Trump deve acirrar disputa entre Brasil e EUA no agronegócio
O
retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos no próximo dia 20 deve
acentuar a concorrência no agronegócio entre Brasil e Estados Unidos. Trump
volta ao poder com o anúncio de políticas comerciais protecionistas que, por um
lado, podem favorecer o comércio de produtos agropecuários brasileiros a países
importadores, como a China mas, de outro lado, tendem a embaraçar negociações
para ampliações e aberturas de mercados entre os países. Para especialistas em
comércio exterior, representantes de entidades privadas e do governo, ouvidos
pelo Broadcast Agro, o agronegócio brasileiro pode ganhar com as políticas
protecionistas de Trump nas exportações a outros países, mas perder no próprio
comércio com os Estados Unidos.
Nessa
equação, um dos principais fatores é a potencial retomada da guerra comercial
entre Estados Unidos e China. Trump promete aplicar tarifas elevadas sobre
produtos importados pelos Estados Unidos e repetir o conflito com o gigante
asiático – tônica da sua primeira gestão. Em eventual troca de retaliações
entre os países, o Brasil pode se favorecer do redirecionamento da demanda
chinesa de soja e milho, embora em menor grau ao observado na primeira fase da
guerra comercial sino-americana no primeiro mandato de Trump.
A
tendência é o Brasil ocupar mais espaço no fornecimento de grãos ao mercado
asiático, se confirmada uma escalada do conflito comercial sino-americano, pelo
menos no curto prazo. “Hoje exportamos 64% de soja, carne, algodão e milho para
a China, enquanto os Estados Unidos exportam 34%. Portanto, os ganhos não
seriam tão grandes como foram na primeira fase da guerra comercial, mas pode
haver benefícios no curto e médio prazo”, avalia o coordenador do Insper Agro
Global, Marcos Jank. Jank pondera que a China, entretanto, tende a não querer
abrir mão da possibilidade de adquirir soja do Hemisfério Sul e do Hemisfério
Norte em diferentes períodos do ano a preços mais competitivos. “Outra
preocupação a médio prazo seria um eventual acordo de trégua entre os países, o
que faz parte do jogo político de pressão e ameaças do Trump em uma possível
cessão da China”, pontua Jank.
Na
avaliação da diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura
e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori, o Brasil tem condições de ampliar o
fornecimento de alimentos para a China e demais destinos, seja a demanda
adicional gerada por uma guerra comercial ou por questões climáticas adversas.
Mori pondera que a disputa sino-americana pode ser mais crítica em comparação
com a primeira fase. “A composição do governo Trump 2 será diferente do Trump 1
pela situação geopolítica global. Trump volta com maior legitimidade, apoio
político interno e liberdade para, inclusive, intensificar uma guerra comercial
com a China. Por outro lado, a China mantém uma influência geopolítica muito
grande”, observou. “Temos de aguardar a chegada de Trump ao governo para ver as
medidas implementadas e também como o Brasil vai se comportar nesse cenário.
Defendemos o pragmatismo nas relações porque o agronegócio brasileiro vende
para o mundo inteiro”, argumenta Mori.
Já
na relação com o Brasil, além do distanciamento ideológico entre os governos
Trump e Lula – que declarou apoio à democrata Kamala Harris -, a postura de
Trump de maior protecionismo à produção local pode atrapalhar as tratativas
para aberturas e ampliações de mercados entre os países. Diplomatas que atuam
nos Estados Unidos avaliam que a possibilidade de ampliar a cota de carne
bovina (hoje de 65 mil toneladas ao ano) e de açúcar brasileiro (volumes
estipulados por ano) vendidos ao mercado norte-americano dependerão de
contrapartida brasileira – como a redução da tarifa sobre importação de etanol
dos EUA. O Brasil quer também vender mais frutas aos Estados Unidos, como limão
taiti, enquanto os Estados Unidos querem ampliar vendas de vinhos, carnes
premium, peras, cerejas americanas, salmão selvagem e proteína de leite.
Os
Estados Unidos foram o segundo principal destino dos produtos agropecuários
brasileiros no ano passado, com exportações de US$ 12,092 bilhões, respondendo
por 7,4% do total exportado pelo agronegócio no ano. Os embarques concentram-se
em café verde, celulose, carne bovina in natura, suco de laranja e couro,
segundo dados do sistema de estatísticas de comércio exterior do agronegócio
brasileiro. Já o Brasil importou US$ 1,028 bilhão em produtos do agronegócio
dos Estados Unidos no último ano.
Do
lado do governo brasileiro, a intenção é manter as negociações bilaterais em
andamento e a relação comercial “de confiança, a despeito de posições
políticas”, segundo o secretário de Comércio e Relações Internacionais do
Ministério da Agricultura, Luis Rua. “Os Estados Unidos são um importante
parceiro do Brasil também do ponto de vista de investimentos e com um
ecossistema de inovação agropecuária importante. A ideia é manter uma relação
fluida, exportando produtos complementares à pauta, como o café, entre outros,
e aprofundando a relação no que for possível”, afirmou Rua. “Dependendo da
política comercial que for adotada pelo presidente Trump, o Brasil sempre
estará disponível aos demais países do mundo para prover eventuais necessidades
que esses países possam ter em virtude de uma possível escalada protecionista
nos Estados Unidos com reflexo nos produtos exportados pelos norte-americanos”,
acrescentou Rua, em entrevista recente à reportagem.
Para
Jank, o Brasil não é um país que apresenta ameaça à política comercial de
Trump, por ser uma balança comercial geral deficitária para os produtos
brasileiros – em 2024, exportações totais atingiram US$ 40,330 bilhões ante
importações de US$ 40,583 bilhões. “Os americanos vão escolher amigos e
inimigos para as políticas comerciais. Do ponto de vista do Brasil, não há
fatores comerciais que possam afetar as relações bilaterais, pelo contrário, há
potenciais similaridades e contribuições em biocombustíveis e tecnologia
agrícola”, afirmou o professor do Insper. Em contrapartida, Jank vê
possibilidade de maior pressão dos Estados Unidos para a diminuição da tarifa
aplicada sobre o etanol exportado ao Brasil, hoje de 18%. Ele enxerga também
fundamentos de mercado para o Brasil buscar o aumento da cota de carne bovina
exportada aos EUA em virtude da crise na pecuária local.
Para
Mori, da CNA, o interesse do agronegócio brasileiro em ampliar o comércio com os
Estados Unidos continua. “A expectativa é que o pragmatismo seja mantido. Não
há sinalizações de que isso vá mudar. Historicamente, já vimos outros momentos
de desgaste entre governos e ausência de impactos em números da balança
comercial”, pontuou.
Já
representantes da indústria da carne e do setor sucroenergético não esperam
avanços nas negociações para ampliar a cota de exportação sem tarifas de carne
bovina e açúcar brasileiros ao mercado norte-americano. “Os Estados Unidos
tendem a continuar recorrendo à carne brasileira em virtude dos problemas
domésticos de oferta, mas a redução de tarifas é pouco provável. O cenário
atual já é favorável ao Brasil”, observou fonte do setor exportador. Em 2024, o
Brasil exportou 229 mil toneladas de carne bovina aos Estados Unidos, somando
US$ 1,35 bilhão em divisas.
Os
Estados Unidos são hoje ainda o principal destino do café brasileiro, com
471,539 mil toneladas (7,859 milhões de sacas) exportadas no ano passado.
Interlocutores da indústria acreditam que tende a prevalecer a “racionalidade
comercial” baseada no pragmatismo e no bom relacionamento entre os traders.
O
professor emérito da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Agricultura
Roberto Rodrigues avalia que as demandas de mercado devem prevalecer sobre as questões
ideológicas na relação entre os países. “O que importa é o mercado funcionar
adequadamente para que a gente continue participando dele também
adequadamente”, diz Rodrigues. Para o professor, “pode haver mais
protecionismo” em relação aos produtos agropecuários do Brasil. “Mas o Brasil
tem de negociar. Nossa diplomacia tem de negociar com parcimônia e competência
e estar aberta para todo mundo e para o mundo todo”, ressalta. Na avaliação do
ex-ministro, se considerado o primeiro mandato de Trump, os efeitos sobre o
agronegócio tendem a incluir a tendência é de maior “desglobalização”, com
implicação no enfraquecimento de organizações multilaterais, como a Organização
das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial do Comércio (OMC). “Isso é ruim
para todo mundo, inclusive para o Brasil também. Sem organismos multilaterais,
não há rumo”, conclui.
¨ Desinformar
para dominar: a nova ordem mundial. Por Mauro Passos
A democracia está sob fogo cruzado. Sem saber precisar em que momento
isso se deu, é uma realidade. Só que agora as ameaças se dão com muito mais
frequência e intensidade. Cada semana é uma pedra que colocam no caminho da
democracia. Nem sempre dá para desviar, por isso a importância de se estar
alerta. O caminho minado faz parte do jogo daqueles que querem ganhar de
qualquer jeito. Não vão conseguir por uma razão muito simples: os sonhos não
morrem.
Às vezes escrevo por encomenda, mas não é comum. Quando parte de um
amigo e o assunto já está sob observação, fica mais fácil abrir uma exceção. O
comentário que ora faço nasceu na hora certa de uma demanda desse tipo. O
anúncio do magnata Zuckerberg de adesão ao governo Trump estava no forno,
pronto para sair. Com um olhar diferenciado do sentimento comum, apontando como
mais uma jogada do Zuck do que do Donald. Esses jovens donos das chamadas
"big techs", salvo as exceções de sempre, querem visibilidade,
dinheiro e poder. Dinheiro eles sabem como fazer, e a visibilidade vem no
vácuo.
Para se locupletarem por inteiro, falta o poder constituído, que nos regimes
democráticos se dá através do voto. Ao que se saiba, Zuck não tinha apoiado
Donald até então. Assim como Musk, também não. A rigor, esse grau de exposição
pública de adesão ao governo Trump, de ambos, só se deu agora, na eleição de
2024. Para alguns observadores mais atentos, essa aproximação é uma ameaça à
ordem mundial. Os três jogam pesado e não medem as consequências. A
desinformação é a carta na manga.
As intempestivas declarações de Trump, antes mesmo de tomar posse, já
podem fazer parte desse jogo de tão absurdas que foram. De repente, num
rompante inconsequente, Trump ameaça incorporar seus vizinhos ao território
americano, se apropriar do Canal do Panamá e tomar conta da Groenlândia. Quem
faz política com ética e precisa prestar contas dos seus atos não faz isso; já
magnatas fazem. Na cabeça deles, uma sociedade quanto mais desinformada e
assustada for, mais enfraquecida ela estará. A dominação passa a ser uma
questão de tempo, nada que o dinheiro não resolva.
Sem dúvida, a parceria está feita. Até pode não durar pela difícil
relação dos envolvidos com seus egos. No entanto, independentemente do que vier
a acontecer com os EUA, os países precisam estar atentos. Os magnatas das
"big techs" não querem disputar eleição, dá trabalho. Na lógica deles,
é mais fácil comprar os eleitos. Se a legislação dos países criar obstáculos
aos seus planos de controle sobre a informação, preparem-se: o jogo é duro e
não é para amador. Sem ser alarmista, nessa "nova ordem mundial" de
dominação pela informação, a democracia não cabe. Pensem nisso.
¨ Trump e a volta do “imperialismo yankee”. Por Luiz Carlos
Azedo
Por definição, o imperialismo ocorre quando uma nação promove uma
expansão territorial, econômica e/ou cultural sobre outra nação pela força. A
colonização da África, da Ásia e da Oceania, que se iniciou na segunda metade
do século XIX, representou o auge do imperialismo. Em termos atuais, pode ser
empregada no caso da invasão da Ucrânia pela Rússia, por exemplo. Segundo o
historiador Eric Hobsbawm, essa forma de neocolonialismo representou a ocupação
de 25% das terras do planeta.
O revolucionário russo Vladimir Lênin, que liderou a Revolução de 1917 e
fundou a antiga União Soviética, porém, associava o imperialismo ao estágio
monopolista do capitalismo. “Essa definição compreenderia o principal, pois,
por um lado, o capital financeiro é o capital bancário de alguns grandes bancos
monopolistas fundido com o capital das associações monopolistas de industriais
e, por outro, a partilha do mundo é a transição de uma política colonial que se
estendeu sem obstáculos às regiões não apropriadas por nenhuma potência
capitalista para uma política colonial de posse monopolista dos territórios da
Terra, já inteiramente repartida.”
Com o fim da antiga União Soviética, que havia se transformado de uma
força anticolonialista, sobretudo na Ásia e na África, numa potência
imperialista na Europa Oriental, essa visão perdeu relevância. Com o fim do
colonialismo, a integração das diversas regiões do globo por meio do
desenvolvimento dos transportes e das comunicações ultrapassou os modelos
nacional-desenvolvimentistas que nela se baseavam, sobretudo a partir de a
China adotar o capitalismo de estado e emergir como nova potência econômica
mundial.
A globalização “liquefez” a sociedade industrial e elevou a modernização
a um novo patamar, com impacto direto no modo de vida de todas as pessoas.
Forçou os governos a adotarem políticas de integração à economia mundial para
não apenas arcar com as suas consequências mais danosas. No Brasil, a
globalização intensificou-se a partir da segunda metade do século XX, com a
maior inserção do país no mercado econômico global, sobretudo a partir do
governo Collor de Mello, em 1990. A tentativa de retomar um projeto
nacional-desenvolvimentista, durante o governo da presidente Dilma Rousseff,
resultou no colapso econômico que a levou ao impeachment, em 2016.
Entretanto, a integração das cadeias produtivas globais e o
multilateralismo, que pareciam pautar a globalização, sobretudo a partir da
formação da União Europeia, passaram a ser fortemente questionados pelos
Estados Unidos, a partir da emergência da China como segunda economia mundial.
Quem controlará o comércio global, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o
Pacífico? Esse tipo de disputa entre o Reino Unido e a Alemanha, uma potência
marítima e outra continental, foi uma das causas de duas guerras mundiais no
século passado.
<><> Era Trump
O velho “imperialismo yankee” parece estar de volta. No seu primeiro
mandato, o presidente Donald Trump deu um cavalo de pau na política externa
norte-americana em relação á China e ao multilateralismo, estratégia que foi
mantida pelo democrata Joe Biden, que deu sequência à reorganização das suas
cadeias de produção.
Agora, às vésperas de tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão
geopolítica expansionista que vai muito além da “guerra comercial” com a China.
Seu America First promove políticas que prioriza a soberania dos EUA e a
redução de sua dependência em termos de comércio e manufatura. A OTAN, a ONU e
a OMS são estorvos econômicos e políticos. Tratados comerciais como antigos
aliados, como a NAFTA, também.
A rivalidade com a China tende a desaguar numa nova corrida
armamentista. Trump tudo fará para conter o crescimento da influência
tecnológica e econômica chinesa, sobretudo na infraestrutura e nas
comunicações. Em contrapartida, tende a se aproximar de líderes autocráticos
como Vladimir Putin (Rússia), Kim Jong-un (Coreia do Norte) e Mohammed bin
Salman (Arábia Saudita).
Antes mesmo de tomar posse, estressou as relações com a OTAN, com
declarações sobre a anexação do Canadá e a compra da Groelândia, ao mesmo tempo
em que pressiona os demais países a aumentarem seus gastos com defesa. Trump
pretende apoiar a anexação dos territórios Palestinos por Benjamin Netanyahu e
forçar uma aproximação de seus aliados árabes com Israel. Ao mesmo tempo, tende
a largar de mão o Afeganistão e a Síria.
Sua política em relação à América Latina pode provocar nova crise
humanitária, sobretudo no México, com o fechamento da fronteira e a expulsão em
massa de imigrantes. As sanções econômicas e políticas contra os regimes da
Venezuela, Nicaragua e Cuba serão ampliadas e a ameaça de retomada à força do
Canal do Panamá se insere no contexto da disputa com a China pelo controle do
comércio do Atlântico com o Pacífico.
A política energética de Trump é uma ameaça ambiental ao planeta, com a
exploração doméstica de petróleo e gás por meio da fraturação hidráulica. Os
EUA vão se retirar novamente do Acordo de Paris sobre o clima. Tudo isso está
associado a um novo complexo tecnológico nas áreas de infraestrutura,
comunicações, militar e espacial, num novo ciclo histórico, não apenas
conjuntural.
Fonte:
Jornal do Brasil/Correio Braziliense
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