segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Trump deve acirrar disputa entre Brasil e EUA no agronegócio

O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos no próximo dia 20 deve acentuar a concorrência no agronegócio entre Brasil e Estados Unidos. Trump volta ao poder com o anúncio de políticas comerciais protecionistas que, por um lado, podem favorecer o comércio de produtos agropecuários brasileiros a países importadores, como a China mas, de outro lado, tendem a embaraçar negociações para ampliações e aberturas de mercados entre os países. Para especialistas em comércio exterior, representantes de entidades privadas e do governo, ouvidos pelo Broadcast Agro, o agronegócio brasileiro pode ganhar com as políticas protecionistas de Trump nas exportações a outros países, mas perder no próprio comércio com os Estados Unidos.

Nessa equação, um dos principais fatores é a potencial retomada da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Trump promete aplicar tarifas elevadas sobre produtos importados pelos Estados Unidos e repetir o conflito com o gigante asiático – tônica da sua primeira gestão. Em eventual troca de retaliações entre os países, o Brasil pode se favorecer do redirecionamento da demanda chinesa de soja e milho, embora em menor grau ao observado na primeira fase da guerra comercial sino-americana no primeiro mandato de Trump.

A tendência é o Brasil ocupar mais espaço no fornecimento de grãos ao mercado asiático, se confirmada uma escalada do conflito comercial sino-americano, pelo menos no curto prazo. “Hoje exportamos 64% de soja, carne, algodão e milho para a China, enquanto os Estados Unidos exportam 34%. Portanto, os ganhos não seriam tão grandes como foram na primeira fase da guerra comercial, mas pode haver benefícios no curto e médio prazo”, avalia o coordenador do Insper Agro Global, Marcos Jank. Jank pondera que a China, entretanto, tende a não querer abrir mão da possibilidade de adquirir soja do Hemisfério Sul e do Hemisfério Norte em diferentes períodos do ano a preços mais competitivos. “Outra preocupação a médio prazo seria um eventual acordo de trégua entre os países, o que faz parte do jogo político de pressão e ameaças do Trump em uma possível cessão da China”, pontua Jank.

Na avaliação da diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori, o Brasil tem condições de ampliar o fornecimento de alimentos para a China e demais destinos, seja a demanda adicional gerada por uma guerra comercial ou por questões climáticas adversas. Mori pondera que a disputa sino-americana pode ser mais crítica em comparação com a primeira fase. “A composição do governo Trump 2 será diferente do Trump 1 pela situação geopolítica global. Trump volta com maior legitimidade, apoio político interno e liberdade para, inclusive, intensificar uma guerra comercial com a China. Por outro lado, a China mantém uma influência geopolítica muito grande”, observou. “Temos de aguardar a chegada de Trump ao governo para ver as medidas implementadas e também como o Brasil vai se comportar nesse cenário. Defendemos o pragmatismo nas relações porque o agronegócio brasileiro vende para o mundo inteiro”, argumenta Mori.

Já na relação com o Brasil, além do distanciamento ideológico entre os governos Trump e Lula – que declarou apoio à democrata Kamala Harris -, a postura de Trump de maior protecionismo à produção local pode atrapalhar as tratativas para aberturas e ampliações de mercados entre os países. Diplomatas que atuam nos Estados Unidos avaliam que a possibilidade de ampliar a cota de carne bovina (hoje de 65 mil toneladas ao ano) e de açúcar brasileiro (volumes estipulados por ano) vendidos ao mercado norte-americano dependerão de contrapartida brasileira – como a redução da tarifa sobre importação de etanol dos EUA. O Brasil quer também vender mais frutas aos Estados Unidos, como limão taiti, enquanto os Estados Unidos querem ampliar vendas de vinhos, carnes premium, peras, cerejas americanas, salmão selvagem e proteína de leite.

Os Estados Unidos foram o segundo principal destino dos produtos agropecuários brasileiros no ano passado, com exportações de US$ 12,092 bilhões, respondendo por 7,4% do total exportado pelo agronegócio no ano. Os embarques concentram-se em café verde, celulose, carne bovina in natura, suco de laranja e couro, segundo dados do sistema de estatísticas de comércio exterior do agronegócio brasileiro. Já o Brasil importou US$ 1,028 bilhão em produtos do agronegócio dos Estados Unidos no último ano.

Do lado do governo brasileiro, a intenção é manter as negociações bilaterais em andamento e a relação comercial “de confiança, a despeito de posições políticas”, segundo o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Luis Rua. “Os Estados Unidos são um importante parceiro do Brasil também do ponto de vista de investimentos e com um ecossistema de inovação agropecuária importante. A ideia é manter uma relação fluida, exportando produtos complementares à pauta, como o café, entre outros, e aprofundando a relação no que for possível”, afirmou Rua. “Dependendo da política comercial que for adotada pelo presidente Trump, o Brasil sempre estará disponível aos demais países do mundo para prover eventuais necessidades que esses países possam ter em virtude de uma possível escalada protecionista nos Estados Unidos com reflexo nos produtos exportados pelos norte-americanos”, acrescentou Rua, em entrevista recente à reportagem.

Para Jank, o Brasil não é um país que apresenta ameaça à política comercial de Trump, por ser uma balança comercial geral deficitária para os produtos brasileiros – em 2024, exportações totais atingiram US$ 40,330 bilhões ante importações de US$ 40,583 bilhões. “Os americanos vão escolher amigos e inimigos para as políticas comerciais. Do ponto de vista do Brasil, não há fatores comerciais que possam afetar as relações bilaterais, pelo contrário, há potenciais similaridades e contribuições em biocombustíveis e tecnologia agrícola”, afirmou o professor do Insper. Em contrapartida, Jank vê possibilidade de maior pressão dos Estados Unidos para a diminuição da tarifa aplicada sobre o etanol exportado ao Brasil, hoje de 18%. Ele enxerga também fundamentos de mercado para o Brasil buscar o aumento da cota de carne bovina exportada aos EUA em virtude da crise na pecuária local.

Para Mori, da CNA, o interesse do agronegócio brasileiro em ampliar o comércio com os Estados Unidos continua. “A expectativa é que o pragmatismo seja mantido. Não há sinalizações de que isso vá mudar. Historicamente, já vimos outros momentos de desgaste entre governos e ausência de impactos em números da balança comercial”, pontuou.

Já representantes da indústria da carne e do setor sucroenergético não esperam avanços nas negociações para ampliar a cota de exportação sem tarifas de carne bovina e açúcar brasileiros ao mercado norte-americano. “Os Estados Unidos tendem a continuar recorrendo à carne brasileira em virtude dos problemas domésticos de oferta, mas a redução de tarifas é pouco provável. O cenário atual já é favorável ao Brasil”, observou fonte do setor exportador. Em 2024, o Brasil exportou 229 mil toneladas de carne bovina aos Estados Unidos, somando US$ 1,35 bilhão em divisas.

Os Estados Unidos são hoje ainda o principal destino do café brasileiro, com 471,539 mil toneladas (7,859 milhões de sacas) exportadas no ano passado. Interlocutores da indústria acreditam que tende a prevalecer a “racionalidade comercial” baseada no pragmatismo e no bom relacionamento entre os traders.

O professor emérito da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues avalia que as demandas de mercado devem prevalecer sobre as questões ideológicas na relação entre os países. “O que importa é o mercado funcionar adequadamente para que a gente continue participando dele também adequadamente”, diz Rodrigues. Para o professor, “pode haver mais protecionismo” em relação aos produtos agropecuários do Brasil. “Mas o Brasil tem de negociar. Nossa diplomacia tem de negociar com parcimônia e competência e estar aberta para todo mundo e para o mundo todo”, ressalta. Na avaliação do ex-ministro, se considerado o primeiro mandato de Trump, os efeitos sobre o agronegócio tendem a incluir a tendência é de maior “desglobalização”, com implicação no enfraquecimento de organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial do Comércio (OMC). “Isso é ruim para todo mundo, inclusive para o Brasil também. Sem organismos multilaterais, não há rumo”, conclui.

 

¨      Desinformar para dominar: a nova ordem mundial. Por Mauro Passos

A democracia está sob fogo cruzado. Sem saber precisar em que momento isso se deu, é uma realidade. Só que agora as ameaças se dão com muito mais frequência e intensidade. Cada semana é uma pedra que colocam no caminho da democracia. Nem sempre dá para desviar, por isso a importância de se estar alerta. O caminho minado faz parte do jogo daqueles que querem ganhar de qualquer jeito. Não vão conseguir por uma razão muito simples: os sonhos não morrem.

Às vezes escrevo por encomenda, mas não é comum. Quando parte de um amigo e o assunto já está sob observação, fica mais fácil abrir uma exceção. O comentário que ora faço nasceu na hora certa de uma demanda desse tipo. O anúncio do magnata Zuckerberg de adesão ao governo Trump estava no forno, pronto para sair. Com um olhar diferenciado do sentimento comum, apontando como mais uma jogada do Zuck do que do Donald. Esses jovens donos das chamadas "big techs", salvo as exceções de sempre, querem visibilidade, dinheiro e poder. Dinheiro eles sabem como fazer, e a visibilidade vem no vácuo.

Para se locupletarem por inteiro, falta o poder constituído, que nos regimes democráticos se dá através do voto. Ao que se saiba, Zuck não tinha apoiado Donald até então. Assim como Musk, também não. A rigor, esse grau de exposição pública de adesão ao governo Trump, de ambos, só se deu agora, na eleição de 2024. Para alguns observadores mais atentos, essa aproximação é uma ameaça à ordem mundial. Os três jogam pesado e não medem as consequências. A desinformação é a carta na manga.

As intempestivas declarações de Trump, antes mesmo de tomar posse, já podem fazer parte desse jogo de tão absurdas que foram. De repente, num rompante inconsequente, Trump ameaça incorporar seus vizinhos ao território americano, se apropriar do Canal do Panamá e tomar conta da Groenlândia. Quem faz política com ética e precisa prestar contas dos seus atos não faz isso; já magnatas fazem. Na cabeça deles, uma sociedade quanto mais desinformada e assustada for, mais enfraquecida ela estará. A dominação passa a ser uma questão de tempo, nada que o dinheiro não resolva.

Sem dúvida, a parceria está feita. Até pode não durar pela difícil relação dos envolvidos com seus egos. No entanto, independentemente do que vier a acontecer com os EUA, os países precisam estar atentos. Os magnatas das "big techs" não querem disputar eleição, dá trabalho. Na lógica deles, é mais fácil comprar os eleitos. Se a legislação dos países criar obstáculos aos seus planos de controle sobre a informação, preparem-se: o jogo é duro e não é para amador. Sem ser alarmista, nessa "nova ordem mundial" de dominação pela informação, a democracia não cabe. Pensem nisso.

 

¨      Trump e a volta do “imperialismo yankee”. Por Luiz Carlos Azedo

Por definição, o imperialismo ocorre quando uma nação promove uma expansão territorial, econômica e/ou cultural sobre outra nação pela força. A colonização da África, da Ásia e da Oceania, que se iniciou na segunda metade do século XIX, representou o auge do imperialismo. Em termos atuais, pode ser empregada no caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, por exemplo. Segundo o historiador Eric Hobsbawm, essa forma de neocolonialismo representou a ocupação de 25% das terras do planeta.

O revolucionário russo Vladimir Lênin, que liderou a Revolução de 1917 e fundou a antiga União Soviética, porém, associava o imperialismo ao estágio monopolista do capitalismo. “Essa definição compreenderia o principal, pois, por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais e, por outro, a partilha do mundo é a transição de uma política colonial que se estendeu sem obstáculos às regiões não apropriadas por nenhuma potência capitalista para uma política colonial de posse monopolista dos territórios da Terra, já inteiramente repartida.”

Com o fim da antiga União Soviética, que havia se transformado de uma força anticolonialista, sobretudo na Ásia e na África, numa potência imperialista na Europa Oriental, essa visão perdeu relevância. Com o fim do colonialismo, a integração das diversas regiões do globo por meio do desenvolvimento dos transportes e das comunicações ultrapassou os modelos nacional-desenvolvimentistas que nela se baseavam, sobretudo a partir de a China adotar o capitalismo de estado e emergir como nova potência econômica mundial.

A globalização “liquefez” a sociedade industrial e elevou a modernização a um novo patamar, com impacto direto no modo de vida de todas as pessoas. Forçou os governos a adotarem políticas de integração à economia mundial para não apenas arcar com as suas consequências mais danosas. No Brasil, a globalização intensificou-se a partir da segunda metade do século XX, com a maior inserção do país no mercado econômico global, sobretudo a partir do governo Collor de Mello, em 1990. A tentativa de retomar um projeto nacional-desenvolvimentista, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, resultou no colapso econômico que a levou ao impeachment, em 2016.

Entretanto, a integração das cadeias produtivas globais e o multilateralismo, que pareciam pautar a globalização, sobretudo a partir da formação da União Europeia, passaram a ser fortemente questionados pelos Estados Unidos, a partir da emergência da China como segunda economia mundial. Quem controlará o comércio global, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico? Esse tipo de disputa entre o Reino Unido e a Alemanha, uma potência marítima e outra continental, foi uma das causas de duas guerras mundiais no século passado.

<><> Era Trump

O velho “imperialismo yankee” parece estar de volta. No seu primeiro mandato, o presidente Donald Trump deu um cavalo de pau na política externa norte-americana em relação á China e ao multilateralismo, estratégia que foi mantida pelo democrata Joe Biden, que deu sequência à reorganização das suas cadeias de produção.

Agora, às vésperas de tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista que vai muito além da “guerra comercial” com a China. Seu America First promove políticas que prioriza a soberania dos EUA e a redução de sua dependência em termos de comércio e manufatura. A OTAN, a ONU e a OMS são estorvos econômicos e políticos. Tratados comerciais como antigos aliados, como a NAFTA, também.

A rivalidade com a China tende a desaguar numa nova corrida armamentista. Trump tudo fará para conter o crescimento da influência tecnológica e econômica chinesa, sobretudo na infraestrutura e nas comunicações. Em contrapartida, tende a se aproximar de líderes autocráticos como Vladimir Putin (Rússia), Kim Jong-un (Coreia do Norte) e Mohammed bin Salman (Arábia Saudita).

Antes mesmo de tomar posse, estressou as relações com a OTAN, com declarações sobre a anexação do Canadá e a compra da Groelândia, ao mesmo tempo em que pressiona os demais países a aumentarem seus gastos com defesa. Trump pretende apoiar a anexação dos territórios Palestinos por Benjamin Netanyahu e forçar uma aproximação de seus aliados árabes com Israel. Ao mesmo tempo, tende a largar de mão o Afeganistão e a Síria.

Sua política em relação à América Latina pode provocar nova crise humanitária, sobretudo no México, com o fechamento da fronteira e a expulsão em massa de imigrantes. As sanções econômicas e políticas contra os regimes da Venezuela, Nicaragua e Cuba serão ampliadas e a ameaça de retomada à força do Canal do Panamá se insere no contexto da disputa com a China pelo controle do comércio do Atlântico com o Pacífico.

A política energética de Trump é uma ameaça ambiental ao planeta, com a exploração doméstica de petróleo e gás por meio da fraturação hidráulica. Os EUA vão se retirar novamente do Acordo de Paris sobre o clima. Tudo isso está associado a um novo complexo tecnológico nas áreas de infraestrutura, comunicações, militar e espacial, num novo ciclo histórico, não apenas conjuntural.

 

Fonte: Jornal do Brasil/Correio Braziliense

 

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