Família Coelho — cem anos de
oligarquia
Oligarquia, patrimonialismo, mandonismo, clientelismo
ou fisiologismo, todos os conceitos chaves para uma ciência política sobre o
Brasil cabem à história da família Coelho em Petrolina (PE)
“Neste domingo, 07/07, acontecerá um fato inédito em
Petrolina: a reunião de todos os membros da tradicional família Coelho em uma
cidade que se destaca nacionalmente. Será um momento aconchegante, reunindo
avós, pais, filhos, netos e bisnetos dessa numerosa família, cujas raízes estão
firmemente plantadas nesta cidade caatingueira e ribeirinha”.
Para os curiosos da história dos anais do jornalismo,
tal chamada pode nos levar a crer que se trata de trecho de uma notícia de
meados do século XX publicada no Jornal do Commercio, de
Pernambuco. Entretanto, se trata de nota sobre o encontro de gerações da
família Coelho ocorrido no ano de 2024. A notícia continua: “Começando (…) por
Clementino Coelho, que foi vice-prefeito de Marcelino Santana dos anos (?) a
partir de 1910. Desde então, o brasão da família Coelho se popularizou pelo
Brasil”.
Julho de 2024. Mais de uma centena de membros da
família Coelhos se reúnem em Petrolina. Comemoração de mais um século.
Diz-se que este ramo dos Coelhos remonta em linha direta de fidalguias
portuguesas aqui chegadas ainda no século XVIII. Gente que reside em outros
países e regiões do Brasil; são as novas gerações do clã, já herdeiras diretas
de uma fortuna de números desconhecidos. O mesmo não se pode dizer de sua
origem, calcada na propriedade da terra e na exploração do Vale do Submédio São
Franciso, região que se estende entre Pernambuco e norte da Bahia.
Latifúndio, patrimonialismo, a política do
“coronelismo, enxada e voto”, são o amálgama da história das oligarquias do
nordeste tão estudadas no século XX e pouco debatidas na atualidade. São
oligarquias quatrocentonas no século XXI. Certamente o cenário econômico passou
por transformações profundas que modificaram a forma da exploração da terra e
da mão de obra em nossos sertões.
Neste caminho, uma modernização conservadora projetou
um neoliberalismo devastador que mudou radicalmente o cenário dos sertões
nordestinos. A partir do primeiro governo Lula, os anos 2000 deram espaço para
grandes transformações naquele cenário. Na região, as políticas de investimento
industrial fomentaram a chegada de uma avalanche de capital investidor sob a
forma da especulação da terra a partir do setor agrário. Produções de
transgênicos e as diversas formas de atuação do Agro se espalharam pelas
margens do Médio São Francisco. Monsanto-Bayer, Pepsico, e dezenas de
médias indústrias se instalam no que se tornará um dos grandes e promissores
polos do mercado produtor da fruticultura. Bode, uva, manga, cana-de-açúcar e
transgênicos.
Nesse combo do agronegócio, o crescimento urbano
acelerado e mal planejado destruiu em tempo recorde milhares de hectares de
caatinga. Expoente da nova configuração socioeconômica da cidade e de seu
entorno, o crescimento populacional acarreta a especulação da terra de
questionáveis proprietários, sedimentando o enriquecimento de empresários do
setor da construção civil através da criação de loteamentos e conjuntos
habitacionais sem infraestrutura adequada, sendo estes financiados
majoritariamente pela Caixa Econômica Federal através do Minha Casa, Minha
Vida.
A gestão dessas mudanças passa pelo birô
político-empresarial dos Coelhos, a 3ª Superintendência Regional da
Codevasf. A estrutura jurídico-política, de organização ímpar, inclui a
ingerência sobre a RIDE, a Região Administrativa Integrada de
Desenvolvimento do Polo Petrolina e Juazeiro, que possui a sua própria constituição
legal e espaço para a anomia. Criada durante o último governo FHC, o
Decreto-Lei que a regula já foi ajustado por Lula e por Jair Bolsonaro, ao
gosto dos seus conselhos administrativos.
·
Como coelhos
Coronel Clementino Coelho é pai de Nilo Coelho, que é
irmão de Geraldo Coelho e de Oswaldo Coelho, que é pai de Guilherme Coelho, que
é sobrinho de Gercino Coelho, pai de Nilo Augusto Coelho. Gercino é irmão de
José de Souza Coelho, que é pai de Cyro Coelho e de Luíz Coelho, que são
sobrinhos de Paulo Coelho, que é pai de Clementino de Souza Coelho e de
Fernando Bezerra Coelho. FBC é pai de Miguel Coelho, que é irmão de Antônio
Coelho e de FBC Filho…
Paramos por aqui, sem esgotar esta genealogia
arquetípica da história do Brasil desde o período colonial. Pode haver alguma
confusão nesta genealogia, o que não vem ao caso. Importa dizer que são ou
foram políticos de alcance municipal, estadual, regional e nacional. Prefeitos,
vereadores, deputados estaduais e federais, senadores; presidente do Senado e
do Congresso Nacional. Ministros, secretários de estado nos âmbitos e áreas as
mais diversas possíveis. Industriais, fazendeiros, latifundiários, empresários
de diversos ramos de atuação, incluindo meios de comunicação de rádio e TV,
como a afiliada da Rede Globo na região do Sertão do São Francisco, a TV Grande
Rio.
No ramo do agronegócio, nada escapa à cadeia
extrativista gerida pela família, nem mesmo o emblemático bode, símbolo da
região. Dão nome a ruas, bairros, Projetos de interesse social, prédios de
órgãos públicos, parques etc. Compõe o clã até mesmo um milionário do Vale do
Silício.
À propriedade de terras lavradas pela família Coelho ao
longo dos séculos somou-se a diversificação de suas empresas e ramos de
atuação, ao lastro da política que lhes dá sustentação. Aqui, a política é birô
de negócios no sentido mais estrito do termo. É o governar para administrar à
olhos vistos sua própria riqueza e com o consentimento e entusiasmo da própria
população. Perdura na região o clientelismo do “Ao menos eles trazem algo para
cá”; um misto de chantagem e complacência típico dos sertões empobrecidos dos
séculos passados. Ou, ainda hoje.
·
Fortalecimento na ditadura
Quem entra no Parque Municipal de Petrolina Josefa
Coelho, se depara com a reprodução de uma fotografia em que se vê a matriarca
que dá nome ao aparelho público sentada em uma cadeira de balanço tendo ao seu
lado João Baptista de Figueiredo. O ditador visitava a cidade e, sentado de
modo curvado, parece se render à altivez da anfitriã. Um capítulo desta história
que definiria os rumos da família e consolidaria seu poder desde meados dos
anos 1960.
O apoio do clã à ditadura civil-militar nos estados de
Pernambuco e do norte da Bahia foi de grande importância para os generais. Foi
através da família, feita correia de transmissão da ditadura, que o poderio
militar se estabelecera em Pernambuco a mãos de ferro pelos políticos biônicos,
tais como Nilo Coelho, Paulo Pessoa Guerra (personagem chave na deposição de
Miguel Arraes em 1964 pelo Regime Militar), Cid Sampaio e Gustavo Krause
(prefeito biônico de Recife e pai da atual vice-governadora de Pernambuco,
Priscila Krause).
Os braços políticos dos Coelhos se espalharam,
sobretudo, a partir de Paulo Coelho. Fernando Bezerra Coelho & filhos se
consolidam no ramo e têm conseguido êxito em dar continuidade aos projetos de
poder familiar.
A forma de fazer política da família é sui
generis. Aparentemente, se mostram completamente desprovidos de qualquer
fundamento e princípios políticos e ideológicos. Conseguem imiscuir-se em
governos dos mais diversos partidos e linhas políticas sob papeis de proa de
forma invejável por qualquer grupo político do país. Eis o segredo da
manutenção de um poder familiar forte e extremamente centralizador em torno de
si: caráter e moralidade política igualmente questionável e cinicamente
surpreendente.
Outro segredo é a discrição rigorosa. Fugir dos
holofotes foi uma máxima para os Coelhos; agir com discrição garantiu sua
sustentação política longe de grandes embates e contendas públicos. Igualmente
discreta é a sempre tímida exposição de seus domínios e riquezas.
A história da política em Pernambuco segue o fio
condutor quase invisível mantido firme pelo clã, outro segredo tático para
assegurar seu poder local sobre toda a região: “Não mexa aqui e nosso apoio é
garantido”; uma máxima. Adotaram uma tática defensiva de barricadas em torno de
seu latifúndio feito cidade. Exemplo de uma forma política quase que intocável
e pouco vista em sua inteireza.
Porém, também faz parte desse modus operandi fazer-se
presente em outras regiões do Estado. Por exemplo, hoje, Antônio de Souza Leão
Coelho (sim, há um cruzamento interfamiliar com outras elites pernambucanas) é
deputado estadual licenciado e atual Secretário de Turismo de Recife, cargo sem
importância e que ocupa apenas como um marcador simbólico do alcance da
família. À benção dos Coelhos, governa João Campos.
Os donos da terra se reúnem neste ano de 2024 e
demarcam simbolicamente o seu domínio. Não vivem mais a cidade. Oligarquia,
patrimonialismo, mandonismo, clientelismo ou fisiologismo, todos os conceitos
chaves para uma ciência política sobre o Brasil cabem à história da família
Coelho. Para eles, centrão, direita, progressismo, extremismo são portas
abertas de par em par. Uma história ainda a ser alvo da esquerda no Estado, que
não sabe da sua importância estrutural para a política oligárquica
pernambucana.
Fonte: Por André Ricardo Dias, em A Terra é Redonda
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