreve a mídia.

 

Fonte: Opera Mundi/Bloomberg/Sputnik Brasil

 

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